A provisoriedade das medidas jurisdicionais de urgência e a ideia de confiança legítima dos seus beneficiários

Share Embed


Descrição do Produto

Nº CNJ RELATOR EMBARGANTE EMBARGADO APELANTE APELADO ADVOGADO REMETENTE ORIGEM

: 0011909-89.2008.4.02.5101 : JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO : ANTONIO CARLOS BABO RODRIGUES : V. ACÓRDÃO DE FLS. 104/105 : UNIAO FEDERAL : ANTONIO CARLOS BABO RODRIGUES : ELAINE MARIA GOMES DE FIGUEIREDO DIAS E OUTRO : JUIZO FEDERAL DA 29A VARA-RJ : VIGÉSIMA NONA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200851010119094) RELATÓRIO

O Apelado opôs os Embargos de Declaração de fls. 108/110, ao acórdão unânime lavrado por esta E. Turma Especializada (fls.104/105), que deu provimento ao apelo e à remessa, nos termos da ementa abaixo: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CARGO DE MÉDICO. EDITAL 001/2005/SE/MS. FORMAÇÃO. CERTIFICADO DE RESIDÊNCIA MÉDICA NÃO APRESENTADO. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. PRECEDENTES DAS CORTES SUPERIORES E DESTE TRIBUNAL. POSSE. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PROVIMENTO RECURSAL. 1.Trata-se de remessa necessária e apelação da União Federal contra sentença que concedeu a segurança para determinar a posse do Impetrante no cargo de Médico – Medicina Intensiva (Adulto), independentemente do requisito contido no edital. 2.Mandamus visando à investidura no referido cargo, considerando aprovação em certame público regido pelo Edital nº 001/2005/SE/MS, que previa como necessário à formação a conclusão de Residência Médica em Medicina Intensiva ou Título de Especialista na área concedido pelo aludido Programa ou pela Sociedade da Especialidade. Posse negada pela Administração, considerando ausência do Certificado. 3. Concurso público. Procedimento administrativo com o propósito de medir aptidões pessoais dos

participantes. Verificação das capacidades intelectual, física e psíquica dos candidatos. Princípios da igualdade, moralidade administrativa e competição. 4. Edital. Ato vinculante. Publicado e iniciado o concurso, a regra é a não possibilidade de disposição em contrário no tocante às normas previamente estabelecidas, desde que não ocorra violação aos princípios, valores e dispositivos constitucionais, diante da qual possível o controle judicial. 5. Edital nº 001/2005/SE/MS. Disposições relativas aos cargos e à investidura. Cabe à Administração, imbuída do poder discricionário que lhe é peculiar, atendendo aos critérios de conveniência e oportunidade e observando os preceitos legais, definir critérios e requisitos para aprovação e posse. Arbítrios e ilegalidades não comprovadas na espécie. Natureza e complexidade do cargo respeitadas. 6.Art. 333, I, do CPC. Ausência de prova atinge diretamente a pretensão autoral, cabendo a esta o ônus quanto ao preenchimento dos requisitos definidos pelo edital para a investidura no cargo. Precedentes das Cortes Superiores e deste Tribunal. 7.Direito líquido e certo não comprovado. Provimento recursal e da remessa necessária. O presente mandamus visa à posse em cargo público, considerando aprovação em processo seletivo regido pelo Edital 001/2005/SE/MS, que previa como necessário à formação a conclusão de Residência Médica em Medicina Intensiva ou Título de Especialista na área concedido pelo aludido Programa ou pela Sociedade da Especialidade. Ante a segurança concedida em Primeira Instância, o Embargante foi empossado no cargo em 01.7.2008 (fl.78). Irresignado ante a decisão Colegiada que deu provimento ao apelo da União Federal e à remessa necessária, opõe os presentes aclaratórios, com fulcro no art. 535 do CPC, colacionando o Título de Especialista em Medicina Intensiva, datado de 27.6.2010 (fl.111), pugnando pela atribuição de efeitos infringentes ao julgado para determinar a permanência no cargo para o qual fora aprovado. Contrarrazões da União Federal, fls. 116/117. É o relatório. Em mesa para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

