A proteção jurídica do consumidor em relação à qualidade dos combustíveis

May 29, 2017 | Autor: F. Alves | Categoria: CONSUMIDOR, Combustível
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Energia para o Século XXI: Sociedade e Desenvolvimento 12 a 15 de agosto de 2012 Curitiba - PR

A Proteção Jurídica do Consumidor em Relação à Qualidade dos Combustíveis Fabrício Germano Alves1 Yanko Marcius de Alencar Xavier2

RESUMO O presente estudo tem a finalidade de analisar os principais aspectos da proteção do consumidor no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no que diz respeito à qualidade dos combustíveis comercializados no mercado de consumo. Com fundamento principalmente na Lei no 8.078 de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor) e na Lei no 9.478, de 06 de agosto de 1997 (Lei do Petróleo), assim como na doutrina especializada, será explicitado como ocorre a configuração da relação jurídica de consumo na aquisição ou utilização de combustíveis, os critérios que devem ser utilizados para a aferição da qualidade ou adulteração dos mesmos, especialmente a normatização expedida pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves (ANP), e por fim a conformação jurídica da proteção do consumidor contra vícios de qualidade de tais produtos. Palavras-chave: Consumidor, Qualidade, Combustíveis.

ABSTRACT The present study aims to analyze the main aspects of consumer protection in the Brazilian legal system, specifically with regard to the quality of fuels sold in the consumer market. Based primarily on the 8.078 Law, of September 11, 1990 (Consumer Protection’s Code) and the 9.478 Law, of August 6, 1997 (Petroleum Law), as well as specialized doctrine, will be explained how the configuration of the legal relationship of consumption occurs in purchase or use of fuels, the criteria to be used to measure the quality or adulteration of them, especially the rules issued by the National Agency for Oil, Natural Gas and Biofuels

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UFRN, [email protected], Rua João Florêncio de Queiroz, n 31, Capim Macio, Natal – RN, CEP 59082-320.Tel. (84) 9943-5134. 2 UFRN, [email protected]. 1

(ANP), and finally the conformation of the consumer legal protection against defects in quality of such products. Keywords: Consumer, Quality, Fuels.

1. INTRODUÇÃO Um dos direitos básicos do consumidor consiste na qualidade dos produtos que são disponibilizados no mercado de consumo. Entre tais produtos certamente podemos destacar os combustíveis. Assim sendo, todos os consumidores tem direito a um combustível de qualidade. Em contrapartida, surge em decorrência desse direito, um dever para os fornecedores, que no caso são os postos revendedores, de comercializar seus combustíveis mantendo certo padrão de qualidade dos mesmos. Contudo, algumas vezes os fornecedores deixam de obervar o referido dever e passam a adotar práticas que fraudam a qualidade dos combustíveis comercializados mediante alteração de suas características. Quando esse tipo de prática ocorre, estamos diante do que se chama de alteração ou adulteração de combustíveis. Trata-se de um processo no qual as características do produto (combustível) são alteradas, passando o mesmo a ser formado por uma composição diferente da que é estabelecida pelas especificações técnicas instituídas pelo Poder Público, que servem de paradigma para a aferição da qualidade dos combustíveis. A adulteração de combustíveis é uma prática de deve ser veementemente coibida no mercado, uma vez que a incidência dessa prática gera consequências nefastas tanto ao consumidor de forma individual quanto ao próprio mercado de consumo em geral. O consumidor é individualmente lesado à medida que, ao abastecer o seu veículo com o combustível adulterado, experimenta um prejuízo econômico imediato, em virtude do rendimento insatisfatório do veículo, da perda da potência do motor, bem como do consumo excessivo de combustível, e em alguns casos, onde ocorre a utilização contínua do combustível inadequado, esse prejuízo é suportado após certo decurso de tempo, em forma de dano no motor ou em qualquer outro componente do veículo. Na seara coletiva, a adulteração de combustíveis é considerada uma prática danosa para toda a sociedade de maneira geral, na medida em que causa prejuízo ao erário público, por ter o condão de reduzir a arrecadação dos impostos que incidiriam sobre o produto caso fosse comercializado em condições normais, acarreta danos ambientais, em razão da elevação do nível de contaminação do meio ambiente devido à emissão de gases e partículas poluentes, entre outros casos. Na primeira parte do trabalho em questão, com fundamento na Lei no 8.078 de 11 de setembro de 1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, juntamente com a doutrina especializada sobre o tema, se demonstrará como ocorre a configuração da relação jurídica de consumo na aquisição ou utilização dos combustíveis, mediante a constatação de todos os elementos que compõem esse tipo de relação. Na segunda parte, serão explicitados os critérios que servem de parâmetro para se definir se um determinado combustível atende ao padrão de qualidade exigido ou se encontra em estado de alteração ou adulteração, assim como órgão do Poder Público que tem legitimidade para editá-los. Na terceira e última parte, antes das considerações finais, será analisada a conformação jurídica atual que permite a realização da proteção e defesa do consumidor no que tange aos vícios de qualidade dos combustíveis. 2

2. CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO NA AQUISIÇÃO OU UTILIZAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Para que haja a caracterização de uma relação jurídica de consumo é imprescindível a identificação conjunta de todos os elementos que a compõem, ou seja, é preciso que estejam presentes na relação concomitantemente os elementos subjetivos, o elemento objetivo e o elemento causal, que formam a relação de consumo. Os elementos subjetivos são os sujeitos que fazem parte da relação de consumo, isto é, o consumidor (stricto sensu ou equiparado) e o fornecedor (mediato ou imediato). O elemento objetivo diz respeito ao objeto da relação desenvolvida entre consumidor e fornecedor que pode ser constituído pelo produto ou serviço comercializado. O elemento causal, também chamado de finalístico, da relação jurídica de consumo pode ser observado na condição de destinatário final assumida pelo consumidor na aquisição ou utilização de um determinado produto ou serviço do fornecedor. Assim sendo, passemos à análise mais detalhada de tais elementos. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) instituiu quatro definições de consumidor, sendo uma direta e mais três por equiparação, que devem ser estudadas conjuntamente para que se possa entender o conceito de consumidor adotado pelo microssistema consumerista. No entanto, em todas as definições apresentadas pelo Código é possível vislumbrar a condição de destinatário final (elemento causal) além da vulnerabilidade (presumida) do consumidor na relação jurídica de consumo. A primeira definição de consumidor trazida pelo Código encontra-se insculpida no artigo 2o, caput e diz respeito à definição de consumidor direto ou stricto sensu. Segundo esta, todo aquele que adquire ou utiliza um produto ou serviço como destinatário final pode ser considerado consumidor, independentemente de ser pessoa física ou jurídica. É justamente a partir desta definição, ao exigir expressamente a condição de destinatário final para a configuração da relação jurídica de consumo, que se pode constatar a imprescindibilidade do elemento causal ou finalístico. Para que este elemento possa ser configurado é absolutamente necessário que não haja qualquer espécie de revenda ou repasse do bem adquirido por parte do consumidor, ou seja, a relação deve ser efetivada de modo que o produto ou serviço seja retirado do mercado de consumo de maneira definitiva para a satisfação de uma necessidade própria do consumidor (Oliveira, 2011). Além da definição de consumidor direto ou stricto sensu, o CDC ainda traz três definições que permitem a caracterização de uma relação de consumo por equiparação, configurando espécies de consumidor lato sensu. Estas são trazidas respectivamente: no artigo 2o, parágrafo único, que se refere à coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que intervier em uma relação de consumo; no artigo 17, que trata das vítimas (bystanders) dos chamados defeitos ou acidentes de consumo; e no artigo 29, que atribui o status de consumidor a todas as pessoas, ainda que indetermináveis, que forem expostas às práticas comerciais previstas no capítulo V do CDC (v.g, oferta, publicidade, cobrança de dívidas, etc.). O conceito de fornecedor como um dos elementos subjetivos da relação jurídica de consumo, pode ser entendido a partir da definição apresentada no artigo 3o, caput do CDC. Consoante tal dispositivo considera-se fornecedor qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, ou mesmo ente despersonalizado, que desenvolva de forma habitual/profissional atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição, comercialização de produtos ou prestação de serviços, ou qualquer outra atividade de natureza análoga.

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Abordados os elementos subjetivos e o elemento causal, resta-nos analisar o elemento objetivo da relação jurídica de consumo, que pode ser representado por um produto ou serviço. Conforme o disposto no artigo 3o, §1o do CDC, para fins de aplicação da normatização consumerista, considera-se produto qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial, que esteja inserido no mercado de consumo, independentemente da existência de exploração de um valor econômico sobre o mesmo. Já o conceito de serviço é obtido a partir da definição trazida no artigo 3o, §2o do CDC, o qual define serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, que seja exercida mediante uma contraprestação de natureza remuneratória, excluindo-se as atividades decorrentes das relações de caráter laboral. Compreendida a caracterização da relação jurídica de consumo mediante o entendimento dos elementos que a compõem, pode-se afirmar que todo aquele que adquire ou utiliza em seu veículo (destinatário final), um combustível (produto) de um posto revendedor (fornecedor), deve ser considerado consumidor na forma do artigo 2o, caput do CDC (direto ou stricto sensu). Portanto, em virtude da caracterização da relação jurídica de consumo na situação hipotética acima descrita, nasce para o referido consumidor o direito à proteção instituída pelo microssistema consumerista (Ribeiro, 2010).

