A Psicologia na Defensoria Pública: a busca pela justiça e os novos desafios \"psis\"

May 23, 2017 | Autor: Marina Vilar | Categoria: Psicologia Juridica, Defensoria Pública, Interdisciplinaridade
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA

A Psicologia na Defensoria Pública: a busca pela justiça e os novos desafios “psis” Marina Wanderley Vilar de Carvalho

Rio de Janeiro 2011

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE PSICOLOGIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA

A Psicologia na Defensoria Pública: a busca pela justiça e os novos desafios “psis” Marina Wanderley Vilar de Carvalho

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Psicologia Jurídica do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Psicologia Jurídica.

Professora Orientadora: Dra. Anna Paula Uziel

Rio de Janeiro 2011

RESUMO

A interseção entre Psicologia e Direito vem crescendo em larga escala nas últimas décadas no Brasil, fomentando o debate sobre as funções da psicologia em práticas jurídicas, seja em âmbito judiciário ou extrajudiciário. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo foi pioneira dentre as Defensorias Públicas Estaduais em criar o seu quadro de apoio, composto principalmente por profissionais da Psicologia e do Serviço Social que formam os Centros de Atendimento Multidisciplinar. Este texto se propõe a refletir sobre como vem se dando a inserção dessas disciplinas numa instituição eminentemente judiciária, mas que não faz parte do poder judiciário. A partir da experiência de trabalho numa unidade da região metropolitana do Estado, discutimos quais são as demandas endereçadas especialmente à psicologia e quais tem sido as respostas possíveis. Organizamos essa demanda em três focos principais de atuação: uma escuta especializada, de apoio e de encaminhamento para a rede local de serviços; atuação em tentativas de resolução extrajudicial de conflitos; produção de relatórios que visam questionar documentos elaborados por técnicos do Fórum ou dar respaldo técnico à propositura de alguma ação. Construímos uma prática norteada por uma postura ética: olhar e escutar a pessoa que chega para o atendimento como sujeito e nós como implicados na produção de subjetividades e de mundos. A prática de um psicólogo ligada à justiça está intimamente relacionada à concepção dos que buscam essa instituição e dos que trabalham nela sobre o lugar que ela ocupa em nossa sociedade. Neste contexto, é fundamental não deixarmos de questionar, de colocar em análise o lugar que a psicologia está sendo chamada a ocupar, das forças que estão aí imbricadas e produzir um caminho de escolhas e delimitações sobre o que tem significado a inserção da psicologia nessa instituição.

SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................................... 04 Capítulo 1: Caminhos da Psicologia Jurídica e a prática da Psicologia na Defensoria .......... 10 Interseção entre Psicologia e Direito: notas introdutórias ........................................... 10 A introdução da Psicologia na Defensoria Pública ..................................................... 12 O cotidiano na Defensoria ........................................................................................... 13 A escuta “psi” .............................................................................................................. 15 Capítulo 2: A judicialização e as práticas desjudicializantes .................................................. 21 As formas alternativas de resolução de conflito no cotidiano da Defensoria Pública 24 Caso 1 .............................................................................................................. 29 Caso 2 .............................................................................................................. 33 Caso 3 .............................................................................................................. 35 Capítulo 3: As buscas por verdades ........................................................................................ 39 Investigação de paternidade ........................................................................................ 41 Caso 1 .............................................................................................................. 48 Caso 2 .............................................................................................................. 49 Caso 3 .............................................................................................................. 50 Produção de verdades: a demanda pela palavra do especialista .................................. 51 Considerações Finais ............................................................................................................... 54 A mobilização a respeito da vulnerabilidade .............................................................. 54 Para continuar a caminhar ........................................................................................... 56 Referências Bibliográficas ...................................................................................................... 59

Introdução

A Defensoria Pública consiste em um dos órgãos denominados pela Constituição Federal de 1988 como “Funções Essenciais à Justiça”, ou seja, atua perante o judiciário, sem fazer parte da estrutura deste. O art. 5o, LXXIV da Constituição prevê a assistência jurídica integral e gratuita exercida aos que comprovarem insuficiência de recursos, através da Defensoria. As Leis Complementares 80 de 12/01/1994 e 988 de 9/01/2006 organizam a Defensoria Pública, respectivamente em nível federal e no Estado de São Paulo. De acordo com a última: Artigo 2º - A Defensoria Pública do Estado é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, e tem por finalidade a tutela jurídica integral e gratuita, individual e coletiva, judicial e extrajudicial, dos necessitados, assim considerados na forma da lei. Artigo 3º - A Defensoria Pública do Estado, no desempenho de suas funções, terá como fundamentos de atuação a prevenção dos conflitos e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e da marginalidade, e a redução das desigualdades sociais e regionais.

A mesma Lei prevê que existam profissionais de outras disciplinas para trabalhar em conjunto com o Direito no alcance dos objetivos da instituição, dentre eles os psicólogos: Artigo 48 - As Defensorias Públicas Regionais e a Defensoria Pública da Capital serão capacitadas com ao menos 1 (um) Centro de Atendimento Multidisciplinar, visando ao assessoramento técnico e interdisciplinar para o desempenho das atribuições da instituição [...] Artigo 70 - Para o desempenho de suas atribuições, os Centros de Atendimento Multidisciplinar poderão contar com profissionais e estagiários das áreas de psicologia, serviço social, engenharia, sociologia, estatística, economia, ciências contábeis e direito, dentre outras.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo tem apenas quatro anos; antes, sua função era exercida pela Procuradoria do Estado. Em abril de 2010 a primeira turma de psicólogos e assistentes sociais tomou posse e começou a implementar os Centros de Atendimento Multidisciplinar (CAM) em todas as regionais do Estado. Faço parte desta turma, trabalhando em uma cidade na região metropolitana de São Paulo. A Defensoria Pública divide a capital em regiões e todas elas contam com, ao menos, dois psicólogos e um assistente social. Já nas cidades da região metropolitana e do interior, a maioria só conta com um profissional de psicologia, portanto, a multidisciplinaridade não está constituída – menos ainda a interdisciplinaridade, como muitos prefeririam, visto que não seria somente a existência de mais de uma disciplina, mas também a interseção entre elas, ou até mesmo a