VOTO O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Trata-se de Embargos de Declaração opostos pelo Apelado, ao acórdão unânime lavrado por esta E. Turma Especializada, que deu provimento ao apelo e à remessa necessária, reformando sentença que concedeu a segurança para determinar a posse do Impetrante no cargo de Médico-Medicina Intensiva (Adulto), independentemente de requisito editalício. Argumenta o Embargante a ocorrência de contradição, com fulcro no art. 535 do CPC, pleiteando a atribuição de efeitos infringentes ao julgado, por ter sido aprovado no certame, possuir experiência profissional na área de Medicina Intensiva Adulto e o Título de Especialista em Medicina Intensiva, que colaciona na oportunidade. Os Embargos de Declaração são cabíveis nos casos de omissão, contradição e obscuridade, conforme art. 535, I e II, do CPC, tendo como objetivo esclarecer, completar e aperfeiçoar as decisões judiciais, prestando-se a corrigir defeitos do ato judicial que podem comprometer sua utilidade. As razões recursais demonstram o inconformismo do Embargante relativamente ao julgado, cujo voto assinalou a disciplina constitucional quanto à necessidade de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo público; a segurança concedida pelo Juízo a quo com base em declaração emitida pelo Hospital Estadual Getúlio Vargas, em 29.1.2008, para fins curriculares, destacando que o Impetrante “exerce a função de médico intensivista na UTI-Adulto deste nosocômio desde março de 1999, passando a exercer a função de rotina no período de dezembro de 1999 a março de 2000 e Coordenador Geral desde março de 2000 até a presente data”, e ausência de elementos a comprovar a habilitação necessária. O julgado atacado lastreou-se em precedente da 6ª Turma do E.STJ, na linha de que “não tem direito líquido e certo a tomar posse no cargo de Médico/Clínica Médica/CTI a candidata que não cumpre requisito previsto no edital do certame consubstanciado na apresentação de comprovante de Residência Médica ou Curso de Especialização na respectiva área de especialidade” (RMS 23228, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 08.3.2010), e em manifestação da Suprema Corte indicando a legalidade do ato da Administração que recusou a posse de candidato que não preencheu requisito para a investidura no cargo pretendido (1ª Turma,

RMS 25166 AgR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 06.5.2005), relacionando, ainda, julgado da 8ª Turma Especializada desta Corte (AC 2008.5101.020281-7, Rel. Juíza Fed. Conv. MARIA ALICE PAIM LYARD, E-DJF2R 07.2.2011). O concurso público tem por objetivo a democratização do acesso aos cargos públicos e a igualdade de oportunidade para todos. Nesse sentido, a disciplina dos arts.37, I, da CRFB/88, e 3º, parágrafo único, da Lei 8.112/90, valendo ressaltar orientação da Suprema Corte no sentido de que “embora a Constituição admita o condicionamento do acesso aos cargos públicos a requisitos estabelecidos em lei, esta não o pode subordinar a pressupostos que façam inócuas as inspirações do sistema de concurso público (art. 97, § 1º), que são um corolário do princípio fundamental da isonomia” (STF, Plenário, RE 194657, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 14.12.2001). Nesse contexto, entendo que os títulos acadêmicos exigíveis em certames para ingresso na carreira de servidor público são apenas os necessários, por força de lei, para a investidura no cargo correspondente. A propósito, o enunciado 266 da Súmula do E.STJ, que admite a apresentação do título indicado no edital somente quando da posse. Ademais, a qualificação específica do candidato em determinada área de interesse da Administração somente deve ser aferida concretamente, mediante provas de conhecimentos e títulos, eliminatórias e classificatórias, sendo desproporcional restringir o acesso a um concurso público daqueles que não apresentam um título técnico específico em determinada área, que não seja condição, por força de lei, para investidura no cargo correspondente. Em se tratando do cargo de Médico-Medicina Intensiva Adulto, ressalto a disciplina das Leis 11.123/2005 (que cria cargos na Carreira da Seguridade Social e do Trabalho, para lotação no Ministério da Saúde), 10.483/2002 (versando sobre estruturação da aludida Carreira no âmbito da Administração Pública Federal) e 8.112/90 (Estatuto dos Servidores), que estabelece: Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público: [...] IV - o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo; [...] Por sua vez, dispõe o Edital 001/2005/SE/MS: 2.DOS CARGOS 2.1. Cargos de Nível Superior [...] 2.1.1.8.Médico