3. PARÂMETROS PARA A DEFINIÇÃO DA QUALIDADE E ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEIS Os critérios utilizados para a definição do que se considera qualidade e adulteração de combustíveis são obtidos a partir de um conjunto de características físicas e químicas que são previstas nas Normas Brasileiras (NBR) e Métodos Brasileiros (MB) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) juntamente com as normas da American Society for Testing and Materials (ASTM). O artigo 238 da Constituição Federal determina que a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis deverá ser regulamentada por legislação infraconstitucional. Em obediência a tal ditame constitucional, a Lei no 9.478, de 06 de agosto de 1997, conhecida como Lei do Petróleo, em seus artigos 8o e 9o, instituiu um rol de atribuições a serem exercidas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves (ANP) no desenvolvimento da atividade de implementação da política nacional do petróleo, contida na política energética nacional (Bucheb, 2007). No escopo de buscar a concretização do princípio/objetivo da Política Energética Nacional, referente à proteção dos interesses do consumidor quanto à qualidade dos produtos (combustíveis) comercializados no mercado brasileiro (artigo 1o, inciso III), ficou estabelecido em seu artigo 8o, inciso XVIII, como uma das atribuições da ANP, a especificação de parâmetros para a aferição da qualidade dos derivados de petróleo, gás natural e seus derivados e dos biocombustíveis. Fundando-se na Lei no 9.478/97, juntamente com a Lei no 9.847/99, a ANP, entidade integrante da Administração Federal Indireta, submetida ao regime autárquico especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, possui legitimidade para regular e fiscalizar as atividades relacionadas à indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, bem como ao abastecimento nacional de combustíveis. No universo de tais atribuições desempenhadas pela ANP pode-se destacar a proteção do consumidor no que tange à qualidade dos combustíveis. Em consonância com a normatização vigente, bem como com a Política Energética Nacional, a ANP atua na proteção do consumidor em relação à qualidade dos combustíveis principalmente quando determina, por meio de 4

portarias, instruções normativas e resoluções, um conjunto de especificações técnicas que estabelecem valores-limites que consubstanciam determinadas características dos combustíveis que devem ser respeitadas pelos postos revendedores (fornecedores) que atuam no mercado brasileiro. Ainda, em virtude das atividades relacionadas com a indústria petrolífera, dentre as quais se insere a atividade de revenda de combustíveis, serem consideradas, por força legal, como atividades de interesse público, existe a possibilidade legal da ANP aplicar as sanções administrativas e pecuniárias previstas no artigo 2o da Lei no 9.847, de 26 de outubro de 1999 (Costa, 2009). Não obstante a atuação da ANP em defesa dos consumidores na seara normativa e sancionatória do mercado de combustíveis, a Agência também realiza a proteção do consumidor mediante as atividades desenvolvidas pelo Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis Líquidos (PMQC). Com fundamento nos resultados fornecidos pelo Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas (CPT), o PMQC realiza um controle de qualidade dos combustíveis comercializados no mercado de consumo por meio da aferição de suas características frente às especificações técnicas que são determinadas como indicadores de qualidade. Além disso, a proteção do consumidor realizada pela ANP no que diz respeito à qualidade dos combustíveis também pode ser visualizada na atuação do Centro de Relações com o Consumidor (CRC), um órgão da Agência que permite que os próprios consumidores que se sintam lesados por práticas como a alteração ou adulteração de combustíveis possam entrar em contato diretamente com ela, e solicitar uma fiscalização ou mesmo a autuação do posto revendedor que comercializa combustível em situação irregular. A prática conhecida como alteração ou adulteração de combustíveis é configurada quando, na atividade de revenda, estes são comercializados em desacordo com os parâmetros estabelecidos pelo Poder Público, notadamente, a normatização proveniente da ANP. Por se tratar de uma prática que ludibria e ao mesmo tempo atenta contra a qualidade dos produtos inseridos no mercado de consumo (combustíveis), esse tipo de conduta já foi denominada como fraude qualitativa (Bittar, 2011). A adulteração geralmente é feita mediante a adição irregular de diferentes substâncias ao combustível comercializado no escopo de maximizar a obtenção de lucro. Isso é possível tanto em razão do custo reduzido das substâncias adicionadas bem como devido à irregularidade no recolhimento dos impostos que incidem sobre os combustíveis. Entretanto, para cada espécie de combustível comercializado (v.g., álcool, gasolina, óleo diesel) existe uma forma peculiar de adulteração. No mercado de combustíveis existem dois tipos de álcool ou etanol: o álcool etílico anidro combustível ou etanol anidro combustível e o álcool etílico hidratado combustível ou etanol hidratado combustível. O etanol anidro não pode ser utilizado diretamente nos veículos como combustível. Ele é produzido especificamente para ser adicionado à gasolina proveniente das refinarias de petróleo que é entregue às companhias distribuidoras. A partir de tal adição é obtida a gasolina comum que é disponibilizada no mercado de consumo pelos postos revendedores. Já o etanol hidratado é produzido para ser comercializado diretamente aos consumidores, isto é, corresponde ao combustível que é utilizado nos veículos movidos a álcool ou biocombustíveis. A adulteração do álcool ou etanol combustível pode ocorrer de diversas maneiras. É possível que tal alteração seja feita mediante a adição irregular de água ao álcool etílico anidro para ser comercializado como se fosse álcool etílico hidratado. Neste caso, o produto obtido a partir da adulteração é o chamado “álcool molhado”. O álcool ou etanol combustível também pode ser adulterado realizando-se a adição direta do etanol anidro ao etanol 5