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transdisciplinaridade, ou seja, a troca constante entre os saberes, construindo uma prática única, não fragmentada. (Passos e Barros, 2000) Desde o início, o discurso institucional versava sobre a ansiedade com a chegada desses profissionais de outras áreas, mas pouco se sabia o que ao certo caberia a nós. Não se tem notícia de outra Defensoria estadual que já tenha implementado este quadro multiprofissional. Foram duas semanas de curso de formação, novos encontros esporádicos, além de grupos de e-mail e discussões no Conselho Superior da instituição acerca do lugar que o CAM assumiria nas regionais e os papéis por ele assumidos. Cada regional se abriu e se adaptou de maneira diferente; cada profissional acabou por impingir sua forma de trabalho, diante do contexto de inauguração que se viveu. Fazer parte da construção de um serviço é um grande desafio, mais ainda quando se pensa que é um novo lugar que a psicologia ocupa em instituições jurídicas, campo que vem crescendo em larga escala nos últimos anos. Mesmo quando se fala em práticas jurídicas, que vão além do judiciário, a psicologia em interface com o direito é normalmente associada a ONGs ou serviços universitários; em termos de serviço público o trabalho nas Defensorias, assim como no Ministério Público, ainda não está organizado, nem claramente definido, diferentemente dos Tribunais de Justiça. O desafio se torna, então, ainda maior quando não há qualquer referência a outros trabalhos já realizados em Defensorias. Ser pioneiro na criação de um serviço pode encher de orgulho o profissional, mas também traz momentos de angustia, de grande responsabilidade. Para quem, como é o meu caso, já conhecia e discutia sobre o trabalho da psicologia no Tribunal de Justiça e na área prisional, além de ter a experiência de um trabalho interdisciplinar entre direito, psicologia e serviço social1, a criação já tem raízes; já sabemos efeitos, positivos e negativos, de experiências e posicionamentos que podem ser evitados e que devem ser reproduzidos. Porém, a inserção em qualquer nova instituição requer adaptações. Quais são as especificidades da Defensoria e a demanda que este órgão apresenta para o trabalho da psicologia? Essa é uma das perguntas-chaves que norteia todo o trabalho, seja no cotidiano, em que muitas vezes me sinto isolada, seja na produção deste texto. Neste ambiente, então, profundamente afetada por esta movimentação, por esta inauguração, clamo por alguns reencontros: com textos, “escriturações”, discussões. Para não 1

Refiro-me ao Núcleo Interdisciplinar de Ações para a Cidadania (NIAC), programa de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde fiz meu estágio relacionado ao Curso de Especialização em Psicologia Jurídica. Lá há a construção de uma prática interdisciplinar, pois as três disciplinas atendem e discutem cada caso em conjunto.

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deixar de perguntar, para que o mergulho não acabe por produzir naturalizações; para compor e expor – e não guardar, só – as inquietações desse momento. O objetivo do presente texto é refletir sobre como vem se constituindo o trabalho da psicologia nos Centros de Atendimento Multidisciplinar da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. A partir da minha experiência como psicóloga de uma regional da região metropolitana de São Paulo, o intuito é desenvolver reflexões críticas acerca das demandas endereçadas, tanto por parte dos usuários, como dos outros profissionais, e de respostas possíveis; colocar em análise o lugar que a psicologia está sendo chamada a ocupar e o lugar que eu tenho me colocado como profissional; produzir um caminho de escolhas e delimitações sobre o que tem significado a inserção da psicologia nessa instituição eminentemente judiciária que é a Defensoria Pública. Ao longo do texto, as falas das pessoas atendidas serão sempre colocadas entre aspas e em itálico. Com o intuito de não expor as pessoas envolvidas nos casos e nas situações a serem relatados, nenhum nome será divulgado e as categorias defensores(as) e estagiários(as) serão sempre colocadas no masculino, no sentido generalista. É importante destacar que, pelo fato de não haver profissional de serviço social na regional em que trabalho, não haverá, ao longo deste texto, reflexões sobre a interdisciplinaridade (sobre delimitações possíveis que diferenciariam as atuações de um profissional de psicologia e de serviço social) ou sobre a transdisciplinaridade (uma prática conjunta, mas sem limitações ou “um processo de diferenciação que não tende à estabilidade” (PASSOS e BARROS, 2000)). A todo tempo me referirei à psicologia, tanto porque é o objeto principal de análise a que me proponho neste momento, como porque, infelizmente, não vivencio uma realidade de trocas com essa outra disciplina. Se a realidade do CAM para além da capital fosse outra, certamente a atuação seria diferente, assim como esta produção. Para construir este trabalho e este texto, uma ferramenta importante que se faz necessária é a Análise de Implicações, proposta pela Análise Institucional, em especial por René Lourau. Como nos explicam Coimbra e Nascimento (2007): A proposta de analisar nossas implicações é uma forma de pensar, cotidianamente, como vêm se dando nossas diferentes intervenções. [...] Colocar em análise o lugar que ocupamos, nossas práticas de saber-poder enquanto produtoras de verdades – consideradas absolutas, universais e eternas – seus efeitos, o que elas põem em funcionamento, com o que se agenciam é romper com a lógica racionalista presente no pensamento ocidental”. (p. 29)

Entendemos que qualquer intervenção é um posicionamento ético-político e, portanto, não neutro sendo sempre preciso colocar em análise as produções dos nossos discursos, dos nossos posicionamentos enquanto profissionais da psicologia.

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[...] acreditamos que as diferentes práticas e saberes da Psicologia podem servir tanto para legitimar e reforçar opressões e violências, como, também, para construir novos mundos, novas maneiras de viver, de sonhar, de sentir, de amar. Cabe-nos o dever ético de sempre interrogarmos nossas práticas a fim de colocar em análise os efeitos que produzem. (ALVARENGA FILHO, 2010, p. 118)

Pretendemos, portanto, promover ao longo do texto análises das implicações, fazendo uso também de trechos de diário de campo2. Procuramos refletir sobre os casos encaminhados à psicologia e algumas situações cotidianas no ambiente de trabalho para problematizar a inserção da psicologia na Defensoria: as tentativas e erros e acertos cotidianos, numa perspectiva espinosista do encontro, da potência, da ética3, entendendo a nossa atuação enquanto produtora de demandas, de verdades, de mundos. Além da Análise Institucional, utilizaremos como ferramentas autores que se propõem a refletir sobre os lugares que a Psicologia vem ocupando em nossa sociedade e sobre os diferentes temas que estão relacionados ao cotidiano de trabalho da psicologia na Defensoria, como família, judicialização e verdade, tomando emprestados pensadores de diferentes disciplinas das Ciências Humanas. No primeiro capítulo, “Caminhos da Psicologia Jurídica e a prática da Psicologia na Defensoria” nos propomos a uma reflexão acerca da interseção entre psicologia e direito, partindo de uma análise histórica até as discussões mais atuais como mola propulsora para problematizar este novo lugar em que a psicologia se insere, que guarda algumas especificidades. Analisamos as demandas endereçadas a esta disciplina, em especial a escuta “psi”, que se configura como uma escuta diferenciada dos sujeitos que chegam à instituição; refletimos sobre como é compreendida a função dessa escuta e quais as respostas que têm sido possíveis no âmbito da Defensoria. Em “A judicialização e as práticas desjudicializantes” realizamos uma análise sobre este processo cada vez mais frequente em nossa sociedade em que se demanda à justiça a resolução de diversos tipos de conflitos, muitos dos quais antes não chegavam a esta instância decisória, como as questões familiares. Neste ínterim, refletimos sobre o lugar que a 2

