A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO ELETRÔNICO: ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

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A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO COMÉRCIO ELETRÔNICO: ANÁLISE DA EFETIVIDADE DA
LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Manoela Silvestre Fernandes[1]

RESUMO: O presente estudo tem como viés a análise da proteção do consumidor
em um dos módulos de comércio que mais vêm crescendo no mundo: o comércio
eletrônico. Através de uma análise do ordenamento jurídico brasileiro, em
suas leis, jurisprudências e princípios, a efetividade da proteção do
consumidor nas relações de consumo via internet será estudada a fim de
garantir se este meio de comércio é tão seguro quanto o comum, realizado de
forma presencial. Para tanto foi utilizado o método dedutivo de abordagem e
o método bibliográfico-documental de procedimento. A pesquisa foi, quanto
ao nível de profundidade, do tipo exploratória e, quanto ao tipo de
abordagem, qualitativa.
Palavras-chaves: Comércio Eletrônico. Proteção ao Consumidor. Legislação
brasileira.

ABSTRACT: This study analyzes one of trade modules of market that have
been growing more in the world: e-commerce. Through an analysis of
Brazilian law, in its laws, jurisprudence and principles, the effectiveness
of consumer protection in online relations was analyzed in order to ensure
whether this means of trade is as safe as an usual commerce, carried out in
order presential. For this we used the deductive method of approach and the
bibliographic and documentary method of procedure.
Keywords: E-commerce. Consumer protection. Brazilian Legislation


1 INTRODUÇÃO

O Código de Defesa do Consumidor deve ser entendido como uma lei de
ordem pública, que estabelece direitos e obrigações entre consumidores e
fornecedores. Tem o referido Código, como objetivo principal, garantir um
equilíbrio nas relações de consumo, garantindo, sempre que possível, a
proteção do consumidor através da proibição ou da limitação das práticas
abusivas do mercado. O presente estudo tem como viés a análise desta
proteção em um dos módulos de comércio que mais vêm crescendo no mundo: o
comércio eletrônico.
O comércio, como atividade de intermediação entre o produtor e o
consumidor, cria ou ajuda a criar novos caminhos. A origem histórica e
remota do comércio eletrônico está ligada à troca. Efetivamente, numa fase
primitiva da civilização, predominava a troca ou permuta de objetos.
A princípio, foram utilizadas cabeças de gado (pecus, dando origem
à palavra "pecúnia"); posteriormente, as pedras e metais preciosos. Quando
estes começaram a ser cunhados com o seu peso, tendo valor determinado,
surgiu a morda e, com ela, a compra e venda e o comércio em geral.
No final do século XX, o comércio ajudou a traçar uma nova e
extensa via, a Internet, caminho virtual em que pessoas de partes distantes
do mundo encontravam-se. Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2014), sua precursora
foi a ARPANet (Advance Research Projects), que em 1969, interligou o
Departamento de Defesa norte-americano a universidades e organismos
militares. Sua origem, todavia, é ligada aos anos 1970, quando o
Interneting Project padronizou o sistema de transmissão de dados e criou os
protocolos de Internet (IP).
No ano de 1989, o físico Berners-Lee propôs o sistema de
hipertextos, criando as condições para a troca de quaisquer informações
disponíveis nos computadores de todo o mundo. Foi, contudo, em 1993, com o
advento da World Wide Web (www) que o acesso à rede universalizou-se
(COELHO, 2014).
A Internet no Brasil surgiu no ano de 1991, com o advento da RNP
(Rede Nacional de Pesquisa), um sistema acadêmico precário ligado ao MCT
(Ministério de Ciência e Tecnologia), com o intuito de conectar a pesquisa
entre universidades e laboratórios do país. (MENDES, 2015).
Em 1994, a EMBRATEL lançou o acesso online de forma experimental.
Somente no ano seguinte que se deu a liberação para o setor privado ter
acesso à Internet, para estudar como explorar comercialmente os seus
benefícios. Essa liberação, passados 20 anos, mostra um cenário bem
diferente.
Desde que entrou ao alcance dos brasileiros, a internet vem
promovendo significativas transformações no cotidiano de pessoas e
empresas. Ao longo de quase duas décadas ela não parou de agregar novas
funcionalidades e sua chegada ao país proporcionou o surgimento de diversos
novos mercados. Um deles, o comércio eletrônico ou e-commerce, é um mercado
que hoje movimenta cifras bilionárias e registra a abertura de novos
negócios a cada dia. (INTERNET INNOVATION, 2012).
Cada vez mais consumidores e fornecedores se rendem à comodidade de
fazer negócios via internet. E apesar de ainda existirem preocupações
relacionadas à segurança das transações online, muitos usuários afirmam
utilizar as lojas virtuais como recurso para fazer pesquisas de preço.
Os indicadores mais atualizados confirmam que o país está em um
momento de expansão no setor. Dados de navegação ratificam que quanto mais
pessoas têm acesso à internet, maior também é o número dos chamados e-
clientes. Isso devido ao conforto proporcionado aos consumidores, que podem
escolher e comparar preços de produtos e serviços na Internet, podendo
concluir a compra em casa ou no trabalho.
Todavia, com o crescimento no número de transações realizadas no
meio eletrônico, também há o aumento nos golpes e inconvenientes para os
consumidores: falsos sites de vendas, que saem do ar do dia para noite,
lesando clientes que já pagaram pelas compras; atrasos na entrega; produtos
que não correspondem ao que foi anunciado e adquirido, falta de itens para
atender o consumidor.
Lesionados, muitos consumidores recorrem ao Judiciário para buscar
reparação pelos danos sofridos. A legislação brasileira específica sobre o
comércio eletrônico somente foi promulgada em 2013 (Decreto nº 7.652 de 15
de março de 2013) e, apesar de representar um grande avanço, muitos
doutrinadores argumentam que a lei é omissa em certos pontos, tendo que
muitos casos serem resolvidos com amparo na jurisprudência, analogia e
costumes.
Diante do exposto e do propósito desta pesquisa, questiona-se: qual
a efetividade da legislação brasileira no que tange a proteção do
consumidor no comércio eletrônico?
A importância do estudo decorre da circunstância de a autora
procurar uma abordagem inovadora a um tema polêmico e atual, buscando
suprir uma lacuna na literatura brasileira, chamando a atenção para a
reavaliação necessária de temas clássicos do Direito do Consumidor e
Empresarial e sua aplicação diante de um dos ramos do comércio mais
utilizado hoje: o eletrônico.
Do ponto de vista acadêmico, justifica-se também por permitir um
melhor entendimento sobre questões de e-commerce, contratos eletrônicos,
relações de consumo no meio eletrônico - temas reflexos do Direito
Empresarial e Civil que possuem tantas particularidades e que, no entanto,
não apresentam um número significativo de estudos e pesquisas dentro do
ambiente acadêmico brasileiro.

2 A RELAÇÃO DE CONSUMO E A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR

No presente capítulo, será abordado a evolução histórica da
legislação protecionista do consumidor no Brasil, além de apresentação dos
conceitos basilares para o reconhecimento da relação jurídica de consumo.
Apresentar-se-á também os princípios inerentes à proteção do consumidor,
bem como sua explicação com base na doutrina, jurisprudência e legislação
brasileira.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR NO BRASIL

Remontar as origens históricas do Direito do Consumidor torna-se
imprescindível para a exata compreensão dos contornos juscivilísticos da
contemporaneidade. (VIEGAS; ALMEIDA, 2011).
O amparo jurídico da proteção ao consumidor tem como pré-requisitos
as mudanças no sistema de produção, que deram origem à indústria moderna e
ao processo de concentração econômica que se iniciou no final do século XIX
e se ampliou no decorrer do século XX (MARAN, 2004).
Com a revolução industrial, houve intensa explosão demográfica,
provocando enorme desenvolvimento das relações econômicas, produção e
consumo em massa, que levaram aos Estados o dever de criar legislações de
proteção ao consumidor.
Há autores que identificam três fases relativas à evolução da
proteção ao consumidor no mundo. Newton de Lucca (2008, p. 47-48 apud
VIEGAS; ALMEIDA, 2011) assim nos ensina:

Na primeira delas, ocorrida após a 2ª Grande Guerra, de
caráter incipiente, na qual ainda não se distinguiam os
interesses dos fornecedores e consumidores, havendo apenas
uma preocupação com o preço, a informação e a rotulação
adequada dos produtos.
Na segunda fase, já se questionava com firmeza a atitude
de menoscabo que as grandes empresas e as multinacionais
tinham em relação aos consumidores, sobressaindo-se, na
época a figura do advogado americano Ralph Nader.
Finalmente, na terceira fase, correspondente aos dias
atuais, de mais amplo espectro filosófico - marcada por
consciência ética mais clara da ecologia e da cidadania –
interroga-se sobre o destino da humanidade, conduzido pelo
torvelinho de uma tecnologia absolutamente triunfante e
pelo consumismo exagerado, desastrado e trêfego, que põe
em risco a própria morada do homem.


Conforme Viegas e Almeida (2011), costuma ser apontado como marco
inicial da tendência à proteção aos consumidores no mundo, a famosa
mensagem do então Presidente norte-americano, John F. Kennedy, em 15 de
março de 1962, dirigida ao Parlamento, consagrando determinados direitos
fundamentais do consumidor, quais sejam: o direito à segurança, à
informação, à escolha e a ser ouvido, seguindo-se, a partir daí, um amplo
movimento mundial em favor da defesa do consumidor.
No Brasil, Maran (2004) afirma que a ideia de proteção do consumidor
existia desde a época do Império, mesmo sem que alguma legislação
específica sobre o tema fosse criada, pois juízes já reconheciam a
vulnerabilidade do consumidor de bens. Somente com a Constituição de 1934
(art. 115 e 117) surgiu, pela primeira vez, normas constitucionais de cunho
protetivo à economia popular.
Maran (2004) destaca outras legislações posteriores que confirmaram a
ideia de proteção do consumidor: a Lei de Repressão ao Abuso do Poder
Econômico nº 4.137 de 1962, que cria o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE); a Lei nº 7.247 de 1985 que disciplina a ação civil
pública de responsabilidade por danos causados ao consumidor e; a Lei nº
7.492 de 1986, que punia os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, os
chamados "crimes do colarinho branco".
Todavia, a vitória mais importante neste campo foi a promulgação da
Constituição Federal de 1988 que, inspirada pelas legislações prévias,
estabeleceu em nível constitucional, tratamento protetivo direto e efetivo
ao consumidor.
Em 1990 foi promulgado a Lei 8.078/90, o Código de Defesa do
Consumidor (CDC) que cria um "microssistema jurídico", elencando normas,
princípios epistemológicos e instrumentos adequados para a proteção do
consumidor (MARAN, 2004, p. 61).
De acordo com Garcia (2014, p. 1169, grifo do autor):

É importante destacar que a Constituição determinou a
elaboração de um código de defesa do consumidor, e não de
um mero código de relações de consumo. Isso significa que
o código deveria trazer (e trouxe!) normas que tomam
partido em favor do consumidor, tratando-o de maneira
especial, com vantagens e prerrogativas maiores do que as
do fornecedor, tudo com vistas a deixar mais equilibrada a
relação jurídica entre os dois.

Para identificarmos quais as relações submetidas à proteção do CDC, é
necessário ter uma visão clara do campo de aplicação desta lei e seus
princípios subjacentes. A relação de consumo, tal como pode se concluir das
definições trazidas pelo CDC, configura o objeto da legislação
protecionista do consumidor. Tais conceitos serão apresentados a seguir.




2.2 RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO: CONCEITOS

Para que se aplique o Código de Defesa do Consumidor, é fundamental
que se configure uma relação de consumo ou alguma hipótese em que o CDC
equipare certas pessoas a consumidor e fornecedor.
Segundo Garcia (2014), para a configuração de uma relação de consumo,
são necessários três elementos: a) elementos subjetivos (a existência de um
consumidor e de um fornecedor); b) elementos objetivos (a existência de um
produto ou serviço) e; c) elemento finalístico (a aquisição ou utilização
de produto ou serviço como destinatário final).
Esses elementos serão abordados nos itens que seguem.