hidratado, o que resulta em um produto inadequado ao consumo, uma vez que o etanol anidro é produzido exclusivamente para ser adicionado à gasolina. E ainda a adulteração desse combustível pode se consumar quando, com a finalidade de se obter um aumento de volume, o fornecedor simplesmente adiciona água à fórmula do etanol hidratado em quantidade superior à permitida nas especificações estabelecidas. No escopo de coibir as referidas formas de adulteração do álcool ou etanol combustível, a ANP editou a Resolução no 7 de 9 de fevereiro de 2011. Esta, por meio do Regulamento Técnico ANP no 3/2011, estabeleceu um conjunto de especificações técnicas para o álcool ou etanol combustível comercializado, assim como um rol de obrigações relacionadas ao controle de qualidade de tal combustível que devem ser atendidas por todos os agentes econômicos que comercializem esse produto no território nacional, notadamente os postos revendedores. Assim como o álcool ou etanol combustível, a gasolina que é disponibilizada no mercado para os consumidores pode ser adulterada de muitas formas. A maneira mais comum de adulteração de gasolina consiste na adição de álcool etílico anidro ou etanol anidro em quantidade superior à permitida nas especificações contidas no Regulamento Técnico ANP no 7/2011, anexo à Resolução ANP no 57, de 20 de outubro de 2011. No entanto, embora seja menos corrente, a gasolina também pode ser adulterada mediante a adição irregular de solventes proibidos (v.g., solvente de borracha). Esta prática altera características essenciais do combustível (gasolina) tornando-o impróprio para o consumo. Outrossim, a gasolina também pode ser adulterada a partir da mistura desta com o óleo diesel. O problema reside no fato de que este, além de ser menos tributado, ainda pode causar danos ao motor do veículo movido à gasolina, em razão de ser mais pesado que esta e ainda devido ao fato de que sua queima não ocorre completamente. Os critérios que permitem a definição da qualidade e adulteração do óleo diesel combustível podem ser encontrados na Resolução ANP no 12, de 25 de março de 2005, que alterou a Portaria ANP no 310, de 27 de dezembro de 2001. A referida Resolução estabeleceu um conjunto de especificações técnicas para o óleo diesel combustível e instituiu uma classificação para o citado combustível em três espécies: óleo diesel automotivo S500, óleo diesel automotivo metropolitano e óleo diesel automotivo interior, tomando como parâmetro de diferenciação entre as mesmas o teor de enxofre contido em cada uma. Apesar de não consistir em prática muito frequente no mercado de combustíveis brasileiro, a adulteração de óleo diesel combustível existe, e pode ocorrer mediante a adição de óleos mais pesados (residuais), o que altera a sua curva de destilação e somente poderá ser detectado por testes laboratoriais, ou ainda a partir da mistura do óleo diesel com óleo vegetal. Este, por se tratar de produto impróprio para o correto funcionamento do motor dos veículos a diesel, quando utilizado pode causar-lhes danos até mesmo em curto prazo.