Atribuições: Atividades relativas a supervisão, planejamento, coordenação, programação ou execução especializada, em grau maior de complexidade, de trabalhos de defesa e proteção da saúde individual nas várias especialidades médicas ligadas à saúde mental e à patologia, e ao tratamento clínico e cirúrgico do organismo humano. Pré-requisitos comuns a todas as especialidades/ áreas de atuação: Superior completo em Medicina com registro no CRM. Pré-requisitos por especialidade/área de atuação, segundo a Resolução CFM nº 1.763/05, publicada no D.O.U., de 09 de março de 2005: [...] ll) Medicina Intensiva (Adulto): Residência Médica em Medicina Intensiva ou Título de Especialista em Medicina Intensiva concedido pelo Programa de Re si d ê n c i a Mé d i c a o u p e l a S o c i e d a d e d a Especialidade. Nos termos das disposições supra, exige-se para ingresso no cargo, além de conhecimentos específicos a ele inerentes, Residência Médica em Medicina Intensiva ou Título de Especialista em Medicina Intensiva concedido pelo Programa de Residência Médica ou pela Sociedade da Especialidade, apontando a legislação, todavia, como requisito básico à investidura “o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo” (art.5º, IV, da Lei 8.112/90). O Embargante anexa às razões recursais o certificado da titulação exigida, datado de 27.6.2010 (fl.111), cumprindo ressaltar a nomeação efetivada pela Portaria 20, de 10.1.2008, publ. 11.1.2008 (fls.19/20); a negativa de posse em razão da ausência do aludido requisito; a concretização da posse em 01.7.2008, em virtude da decisão judicial (fl. 78), e a argumentação recursal em sede de contrarrazões de apelo, destacando o exercício da atividade profissional por longo tempo e a capacidade comprovada, na forma da declaração emitida pelo Hospital Estadual Getúlio Vargas (fl.22). Na espécie, constata-se que por ocasião da posse o Embargante não possuía o “nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo” porque não dispunha do Certificado de Conclusão da Residência Médica ou titulação de especialista na área, que passou a possuir somente a partir de 27.6.2010, o que afasta a configuração de uma expectativa legítima na perspectiva do interessado. Não obstante, por força de decisão judicial não caracterizada de

definitividade, o Embargante foi empossado no cargo em 01.7.2008 (fl. 78). Friso que a confiança legítima requer para sua caracterização uma condição de estabilidade, o que não se verifica no caso, já que o conjunto das condições postas - as disciplinas legais e editalícias e a posse com caráter de precariedade -, não teve o condão de produzir credibilidade para o beneficiado ou de transmitir-lhe segurança quanto à imutabilidade e consolidação do decisum. Ao contrário de uma decisão judicial transitada em julgado, a medida jurisdicional provisória afasta a possibilidade de caracterização da confiança legítima do interessado em relação à estabilidade do comportamento imposto judicialmente à Administração. De fato, a cassação da decisão a quo determina deixar de ser obrigatória a conduta da Instituição quanto à permanência do profissional no cargo. Todavia, há efeitos indiretos decorrentes de um provimento jurisdicional nessas circunstâncias que atingem a esfera pessoal do próprio interessado ou de terceiros e que extrapolam os limites da lide, sendo naturalmente insuscetíveis de reversão. Trata-se de efeitos produzidos sem origem direta na ordem judicial. Assim, são materialmente irreversíveis os efeitos decorrentes do provimento judicial de Primeira Instância, tais como o exercício profissional no cargo no decorrer desse tempo, os direitos previdenciários e deveres éticos dele decorrentes, os conhecimentos adquiridos, compromissos financeiros assumidos e eventual participação em projetos e pesquisas na área de atuação. Em um juízo de ponderação, não se torna razoável desconsiderar a posse do Embargante, médico com larga experiência na área, e tampouco ignorar todos esses efeitos indiretos da decisão judicial por ele incorporados. Contudo, os presentes aclaratórios não possuem função revisional, mas sim integrativa em relação ao julgado, visando ao seu aperfeiçoamento, não sendo possível modificação substancial da decisão por esta via, eis que ausentes quaisquer dos vícios elencados no art. 535 do CPC, não cabendo a atribuição dos efeitos infringentes pleiteados, autorizada em casos de erro material manifesto ou situações excepcionais. Precedente do E.STF, destacando que os aclaratórios “não constituem meio processual adequado para a reforma do decisum, não sendo possível atribuir-lhes efeitos infringentes, salvo em situações excepcionais [ . . . ] ” ( P l en ár i o , MI 1 0 6 1 A g R- E D , Rel . Mi n . RI CA RD O LEWANDOWSKI, DJe 15.3.2012). Enfim, divergência subjetiva da parte, ou resultante de sua própria interpretação jurídica, não justifica a utilização dos embargos declaratórios. Se assim o entender, a parte deve manejar o remédio jurídico próprio de impugnação. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO AOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.