2.2.1 Elementos Subjetivos

Como abordado previamente, a relação de consumo somente se
materializa quanto ao elemento subjetivo se, num dado caso concreto,
estiver presente um consumidor e um fornecedor.
O conceito de consumidor é definido pelo artigo 2o do Código de
Defesa do Consumidor, como sendo "[...] toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.".
Segundo Marques (2011, p. 302), consumidor é o não-profissional que
retira da cadeia de fornecimento (produção, financiamento e distribuição) o
produto ou serviço em posição estruturalmente mais fraca. É o agente
vulnerável do mercado de consumo, sendo destinatário final econômico dos
produtos ou serviços oferecidos pelos fornecedores.
Observa-se, portanto, que o conceito de consumidor adotado pelo
Código foi exclusivamente de caráter econômico, isto é, levou em
consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire
bens ou contrata serviços como destinatário final, pressupondo-se que assim
age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o
desenvolvimento de uma outra atividade negocial. (GRINOVER et al., 2011).
Importante frisar o conceito de "consumidor por equiparação",
apresentado no parágrafo único do art. 2º do CDC. Assim, é equiparada a
consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo ou expostas às práticas comerciais de
oferta, publicidade, práticas abusivas e cadastros de consumidores.
Já fornecedor é definido no art. 3o do mesmo código legal, em termos
amplos, de forma a não deixar de fora quem, com sua atividade,
disponibilize no mercado de consumo, produtos ou serviços mediante
pagamento:

Art. 3o. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica,
pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de
produção, montagem, criação, construção, transformação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 1990).

Percebe-se que o conceito de fornecedor é propositadamente amplo, de
modo a incluir qualquer pessoa, natural ou jurídica, até entes
despersonalizados. Segundo Braga Netto (2013), para que tenhamos a figura
do fornecedor, não é necessário que a pessoa jurídica estrangeira tenha
filial instalada no Brasil. Mesmo que não a tenha, ela poderá ser
considerada fornecedora. Mister dizer que, em se tratando de produto
importado, o importador também é considerado fornecedor presumido e pode
ser responsabilizado objetivamente pelos danos.
Braga Netto (2013) alerta para a importância, ainda que implícita, da
habitualidade. Sem a habitualidade no desempenho da atividade, dificilmente
teremos configurada a figura do fornecedor. Por exemplo, não deve ser
considerado um fornecedor um escritório de advocacia, que pretendendo
reformar o ambiente de trabalho, põe à venda seus móveis antigos. Será,
portanto, uma relação civil de compra e venda. Diferente, no entanto, seria
se os móveis fossem adquiridos em loja que os comercializa, porquanto a
habitualidade configura-se presente neste caso.
Ainda, é necessário destacar que as pessoas jurídicas de direito
público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias,
fundações públicas, agências reguladoras e associações públicas) também
podem ser fornecedoras. Tal situação não é muito comum, pois tais pessoas
costumam celebrar contratos regidos pelo direito público e não pelo direito
privado. Todavia, em situações excepcionais, pode-se configurar uma relação
de consumo com a presença de uma pessoa jurídica de direito público, como é
o caso da prestação de serviço de reprografia por parte de uma repartição
pública, situação em que se aplicará o CDC e não uma norma de direito
público (GARCIA, 2014).
No que respeita a pessoa física, tem-se, em primeiro lugar, a figura
do profissional liberal como prestador de serviço e que não escapou da
égide do CDC. Apesar da proteção recebida pelo Código[2], não há dúvida de
que o profissional liberal é também considerado um fornecedor, eis que
prestador de serviços.
Abordar-se-á no próximo subcapítulo os elementos objetivos.

2.2.2 Elementos Objetivos

A relação de consumo somente se concretiza, quanto ao elemento
objetivo, se estiver presente um produto ou serviço a ser negociado entre o
consumidor e o fornecedor.
O produto é, segundo definição legal, qualquer bem, móvel ou imóvel,
material ou imaterial (art. 3º, § 1º, do CDC).
No que respeita ao aspecto da materialidade ou imaterialidade do
produto, o conceito é o mesmo da legislação civil. Mas, por canta do fato
de o CDC ter definido produto como imaterial, é de perguntar que tipo de
bem é esse que poderia ser oferecido no mercado de consumo. Segundo Neves
(2015), a preocupação da lei é garantir que a relação jurídica de consumo
esteja assegurada para toda e qualquer compra e venda realizada. Por isso,
o legislador fixou conceitos os mais genéricos possíveis, com a pretensão
que nada lhe escape. Assim, a designação "produto" deve ser utilizada, por
exemplo, nas atividades bancárias (ex. mútuo, aplicação em renda fixa,
caução de títulos etc.). Tais "produtos" encaixam-se, então, na definição
de imateriais.
Já o serviço é definido no § 2° do art. 3º do CDC, como "qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive
as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as
decorrentes das relações de caráter trabalhista." (BRASIL, 1990).
Importante destacar que para que se tenha um serviço regido pelo
CDC, deve-se tratar de uma atividade fornecida no mercado de consumo, isto
é, que envolva oferta ao mercado, produção em série, oferecimento ao
público, ofertas em veículos de comunicação etc. (GARCIA, 2014).
Ainda, Garcia (2014) ressalta que, para que se tenha um serviço
regido pelo CDC, deve-se tratar de um serviço prestado mediante
remuneração. Assim, serviços puramente gratuitos, como os prestados por
entidade assistencial, não são considerados serviços para efeito de
aplicação do Código de Defesa do Consumidor.


2.2.3 Elemento Finalístico

Por fim, para a caracterização de uma relação de consumo, é
necessário o elemento finalístico, qual seja, que o consumidor adquira ou
utilize produtos ou serviço como destinatário final.
Essa, segundo Braga Netto (2013, p. 115), é a necessidade, legalmente
imposta, de que a aquisição do produto ou a fruição do serviço não ocorra
com fins profissionais. Assim, a "aquisição de bens ou a utilização de
serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou
incrementar a sua atividade negociai, não se reputa como relação de consumo
e, sim, como uma atividade de consumo intermediária" (STJ, REsp. 541.867,
Rei. Min. Barros Monteiro, 2ª Seção, p. DJU 16/05/05).
Porém, Braga Netto (2013) ressalta que não são absolutas tais
restrições. Conforme o autor, a jurisprudência tem eventualmente
flexibilizado a restrição acima referida, com vistas a preservar a
teleologia do CDC. Usando como exemplo, se uma pequena empresa adquire um
produto de um sólido grupo econômico, ainda que visando, com tal aquisição,
lucro, nada impede que se reconheça, no caso concreto, a incidência do CDC,
máxime se a compradora está atuando fora de seu campo ordinário de
negócios.

2.3 PRINCÍPIOS INERENTES ÀS RELAÇÕES DE CONSUMO

O princípio funciona como uma referência para quem irá interpretar a
norma. O jurista no exame de algum problema jurídico, por mais banal que
este venha a ser, preliminarmente será analisada o nível dos grandes
princípios, para verificar em que direção eles apontam.
Segundo Nunes (2008), os princípios constitucionais são verdadeiras
vigas mestras, alicerces sobre os quais se constrói o sistema jurídico.
Assim, devem ser estritamente obedecidas, sob pena de todo o ordenamento
jurídico se corromper. Neste caminhar, convém aconselhar-se da admirável
lição de Celso Antonio Bandeira de Melo (1994, p. 451 apud SILVA, 2014, p.
13):

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa
não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a
todo o sistema de comando. É a mais grave forma de
ilegalidade ou inconstitucionalidade. Conforme o escalão
do princípio atingido, pode representar insurgência contra
todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais,
contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão
da estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se
as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas
esforçada.

Os princípios, portanto, cumprem uma função importantíssima frente ao
ordenamento jurídico, já que dirigem, condicionam e clareiam a explanação
das normas jurídicas em geral. Por outro lado, embora os princípios e as
normas tenham o mesmo esqueleto lógico, aqueles têm maior eficácia
incontestável do que estas. Em que são, normas qualificadas, que ocupam
posição de destaque no mundo jurídico, orientando e condicionando a
aplicação de todas as demais normas.

2.3.1 Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor

A vulnerabilidade do consumidor fundamenta o sistema de
consumo. E em razão dela que foi editado o CDC, que busca retomar o
equilíbrio a essa relação frequentemente desigual entre consumidor e
fornecedor. O princípio pode ser encontrado no art. 4o, I do Código de
Defesa do Consumidor (BRAGA NETTO, 2013).
Segundo Bolzan (2014, p. 164), coloca -se tal princípio numa posição
inaugural da Lei n. 8.078/90, "que é considerada uma lei principiológica, e
este enquadramento não poderia ser diferente". Assim, com a constatação de
que a relação de consumo é extremamente desigual, imprescindível foi buscar
instrumentos jurídicos para tentar reequilibrar os negócios firmados entre
consumidor e fornecedor, sendo o reconhecimento da presunção de
vulnerabilidade do consumidor o princípio norteador da igualdade material
entre os sujeitos do mercado de consumo.
O CDC, portanto, traz a presunção absoluta da vulnerabilidade do
consumidor. Vulnerabilidade esta que pode ser verificada em dois aspectos:
um de ordem técnica e outro de cunho económico. Segundo Nunes (2015, p.
202):


O primeiro está ligado aos meios de produção, cujo
conhecimento é monopólio do fornecedor. E quando se fala
em meios de produção não se está apenas referindo aos
aspectos técnicos e administrativos para a fabricação; ao
de produtos e prestação de serviços que o fornecedor
detém, mas também ao elemento fundamental da decisão: é o
fomecedor que escolhe o que, quando e de que maneira
produzir, de sorte que o consumidor está a mercê daquilo
que é produzido. É por isso que, quando se fala em
"escolha" do consumidor, ela já nasce reduzida. O
consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi
oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida
unilateralmente pelo fornecedor, visando seus interesses
empresariais, que são, por evidente, a obtenção de lucro.
O segundo aspecto, o econômico, diz respeito a maior
capacidade econômica que, via de regra, o fornecedor tem
em relação ao consumidor. É fato que haverá consumidores
individuais com boa capacidade econômica e as vezes até
superior a de pequenos fornecedores. Mas essa é a exceção
da regra geral.


Assim, todo consumidor é sempre vulnerável, característica
intrínseca à própria condição de destinatário final do produto ou serviço,
mas nem sempre será hipossuficiente, como se verá a seguir.
Dessa forma, enquadrando-se a pessoa como consumidora, fará jus aos
benefícios previstos no CDC, por conta da sua vulnerabilidade. Assim, pode-
se dizer que a vulnerabilidade é elemento posto da relação de consumo e não
um elemento pressuposto, em regra.


2.3.2 Princípio da Hipossuficiência do consumidor

Ao contrário do que ocorre com a vulnerabilidade, a hipossuficiência
é um conceito fático e não jurídico, fundado em uma discrepância notada no
caso concreto. Assim sendo, todo consumidor é vulnerável, mas nem todo
consumidor é hipossuficiente. Logicamente, o significado de
hipossuficiência não pode, de maneira alguma, ser analisado de maneira
restrita, dentro apenas de um conceito de disparidade econômica, financeira
ou política.
A hipossuficiência, conforme ensinam Tartuce e Neves (2014), pode ser
técnica, pelo desconhecimento em relação ao produto ou serviço adquirido,
sendo essa a sua natureza perceptível na maioria dos casos.
Nessa linha, aponta Lisboa (apud TARTUCE; NEVES, 2004, p. 41):

O reconhecimento judicial da hipossuficiência deve ser
feito, destarte, à luz da situação socioeconômica do
consumidor perante o fornecedor (hipossuficiência fática).
Todavia, a hipossuficiência fática não é a única
modalidade contemplada na noção de hipossuficiência, à luz
do art. 4º da Lei de Introdução. Também caracteriza
hipossuficiência a situação jurídica que impede o
consumidor de obter a prova que se tornaria indispensável
para responsabilizar o fornecedor pelo dano verificado
(hipossuficiência técnica). Explica-se. Muitas vezes o
consumidor não tem como demonstrar o nexo de causalidade
para a fixação da responsabilidade do fornecedor, já que
este é quem possui a integralidade das informações e o
conhecimento técnico do produto ou serviço defeituoso.

