A psicanálise não funciona como um placebo.

A PSICANÁLISE NÃO FUNCIONA COMO UM PLACEBO




Iraci del Nero da Costa

São Paulo, fevereiro de 2015




Pretendendo integrar a psicanálise à ciência médica de sorte a fazer
dela um processo de superação de eventuais insuficiências do paciente
transformando-o em um indivíduo dotado de uma personalidade renovada,
distinta da que portava originalmente, afirmei:

"A psicanálise parece-me algo muito particular no que tange à sua
ação como processo curativo. Isto porque, efetivamente, oferece a
possibilidade de enfrentamento e superação de um conjunto (que não
conheço, mas cuja existência admito) de limitações psíquicas. E
isto com base no que se poderia chamar processo de auto-
reconhecimento assistido, o qual, por seu turno, dá-se
exclusivamente no plano do pensamento com base na interação
paciente/terapeuta. De certa forma o "conhecimento" de um "algo"
leva o paciente à superação de sua limitação. E este processo de
superação dá-se mediante a elaboração de um constructo mais ou
menos sofisticado que representa a "criação" (geração) da "doença"
(que expressa no plano do consciente a limitação em questão) dando-
se, correlatamente, o desenvolvimento (criação, geração) de um
processo curativo que leva à superação daquela limitação (admitida,
sempre, como efetiva, pois não importa se ela é, como se diria em
termos do senso comum, "verdadeira ou não" uma vez que, sempre,
será "verdadeira"). Assim, ao mesmo tempo em que se dá a
"construção" da "doença", desenvolve-se, justamente porque a doença
assim gerada é reconhecida e conhecida conscientemente, o processo
curativo.
A coisa se passa como se houvesse uma "disfunção limitativa"
inalcançável (inconsciente) que é elaborada como "doença"
reconhecível (detectável) pela consciência (...) tornando-se,
portanto, "manipulável" (trabalhável, domesticável). À medida,
pois, que se dá a "construção" deste algo ("doença") manipulável,
ocorre o processo curativo (processo de domesticação) do qual
resulta a "cura" (superação) da doença criada e, por estar esta
última associada àquela "disfunção limitativa", a superação de tal
disfunção. A cura não é, pois, imediata, o desconhecido (disfunção
limitativa) vê-se mediado pela consciência que elabora (constrói) a
"doença" e, correlatamente, constrói (elabora, desenvolve) o
processo de cura de tal doença (manipulável por ser conscientemente
reconhecida). Ao "curar-se" de tal "doença criada", chega o
paciente à superação da limitação que fugia (escapava) à
consciência por colocar-se aquém dela." (1)

Pois bem, alguns profissionais tomam tal processo como um placebo,
opinião esta com a qual não concordo pelas razões expostas nos parágrafos
colocados a seguir.

Com o tratamento psicanalítico dá-se uma transformação (superação)
mental profunda que atinge a própria personalidade do paciente, vale dizer,
ocorre a emergência de uma nova personalidade distinta da originária. Tudo
se passa como se estivéssemos a nos deparar com um indivíduo distinto do
primitivo paciente, novo indivíduo este portador de uma personalidade
própria, igualmente nova e distinta da que caracterizava o aludido cliente.

Tal transformação (superação) parece sugerir que o efeito da
psicanálise é muito mais profundo e radical do que o causado por um
placebo.

No caso do placebo também se observa uma mudança, porém tal
transformação não gera um novo indivíduo pois nos apresenta a mesma
personalidade agora possuída por uma mudança menos radical do que a
provocada pelo tratamento psicanalítico.

Destarte, estamos em face de dois eventos passíveis de serem tomados
como paralelos, mas que não se confundem. Tal paralelismo decorre do fato
de que ambos os processos envolvem a mente das pessoas, indo, portanto,
além de um efeito confinado, tão somente, ao âmbito do cérebro das pessoas
neles envolvidas.





NOTA

1. A psicanálise como estratégia de cura. Texto publicado na versão em
português do Pravda.ru online, 21 de fevereiro de 2015, disponível em:
http://port.pravda.ru/science/21-02-2015/38160-psicanalise_cura-0/