O diário de campo é um instrumento em que o pesquisador narra suas impressões, seus sentimentos, no dia-adia da pesquisa. Comumente considerado como “fora texto”, ou seja, não costuma fazer parte do texto final publicado, na Análise Institucional o diário tem um lugar de grande importância, pois mostra um outro tipo de produção, em que podemos ter acesso à “contradição entre a temporalidade da produção pessoal e a institucional, ou burocrática” (LOURAU, 1995, p. 78) e também contribui para a desnaturalização da ideia de neutralidade, por exemplo. 3 Conforme nos explica Deleuze (2002), Espinosa reverte a forma dicotômica, “natural” e moral de opor o Bem e o Mal para uma perspectiva do encontro, em que o bom e o mau são produzidos na relação e são diferenças qualitativas de modos de existência. A ética, assim, substitui a moral, num plano imanente (em oposição a valores transcendentes) e “considera em cada caso somente o poder de ser afetado” (p. 33). Este poder de ser afetado pode se apresentar como “potência para agir”, no caso de afetações ativas, positivas, ou como “potência para padecer”, no caso contrário.

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psicologia ocupa na Defensoria com a função de trabalhar a partir de uma perspectiva desjudicializante, promovendo acordos extrajudiciais. Há muitos meandros a serem considerados nesta atuação e colocar em análise a demanda dos usuários e dos defensores é de fundamental importância para problematizar o trabalho “psi”, para não engessar em uma resposta pronta, de enquadramento dos sujeitos, mas sim abrir para um leque de possibilidades de trabalho. “As buscas por verdades”, o terceiro capítulo, tem o objetivo de refletir sobre o lugar de produção de verdade endereçado à justiça e à psicologia. Partindo, com Foucault, de uma análise histórica acerca das diferentes formas jurídicas já vivenciadas e as produções de verdades a elas associadas, problematizamos algumas demandas endereçadas à psicologia no cotidiano da regional em que atuo da Defensoria Pública de São Paulo, como os casos de investigação de paternidade e os estudos psicológicos. Por fim, “Para continuar a caminhar...”, para pensar os passos e compassos desta trilha que está apenas começando. Para seguir a sugestão de Perez e seus companheiros de trabalho no Núcleo Interdisciplinar de Ações para a Cidadania (NIAC) da UFRJ: Atuar tendo o devir como subjetivação é abrir a possibilidade para uma política de existência que comporte linhas de fuga adutoras de outros agenciamentos possíveis (PEREZ et alli, 2010, p. 196).

Capítulo 1: Caminhos da Psicologia Jurídica e a prática da Psicologia na Defensoria Pública

A inserção da psicologia na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, como vimos, é um serviço bastante recente, iniciado em abril de 2010 e ainda em processo de construção. A implantação dos Centros de Atendimento Multidisciplinar prevê a psicologia e o serviço social como quadro de apoio à área jurídica, mas nas sedes da Defensoria no interior do Estado e na região metropolitana há somente profissionais de psicologia. Neste primeiro capítulo, apresentaremos e discutiremos sobre a inserção da psicologia nesta Defensoria Pública, tanto nas normativas internas, como no cotidiano. Partiremos de uma reflexão acerca da interseção entre Psicologia e Direito (historicamente e o debate atual) para refletirmos sobre a demanda que está sendo endereçada a essa disciplina nesta instituição tão recente e o que tem norteado a atuação neste novo locus de trabalho.

Interseção entre Psicologia e Direito: notas introdutórias

Historicamente, portanto, a relação entre Psicologia e Direito iniciou-se no final do século XIX com a “psicologia do testemunho” e, desde então, voltava-se prioritariamente para a prática de perícia, o “exame criminológico”4, a aplicação de testes e a realização de psicodiagnósticos. Todas essas práticas de observação, classificação e registro do comportamento visavam a avaliação e a classificação dos indivíduos a fim de legitimar as práticas e as decisões judiciais e normalizar aqueles submetidos ao sistema (FOUCAULT, 2005. BRITO, 1999. JACÓ-VILELA, 1999). Como se vê, a psicologia jurídica nasceu bastante atrelada à área criminal, se expandindo para as áreas da infância e da família, entre outras. O documento produzido a partir dessas práticas, comumente denominado de laudo, parecer ou estudo social é o principal instrumento fruto do trabalho psicológico na interface com o direito. A produção desses laudos se configura como a maior demanda dos juízes em todos os locus de trabalho e é até hoje objeto de inúmeras controvérsias, fazendo parte do debate atual acerca das funções da psicologia em âmbito judiciário. Veremos que as discussões sobre este tema acabam focalizando na atuação no sistema prisional, mas este 4

Esta é a nomenclatura atual para o estudo que é realizado pelos psicólogos no contexto de execução penal.

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debate é muito mais amplo e pode ser transposto para diversas outras áreas em que a psicologia atua junto ao direito. Salo de Carvalho (2005), baseado em algumas pesquisas realizadas por outros autores que investigaram laudos psicológicos e outros documentos no sistema penal5, aponta que a atuação sob o viés normalizador continua bastante presente na realidade dos técnicos (especialmente aqueles que trabalham no sistema penal, objeto de seus estudos) e serve a investigações sobre a verdade dos fatos e da interioridade do indivíduo. Esta postura é, pois, uma herança do positivismo, misto de inquérito e exame, e se utiliza de técnicas experimentais para descobrir causas subjetivas para as condutas ditas distorcidas, para detectar se o individuo está mentindo e a sua periculosidade, ou seja, se voltará a delinquir. Baseia-se no ideal de cientificidade e neutralidade; na premissa de que existe um comportamento padrão, dito normal, e que todos os indivíduos que infringiram qualquer regra, ou mesmo que adotaram uma conduta diferente desse padrão devem ser modificados. Exatamente por partir de um determinado padrão que todos devem seguir este tipo de avaliação não é neutra, nem imparcial. Parte, ao contrário, de modelos sociais tradicionais (sobre família, relações sociais e sujeito, por exemplo), não considera a inserção do sujeito na sociedade, o contexto sócio-histórico do qual ele faz parte e não respeita as diferentes formas de subjetividade. Vemos, então, que a promoção de direitos do cidadão (como a ampla defesa e, em matéria penal, a progressão do regime), não segue o que supostamente seria uma cientificidade neutra e a decisão judicial sofre influência da opinião de diversos técnicos que acabam funcionando como “micro-poderes” que julgam a partir de um dito conhecimento da “interioridade” do sujeito, através da sua história individual, das suas relações familiares e da cultura à qual pertence; que sustentarão “cientificamente” o ato decisório, dando legitimidade às medidas judiciais na maquinaria que faz mover a “engrenagem da repressão” (RAUTER, 2003, p. 85). É preciso, como anuncia Cristina Rauter (2003), poder refletir sobre esta atuação legitimadora, pois esta produz efeitos concretos sobre a vida do cidadão. Por estar ligada ao discurso científico, a palavra do especialista “psi” é facilmente aceita e pode, assim como possibilitar a progressão do regime a que o condenado tem direito, prolongar-lhe o tempo de 5

Em especial os trabalhos: Batista, Vera Malaguti (1997) O proclamado e o escondido: a violência da neutralidade técnica, in Discursos Sediciosos (03). Rio de Janeiro: ICC/Revan, p. 77-86. Rauter, Cristina (1982) Criminologia e Poder Político no Brasil. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro. Wolff, Maria Palma (2003) Antologia de vidas e histórias na prisão. Tese de Doutorado. Zaragoza.