Desse modo, o conceito de hipossuficiência vai além do sentido
literal das expressões "pobre" ou "sem recursos", aplicáveis nos casos de
concessão dos benefícios da justiça gratuita, no campo processual. O
conceito de hipossuficiência consumerista, segundo Tartuce e Neves (2014),
é mais amplo, devendo ser apreciado pelo aplicador do direito em cada caso,
no sentido de reconhecer a disparidade técnica ou informacional, diante de
uma situação de desconhecimento.
Acerca do tema, interessante a leitura da seguinte jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, em que a questão é debatida para a devida
inversão do ônus da prova:

Direito Processual Civil. Recurso especial. Ação de
indenização por danos morais e materiais. Ocorrência de
saques indevidos de numerário depositado em conta
poupança. Inversão do ônus da prova. Art. 6º, VIII, do
CDC. Possibilidade. Hipossuficiência técnica reconhecida.
O art. 6º, VIII, do CDC, com vistas a garantir o pleno
exercício do direito de defesa do consumidor, estabelece
que a inversão do ônus da prova será deferida quando a
alegação por ele apresentada seja verossímil, ou quando
constatada a sua hipossuficiência. Na hipótese,
reconhecida a hipossuficiência técnica do consumidor, em
ação que versa sobre a realização de saques não
autorizados em contas bancárias, mostra-se imperiosa a
inversão do ônus probatório. Diante da necessidade de
permitir ao recorrido a produção de eventuais provas
capazes de ilidir a pretensão indenizatória do consumidor,
deverão ser remetidos os autos à instância inicial, a fim
de que oportunamente seja prolatada uma nova sentença.
Recurso especial provido para determinar a inversão do
ônus da prova na espécie (STJ – REsp 915.599/SP – Terceira
Turma – Rel. Min. Nancy Andrighi – j. 21.08.2008 – DJe
05.09.2008).

Portanto, decorrência direta da hipossuficiência é o direito à
inversão do ônus da prova a favor do consumidor, nos termos do art. 6º,
VIII, do CDC, que reconhece como um dos direitos básicos do consumidor "a
facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências".

2.3.3 Princípio da Boa-Fé Objetiva

Braga Netto (2013, p. 70) conceitua a boa-fé objetiva como "o dever,
imposto a quem quer que tome parte em relação negociai, de agir com
lealdade e cooperação, abstendo-se de condutas que possam esvaziar as
legítimas expectativas da outra parte". Desse dever, segundo o autor,
decorrem múltiplos anexos, deveres de conduta que impõem às partes, ainda
na ausência de previsão legal ou contratual, o dever de agir lealmente em
todos os momentos da relação de consumo: antes, durante e até mesmo após o
vínculo criado.
Assim, a grosso modo, o princípio da boa-fé deve ser entendido como
sendo urna regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme
certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o
equilíbrio nas relações de consumo.
Nunes (2015) alerta que a boa-fé deve atender o equilíbrio das
posições contratuais e não o equilíbrio econômico, uma vez que, dentro do
complexo de direitos e deveres das partes nas relações de consumo, como
regra, há um desequilíbrio de forças. Conforme o autor: "Daí que, para
chegar a um equilíbrio real, o intérprete deve fazer urna análise global do
contrato, de urna cláusula em relação as demais, pois o que pode ser
abusivo ou exagerado para um não o será para outro". (NUNES, 2015, p. 207).
É importante que se diga que, mesmo antes do Código de Defesa do
Consumidor ter normatizado o princípio da boa-fé, este sempre existiu em
nosso ordenamento, mas apenas como princípio geral de Direito, o que quer
dizer que, embora não positivado, seus valores sempre existiram como norte
de interpretação do nosso sistema jurídico.
Todavia, a partir do CDC, o conceito de boa-fé passa a ser diverso do
contido no direito privado (civil), pois limita-se ao seu elemento
objetivo. No Código de Defesa do Consumidor, o objetivo é estabelecer um
padrão de comportamento, a fim de tornar a relação mais transparente,
harmônica e equilibrada. Segundo Caldeira (2015, p. 198):

Não se encontra na esfera do direito difuso e coletivo, a
expressão "ele agiu de boa-fé"; "ele adquiriu de boa-fé";
"ele não tinha a intenção de prejudicar, pois estava de
boa-fé", até porque seria incompatível com o instituto da
responsabilidade objetiva adotado pelo CDC. Fala-se, sim,
em boa-fé como sendo a conduta ideal, adequada para cada
relação de consumo. É a regra de comportamento que deve
orientar toda e qualquer relação. Não é específica e
inerente a cada pessoa, como o é no Código Civil. É regra
geral e abrange todas as situações que envolvam relação de
consumo. A boa-fé, no seu ângulo objetivo, está como regra
de conduta, um dever de agir de acordo com determinados
padrões socialmente recomendados, de correção, lisura e
honestidade, para não frustrar a confiança legítima da
outra parte

Assim, o princípio da boa-fé torna-se um instrumento hábil para
proteger e garantir as legítimas expectativas despertadas no consumidor
pela ação dos fornecedores, protegendo a confiança que o consumidor
depositou na relação.

2.3.4 Princípio do Equilíbrio ou da Equivalência Negocial

Trata-se de princípio fundamental, cuja inobservância pode levar à
anulação, seja de um negócio jurídico, seja de cláusulas gerais ou
específicas. O art. 4°, III, do CDC, alude ao "equilíbrio nas relações
entre consumidores e fornecedores". Mais adiante, na mesma Lei, o art. 51,
§ 1°, III, estatui que se presume exagerada a vontade que se mostra
excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza de
contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao
caso.
Assim, devem ser inválidas as disposições que ponham em desequilíbrio
a equivalência entre as partes. Se o contrato situa o consumidor em
situação inferior, com nítidas desvantagens, tal contrato poderá ter sua
validade judicialmente questionada, ou, em sendo possível, ter apenas a
cláusula que fere o equilíbrio afastada. (BRAGA NETTO, 2013).
Acerca do tema, o STJ já decidiu que: "Não pode a estipulação
contratual ofender o princípio da razoabilidade, e se o faz, comete
abusividade vedada pelo art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.
Anote-se que a regra protetiva, expressamente, refere-se a uma desvantagem
exagerada do consumidor e, ainda, a obrigações incompatíveis com a boa-fé e
a equidade" (STJ, REsp. 158.728, Rei. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
3a T., j. 16/03/99, p. DJ 17/05/99).
Em suma, este é outro princípio que pretende, concretamente, a
realização do princípio magno da justiça (art. 32, I, da CF). Relações
jurídicas equilibradas implicam a solução do tratamento equitativo entre
consumidor e fornecedor. (NUNES, 2015).
Observa-se, portanto, a diferença entre a legislação consumerista e a
tentativa de igualdade, fundamentada na isonomia constitucional, onde o que
se pode aceitar são privilégios aos consumidores que necessitem de proteção
especial, tidos como hipervulneráveis, caso de idosos, portadores de
deficiências, crianças e adolescentes, que merecem proteção por duplo ou
triplo motivo. (TARTUCE; NEVES, 2014).
No contexto de equivalência, o Código de Defesa do Consumidor veda
que os destinatários finais sejam expostos a práticas desproporcionais,
geradoras de nulidade absoluta e de responsabilidade civil, dependendo do
caso concreto.
Além disso, o art. 8º do CDC estabelece a vedação de produtos e
serviços que acarretem riscos à saúde dos consumidores, sem exceção, o que
também vai ao encontro à tentativa de igualdade de tratamento. Em tais
situações, no caso de danos, todos terão direito à reparação integral,
patrimonial, moral e estética, aplicando-se a teoria própria de
responsabilidade civil, prevista pela Lei 8.078/1990.
Ademais, pelo princípio da equivalência negocial, assegura-se ao
consumidor o direito de conhecer o produto ou o serviço que está
adquirindo, de acordo com a ideia de plena liberdade de escolha e do dever
anexo de informar. É oportuno, nesse sentido, citar o Decreto 4.680, de
abril de 2003, que regulamenta o direito à informação, prevendo o seu art.
1º o dever dos fornecedores de informar quanto aos "alimentos e
ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal, que
contenham ou sejam produzidos a partir de organismos geneticamente
modificados, sem prejuízo do cumprimento das demais normas aplicáveis".
(TARTUCE; NEVES, 2014).
De acordo com essa estrutura proporcional, a lei proíbe qualquer tipo
de discriminação no momento de contratar, sob o pretexto constitucional de
que todos são iguais perante a lei, existindo também o dever de o prestador
ou fornecedor informar todos sobre os riscos inerentes à prestação ou ao
fornecimento.
Essa é a lógica e o sentido do que consta no art. 9º Do CDC, ao
consagrar o dever de informar quanto aos produtos e serviços potencialmente
nocivos ou perigosos à saúde e segurança. Tal comando legal mantém relação
íntima com a segunda geração de direitos, relacionada com o princípio da
igualdade lato sensu, ou isonomia, previsto no art. 5º, caput, da CF/1988.
Na prática, tem-se exigido tal conduta por parte dos fornecedores e
prestadores, chegando-se a impor graves consequências, inclusive penais, no
caso do seu descumprimento.
Por tudo isso, percebe-se um contato direto entre o princípio da
equivalência negocial e a boa-fé objetiva, havendo uma exigência de
condutas de lealdade por parte dos profissionais da relação de consumo, que
deverão, de maneira igualitária, fornecer condições iguais nas fases pré-
contratual, contratual e pós-contratual do negócio jurídico. (TARTUCE;
NEVES, 2014).

2.3.5 Princípio da Informação

O princípio da informação pode ser conceituado como aquele que
estabelece o dever do fornecedor em informar de modo adequado e claro as
características, uso, riscos e preços dos produtos e serviços ofertados.
Isso está claro no CDC, em seu artigo 6º, III, que dentre os direitos
básicos do consumidor, está o de ter "a informação adequada e clara sobre
os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem
como sobre os riscos que apresentem;" (BRASIL, 1990).
Tartuce e Neves (2014), no entanto, defendem que a informação, no
âmbito jurídico, tem dupla face: o dever de informar e o direito de ser
informado, sendo o primeiro relacionado com quem oferece o seu produto ou
serviço ao mercado, e o segundo, com o consumidor vulnerável.
A respeito da proteção dos consumidores quanto à informação,
interessante leitura do seguinte entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, em problema relativo ao serviço de telefonia:

A exposição de motivos do Código de Defesa do Consumidor,
sob esse ângulo, esclarece a razão de ser do direito à
informação no sentido de que: 'O acesso dos consumidores a
uma informação adequada que lhes permita fazer escolhas
bem seguras conforme os desejos e necessidades de cada um'
(Exposição de Motivos do Código de Defesa do Consumidor.
Diário do Congresso Nacional, Seção II, 3 de maio de 1989,
p. 1.663). (...). A informação ao consumidor, tem como
escopo: 'i) consciencialização crítica dos desejos de
consumo e da priorização das preferências que lhes digam
respeito; ii) possibilitação de que sejam averiguados, de
acordo com critérios técnicos e econômicos acessíveis ao
leigo, as qualidades e o preço de cada produto ou de cada
serviço; iii) criação e multiplicação de oportunidades
para comparar os diversificados produtos; iv) conhecimento
das posições jurídicas subjetivas próprias e alheias que
se manifestam na contextualidade das séries infindáveis de
situações de consumo; v) agilização e efetivação da
presença estatal preventiva, mediadora, ou decisória, de
conflitos do mercado de consumo' (Alcides Tomasetti
Junior. O objetivo de transparência e o regime jurídico
dos deveres e riscos de informação das declarações
negociais para consumo, in Revista de Direito do
Consumidor, n. 4, São Paulo: Revista dos Tribunais, número
especial, 1992, pp. 52-90). (...). Deveras, é forçoso
concluir que o direto à informação tem como desígnio
promover completo esclarecimento quanto à escolha
plenamente consciente do consumidor, de maneira a
equilibrar a relação de vulnerabilidade do consumidor,
colocando-o em posição de segurança na negociação de
consumo, acerca dos dados relevantes para que a compra do
produto ou serviço ofertado seja feita de maneira
consciente" (STJ – REsp 976.836/RS – Primeira Seção – Rel.
Min. Luiz Fux – j. 25.08.2010 – DJe 05.10.2010). (TARTUCE;
NEVES, 2014, p. 49, grifo da autora).