4. PROTEÇÃO COMBUSTÍVEIS

DO

CONSUMIDOR

CONTRA

VÍCIOS

DE

QUALIDADE

DOS

No Direito consumerista a qualidade dos produtos e serviços é organizada de acordo com a chamada teoria da qualidade. Esta, por sua vez, abrange dois aspectos distintos. O primeiro deles diz respeito à proteção da incolumidade econômica do consumidor em face dos incidentes de consumo capazes de atingir seu patrimônio. É em relação a esta parte que encontramos os vícios de qualidade por inadequação. O segundo aspecto refere-se à proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor contra danos que atentem contra a 6

sua saúde ou segurança (Benjamin et al., 2010). É precisamente nesta parte onde se inserem os vícios de qualidade por insegurança ou simplesmente o fato do produto. Considerando que os referidos aspectos da teoria da qualidade não se encontram absolutamente dissociados no universo prático, ao analisá-los, o intérprete/aplicador deve considerar o traço preponderante que define cada parte da teoria como tal (inadequação ou insegurança), e não apenas buscar identificar as referidas partes de maneira absolutamente exclusivas, onde a existência de uma necessariamente implicaria na inexistência da outra. Os vícios de qualidade por inadequação referem-se à simples inaptidão ou inidoneidade do produto para a realização do fim a que se destina. Tais vícios são delineados a partir de uma perspectiva eminentemente econômica. A responsabilidade dos fornecedores quanto a esse aspecto é tratada nos artigos 18 a 25 do CDC (“Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço”). Já os vícios de qualidade por insegurança (fato do produto) correspondem aos chamados “acidentes de consumo”, isto é, casos onde o vício do produto ultrapassa os limites da coisa em si (esfera econômica) e vem a causar um dano físico ou psíquico ao consumidor. No que tange a esse segundo aspecto a responsabilidade dos fornecedores é definida nos artigos 12 a 17 do CDC (“Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço”). Embora exista certa semelhança entre o vício, instituto do Direito consumerista aqui tratado, quando se encontra na condição de vício oculto e o vício redibitório estudado no Direito civil, estes dois institutos não devem ser confundidos, pois, a identificação de cada um trará consequências jurídicas diferentes, principalmente em razão da sua natureza jurídica diversa. Há na doutrina também uma diferenciação conceitual entre vício e defeito, de maneira que se considera que o vício é consubstanciado em uma característica inerente ao próprio produto, ao passo que o defeito seria o vício acrescido de um problema extra, ou seja, algo extrínseco ao produto em si, que causa um dano ao consumidor, denominado fato do produto (Rizzatto Nunes, 2011). Ainda dentro da teoria da qualidade, é possível reconhecer que os vícios que atentam contra a incolumidade econômica do consumidor (vícios de qualidade por inadequação) podem se manifestar em forma de duas espécies distintas: vícios de qualidade stricto sensu e vícios de quantidade. Consoante o disposto no artigo 18, caput do CDC, são considerados vícios de qualidade strico sensu aqueles que tornem os produtos “impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor”, assim como aqueles “decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza”. Conforme o artigo 19, caput do CDC, configura-se hipótese de vício de quantidade sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, o conteúdo líquido do produto for inferior às indicações constantes no recipiente, na embalagem, na rotulagem ou na mensagem publicitária que o anuncia. O artigo 18 do CDC, ao instituir a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualidade por inadequação, criou um novo dever jurídico, a saber, o dever de qualidade, ou seja, os fornecedores somente devem introduzir no mercado de consumo produtos inteiramente adequados ao fim a que se destinam (Cavalieri filho, 2011). Trata-se de uma imposição relacionada especificamente com a proteção do consumidor em relação aos vícios de qualidade stricto sensu. No mesmo sentido veio o artigo 10, inciso II da Portaria ANP no 116, de 05 de julho de 2000, que impõe ao posto revendedor varejista (fornecedor) a obrigação de garantir a qualidade dos combustíveis automotivos comercializados, de acordo com a legislação específica. É precipuamente com base nos citado dispositivos normativos que é garantida ao consumidor a proteção contra vícios de qualidade dos combustíveis que se 7

encontram dispostos no mercado de consumo, mais precisamente, a proteção contra práticas como a adulteração de combustíveis.