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reclusão ou negar/retardar a concessão de “benefícios”6; pode também afirmar a existência de uma suposta violência sexual intrafamiliar, ocasionando o rompimento de vínculos parentais; pode ainda apontar a culpa para uma mãe em condição sócio-econômica fragilizada, tirandolhe os filhos. Ao invés de serem descompromissados e neutros instrumentos científicos, as avaliações ou exames técnicos de criminosos reproduzem todos os estereótipos e preconceitos, em suma, toda a ideologia que permeia a questão do crime, traduzindo-se em práticas de repressão, controle e disciplinarização das parcelas mais pobres da população. (op. cit., p. 87).

Maria Palma Wolff (2005) relata um movimento de trabalhadores do sistema penal no Estado do Rio Grande do Sul, iniciado em 2001, para construir um novo paradigma na produção dessas avaliações “baseado no olhar da criminologia crítica e da vulnerabilidade social” (p. 153), que buscasse [...] redefinir a função simbólica do laudo enquanto instrumento que legitima o fracasso da lógica da ressocialização, passando a ser instrumento que legitime a humanização da pena, ou seja, que subsidie o acompanhamento psicossocial das equipes dos técnicos das casas no que tange à redução de danos da violência institucional e da investigação da vulnerabilidade penal. (op. cit.)

Este novo paradigma tem sido bastante discutido não só no que diz respeito à atuação no sistema penitenciário. São ideias que trazem os princípios dos direitos humanos para o cerne do debate sobre a inserção da psicologia em qualquer locus, que refletem sobre o profissional imbricado na promoção da cidadania e no empoderamento dos sujeitos, que compreendem os sujeitos em sua totalidade, ou seja, contextualizando-o social, histórica e culturalmente numa perspectiva de inclusão social. Em 2010, o Conselho Federal de Psicologia, após discussões com diversos profissionais que atuam na área prisional, regulamentou a atuação dos psicólogos nessa área através da Resolução 009/2010, de acordo com a qual: Art. 4º. Em relação à elaboração de documentos escritos: a) Conforme indicado nos Art. 6º e 112º da Lei n° 10.792/2003 (que alterou a Lei n° 7.210/1984), é vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado; b) O psicólogo, respaldado pela Lei n° 10792/2003, em sua atividade no sistema prisional somente deverá realizar atividades avaliativas com vistas à individualização da pena quando do ingresso do apenado no sistema prisional. Quando houver determinação judicial, o psicólogo deve explicitar os limites éticos de sua atuação ao juízo e poderá elaborar uma declaração conforme o Parágrafo Único.

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Para uma discussão sobre os direitos previstos em lei chamados de “benefícios”, ver CARVALHO, 2009.

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Parágrafo Único. A declaração é um documento objetivo, informativo e resumido, com foco na análise contextual da situação vivenciada pelo sujeito na instituição e nos projetos terapêuticos por ele experienciados durante a execução da pena.

Esta resolução, após contestação da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, que ameaçou promover uma Ação Civil Pública para suspender por completo o conteúdo da resolução, foi suspensa pelo período de seis meses a fim de promover novo debate amplo, conforme Resolução 019/2010. Vê-se, portanto, que este debate continua provocando bastante controvérsia e se está longe de alcançar um consenso. A introdução da Psicologia na Defensoria Pública também se insere neste debate e acaba por se constituir como um novo e importante analisador para se refletir acerca das práticas e saberes produzidos pela Psicologia nos dias atuais. É importante questionar em que medida este novo locus de atuação é mais um espaço que demanda práticas de herança positivista e/ou que endereça novas demandas à psicologia. A Defensoria ocupa um lugar ímpar nas práticas judiciárias, pois não faz parte do Poder Judiciário, mas funciona como mola propulsora, pois é através dela que alguns cidadãos dão entrada em processos jurídicos - ou acessam os seus direitos. Neste sentido, é interessante pensar nas funções da psicologia nesta instituição: que lugar e que prática os psicólogos estão sendo convidados a ocupar, a realizar; que relações de poder estão aí imbricadas; que forças estão atravessadas na produção desta demanda; quais as diferenças em relação aos profissionais que trabalham no Poder Judiciário propriamente dito, se é que existem. De toda forma, o debate sobre as funções da psicologia e a produção de seus documentos em âmbito jurídico é bastante relevante para refletir sobre as aproximações e diferenciações que estão se dando na prática na Defensoria Pública. A Introdução da Psicologia na Defensoria Pública

Com a entrada do novo quadro de funcionários na Defensoria Pública de São Paulo, foi elaborada uma Deliberação do Conselho Superior da Defensoria (187 de 12/08/2010), que “disciplina a estrutura e funcionamento dos Centros de Atendimento Multidisciplinar”. Nesta, foram elucidadas as atribuições dos Psicólogos e Assistentes Sociais (Art. 5º), que revelam algumas das principais demandas direcionadas a esses profissionais quando da entrada deles na instituição. Citemos alguns: III - Interpretar documentos técnicos e elaborar discussão de casos e demandas com Defensores Públicos;

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IV - Elaborar perícias e laudos periciais, respondendo aos eventuais quesitos formulados pelos Defensores Públicos; V - Elaborar estudos, informações e pareceres sobre matérias específicas, a partir do enfoque apresentado pelo Defensor Público; [...] VII - Fomentar estratégias de soluções alternativas de conflitos na comunidade; VIII - Atuar como conciliador, facilitador e mediador;

São dois, portanto, os focos da atuação do CAM: 1) elaboração de estudos psicossociais7, em especial quando o Defensor discorda do laudo presente nos autos, realizado pelos peritos do Tribunal de Justiça, seja pela forma como foi elaborado ou pelo seu conteúdo; portanto, a ideia é que assumamos o lugar de assistente técnico, com o intuito de produzir um documento divergente de um primeiro, a fim de interpretá-lo e questioná-lo; 2) atuação em formas alternativas de solução de conflitos, sobretudo para assuntos em que não cabe ação judicial ou que se entende que esta não é o melhor caminho, ou seja, a partir de uma perspectiva desjudicializante. A deliberação supracitada foi finalizada quatro meses após o início da atuação dos CAMs (que ainda estão tomando forma) e foi fruto de discussões entre Defensores, Psicólogos e Assistentes Sociais. Acreditamos que ainda há muito o que discutir, há muitas questões em aberto, seja de ordem administrativa ou, em especial, de ordem técnica e relacional. Como está se dando a inserção de outras disciplinas nesta instituição essencialmente jurídica é o cerne do debate.