Em suma, o dever de informar é princípio basilar da relação de
consumo, trazendo uma nova formatação aos produtos e serviços oferecidos no
mercado. Trata-se de um dever exigido mesmo antes do início de qualquer
negociação. A informação passou a ser componente necessário do produto e do
serviço, que não podem ser oferecidos no mercado sem ela. (NUNES, 2015).

2.3.6 Princípio da Proteção e a Defesa do Consumidor

O princípio do protecionismo do consumidor enfeixa algumas
consequências práticas que não podem ser esquecidas.
A primeira consequência é que as regras do CDC não podem ser
afastadas por convenção entre as partes, sob pena de nulidade absoluta.
Como fundamento para essa conclusão, pode ser citada a previsão do art. 51,
inc. XV, do próprio Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual são
nulas de pleno direito as cláusulas abusivas que estejam em desacordo com o
sistema de proteção do consumidor. (TARTUCE; NEVES, 2014).
Como segunda consequência, cabe sempre a intervenção do Ministério
Público em questões envolvendo problemas de consumo. O art. 82, inc. II, do
Código de Processo Civil enuncia que compete ao MP intervir nas ações em
que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da
parte, o que é justamente o caso das demandas de consumo. Igualmente, a Lei
da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) reconhece a legitimidade do
Ministério Público para as demandas coletivas envolvendo danos materiais e
morais aos consumidores (art. 1º).
Como terceira consequência, toda a proteção constante da Lei
Protetiva deve ser conhecida de ofício pelo juiz, caso da nulidade de
eventual cláusula abusiva. Assim sendo, fica claro que representa uma total
afronta ao princípio do protecionismo do consumidor o teor da Súmula 381 do
Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, nos contratos bancários, é
vedado ao julgador conhecer de ofício das abusividades das cláusulas
contratuais. (TARTUCE; NEVES, 2014).

3 A INTERNET E O COMÉRCIO ELETRÔNICO

O comércio eletrônico favorece novas formas de obtenção de ganhos de
competitividade nos negócios, interferindo na cadeia de valor adicionado a
produtos e serviços dirigidos ao consumidor ou em transações entre
empresas. Sendo global em sua essência, o comércio eletrônico está
expandindo-se rapidamente em todo o mundo.
No capítulo a seguir, será apresentado os principais contornos sobre
o comércio eletrônico: sua evolução histórica, conceitos e modalidades.
Será abordado também a definição e espécies de contratos eletrônicos, os
quais representam a materialização comércio eletrônico, nas compras e
vendas realizadas no meio virtual.

3.1 CONCEITO DE DEFINIÇÕES DE INTERNET E MUNDO VIRTUAL

Hoje, quando se trata de dizer qual é o meio mais utilizado para a
celebração dos contratos eletrônicos, indubitavelmente vem à mente a
Internet. Atualmente, principalmente no Brasil, popularizou-se o acesso à
rede mundial de computadores e nos últimos cinco anos aumentou ainda mais.
Segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo, "[…] o percentual de
brasileiros de dez anos ou mais que acessaram a internet por meio de
computador ao menos uma vez aumentou 75,3% e passou de 20,9% para 34,8%
entre 2005 e 2008, o que equivale a 56 milhões de usuários" (FOLHA, 2009
apud MACHADO, 2015).
Conforme Machado (2015) de grande impacto no comércio eletrônico foi
a política do Governo Federal no sentido de ampliar as vendas de
microcomputadores através de programa "Computador para todos", cujo o
escopo foi "possibilitar a população que não tem acesso ao computador possa
adquirir um equipamento de qualidade, com sistema operacional e aplicativos
em software livre, que atendam ao máximo às demandas de usuários, além de
permitir acesso à Internet." (PORTAL COMPUTADOR PARA TODOS, 2009 apud
MACHADO, 2015).
Soma-se também a expansão da oferta de prestadoras de serviço de
banda larga e os pequenos particulares nas periferias das grandes cidades
com as famosas "Lan Houses", que também contribuíram para o aumento no
número de pessoas com acesso a internet.
Todos estes fatores juntos alavancaram o uso dos microcomputadores no
país e consequentemente o volume de negociações no comércio eletrônico haja
a vista a facilidade que este meio de negócio propicia.
Entretanto este novo modelo de comércio acarretou grandes problemas
envolvendo a "Internet", desde a sua própria definição de conceito até a
regulamentação da navegação dos dados.
A Internet pode ser definida como uma rede mundial que interliga
milhões de computadores em todo o mundo, de vários tipos e tamanhos, marcas
e modelos e com diferentes sistemas operacionais.
Sheila do Rocio Cercal Santos Leal entende a "Internet" como:

[…] um sistema transnacional de comunicação,
operacionalizado por um conjunto de computadores
interligados, permitindo a consulta, recepção e
transmissão de dados (textos, sons e imagens), entre
pessoas físicas e jurídicas e entre máquinas (sistemas
auto-aplicativos), de um ponto a outro do planeta" (LEAL,
2009 apud MACHADO, 2015).

Com a expansão da Internet, dúvidas surgiram acerca do seu alcance
e função. Segundo Almeida (2009 apud MACHADO, 2015), "[…] a tendência da
regulamentação é equiparar a "Internet" a um meio de comunicação, como o
telefônico, ou até mesmo a um serviço de valor adicionado. [...] ela também
é um meio de distribuição de serviços e de produtos em uma escala mundial"
O que deve se ter em mente na questão da definição de "Internet", é
que ela se tornou mais do que um simples meio de comunicação como era em
seus primórdios, mas também em um meio de celebrar negócios. A internet
pode ser considerada como quase um "novo mundo", segundo Machado (2015).

3.2 CONCEITO E DEFINIÇÃO DE COMÉRCIO ELETRÔNICO

Segundo Coelho (2014, p. 47 apud GLANZ, 1998), o comércio eletrônico
(e-commerce) pode ser definido como a "[...] venda de produtos (virtuais ou
físicos) ou prestação de serviços em que a oferta e o contrato são feitos
por transmissão e recepção eletrônica de dados."
É, em outras palavras, a venda de produtos ou prestação de serviços
realizadas por meio de transmissão eletrônica de informações, isto é, sem
contato físico os contratantes.
Ressalta-se que se as relações se travarem mesmo fora da internet,
mediante conexão direta de um computador com outro, ainda assim se tratará
de comércio eletrônico. Isso porque o que caracteriza o e-commerce é o
ambiente em que as relações são travadas, isto é, no ambiente de um
estabelecimento virtual (NEVES, 2014).
Da definição acima, tem-se como conclusão que a natureza do bem
comercializado não é relevante na conceituação de comércio eletrônico.
Assim, tanto na venda de mercadoria física como na de bens virtuais, se o
negócio é realizado por meio de declarações de vontade transmitidas
eletronicamente, o comércio é eletrônico. (COELHO, 2014).
Segundo Marques (2011), o comércio eletrônico é um fenômeno plúrimo,
multifacetado e complexo, onde há certa "desumanização do contrato". Ainda,
conforme a doutrinadora:

O fenômeno é novo por sua fluidez, complexidade,
distância, simultaneidade ou atemporariedade,
desterritorialidade e objetividade ou autonomia. Vejamos:
a contratação é a distância, e esta distância televisiva
ou telemática traz uma nova espécie de pressão. Não a
pressão do vendedor em sua porta, mas do fato de a oferta
estar dentro da sua casa, no seu trabalho, no seu espaço
privado, nas suas férias, atemporalmente, dia e noite, em
todos os lugares do mundo, onde a oferta negocial puder
ser acessada ou vista. A distância física entre o
fornecedor e o consumidor é fator de insegurança, tanto
quanto ao efetivo envio do produto, à lisura da forma de
pagamento e do relacionamento pós-contratual, quanto em
relação à lei aplicável ao contrato, uma vez que muitos
destes fornecedores "eletrônicos" se localizam no
exterior.

Atenta-se que no conceito de e-commerce estão incluídos diversos
tipos de relações comerciais, seja entre empresas e consumidores, o chamado
B2C (business to consumer), empresas e empresas, o B2B (business to
business), consumidor e consumidor, o C2C (consumer to consumer), entre
outros. Estes formatos serão melhor exemplificados a seguir.

3.2 EVOLUÇÃO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO

De acordo com Nakamura (2011), na década de 80 surgiram os primeiros
dados sobre o comércio eletrônico. Conforme o autor, foi nessa época que
surgiram as formas primitivas de Comercio Eletrônico como cartão de
crédito, caixas automáticos e bancários via telefone, os quais foram bem
aceitos pelos consumidores.
Ainda durante a década de 1980, a CompuServe disponibilizava os
primeiros serviços a usuários domésticos de PC, com o uso de ferramentas
como e-mail, painéis de mensagens e sala de bate-papo, adicionando serviço
chamado Eletronic Mall. Esse novo serviço funcionava como shopping virtual,
onde usuários podiam comprar produtos diretamente do formulário de 110
comerciantes online. Tratava-se de um dos primeiros exemplos de Comércio
Eletrônico. (NAKAMURA, 2011).
Por volta de 1994, surgiu o Netscape 1.0 com Secure Socket Layer
(SSL), um protocolo de segurança que criptografa mensagens em uma transação
via internet, aumentando a segurança do consumidor do comércio eletrônico.
(NAKAMURA, 2011).
De acordo com:

A Fundação da Netscape, em 1993, dava início ao
desenvolvimento do web browser, tecnologia essencial para
as comunidades começarem a conectar-se diretamente à
Internet. Já em 1994 criou-se a primeira floricultura a
aceitar encomendas via Internet e a cadeia Pizza Hut
começa a oferecer o serviço de pedidos de pizza em seu
website. Em 1999, 150 países eram conectados à Internet. O
número de usuários aproximava-se de 15 milhões. Compras on-
line com segurança tornaram-se uma possibilidade real.
(LOERNET; XAVIER, 2015, p. 4).


Em 1995, empresas norte-americanas como eBay e Amazon marcaram o
início do caminho de sucesso do Comércio Eletrônico. Ambas inovaram ao
oferecer aos consumidores a opção de realizar a compra de qualquer produto
físico. Onde o consumidor poderia realizar a busca do produto, em questão
de segundos apareceria uma lista dos produtos relacionados, informações,
formas pagamento e etc. (NAKAMURA, 2011).
A regulamentação inicial no Brasil para tentar definir internet veio
com a Portaria 148, de 31 de 05 de 1995 ao definir como: "[…] nome genérico
que designa o conjunto de redes, ou de meio de transmissão e comutação,
roteadores, equipamentos e protocolos necessários a comunicação entre
computadores, bem como o 'software' e os dados contidos nestes
computadores". (MACHADO, 2015)
Com a expansão da Internet na década de 90 e 2000, o comércio
eletrônico cresceu e hoje representa umas das principais formas de mercado,
levantando números mais expressivos que o varejo off-line.
De acordo com o levantamento realizado pela Câmara E-net (Câmara
Brasileira de Comércio Eletrônico), o segmento com maior participação nas
vendas é o dos eletrodomésticos, seguido pelos produtos de saúde, beleza e
medicamentos. Na terceira posição vem o segmento de moda, vestuário e
acessório. O segmento literário composto por revistas, livros e assinaturas
de jornais segue na quarta posição. Há cerca de dez anos a categoria que
ocupava o ponto mais alto do ranking era o segmento dos CDs e DVDs, com
cerca de 40% das vendas. (INTERNET INNOVATION, 2012).
Segundo dados da E-Commerce.Org, o faturamento anual do comércio
eletrônico no Brasil somou R$ 35,80 bilhões no ano de 2014, superando o ano
anterior em mais de R$ 7 bilhões. (E-COMMERCE.ORG, 2015).
Conforme Menna (2014), o comércio eletrônico tem crescido fortemente
no mercado nacional, impulsionado pelo maior poder de compra da classe
média e expansão da acessão à internet para parte da população. De acordo
com o autor:

Existem diversos fatores que podem estar levando a esse
desenvolvimento. Por exemplo, a popularização da internet,
pois hoje o acesso está muito fácil e quando eu falo em
facilidade não me refiro apenas ao valor, me refiro a
locais públicos com acesso à internet. Tem também a
questão do crescimento do poder aquisitivo, com certeza,
mas a popularização da internet em diversas cidades do
Brasil – que já dispõem de wi-fi público – é uma
facilidade que está levando, tranquilamente, o consumidor
médio a realizar compras com certa margem de segurança
(MENNA, 2014).