5. CONCLUSÕES Em razão do combustível se tratar de um produto disposto no mercado de consumo, e da existência do direito básico do consumidor à qualidade dos produtos comercializados, conclui-se que deve haver uma proteção jurídica do consumidor contra práticas desempenhadas pelos fornecedores que venham de encontro à qualidade dos combustíveis. Em outras palavras, os postos revendedores têm o dever legal de apenas comercializar combustíveis de qualidade. Todavia, não é sempre que este dever imposto ao fornecedor é cumprido na sua totalidade. Existem casos em que os postos revendedores se utilizam de diversas práticas capazes de transformar a composição dos produtos (combustíveis) comercializados, com o intuito de fraudar a qualidade dos mesmos. Esse tipo de fraude recebe o nome de alteração ou adulteração de combustíveis. Trata-se na verdade de um processo de alteração das características do combustível que o deixa em desacordo com as especificações técnicas estabelecidas para a comercialização do mesmo em termos de qualidade. Essa espécie de prática deve ser combatida por todos os órgãos que atuam na proteção e defesa do consumidor, no entanto, em se tratando do combustível como produto, demanda-se especialmente a atuação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves (ANP). Pode-se constatar que quando uma pessoa física ou jurídica adquire ou utiliza em seu veículo combustível proveniente de um posto revendedor configura-se uma relação jurídica de consumo. Assim conclui-se em face da constatação da presença de todos os elementos que compõem esse tipo de relação, ou seja, os elementos subjetivos (consumidor e fornecedor), o elemento objetivo (objeto adquirido ou utilizado) e o elemento causal (destinação final). Em consequência da efetivação da relação jurídica de consumo nasce automaticamente o direito do consumidor a ser protegido no que tange à qualidade dos produtos comercializados no mercado. Dentro das quatro definições de consumidor trazidas pela Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), a hipótese em questão se encaixa dentro da definição contida no artigo 2o, caput (consumidor direito ou stricto sensu), uma vez que a aquisição ou utilização do combustível não foi sucedida de repasse ou revenda, o que caracteriza a destinação final. O posto revendedor do combustível é considerado fornecedor nos termos do artigo 3o, caput do CDC. Na forma do 3o, §1o do CDC, o combustível adquirido ou utilizado diz respeito ao objeto da relação jurídica de consumo, isto é, o produto comercializado. Em conformidade com o artigo 238 da Constituição Federal, que determina que a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis seja regulamentada por legislação infraconstitucional, foi editada a Lei no 9.478/97 (Lei do Petróleo). No escopo de promover a implementação da Política Nacional do Petróleo, contida na Política Energética Nacional, a referida lei instituiu a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves (ANP). Dentre as atribuições da referida Agência está a proteção dos interesses do consumidor quanto à qualidade dos produtos comercializados no mercado (artigo 1o, inciso III). Para o cumprimento de tal tarefa ficou a cargo da mesma a especificação de parâmetros para a aferição da qualidade dos derivados de petróleo, gás natural e seus derivados e dos biocombustíveis (seu artigo 8o, 8

inciso XVIII). Ainda, com fundamento na Lei no 9.847/99, além de normatizar, a ANP tem o papel de fiscalizar as atividades relacionadas à indústria do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis, assim como ao abastecimento nacional de combustíveis. As atividades da ANP na seara da proteção do consumidor podem ser vislumbradas também na atuação do seu Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis Líquidos (PMQC), do Centro de Pesquisas e Análises Tecnológicas (CPT), e ainda do Centro de Relações com o Consumidor (CRC). Para que possa ser efetivada a proteção do consumidor em relação à qualidade dos combustíveis é preciso que seja definido o que é considerado um combustível de qualidade. Essa definição pode ser obtida a partir das especificações técnicas estabelecidas pela ANP de forma específica para cada tipo de combustível. Quando um determinado combustível se encontra em desacordo com os parâmetros instituídos pela ANP, diz-se que este combustível está alterado ou adulterado, e como tal, o mesmo se mostra inadequado para o consumo. Trata-se de uma fraude em relação à qualidade do produto que é praticada pelo posto revendedor (fornecedor) no intuito de maximizar os seus lucros. Em razão de se tratar de uma relação de consumo, a pessoa (consumidor) que adquire ou utiliza combustível (produto) de um posto revendedor (fornecedor), tem direito à qualidade de tal combustível, ou seja, está protegido pelo microssistema jurídico contra vícios de qualidade, como é o caso da adulteração. Em decorrência disso, o posto revendedor que incorrer em tal prática poderá vir a ser responsabilizado nos termos dos artigos 18 a 25 do CDC.

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