O cotidiano na Defensoria Pública

Imaginemos a seguinte situação genérica, protagonizada por uma pessoa de baixa renda, moradora da região metropolitana de São Paulo: Uma pessoa procura a Defensoria em busca do alcance de seus direitos – aquilo que ela sabe, de alguma forma, que pode alcançar através da Justiça. Esta é personificada na figura do juiz, aquele que tem poderes para descobrir a verdade e decidir sobre a vida das pessoas. Sua decisão é neutra, sábia e, portanto, inquestionável. Para ter acesso à Justiça é preciso ter advogado; aos poucos as pessoas descobrem que podem ter acesso ao “advogado gratuito”, o Defensor Público. Este será, assim, aquele que o ajudará a chegar ao juiz e a provar que ele fala a verdade, que está 7

Esta é a nomenclatura adotada pela Defensoria Pública, assim como outros órgãos. Uma discussão mais aprofundada sobre as perspectivas de utilização desse termo não poderá, pelos limites deste texto, ser aqui esmiuçada.

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passando por um conflito grave, que necessita da solução daquele conflito de uma certa maneira; e urgente. Eis que, ao contar seu caso ao estagiário e/ou defensor, este o encaminha para “conversar com a Psicóloga”. É importante destacar que, dentre os princípios do CAM, temos (Art. 1º): XII - Não obrigatoriedade da submissão do usuário ao atendimento psicossocial como condição à assistência jurídica; XIV - Informação ao usuário em relação à existência, ao propósito e natureza do atendimento psicossocial.

Ou seja, o trabalho psicossocial deve ser sugerido, sem obrigação ou coação; mas ainda há muito a se modificar nesta cultura do encaminhamento. Para exemplificar, cito a atitude de um defensor que me chamou antes de consultar a usuária8 e disse, na frente dela: “quero que você chame o ex-marido dela amanhã e faça um acordo para ele deixar a casa em 24h!”. Podemos discutir o sentido de um acordo que já se inicia com a solução pronta, vinda de outro que não as partes nem o juiz, que teria essa função. Também podemos refletir sobre a expectativa que esta usuária criou, tendo a certeza que “amanhã” o marido dela sairia de casa. Neste momento, utilizemos este exemplo para pensar as formas de encaminhamento ao CAM. Em geral, o defensor e/ou estagiário sugere que a pessoa converse com a psicóloga. Em pouco tempo chega ao encontro da pessoa uma mulher com aparência bastante jovem, que se apresenta e a convida a subir alguns andares para uma conversa mais a vontade em sua sala, onde há uma mesa redonda e nenhum outro atendimento acontecendo simultaneamente. Esta sou eu. E esta é a descrição resumida do primeiro encontro entre mim e aquela pessoa que procurou a Defensoria. Já ouvi comentários e perguntas do tipo “você é tão novinha!”, “você é a psicóloga?”, “você tem quantos anos, 20?”. Procuro não me irritar, responder acerca da minha idade, mas sem dar muita importância, mudando diretamente para o assunto de trabalho, explicando a minha função, a forma como trabalho, tentando conquistar a confiança daquela pessoa pela minha postura. De maneira geral, me incomodo bastante com as pessoas acharem que sou muito mais nova; nessas relações profissionais, os receios aumentam, pois as pessoas parecem trazer outras ideias associadas. O que me parece estar sendo questionado nessas perguntas é a competência e a confiabilidade naquela aparentemente tão jovem 8

Na Defensoria, as pessoas que procuram seus serviços são chamadas de “assistidos”, em referência à assistência jurídica prestada pela instituição. Mas este nome também pode ser associado ao assistencialismo, prática que se aproxima da caridade e que coloca aquela pessoa no lugar de dependente e que não caminha no sentido de potencializar sua autonomia, mas sim de perpetuar seu lugar de “coitado”. Por isso, prefiro chamar essas pessoas de “usuários” (de um serviço), nome mais comum nas práticas psicossociais. Até agora, não tive espaço para discutir sobre esta nomeação no âmbito da regional em que trabalho; faço essa diferenciação solitariamente (mas não sozinha, pois outros psicólogos e assistentes sociais de outras regionais também o fazem).

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profissional. Mas, para que o trabalho flua, sempre aprendemos que é preciso estabelecer um bom rapport, sendo a confiança um dos seus pilares. Como quebrar, então, esta primeira impressão associada à aparência? Ademais, será que isso é tão importante assim? ... Alguns questionam o porquê da presença da psicóloga: “Eu acho que os advogados fizeram pouco caso e não mandaram uma intimação para eles”, afirma a mãe que quer “dar um basta” no filho usuário de droga sem ter que chamar a polícia. Outros acham bom que haja esse serviço ali: “esse serviço é novo, né? É bom saber que existe”; “ele precisa mesmo conversar com a psicóloga para abrir a mente dele”, afirma a mulher que quer que o pai de seu filho pague a pensão corretamente sem correr o risco de ele ser preso. A partir dos primeiros meses de trabalho, podemos dividir os casos que chegam à psicologia em dois grandes grupos: demanda de tentativa de resolução de conflitos (familiares, em geral)9 e demanda de uma escuta diferenciada, de apoio e de encaminhamento para os locais corretos da cidade ou para acompanhamento psicológico. É fundamental destacar que esta diferenciação está sendo feita por mim, após reflexões e na tentativa de organizar as ideias no presente texto. Não acredito que aqueles que encaminham façam essa diferenciação, até porque os critérios ainda estão sendo elaborados e discutidos aos poucos e é muito nítido que a diferenciação se dá por cada Defensor, que tem uma forma de ver a atuação do CAM, ou da Psicologia mais especificamente, assumindo, portanto, uma certa lógica. A divisão que apresento aqui é a que tem norteado meu trabalho.

A escuta “psi”

Neste tipo de demanda, é um pouco mais clara a função de uma profissional da psicologia, pois se aproxima da concepção de senso comum acerca dessa disciplina. Como podemos observar nas falas acima citadas e também, por exemplo, na demanda de uma mãe que precisa de ajuda para lidar com a filha que sofreu violência sexual, o senso comum parece apresentar uma ideia da psicologia como aquela que realiza uma análise sobre o pensamento e a vida de uma pessoa, que tem respostas sobre como vivenciar um sofrimento, ou ainda que vai convencer alguém sobre a forma correta de ser. O psicólogo aparece, então, como alguém com condições para ajudar os outros na busca daquilo que é denominado felicidade, equilíbrio ou algo parecido, sendo ele capaz de acompanhar os destinos das pessoas, converter, muitas vezes, suas

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Este tema será discutido no capítulo 2.