No ano de 2015, a elevação de juros, o aumento do desemprego e na
inflação, juntamente com a desaceleração do crédito e a queda na renda,
geraram uma perda na confiança do brasileiro, que passou a ser mais
seletivo, buscando realizar compras de produtos de forma mais planejada e
racional. Neste cenário econômico de maior instabilidade, os e-consumidores
reportaram nos dois primeiros trimestres do ano que a intenção de compra no
comércio eletrônico seria maior, uma vez que a Internet possibilita uma
compra mais planejada ao permitir que preços e produtos sejam comparados
com grande facilidade antes da decisão de compra. (E-BIT, 2015).
No primeiro semestre de 2015, o e-commerce brasileiro registrou um
aumento nominal de 16% se comparado com o mesmo período de 2014, atingindo
um faturamento de R$ 18,6 bilhões. (E-BIT, 2015).
Considerando as categorias mais importantes do comércio eletrônico,
as que apresentaram maior crescimento no período em volume financeiro foram
Eletrodomésticos e Telefonia/Celulares, registrando respectivamente
crescimento nominal de 41% e 53%. Já os setores que apresentaram queda no
faturamento foram Eletrônicos (-17%) e Moda e Acessórios (-8%). (E-BIT,
2015).
A projeção revisada para o fim deste ano é que o comércio eletrônico
apresente crescimento nominal de 15% em relação a 2014, atingindo um
faturamento de R$ 41,2 bilhões. Estima-se também que haverá um aumento de
5% no total de pedidos, chegando a um total de 108,2 milhões até o fim de
2015. (E-BIT, 2015).


3.3 FORMATOS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO

O e-commerce apresenta-se classificado, no meio empresarial, por um
critério quanto à natureza da transação. De acordo com os ensinos de Potter
e Turban (2005 apud MENDES, 2015), existem vários tipos de Comércio
Eletrônico. Os mais comuns são:

3.3.1 B2B – BUSINESS-TO-BUSINESS (Empresas com Empresas):

Muito comum, é a modalidade que mais movimenta importâncias
monetárias. Consiste na relação de negócios entre empresas, como venda
somente no atacado. Não existe a interação com cliente como pessoa física.
Normalmente feito entre fabricantes e lojas. (ZAPPE JUNIOR, 2015).

3.3.2 B2C – BUSINESS-TO-CONSUMER (Empresa – Consumidor):

O B2C (business-to-consumer, ou seja, o comércio eletrônico entre
empresa-consumidor) começou, no Brasil, por intermédio de marcas já
consolidadas nos negócios presenciais, como Lojas Americanas, Casas Bahia,
Pão de Açúcar, Livraria Cultura, Ponto Frio, dentre outras. Realizam
transações comerciais entre fornecedores e consumidores finais. Requer um
cuidado especial, pois este vai estar em contato direto com seus
consumidores finais e deve ter uma estratégia de marketing mais cuidadosa.
(ZAPPE JUNIOR, 2015).

3.3.3 C2B – CONSUMERS-TO-BUSINESS (Consumidor – Empresa):

Pouco usual, mas muito interessante, pois dá a oportunidade para o
consumidor contatar a empresa para efetuar a compra. Um exemplo são os
"leilões reversos" onde o consumidor coloca o que quer comprar e as
empresas colocam os preços.
Segundo Mendes (2015), esta modalidade começa a crescer no comércio
eletrônico, pois uma empresa que deseja adquirir um produto, anuncia na
rede a intenção de compra. Os consumidores que possuem o que a empresa
quer, faz a oferta.

3.3.4 C2C – CONSUMER-TO-CONSUMER (Consumidor – Consumidor):

Esta é uma modalidade comum entre consumidores, que vêm crescendo
cada vez mais diante da informalidade das negociações. Em geral, efetua-se
a compra e venda de muitos produtos, mas de valores pequenos, mediante
anúncios classificados pessoais. O exemplo mais conhecido no Brasil desta
modalidade são os sites Mercado Livre e OLX, onde geralmente o lucro destes
é ligado à publicidade e/ou taxas cobradas pelo uso do website.
A seguir, abordar-se-á questão dos contratos eletrônicos.



3.4 CONTRATOS ELETRÔNICOS

3.4.1 Conceitos

O contrato eletrônico se apresenta como um ponto controvertido na
doutrina, no que tange a sua própria conceituação e nomenclatura.
Em uma concepção simplista, contrato eletrônico pode ser definido
como negócio jurídico que é fonte de obrigação, em que as partes criam
vínculos recíprocos, mediante o uso da comunicação em rede, criando,
modificando, ou extinguindo direitos (RAMOS, 2015).
Fábio Ulhoa Coelho (2015, p. 52) ensina que o contrato eletrônico é
celebrado por meio de transmissão eletrônica de dados. Nessa espécie de
contratos: "A manifestação de vontade dos contratantes (oferta e aceitação)
não se veicula nem oralmente, nem por documento escrito, mas pelo registro
em meio virtual (isto é, despapelizado)."
Já de acordo com Zumaram (apud MACHADO, 2015): "os contratos
eletrônicos são aqueles para cuja celebração o homem se valha da tecnologia
informática podendo consistir seu objeto de obrigação de qualquer
natureza".
Barbagalo (apud SANTE, 2015) faz uma interessante explanação sobre a
controvérsia na nomenclatura e esclarecendo o porquê de adotar o termo
"contrato eletrônico" ao invés de outros temos.
Esclarece a autora que, primeiramente:

[...] o termo eletrônico vem da Física e estuda-se neste
ramo da ciência o que tange ao comportamento dos circuitos
elétricos. Aliás a comunicação feita entre os
microcomputadores realiza-se por meio de impulsos
elétricos, do qual o termo mais certo para o contrato é o
"eletrônico" devido ao fato de transmitir por este meio.
Ocorre todavia que há outras nomenclaturas como o contrato
cibernético, digital, por computador e por fim,
informático. Por seu turno, o cibernético está relacionado
com a comunicação em rede. Já o digital liga-se
diretamente ao mundo da informática e somente através de
computadores. Contratos por computador, aqueles que são
feitos e celebrados somente por meio deles. E por fim, o
informático, aqueles que se relacionam com a disciplina de
contratos de serviços de informática como o contrato de
manutenção de servidores, de homepage. Em outras palavras,
o objeto do contrato informático neste último envolve
serviços e produtos relacionados à informática.

Assim, conclui-se que o termo mais correto é o contrato "eletrônico",
tendo em vista que a informação não trafega somente via microcomputadores
atualmente e que o objeto do contrato não se finda em produtos de
informática, mas em qualquer tipo de objeto seja material ou imaterial,
desde que lícito.
Em vista da natureza jurídica dos contratos eletrônicos, percebe-se
que estamos diante de uma nova modalidade de contrato, com peculiaridades
em relação à forma, ao objeto e a classificação, a qual será melhor
estudada a seguir

3.4.2 Classificação dos contratos eletrônicos

Ponto de suma importância é a classificação dos contratos
eletrônicos, uma vez que auxilia no estudo no diz respeito ao momento de
formação e o seu respectivo local. Isso consequentemente implicará em saber
qual a legislação aplicável, foro competente e se é entre ausentes ou não.
(SANTE, 2015).
A classificação dos contratos eletrônicos se faz quanto ao modo em
que são formados, ou melhor, leva-se em conta a efetiva utilização do
computador para a formação do contrato.
Marisa Delapieve Rossi (1999, p. 105 apud VEDOVATE, 2015, p. 10)
classifica os contratos eletrônicos dividindo-os em Intersistêmicos,
Interpessoais e Interativos.

3.4.2.1. Contratos eletrônicos intersistêmicos

Os contratos eletrônicos intersistêmicos são aqueles que utilizam o
computador apenas como um instrumento de comunicação entre os contratantes
que já previamente celebraram o contrato pelos meios tradicionais.
(VEDOVATE, 2015).
Podemos dizer que o papel do computador neste tipo de contrato
eletrônico é comunicar o computador do outro contratante daquilo que já foi
por eles anteriormente contratados.
Os computadores são programados e realizam os negócios por si só, sem
necessidade de intervenção humana. Por essa razão, esse tipo de contratação
também é conhecido como "contratação em rede fechada".
Nas palavras de Mariza Delapieve Rossi (apud SANTE, 2015):

[…] nessa modalidade de contratações eletrônicas destaca-
se a utilização do Electronic Data Interchange (EDI), que
permite o diálogo eletrônico entre sistemas aplicativos
distintos, mediante a utilização de 'padrões de
documentos' ou 'padrões de EDI'. Essa forma de contratação
se caracteriza por realizar-se entre pessoas jurídicas, e
é especialmente voltada a relações comerciais de atacado.
O EDI serve para diminuir os custos operacionais
tradicionais que são realizados por meio de notificação,
ordens de compra, notas de despacho de mercadoria, etc.

Geralmente este tipo de negociação refere-se a controle de estoque de
grandes varejistas ou entre fabricantes e empresas automobilísticas que
geram e recebem pedidos de remessas automaticamente, de acordo com a
necessidade dos produtos. (VEDOVATE, 2015).
Em suma, trata-se de espécie de contrato que previamente já haviam
sido estipuladas as cláusulas e que o computador serve apenas como meio de
execução dele. Em outras palavras, a vontade já havia se manifestado
anteriormente e o meio eletrônico é apenas a forma de execução do mesmo.

3.4.2.2. Contratos eletrônicos interpessoais

Nessa espécie de contrato eletrônico, o computador é utilizado
diretamente para a formação da vontade das partes, sendo instrumento que
interage com a vontade dos contratantes e não mero meio de comunicação.
A doutrina entende que essa forma de contratação se subdivide em
contratação entre presentes ou ausentes conforme a simultaneidade ou não da
declaração e recepção da vontade das partes.
Os contratos interpessoais simultâneos, celebrados em tempo real, ou
seja, online, são considerados como celebrados entre presentes, visto que
ambas as partes estão ao mesmo momento conectadas a rede, e a declaração de
vontade de uma parte é recebida pela outra no mesmo momento em que é
declarada ou em curto espaço de tempo.
Como por exemplo têm-se os chats e programas de mensagens
instantâneas para realizar a celebração em pequeno decurso de tempo.
A doutrina entende que nestes casos a celebração contratual é entre
presentes. Isso é notório uma vez que os chats pressupõem a existência de
duas pessoas interagindo simultaneamente assim como ocorre programas de
mensagens instantâneas. Aliás, nestes últimos, alguns deles oferecem a
opção de videoconferência em que é possível não somente utilizar texto para
comunicar-se, mas também visualizar a outra pessoa e até conversar como se
fosse um aparelho de telefone. (SANTE, 2015).
Já os contratos interpessoais não-simultâneos, são considerados entre
ausentes, pois há um lapso temporal entre a declaração de uma parte e a
recepção desta pela outra. O e-mail é o mais típico exemplo deste tipo de
contrato.
Em suma, essa categoria de contratos engloba aqueles cuja proposta e
a celebração deverá ocorrer de modo on-line, por meio de mensagens podendo
ser ou não de forma instantânea.

3.4.2.3. Contratos eletrônicos interativos

Dentre os contratos eletrônicos esta espécie é a mais utilizada pela
população em geral, graças a sua utilização em massa no comércio eletrônico
B2C, abordado previamente.
Consiste numa relação de consumo entre o consumidor e um sistema
eletrônico programado. Os contratos são realizados através de websites,
onde o fornecedor oferece seus produtos e serviços disponibilizando-os a
qualquer consumidor interessado.
Conforme Vedovate (2015), o consumidor contrata diretamente com um
sistema pré–programado pelo site da loja virtual. A interatividade
existente possibilita ao consumidor escolher dentre os produtos expostos o
qual lhe agrada, a forma de pagamento, o modo de envio, etc.
Os contratos eletrônicos interativos, portanto, "[…] resultam de uma
relação de comunicação estabelecida entre uma pessoa e um sistema
previamente programado"[148]. Trata-se dos sites de compras pela "Internet"
por meio de lojas virtuais (por exemplo Lojas Americanas, Submarino,
Livraria Saraiva e etc.), nos quais o cliente efetua cliques para realizar
a compra. Não há uma interação entre as partes, é somente entre o cliente e
o sistema.
Esse tipo de contrato também é conhecido como clickwrap ou contrato
por clique e neste sentido Lawand (apud SANTE, 2015, grifo do autor) faz as
seguintes observações:

Na esfera da contratação no ambiente do comércio
eletrônico os negócios jurídicos por clique são amplamente
utilizados e são conhecidos no direito comparado como
click-through agreements. São assim designados, haja vista
seus termos serem aceitos através da confirmação digital
na tela do monitor do computador, no mais das vezes
utilizando o mouse. Em muitos casos o operador do website
oferece as mercadorias ou serviços para venda, e o
consumidor adquire completando e transmitindo uma ordem de
compra disposta na tela do computador. A partir do momento
em que se configura a aceitação, o contrato considera-se
formado. Esses contratos equiparam-se aos contratos por
adesão, pois, se o contratante não concorda com as
cláusulas impostas, não há como refazê-las no sentido de
serem adequadas às suas necessidades.