É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado EMENTA PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONCURSO P ÚBL I CO. CARGO DE MÉ DI CO- ME DI CI NA I NT E NS I VA (ADULTO). LEIS 11.123/2005, 10.483/2002 E 8.112/90. EDITAL 001/2005/SE/MS. REQUISITOS PARA INVESTIDURA NO CARGO. NÍVEL DE ESCOLARIDADE EXIGIDO. VÍCIOS ELENCADOS NO ART. 535 DO CPC. NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Controvérsia envolvendo qualificação técnica para posse em cargo público em cotejo às regras editalícias. 2.Concurso público para o cargo de Médico-Medicina Intensiva (Adulto), disciplinado pelo Edital 001/2005/SE/MS, com exigência de Residência Médica em Medicina Intensiva ou Título de Especialista na área concedido pelo aludido Programa ou pela Sociedade da Especialidade. Nomeação. Posse em 2008, em virtude de sentença. Apelação e remessa necessária providas, reformando o julgado. 3. Embargos de Declaração. Art. 535 do CPC. Recurso cuja finalidade é esclarecer, completar e aperfeiçoar as decisões judiciais, prestando-se a corrigir defeitos do ato judicial que podem comprometer sua utilidade. Hipótese de contradição não configurada. 4.A qualificação específica do candidato em determinada área de interesse da Administração pode ser exigida desde que prevista por lei. Leis 11.123/2005 e 10.483/2002. Carreira da Seguridade Social e do Trabalho. Art.5º, IV, da Lei 8.112/90, estabelecendo como requisito básico à investidura em cargo público o nível de escolaridade exigido para o exercício do cargo. Requisito não integralizado por ocasião da posse (2008). Titulação específica adquirida em 2010. 5. Diversamente de uma decisão judicial transitada em julgado, a provisoriedade das medidas jurisdicionais de urgência afasta a possibilidade de caracterização da confiança legítima do interessado em relação ao comportamento imposto judicialmente à Administração. 6. Contudo, são irreversíveis os efeitos indiretos decorrentes do provimento jurisdicional provisório que extrapolam os limites da lide, notadamente quanto ao exercício profissional no cargo no decorrer desse tempo, os direitos previdenciários e deveres éticos dele decorrentes, os conhecimentos adquiridos, compromissos financeiros assumidos e eventual participação em projetos e pesquisas na área de atuação. 7.Todavia, os aclaratórios não possuem função revisional, mas sim

integrativa em relação ao julgado, visando ao seu aperfeiçoamento, não sendo possível modificação substancial da decisão por esta via, eis que ausentes quaisquer dos vícios elencados no art. 535 do CPC, não cabendo a atribuição dos efeitos infringentes pleiteados, autorizada em casos de erro material manifesto ou situações excepcionais. Precedente do E.STF, destacando que os aclaratórios “não constituem meio processual adequado para a reforma do decisum, não sendo possível atribuir-lhes efeitos infringentes, salvo em situações excepcionais [...]” (Plenário, MI 1061 AgR-ED, Rel.Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 15.3.2012). 8. Embargos de Declaração não providos. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento aos Embargos de Declaração, nos termos do relatório e voto do Relator, constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Rio de Janeiro, 12 de junho de 2012

(data de julgamento).

RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.