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percepções e “consciências”; estruturar e transformar personalidades. Enfim, supostamente “humanizar”. (COIMBRA; AYRES; NASCIMENTO, 2008a, p. 28)

Esta é uma concepção tradicional do que podemos chamar de “psicologia no consultório”. A escuta clínica realiza um trabalho a partir do discurso de uma pessoa, de como esta narra e vivencia os acontecimentos de sua vida, seus conflitos e sofrimentos, ou seja, de sua realidade simbólica. Longe de desqualificar este espaço de atuação profissional, pois entendemos que ele é bastante importante para uma pessoa que está em sofrimento ou que busca novas formas de lidar com os acontecimentos e relacionamentos de sua vida, a questão que fica é a expectativa endereçada a esse profissional e, no caso, se a um psicólogo inserido na Defensoria cabe trabalhar sob este formato. Há uma demanda direcionada - pelo que se apresenta no cotidiano, naquelas pessoas que chegam ali, somado à concepção que se tem da psicologia (tanto por parte dos defensores como dos usuários). Como responder, então, a esta demanda? Um acolhimento, uma escuta, uma conversa reflexiva; e, quem sabe, uma sugestão para um atendimento continuado – “num consultório”. Esta postura não deixa de ser uma escuta clínica, visto que se propõe a escutar aquele sujeito em seu sofrimento, a partir do seu discurso de simbolização e da relação que se estabelece. É uma postura que aposta nas potências e multiplicidades dos indivíduos; é, ainda, uma postura que entende que este posicionamento do psicólogo pode se dar em qualquer lugar em que este profissional é chamado a atuar. Como qualquer atitude, produz efeitos. A entrevista, assim, se faz como dispositivo de intervenção clínico-política, já que incide não apenas sobre a vida daquele que se apresenta mas também sobre a dos que com ele convivem e, não com menos importância, sobre a prática do psicólogo neste espaço. (CARVALHO; AYRES; FARIAS, 2008, pp. 83/84)

Há de se tomar cuidado para não se transformar em uma resposta de adequação ao “modo-indivíduo”. Este conceito é trabalhado por Regina Barros (1994) e coloca em análise a produção capitalística de um modo de ser indivíduo baseada numa lógica individualizante, na existência de uma essencialidade do indivíduo e na meritocracia: “a totalização, a unidade, a generalização, a intimização e a identidade são características dominantes deste modo” (p. 9). Parece-nos que as demandas para a justiça, assim como para a psicologia, seja por parte do usuário ou do defensor, fazem parte desta lógica, pois buscam uma adequação dos indivíduos a um modelo padrão, correto, de existência. É para um enquadre no modo-de-ser-indivíduo que muitas vezes se procura a intervenção de outrem. A psicologia, em especial, é chamada a dizer sobre a essência daquele indivíduo e, a partir desse conhecimento, adequá-lo a um certo padrão social. Neste ínterim, há de se tomar também o cuidado para não entrar numa postura de psicologização do cotidiano, em que as questões sociais são reduzidas a um plano psíquico,

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quando “o cotidiano é esvaziado politicamente; as relações de opressão, as explorações, as diversas formas de dominação são invisibilizadas e atribuídas ao território do psicológico, fazendo parte do psiquismo e da vida interior do sujeito” (COIMBRA; LEITÃO, 2009, p. 151) Entende-se a subjetividade como uma construção sócio-histórica, que se dá na relação com o outro e com o mundo, que é atravessada por instâncias individuais, coletivas e institucionais. “O que nos interessa são modos de subjetivação e, nesse sentido, importa-nos poder traçar as circunstâncias em que eles se compuseram, que forças se atravessam e que efeitos estão se dando” (PASSOS; BARROS, 2000, p. 77/78). O recebimento desta demanda, o acolhimento e o encaminhamento para um acompanhamento especializado é um caminho possível. A ressalva é para que este caminho não se torne mecânico, generalizado e até mesmo como uma forma de engessar aquele indivíduo ou de “solucionar” todos os problemas, imediatamente. Neste ínterim, cabe uma questão importante: o que é a solução? Quem é que dá a solução e para quem? O encaminhamento de um defensor à psicologia pode significar uma forma de passar adiante um problema que ele não consegue resolver. Isso pode ser compreendido de diferentes maneiras: o saber dele não consegue abarcar todas as demandas e ele entende que outro saber pode viabilizar alguma resposta; ou ele quer se livrar de um problema, que não é dele, mas passa a ser na medida em que ele se responsabiliza pelo caso, assume para ele, mas não consegue dar vazão, recorrendo, então, a outra área, qualquer que seja ela, ou seja, o encaminhamento pode ser uma forma de solucionar para ele mesmo. Não cabe aqui um juízo de valor acerca desses formatos, mas sim uma compreensão de que o encaminhamento pode ter múltiplos sentidos (para todas as partes envolvidas) e pode gerar muitos efeitos diferentes. Por seu turno, a psicologia será a responsável por dar uma solução? Que solução se espera ao repassar a responsabilidade para esta disciplina? Refletindo a partir de uma perspectiva crítica com relação aos posicionamentos históricos da psicologia, devemos pensar que esta tem a função não de conduzir o indivíduo a um caminho, de mostrar-lhe a verdade, de adequá-lo ao “modo-de-ser-indivíduo”, nem de reproduzir um lugar historicamente construído de necessitado, de que precisa de assistência, mas sim de empoderá-lo. Talvez esse possa ser um desafio para a Psicologia no Judiciário: encontrar formas de atuação baseadas em um paradigma ético-político que afirme subjetividades críticas de sua realidade, com algum grau de autonomia perante suas vidas, condição que historicamente lhes vem sendo retirada. (COIMBRA; AYRES; NASCIMENTO, 2008b, p. 44)

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Essa forma de atuação, contudo, não é tão simples de ser construída. Estamos atravessados por muitas forças. Há uma demanda de que a disciplina nova possa alcançar soluções para casos em que até agora não se sabia o que fazer; há também uma demanda por diminuir a carga de trabalho na área do direito; há ainda uma demanda de que essas respostas não sejam demoradas; e, por fim, há a demanda do usuário, que chegou à Defensoria pedindo solução e, muitas vezes, para ele não importa quem será o responsável. O que fazer, então, diante de tantas demandas e expectativas? Será que não vou acabar agindo mais ainda com o que venho pensando desde a semana passada, quando ouvi num Seminário, a questão até que ponto somos [funcionários públicos] poderosos ou violentos? A responsabilidade que temos em nossas mãos é poder de agir ou acaba se transformando em ação de violência? Que soluções que são dadas aos casos? Passar adiante, ou seja, transferir para outro profissional ou outro órgão é solucionar ou simplesmente se livrar do problema? Pensei na hora no caso do Sr. J. [...], que saiu das minhas mãos para a de outro profissional; ele não conseguiu nenhuma resolução, mas eu fiquei mais em paz por não ter mais a responsabilidade de conseguir alguma solução para um caso tão complicado e que me afetou tanto. E será que temos a obrigação de resolver tudo? É viável, é nossa função? E mais: sou eu quem resolve? A minha função não seria fazer com que as pessoas resolvam, ao menos nos casos de demanda de conciliação? [trecho do diário de campo]