Acerca do contrato de adesão, este é definido no art. 54, caput, do
Código de Defesa do Consumidor como: "[…] aquele cujas cláusulas tenham
sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente
pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa
discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo". (BRASIL, 1990).
O maior exemplo de contratos eletrônicos interativos são os
realizados através do comércio eletrônico B2C (Business to Consumer).
Nesses casos, caso o consumidor não aceite a as condições do contrato basta
clicar em "Não concordo", e sendo que ao clicar nesta há o cancelamento e
sem opção de discutir o contrato.
Ainda sobre o contrato de adesão, convém trazer o posicionamento de
Cláudia Lima Marques (apud SANTE, 2015) ao diferenciar os contratos de
adesão para as condições gerais de contrato.

Como contratos de adesão entenderemos restritivamente os
contratos por escrito, preparados e impressos com
anterioridade pelo fornecedor, nos quais só resta
preencher os espaços referentes à identificação do
comprador e do bem ou serviços, objeto do contrato. Já por
contratos submetidos a condições gerais dos negócios
entenderemos aqueles, escritos ou não escritos, em que o
comprador aceita, tácita ou expressamente, que cláusulas,
pré-elaboradas unilateral e uniformemente pelo fornecedor
para um número indeterminado de relações contratuais,
venham a disciplinar o seu contrato específico.

Entretanto, Barbagalo (apud SANTE, 2015) discorda da autora acima no
que tange a necessidade dos contratos de adesão precisarem de forma
escrita, defendendo que não há descaracterização pelo simples fato de
encontrar-se em um suporte eletrônico e diante disso a técnica contratual
dos contratos de adesão também é válido nos contratos eletrônicos.
Convém lembrar também que o objeto ou a execução do contrato
eletrônico pode ser tanto físico ou material, isto é, a compra de roupas,
livros, eletrônicos, ou um objeto virtual, como a compra de uma música em
formato MP3, download de um software, e-book, ou algum serviço da internet.

4 EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO COMÉRCIO ELETRÔNICO

4.1 A EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO COMÉRCIO ELETRÔNICO ANTES DA
PROMULGAÇÃO DO DECRETO Nº 7.962/2013

É pacífico na doutrina que a prática negocial de oferecer produtos e
serviços pela internet, entre fornecedores e consumidores, é considerada
oferta de consumo, que pode ser aceita pelo consumidor a qualquer momento,
nas condições da oferta realizada. (MARQUES, 2011).
Em 1990, quando o CDC foi criado, o comércio eletrônico praticamente
não existia, o que impediu que se previssem regras próprias para esse tipo
de negócio.
O Comércio Eletrônico teve sua regulamentação legal apenas em 2013,
sendo que o Decreto expedido pela Presidência foi apresentado à população
na data comemorativa do Dia do Consumidor: 15 de março, tendo como
finalidade trazer transparência e segurança ao comércio eletrônico.
Até então, a principal fonte legal do tema era a Constituição da
República Federativa do Brasil, que prevê em seu art. 5°, XXXII, que o
Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Para este fim
foi elaborado o Código de Defesa do Consumidor, sob a Lei n. 8.078/90, que
rege as relações de consumo, protegendo o consumidor, parte vulnerável
desta relação de eventuais abusos do fornecedor.
A proteção do consumidor era, entre as várias questões suscitadas
pelo comércio eletrônico, uma das mais complicadas, já que não havia
regulamentação própria.
Segundo Montai de Lima (2005):

É inegável que esta falta de normalização específica causa
um grande desconforto nestas contratações, uma vez que
fica por conta da interpretação doutrinária e dos
tribunais a resolução de possíveis conflitos envolvendo
tais questões. Ao operador do direito compete acompanhar a
evolução social e tecnológica para que, desta forma,
busque a correta aplicação do direito às novas situações,
seja interpretando uma lei já existente para aplicar-lhe a
um novo instituto, ou ainda, buscando novas soluções para
estas transformações sociais, adequando-se as necessidades
que surgem no dia-a-dia.

Assim, observa-se que antes da promulgação do Decreto nº 7.962/2013,
disputadas judiciais e casos que versavam sobre o comércio eletrônico eram
extremamente controversas, tendo os operadores do direito ter que basear-se
somente na analogia, costumes e princípios inerentes a legislação
consumerista.
Além disso, subsidiariamente era empregado as leis do Código Civil,
pois em muitos casos entendia-se não ser consumerista a relação tratada no
mundo virtual, como pode ser visto no julgado abaixo, datado de 2011.

Apelação Cível n. 2011.047602-1, de Sombrio
Relator: Des. Luiz Fernando Boller
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS -
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA - AUSÊNCIA DE DEVER DO PROVEDOR
DE HOSPEDAGEM DE CONFERIR, PREVIAMENTE, A VERACIDADE DAS
INFORMAÇÕES PRESTADAS POR SEUS USUÁRIOS - DISPONIBILIZAÇÃO
DE FERRAMENTA PARA DENÚNCIA DE EVENTUAIS ABUSOS PRATICADOS
NA REDE SOCIAL - EXCLUSÃO DO CONTEÚDO APONTADO COMO
OFENSIVO TÃO-LOGO A EMPRESA DE HOSPEDAGEM DIGITAL FOI
CIENTIFICADA ACERCA DO REGISTRO DE BOLETIM DE OCORRÊNCIA
POLICIAL PELA RECORRENTE - RESPONSABILIDADE OBJETIVA, NOS
TERMOS DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
COM REMUNERAÇÃO INDIRETA - AUSÊNCIA, CONTUDO, DE NEXO
CAUSAL, QUE AFASTA A RESPONSABILIDADE DA APELADA -
PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO - ATO OMISSIVO NÃO
EVIDENCIADO - DEVER DE INDENIZAR, VIA DE CONSEQÜÊNCIA, NÃO
CONFIGURADO - POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA
LIDE - MATÉRIA DE DIREITO E DE FATO, QUE DISPENSA A
PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS, ALÉM DA DOCUMENTAL - EXIBIÇÃO
DAS INFORMAÇÕES RELATIVAS AO VERDADEIRO AUTOR DA CRIAÇÃO
DO PERFIL, A SER POSTULADA EM PROCEDIMENTO PRÓPRIO E
PREPARATÓRIO DE EVENTUAL AÇÃO DIRETA DE INDENIZAÇÃO -
SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Os provedores de hospedagem "são intermediários e figuram
como 'locadores' que simplesmente fornecem um espaço, mas
que não respondem pelos atos do 'locatário' porquanto não
têm obrigações 'pró-ativas'" (Lorenzetti, Ricardo Luis.
Comércio Eletrônico; tradução de Fabiano Menke; com notas
de Cláudia Lima Marques. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004. p. 451).
[...]
Exaltou, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor é
inaplicável ao caso concreto, pois a relação existente
entre os usuários e o provedor de hospedagem não preenche
os requisitos previstos no estatuto consumeirista, na
medida em que não existe remuneração pelo serviço de
hospedagem, tratando-se de atividade prestada
gratuitamente, ressaltando que "eventual responsabilização
por suposto dano experimentado pela autora deveria ser
analisada sob a ótica do art. 186 do Código Civil, por
meio da responsabilidade subjetiva" (p. 141), o que
impediria a inversão do ônus probatório. (SANTA CATARINA,
2015).

4.2 A EFETIVIDADE DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA NO COMÉRCIO ELETRÔNICO DEPOIS DA
PROMULGAÇÃO DO DECRETO Nº 7.962/2013

Segundo Silva (2013), o Decreto nº 7.962/13 foi responsável por
"[...] disciplinar uma área que nos últimos anos teve expressivo
crescimento e ante a tal fenômeno advêm "n" os problemas que vão desde a
omissão da responsabilidade de tais empresas por problemas decorrentes das
vendas e falta de informações úteis ao consumidor".

Muito embora a doutrina defenda que não exista diferenciação entre o
contrato comum e o eletrônico, alguns princípios do Direito do Consumidor
assumem maior importância no segundo caso, como o da vulnerabilidade, boa-
fé e informação, eis que no meio virtual há uma maior insegurança para o
consumidor.
Segundo Marques (2007 apud CABRAL; PIMENTEL, 2014), constata-se, no
comércio eletrônico, o consumidor como um sujeito mudo, alvo de agressivo
marketing, com inúmeras ofertas e propagandas que o induzem a consumir cada
vez mais. O fornecedor na rede virtual não possui uma cara, e sim uma
marca, um nome comercial, uma determinada imagem, um marketing virtual ou
televisivo, que impacta o consumidor. Utilizando, portanto, imagens, sons,
textos interativos, negociação, contratação, visando atrair os consumidores
a adquirir determinado produto ou serviço.
Cavalieri Filho (2011) defende que o ônus no comércio eletrônico
deve ser suportado única e exclusivamente pelo fornecedor, não podendo
imputar ao consumidor a não entrega de um produto, devendo nos termos do
art. 6º, VI, do CDC realizar a reparação integral dos danos morais e
materiais.
Na aquisição de produtos e serviços pela Internet, o direito de
reflexão, ou arrependimento, tem uma justificativa maior, posto que a
vulnerabilidade do consumidor é mais acentuada, pois ele não tem contato
direto com o produto.
Em relação ao decreto que regulamentou o Comércio Eletrônico, a
primeira análise a ser feita foi sobre a sua constitucionalidade, posto que
através de uma norma oriunda do executivo tem-se o regramento da matéria.
Como já afirmado, o art. 5º, XXXII, da CF/88 trouxe uma norma
programática ao Estado, obrigando-o a proteger o consumidor, de forma que
não é só o Poder Legislativo que deve fazê-lo, mas todos os demais
inclusive o Executivo.
Com vistas a cumprir o comando constitucional, o Executivo no uso das
determinações do art. 84, IV, CF/88 regulamentou o comércio eletrônico.
Analisando a constitucionalidade de decretos, o STF na ADI 4.218, em
voto do Ministro Luiz Fux citando as lições de Celso Antônio Bandeira de
Melo afirma que:

Todos eles [regulamentos] são expedidos com base em
disposições legais que mais não podem ou devem fazer senão
aludir a conceitos precisáveis mediante averiguações
técnicas, as quais sofrem o influxo das rápidas mudanças
advindas do progresso científico e tecnológico, assim como
das condições objetivas existentes em dado tempo e espaço,
cuja realidade impõe, em momentos distintos, níveis
diversos no grau das exigências administrativas adequadas
para cumprir o escopo da lei sem sacrificar outros
interesses também por ela confortados. (…) estas medidas
regulamentares concernem tão somente à identificação ou
caracterização técnica dos elementos ou situações de fato
que respondem, já agora de modo preciso, aos conceitos
inespecíficos e indeterminados de que a lei se serviu,
exatamente para que fossem precisados depois de estudo,
análise e ponderação técnica efetuada em nível da
Administração, com o concurso, sempre que necessário, dos
dados de fato e dos subsídios fornecidos pela Ciência e
pela tecnologia disponíveis". (PACHECO, 2014).

Entretanto, acerca da promulgação do Decreto nº 7.962/2013, Maciel
(apud PACHECO, 2014) afirma que:

Nem sempre o avanço tecnológico demanda a necessidade de
novas leis. O Código de Defesa do Consumidor, já vinha
sendo facilmente aplicado às transações realizadas em meio
eletrônico, sobretudo o direito ao arrependimento. (...) O
Decreto, então, não inovou buscou apenas definir padrões
para direitos já previstos no CDC (...)".