Cabe, assim, colocar esta demanda em análise. Podemos entender que uma pessoa que está passando por um processo judicial – ou extrajudicial - pode estar em sofrimento por conta de todas as querelas que aquele processo tem posto à tona ou tem produzido. Como nos lembra Miranda Junior (1998), “a instituição judiciária é sempre um lugar de trabalho com o sofrimento” (p. 30) e a Defensoria não parece se distanciar disso. Quando uma das filhas procura ajuda para que todas as suas irmãs a auxiliem nos cuidados com a mãe, não são só as questões rotineira e financeira que são ali discutidas, mas conflitos de toda uma vida, sentimentos de mágoa, de abandono, de preterimento com relação à mãe, além das diferenças e disputas entre as irmãs; há, por vezes, também a vergonha por ter sido chamado um terceiro para “resolver” aquele conflito intrafamiliar. São sentimentos que se potencializam quando da disputa, da busca por definições, pela resolução daquele processo. O que cabe à psicologia? Parece-nos que, primeiramente, um respeito a todos esses sentimentos que atravessam os diálogos e as histórias; ao mesmo tempo, um cuidado para não ser o produtor destes sofrimentos, que passa por uma escolha do que é possível ser colocado em análise naquele processo e do que não cabe ressaltar, ao menos naquele momento, naquele contexto. Se uma das irmãs não se considera filha porque nunca fora criada por esta mãe e seu sentimento é, então, de abandono e mágoa, cabe à psicologia chamar esta mulher a comprometer-se com os cuidados dessa mãe? Pela lei, todos os filhos têm obrigação com os pais idosos e a definição de filho é pelo nome no registro de nascimento. Mas a psicologia

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pode posicionar-se de uma forma não legalista (na letra da lei), o que não significa ilegal. Estar atento a todas as forças e sentimentos que atravessam as histórias que são ali contadas, os sofrimentos que são ali produzidos ou colocados à tona parece ser o diferencial dessa postura. É importante que possamos nos colocar como problematizadores das articulações coletivas que contemplem as diferentes instituições que atravessam o tecido social, o Judiciário e a nós próprios. Ou seja, que possamos entender a Psicologia como uma prática política, uma ferramenta de intervenção social e nós, como sujeitos sempre comprometidos. (COIMBRA; AYRES; NASCIMENTO, 2008a, p. 37)

É fundamental nos entendermos como sujeitos implicados, queiramos ou não, na relação com a instituição, com as pessoas que dela fazem parte e com as pessoas que atendemos. No atendimento, na produção de conhecimento que se demanda a partir dele, somos afetados por essas pessoas, por esses encontros. Bons encontros são potência de ação, como nos ensina Espinosa (DELEUZE, 2002). Não cabe imaginarmos que poderíamos ser pessoas neutras: [...] o conhecimento é sempre uma certa relação estratégica em que o homem se encontra situado. É essa relação estratégica que vai definir o efeito de conhecimento e por isso seria totalmente contraditório imaginar um conhecimento que não fosse em sua natureza obrigatoriamente parcial, oblíquo, perspectivo. (FOUCAULT, 2005, p. 25)

O que cabe é a constante análise das implicações, ou seja, nos propormos a sempre refletir sobre os lugares que ocupamos, os nossos posicionamentos e o que produzimos a partir deles. (LOURAU, 2004; COIMBRA; NASCIMENTO, 2008) Se colocar como uma pessoa que se afeta e, ao mesmo tempo, que está comprometida com aquele sujeito é uma postura ética. Chamamos ética [...] uma capacidade da vida e do pensamento que nos atravessa em selecionar, nos encontros que produzimos, algo que nos faça ultrapassar as próprias condições da experiência condicionada pelo social ou pelo poder, na direção de uma experiência liberadora, como num aprendizado contínuo” (FUGANTI, 2001, s/p.)

O desafio, na prática, é impingir um olhar diferenciado a partir da compreensão das produções sócio-histórica-econômica-familiares do sujeito de maneira a não reproduzir sofrimentos e opressões; “é estranhar e recusar as essências, as naturalidades normalmente vinculadas ao eterno, à ahistoricidade. É, portanto, afirmar o diverso.” (COIMBRA; NASCIMENTO, 2008, p. 147). Conseguir ajudar essa família, por exemplo, a chegar a um consenso e ter o entendimento de que ali não há espaço para trabalhar individual e terapeuticamente todas as questões, sugerindo, portanto, encaminhamentos para outros espaços, se for o caso. Diante da percepção destas demandas e do entendimento de que o acompanhamento psicológico não pode ser feito na Defensoria, por aquela profissional, foram estabelecidas,

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seis meses após o início do trabalho, parcerias com Faculdades de Psicologia na região para que recebam gratuitamente em sua clínica-escola os usuários da Defensoria encaminhados através do CAM. Esta parceria foi muito bem aceita pelos Defensores e também pelos que, até agora, receberam a sugestão. Já recebi muitos agradecimentos pela escuta e pelos encaminhamentos, o que tem se configurado como um momento de grande satisfação profissional, de sensação de que há um motivo de estar ali, há um espaço a ser ocupado, há uma demanda por uma escuta diferenciada, que há sentido pensarmos na inserção da psicologia na área jurídica. [trecho do diário de campo]

Portanto, partindo da premissa de que o usuário pode escolher ir falar com a psicóloga, parece haver, em geral, um entendimento acerca da função dessa profissional e uma maior aceitação, tanto por parte dos usuários, como dos estagiários e defensores. Todo esse caminho parece ter sido uma resposta para o que ouvi em um dos primeiros encontros com um defensor, quando ele afirmou “não pense que você vai fazer psicologia aqui”: ultrapassar as referências tradicionais e naturalizadas das possibilidades de atuação do profissional da psicologia, alcançando uma postura crítica, conquistando espaço para constantemente reinventar nossas práticas, sem perder de vista nosso posicionamento éticopolítico e todas as forças que atravessam o lugar que ocupamos e também que nos atravessam.