Nesta perspectiva, em razão da constitucionalidade do Decreto, sendo
este aplicável aos contratos eletrônicos podemos citar alguns de seus
dispositivos que buscam trazer mais informação e segurança aos
consumidores, e até mesmo aos fornecedores:

Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de
setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no
comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspectos:
I - informações claras a respeito do produto, serviço e do
fornecedor;
II - atendimento facilitado ao consumidor; e
III - respeito ao direito de arrependimento.


Art. 2º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos
utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo
devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil
visualização, as seguintes informações:
I - nome empresarial e número de inscrição do fornecedor,
quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou
no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da
Fazenda;
II - endereço físico e eletrônico, e demais informações
necessárias para sua localização e contato;
III - características essenciais do produto ou do serviço,
incluídos os riscos à saúde e à segurança dos
consumidores;
IV - discriminação, no preço, de quaisquer despesas
adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou
seguros;
V - condições integrais da oferta, incluídas modalidades
de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução
do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e
VI - informações claras e ostensivas a respeito de
quaisquer restrições à fruição da oferta.


Art. 3º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos
utilizados para ofertas de compras coletivas ou
modalidades análogas de contratação deverão conter, além
das informações previstas no art. 2º, as seguintes:
I - quantidade mínima de consumidores para a efetivação do
contrato;
II - prazo para utilização da oferta pelo consumidor; e
III - identificação do fornecedor responsável pelo sítio
eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado,
nos termos dos incisos I e II do art. 2o.


Art. 4o Para garantir o atendimento facilitado ao
consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá:
I - apresentar sumário do contrato antes da contratação,
com as informações necessárias ao pleno exercício do
direito de escolha do consumidor, enfatizadas as cláusulas
que limitem direitos;
II - fornecer ferramentas eficazes ao consumidor para
identificação e correção imediata de erros ocorridos nas
etapas anteriores à finalização da contratação;
III - confirmar imediatamente o recebimento da aceitação
da oferta;


IV - disponibilizar o contrato ao consumidor em meio que
permita sua conservação e reprodução, imediatamente após a
contratação;
V - manter serviço adequado e eficaz de atendimento em
meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução
de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação,
suspensão ou cancelamento do contrato;
VI - confirmar imediatamente o recebimento das demandas do
consumidor referidas no inciso, pelo mesmo meio empregado
pelo consumidor; e
VII - utilizar mecanismos de segurança eficazes para
pagamento e para tratamento de dados do consumidor.
Parágrafo único. A manifestação do fornecedor às demandas
previstas no inciso V do caput será encaminhada em até
cinco dias ao consumidor.
[...]
Art. 6º As contratações no comércio eletrônico deverão
observar o cumprimento das condições da oferta, com a
entrega dos produtos e serviços contratados, observados
prazos, quantidade, qualidade e adequação. (BRASIL, 2013).

Estes dispositivos demonstram apenas alguns exemplos da proteção que
a legislação quis garantir ao consumidor do comércio eletrônico.
Entretanto, o decreto recebeu muitas críticas de doutrinadores que
afirmavam que o mesmo se mostrou extremamente genérico, deixando de abordar
de forma mais específica pontos controversos.
A seguir será abordado as questões mais controversas na relação
consumerista no comércio eletrônico.

4.3 QUESTÕES CONTROVERSAS APÓS A PROMULGAÇÃO DO DECRETO Nº 7.962/2013

4.3.1 Direito ao Arrependimento

Saliente-se que o fundamento do direito de arrependimento atribuído
ao consumidor é atender a sua vulnerabilidade quando sujeito a práticas
comerciais mais agressivas capazes de limitar o seu discernimento para
contratar ou deixar de contratar, pois fora do estabelecimento comercial a
noção de qualidade e defeito do produto é menor, proporcionando um maior
desconhecimento em relação ao objeto contratado (produtos ou serviços).
(SOUZA, 2010).
O direito de arrependimento foi consagrado pelo Código de Defesa do
Consumidor em 1990, muito antes, portanto, de existir qualquer iniciativa
de comércio eletrônico. À época, esse instituto tinha como premissa a
garantia do direito do consumidor de se arrepender da compra realizada sem
o acesso físico ao produto ou serviço. Partia dos exemplos das compras
realizadas por meio de catálogos ou via telefone, sem maiores informações
sobre os produtos adquiridos.
O Decreto 7.962/13 gerou o dever ao fornecedor de informar, de forma
clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do
direito de arrependimento pelo consumidor, o que pode ser efetivado pela
mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios
disponibilizados.
O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos
contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor, devendo ser
comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à
administradora do cartão de crédito ou similar, para que o negócio seja
desfeito e os valores sejam restituídos (art. 5º do Decreto 7.962/2013).
Entretanto, alguns autores declaram que o direito de arrependimento
nas compras eletrônicas deixou de ser corretamente regulamentado.
Isso ocorreu porque, de acordo com Maia e Damasceno (2014), "a regra
original tinha por objetivo proteger um consumidor da década de 90, com
pouquíssimo acesso à informação e que poderia ser facilmente enganado por
empresas imbuídas de má-fé, porém, os tempos hoje são outros."
Segundo as autoras, o consumidor que adquire produtos pela internet
possui uma informação precisa, ampla e rápida sobre o produto ou serviço
que deseja adquirir e a empresa que se dispõe a realizar a venda.
Necessário perceber que não há mais a dificuldade no acesso à informação
tal como no passado.
Graças a velocidade da multiplicação de informações no mundo virtual,
a informação presente na internet, muitas vezes, chega aos consumidores
antes mesmo que o produto alcance o mercado. Assim, uma norma que antes
conseguia, de forma eficaz, proteger o consumidor no comércio habitual,
hoje não cumpre mais com esse papel, servindo apenas de empecilho ao
desenvolvimento de pequenas e médias empresas, que veem seus custos
aumentados em razão da possibilidade de arrependimento do consumidor sem
qualquer justificativa. (MAIA; DAMASCENO, 2014).
Um dos principais doutrinadores do Direito Empresarial, Fábio Ulhoa
Coelho (2015, p. 64, grifo do autor), defende que:

O art. 49 do CDC não deve ser aplicado ao comércio
eletrônico porque não se trata de negócio concretizado
fora do estabelecimento do fornecedor. O consumidor está
em casa, ou no trabalho, mas acessa o estabelecimento
virtual do empresário; encontra-se, por isso, na mesma
situação de quem se dirige ao estabelecimento físico.
[...] A compra de produtos ou serviços por meio da
internet realiza-se "dentro" do estabelecimento (virtual)
do fornecedor. Por isso, o consumidor internetenáutico
(sic) não tem direito de arrependimento, a menos que o
empresário tenha utilizado em seu website alguma técnica
agressiva de marketing, isto é, tenha se valido de
expediente que inibe a reflexão do consumidor sobre a
necessidade e conveniência da compra.

Importante perceber que o direito de arrependimento não se confunde
com a presença de vícios no produto, referido nos art. 18, 19 e 20 do CDC.
No primeiro caso, o consumidor não fica satisfeito com o produto e solicita
a devolução, enquanto no segundo, o produto apresenta um vício que
impossibilita sua utilização, razão pela qual é solicitada a troca ou
restituição do valor pago.
Com isso, mesmo com um amplo acesso à informação e ainda que as
empresas divulguem todos os dados do produto posto à venda, o consumidor
ainda poderia solicitar a devolução do produto, no prazo de 7 dias.
Mister enfatizar que em 2013, a pedido do Ministério da Justiça, a
Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico (Camara-e.net) elaborou documento,
enviado à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) no dia 5 de maio, no
qual apresenta seus principais argumentos e questões acerca do direito de
arrependimento em compras virtuais:

[...] o direito de arrependimento no ambiente do comércio
eletrônico não cabe a quem "usou e não gostou". Trata-se,
sim, do direito de quem, caso tivesse acesso direto ao
bem, não teria efetuado a sua compra. Não cabe no
conceito, por exemplo, o consumidor devolver um CD
adquirido porque não gostou da música ou devolver uma
entrada para cinema ou teatro após a data do espetáculo.
Consideramos que existem produtos e serviços cuja
aquisição não é passível de arrependimento pela sua
própria natureza, sob pena de gerarem prejuízos a seus
fornecedores e desvirtuarem princípios básicos da relação
contratual e do respeito em sociedade. Ao mesmo tempo, é
preciso haver condições mínimas de preservação dos
produtos devolvidos e de suas embalagens para que possam
ser recolocados no mercado.

O documento também enfatiza os custos decorrentes do exercício do
direito de arrependimento, tais como as despesas diretas da devolução do
bem.
Segundo Lopes (2013), o custo de retirar o produto na casa do cliente
não deve ser obrigatoriamente tomado pela empresa varejista como um risco
do negócio. "Se para as empresas de grande porte esse gasto extra
representa um ônus pesado, para as pequenas e médias isso pode significar a
inviabilidade econômica e a quebra inevitável."
Conforme o autor acima, a principal reclamação dos fornecedores
virtuais é por uma atualização do Decreto nº 7.962/13, que permita que os
sites especifiquem em suas páginas as condições que oferecem para retirada
de um produto na casa do cliente, deixando assim ao cliente o direito do
exercício de escolha se compra ou não daquele fornecedor.

4.3.2 Do Direito ao cancelamento da compra

Além do já previsto direito de arrependimento, foi regulamentado o
cancelamento da compra a partir do arrependimento solicitado pelo
consumidor. O cancelamento da compra realizado por meio de cartão de
crédito deverá ser imediato, devendo a administradora ser comunicada para
que não haja lançamento do valor na fatura ou, caso já cobrado, seja
imediatamente realizado o estorno. (MAIA; DAMASCENO, 2014).
O artigo 4º em seu inciso V e parágrafo 4º do artigo 5º, refere-se ao
consumidor que ao buscar a suspensão ou cancelamento do contrato, em
consonância com o parágrafo único do mesmo artigo, deverá o fornecedor
manifestar-se em até 05 (cinco) dias perante consumidor, e em especial
deverá enviar confirmação imediata do direito de arrependimento.
Entretanto, o decreto não imputou qualquer responsabilidade às
administradoras de cartões de crédito ou instituições financeiras, uma vez
que estas são as únicas responsáveis pelo efetivo cancelamento da compra
após a solicitação. Assim, não há como responsabilizar os sites
responsáveis pelas vendas caso o valor continue a ser cobrado mesmo após a
solicitação de cancelamento.
Em outras palavras, o decreto estabelece que a loja deva informar
imediatamente o cancelamento à administradora do cartão de crédito, que
fica responsável pelo estorno do valor. Entretanto, o que ocorre na prática
é que a loja é responsável pelo contato com o cliente e com o cartão, mas a
administradora do cartão não fica responsável por informar ao cliente sobre
o procedimento de cancelamento.
Isso gera um prejuízo ao consumidor que fica obrigado a ir atrás da
administradora do cartão de crédito para evitar a cobrança pelo produto
cuja compra fora cancelada. Lopes (2013) defende que a comunicação que o
Decreto estabelece deve envolver também a instituição financeira ou a
administradora do cartão de crédito ou similar, uma vez que as empresas que
operam no comércio eletrônico não têm qualquer ingerência sobre o processo
de pagamento realizado por seus clientes por meios dessas instituições.

4.3.3 Da segurança de dados no mundo virtual

Esse é um dos principais problemas que circundam não somente os
contratos eletrônicos e o comércio eletrônico, mas praticamente todo o
mundo virtual.
Acerca da problemática, Sante (2015) afirma que:

Esta insegurança pode ser vista de diversos ângulos e
diante disto surgem diversas indagações tais como: Até que
ponto realmente está celebrando com determinada empresa ou
com determinado consumidor? Será que este consumidor
possui capacidade civil para os atos ou é um adolescente
que conseguiu o cartão de crédito de seus pais e a senha e
por isso está realizando aquela compra? Se realmente é
aquela determinada empresa que está vendendo ou se trata
de uma empresa de fachada com o escopo de realizar um
estelionato virtual? A informação repassada chegará na
íntegra e fielmente como estava na tela do consumidor sem
adulteração ou modificação e o seu retorno também? Poderá
haver interceptação das informações enviadas? São várias
as indagações e diante disso busca-se as soluções.

Segundo dados da Febraban (apud SACCO, 2013), os bancos aumentaram
seu investimento em software e procedimentos de segurança de 3,5 bilhões,
em 2008, para 7,4 bilhões de reais em 2012, com o intuito de evitar as
fraudes digitais. Outra forma adotada pelos bancos para aumentar a
segurança das transações online é adoção de recursos adicionais de
segurança, como senhas especiais para internet, cartões de senhas, tokens e
biometria (impressão digital).
Outro ponto importante acerca da segurança dos consumidores virtuais
é a que tange ao próprio usuário de microcomputadores e outros similares.
Muitas vezes eles conhecem o próprio sistema operacional, os programas e as
próprias ferramentas que auxiliam no uso diário deste equipamento para
evitar alguns tipos de problemas.
Essa possível hipossuficiência não serve de escusa conforme recente
julgado no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. O consumidor no comércio
eletrônico deve conhecer a forma de funcionamento de determinado site e por
conseguinte, ter uma noção média do funcionamento da rede. Nesse caso
específico, tratava-se de uma ação indenizatória promovida por um
consumidor em face de uma empresa de leilão virtual, da qual o consumidor
enviou o produto exposto à venda no site após o recebimento de um suposto e-
mail da empresa responsável pelo site informando o depósito do valor pedido
pelo produto. Na decisão sobre o recurso de apelação, a relatora frisou o
que a sentença havia decidido que o consumidor não observou as instruções
constantes no site para negociação. E foi além conforme segue in verbis:

No caso, concreto a atuação do consumidor foi a causa
exclusiva do dano, eis que tivesse observado as regras de
segurança fixadas pelo fornecedor – certamente estipuladas
para fins de prevenção e proteção contra tais práticas -,
a fraude não teria se perpetrado. Até porque é de se
frisar que aquele que opta por tal meio de negociação tem
o dever de se familiarizar com os meandros do comércio
eletrônico, dentre os quais a confirmação das transações
através de consulta em sua conta exclusiva de usuário.
(SANTE, 2015, grifo do autor).

Assim também é o entendimento da doutrina. Segundo Blum e Vainzof
(2010 apud SANTE, 2015) afirmam que os consumidores eletrônicos "[...]
devem saber exatamente os riscos que correm, tomando todas as diligências
necessárias na guarda dos seus dados, e, em caso de inércia, poderão
experimentar prejuízos, sem direito à respectiva indenização".
Contudo, os fornecedores têm que prestar contrapartida no que tange a
segurança das relações, assim como o consumidor deve observa-las. A empresa
assume o risco e responsabilidade por seus erros assim como o consumidor
quando não ser causa para tal. No julgado acima, a empresa não foi
responsabilizada porque houve culpa exclusiva do consumidor, porque se ele
tivesse observado o procedimento perpetrado pela empresa, não haveria
arcado com a perda do produto.
Diante disso, cria-se o dever do fornecedor de prevenir e criar um
ambiente seguro para as negociações e isso somente é possível caso use as
tecnologias específicas para isso tanto para assegurar a identificação das
partes como na autenticidade das informações transmitidas, em obediência ao
princípio da informação e proteção do consumidor.

4.3.4 Do dever de informação

O Código de Defesa do Consumidor estabelece o direito à informação
como um dos deveres basilares da relação jurídica, sendo este correlato
diretamente ao princípio da boa-fé objetiva, como um dever anexo (também
chamado de lateral, secundário ou instrumental).
As informações é que darão a base para que o consumidor realize ou
não a contratação eletrônica.
O que se observa nos sites de compras em geral, poucos os que se
preocupam em postar informações técnicas para os consumidores, sendo raros
os sites que fornecem outras informações importantes sobre o correto uso do
produto.
Campos (2013) cita como exemplo uma Pendrive, que pode ser
desconfigurada caso a voltagem da porta USB oscile, tratando o interessado
como um mero leigo que não necessita de tanta informação, apenas alguns
dados do produto e das condições de pagamento.
Segundo o autor acima, essa falta de completude da informação também
viola o dever anexo de informação e é causa de nulidade do contrato,
conforme assentou a Turma Recursal Única no julgamento de recurso inominado
interposto contra sentença proferida pelo 1º Juizado Especial Cível da
Comarca de Palotina/PR:

EMENTA : RECURSO INOMINADO. ACIDENTE DE CONSUMO. VENDA DE
SITE NA INTERNET. INFORMAÇÃO PRECÁRIA. AFRONTA AOS
PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA TRANSPARÊNCIA. NULIDADE DO
CONTRATO. DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS. SENTENÇA MANTIDA POR
SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO
PROVIDO.
Recurso Inominado nº 2006.0008458-2 Juiz Relator Luiz
Fernando Tomasi Keppen. Julgamento em 02/03/2007. (BRASIL,
2007 apud CAMPOS, 2013).

Tal entendimento acerca da informação como chave do momento decisório
para contratação pode ser corroborado, também, pelo acórdão proferido na
apelação nº 2007.001.38520, que tramitou na 17ª Câmara Cível da Comarca do
Rio de Janeiro, onde foi relatora a Desembargadora Maria Inês da Penha
Gaspar:


DIREITO DO CONSUMIDOR. MERCADORIA ADQUIRIDA VIA COMÉRCIO
ELETRÔNICO (INTERNET). […] Propaganda enganosa, nos termos
do artigo 37 da Lei Consumerista. Falha na descrição do
produto no site da empresa, que omitiu a informação de
integrar o produto uma linha mais barata da empresa
fabricante. Contrato que deve ser desfeito, e devolvidas à
autora as quantias já pagas. […] (BRASIL, 2007 apud
CAMPOS, 2013, grifo nosso).

A informação deficiente não é somente privativa dos negócios
jurídicos realizados por cliques em site de compras. Essa deficiência pode
ser, e é muito, maior quando as tratativas são realizadas por correio
eletrônico, mensagens instantâneas, sites de relacionamento e chats.
(CAMPOS, 2013).
A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar
informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa
sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço,
garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre
os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Ainda segundo afirma Campos (2013), um outro problema comum na
contratação eletrônica é o excesso desnecessário de informação com o fim de
saturar o contratante, dispersá-lo ou fazer com que navegue de forma
cíclica em busca de uma informação necessária.
Conforme Campos (2013):

A informação buscada, muitas vezes está contida em textos
longos e prolixos com a presença de "links" que levam a
outros textos também não precisos, de idêntica qualidade,
e isso ocorre em uma sucessão de cliques em outros "links"
que fazem com que o internauta acredite estar caminhando
na direção correta da informação desejada, quando na
verdade, terá a consciência de que foi enganado, ou não se
sente capaz de achar a informação, sentindo-se perdido e
cansado numa viagem cíclica que não leva a lugar algum.
Essa é uma forma de violação do dever de informação. A
informação não existe ou está muito bem escondida numa
corrente de textos vagos e uma sequência de "links" que
fará com que o internauta consiga a informação a custa de
muito sacrifício e paciência.

No caso da inexistência de informação, a violação do dever anexo é
cristalina; já no segundo caso, embora se possa alegar que a informação
está presente, ela está maliciosamente escondida, com o fim de que ela não
chegue ao conhecimento do consumidor. Dessa forma, também estão a boa-fé e
o dever anexo de informação violados.
Acerca da questão, o Decreto nº 7.692/13 assim estabelece em seu
artigo 2º:

Art. 2º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos
utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo
devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil
visualização, as seguintes informações:
I – nome empresarial e número de inscrição do fornecedor,
quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou
no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da
Fazenda;
II – endereço físico e eletrônico, e demais informações
necessárias para sua localização e contato;
III – características essenciais do produto ou do serviço,
incluídos os riscos à saúde e à segurança dos
consumidores;
IV – discriminação, no preço, de quaisquer despesas
adicionais ou acessórias, tais como as de entrega ou
seguros;
V – condições integrais da oferta, incluídas modalidades
de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da execução
do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto; e
VI – informações claras e ostensivas a respeito de
quaisquer restrições à fruição da oferta.


Observa-se que o art. 2º do Decreto determina quais informações devem
ser disponibilizadas para o consumidor a fim de que este conheça melhor
quem lhe oferece produto ou serviço por meio eletrônico.
O que nota-se, todavia, é a inexistência de penalidades
administrativas e jurídicas explanadas na própria lei. Isso reflete
diretamente na questão da responsabilidade do fornecedor, eis que por
muitas vezes sai impune por conta da falta de informação disponível para o
consumidor.

5 CONCLUSÃO

Graças a evolução da tecnologia e a facilidade ao acesso à internet,
o comércio eletrônico está se tornando um dos principais meios em que se
formam as relações de consumo, superando, em muitos casos as vendas de
maneira presencial, isto é, no varejo off-line.
Como é notório, o mundo da informática é muito inconstante no sentido
do uso de determinada tecnologia. O que é utilizado hoje, amanhã já não
poderá ser tão usado, sendo substituído por outros. Como exemplo têm-se as
unidades removíveis de informação: há 20 anos utilizava-se as fitas cassete
para armazenar informações, posteriormente, uma das maiores inovações
tecnológicas era o uso do disquete. Logo depois, surgiu então o CD-ROM e
sua popularização, assim como o DVD-ROM. Até que surgiram os pen-drives e
os cartões de memória decretando o fim dos disquetes, passando para um novo
conceito de memória e transporte de dados.
Por isso, qualquer tentativa de regulamentação no sentido que querer
estabelecer um determinado uso de tecnologia pode ser perigoso. A
tecnologia que hoje é extremamente popular, pode amanhã cair ao desuso. Por
essa razão, qualquer tentativa de regulamentar o comércio eletrônico é tão
volátil.
O Código de Defesa do Consumidor, promulgado em 1990, cumpre a função
de regular as relações entre consumidores e fornecedores. Entretanto, o
comércio eletrônico representou uma revolução para qual o CDC não estava
preparado. O crescimento inesperado desse meio de comércio e o alcance
bilionário de cifras que envolve, resultou também em um aumento expressivo
nas demandas judiciais que envolviam clientes virtuais que sentiam-se
lesados e qualquer proteção jurídica.
O que se observou foi uma necessidade de haver uma regulamentação
específica do comércio eletrônico, a qual somente veio a ocorrer no ano de
2013, através do Decreto nº 7.962/13.
O Decreto, apesar de ser um marco na regulamentação do comércio
eletrônico no Brasil, recebeu críticas por juristas e doutrinadores, que
defendem que o mesmo é "genérico" e não garante a proteção devida à maior
vulnerabilidade do consumidor desse meio, principalmente, em razão da falta
de conhecimento técnico acerca do meio eletrônico.
Diante disso, surgiu o questionamento acerca da efetividade da
regulamentação específica do comércio eletrônico no Brasil. Através desse
estudo, constatou-se, que a regulamentação do e-commerce no país ainda
necessita de melhoras que protejam com maior eficiência o consumidor.
Em que pese a edição do decreto ser muito valiosa, é necessária uma
regulamentação, com maior profundidade, do comércio eletrônico. Destaca-se
a necessidade de uma alteração substancial do direito de arrependimento, do
cancelamento da compra, e quanto as informações técnicas dos produtos e
serviços ofertados, conforme abordado no texto.
Ao que pese a segurança do consumidor, torna-se necessário formas de
penalidades administrativas ao fornecedor de má-fé, além de medidas para
assegurar o cumprimento destas, sobre o crime de manipulação indevida dos
dados pessoais do consumidor e, por fim, sobre a competência em ações
judiciais de responsabilização contratual e extracontratual relativas ao
fornecimento a distância, inclusive internacional, de produtos e serviços.

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[1] Graduada em Direito e em Relações Internacionais pela Universidade do
Sul de Santa Catarina (UNISUL). Pós-Graduada em Direito Civil e Direito
Empresarial pela Faculdade Damásio. Participou da Escola de Verão de
Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) no ano de 2011,
onde fez extensão em Negociações Internacionais. Atualmente é acadêmica da
Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina (2016).
[2] O profissional liberal difere dos fornecedores ordinários, eis que não
responde por responsabilidade objetiva, mas por culpa - cf. o § 4º do art.
14 do CDC) (NUNES, 2015).
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