Capítulo 2: A judicialização e as práticas desjudicializantes

A justiça, ou o sistema judicial, tem assumido, nos últimos anos, um forte protagonismo em diversas sociedades, configurando-se como um fenômeno social e um fato político de grande relevância. Utilizaremos os argumentos de Antoine Garapon (1998) e Boaventura de Souza Santos (2008) para iniciarmos uma discussão acerca do processo de judicialização dos fenômenos sociais, das relações privadas, da vida, cada vez mais perceptível em nossa sociedade e, em particular, no cotidiano de trabalho da Defensoria Pública. De acordo com Garapon (1998), o aumento no número de processos não é um fenômeno jurídico, mas social: “tem sua origem numa depressão social que se exprime e se reforça através da expansão do direito” (p. 22). Para o autor, que trabalha a partir da realidade francesa, e europeia de maneira geral, o juiz é chamado a ocupar o lugar de gestão da diversidade e da complexidade geradas nas sociedades democráticas em que há uma igualdade de condições entre seus membros. É importante ressaltar que o Brasil, ou os países do Sul, não alcançaram este patamar de igualdade, mas passaram por processos de mudanças constitucionais, o que resulta também na criação de situações sociais de complexidade, modificando padrões sociais e ampliando a demanda de acesso à justiça. Para Garapon (1998), a igualdade de condições é o fato gerador da democracia, mas este mesmo fato tem outras consequências nas relações sociais: uma perturbação no equilíbrio social (ou numa organização anterior, em que existia um ordenamento hierárquico e uma clara distinção de papéis) e uma fragilização do laço social, inventando artificialmente a autoridade na figura do juiz. “Esta procura de justiça é paradoxal: sob o pretexto de se proteger da intervenção ilegítima de outrem, ela oferece-se ao controlo do juiz” (p. 148). Na condição, ainda ideal para nós, de igualdade, todos os modos de viver devem ser respeitáveis, as referências morais já não partem de um único padrão e a lei acaba por se tornar inapta a julgar toda essa diversidade; há, por consequência, uma maior valorização da individualidade. Diante das modificações dos lugares e das relações de autoridades, clama-se por uma maior influência da justiça sobre alguns comportamentos, o que, por sua vez, gera outros modos de regulação social. Esta justiça, é importante que se diga, não é aquela que se limita a dizer a lei, pois esta não dá mais conta, mas aquela que “deve simultaneamente

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instruir e decidir, aproximar-se e manter as suas distâncias, conciliar e optar, julgar e comunicar” (GARAPON, 1998, p. 21). Um dos modos de regulação social decorrente desta realidade é o que o autor chama de “interiorização do direito”, ou seja, o conhecimento das normas por todos os indivíduos. Mas o que fazer com os que não conseguem alcançar, por motivos diversos, esse conhecimento? Para Garapon (1998), “estes sujeitos devem simultaneamente ser respeitados na sua palavra e protegidos devido à sua fragilidade”10 (pp. 158/159), a fim de não tutelarizálos. Na medida em que se exige que cada um assuma o lugar de seu próprio legislador e muitos indivíduos não possuem a mesma autonomia para exercer os seus direitos, a consequência é a criação de uma prática de tutela para com os indivíduos mais frágeis. Além disso, de maneira geral, cresce a demanda por diversos pedidos à justiça, que passa a ser solicitada a tratar das pessoas e das relações, portanto, de assuntos da vida privada, mais até do que do direto em sentido estrito, caracterizando-se por uma função tutelar ao invés de arbitral ou jurídica propriamente dita. Como efeito, tem-se a judicialização das relações sociais: “aquilo que era regrado espontânea e implicitamente pelos costumes deve hoje sê-lo formal e explicitamente pelo juiz” (GARAPON, 1998, p. 160); isto, de acordo com o autor, nada tem de jurídico. [...] consiste em assistir uma família na gestão de sua fortuna ou mais frequentemente no seu infortúnio, a ensinar os pais a acompanharem os seus filhos, a ajudar uma pessoa a governar-se a si mesma na vida social, a procurar um emprego, em resumo, ela [a função da justiça] profissionaliza aquilo que antes era regrado pela vida social vulgar. (pp. 159/160)

Para Santos (2008), que trabalha mais diretamente com a realidade brasileira, além da portuguesa e de outros países da América do Sul, nossas sociedades partem do princípio de que “não funcionam eficazmente sem um sistema judicial eficiente, eficaz, justo e independente” (p. 15). De acordo com o autor, houve um deslocamento de legitimidade dos poderes executivo e legislativo para o judiciário, criando a expectativa de que este último resolveria os problemas que os dois primeiros não conseguiram. Mas o sistema judiciário não corresponde a esta expectativa e passa a ser visto, então, como um problema. Santos (2008) também chama a atenção para os mais frágeis, aqueles cidadãos que são acostumados a ver o que ele denominou de “fascismo social”, criado por um sistema injusto e desigual e que deixa a parcela da população mais pobre em situações de cada vez mais vulnerabilidade e a mercê de arbitrariedades impostas pelos que detém o poder. Estes cidadãos passam, aos poucos, a verem “no direito e nos tribunais um instrumento importante 10

Grifos do autor.

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para fazer reivindicar os seus direitos e as suas justas aspirações a serem incluídos no contrato social” (p. 29). O aumento dessa procura, percebida e objetificada na organização de cidadãos em associações e movimentos sociais, é, de acordo com Santos (2008), somente a “ponta do iceberg”, pois, para ele, uma boa parte desses cidadãos que buscam seus direitos não consegue de fato alcançá-los, sentindo-se impotentes diante de diversas violações. Não é a filantropia, nem a caridade das organizações não-governamentais que procuram; apenas reivindicam seus direitos. Ficam totalmente desalentados sempre que entram no sistema judicial, sempre que contactam com as autoridades, que os esmagam pela sua linguagem esotérica, pela sua presença arrogante, pela sua maneira cerimonial de vestir, pelos seus edifícios esmagadores, pelas suas labirínticas secretarias etc. Esses cidadãos intimidados e impotentes são detentores de uma procura suprimida. (SANTOS, 2008, pp. 31/32)

Se esta procura for considerada, deverá haver, de acordo com o autor, uma verdadeira “revolução democrática da justiça”, que passa por: modificações sobre a concepção do acesso aos direitos - “o acesso irá mudar a justiça a que se tem acesso” (p. 33) -; o fomento às Defensorias Públicas e outras iniciativas populares; as mudanças na formação dos magistrados, desde as faculdades de direito até as formações complementares, procurando sair de uma cultura “técnico-burocrática” para uma “justiça democrática de proximidade”, contando com profissionais de outras áreas. Para além dessas modificações no próprio sistema judicial, apontadas por Santos (2008), Garapon (1998) anuncia a construção de novos lugares, “aparentemente exteriores à justiça, e no entanto ela não está ausente” (p. 242), de novas metodologias, que se distanciam da justiça ritual ou burocrática, mas que não deixam de ter protocolos a serem seguidos e compromissos a serem acordados, ou seja, não chegam a ser informais. As novas formas de justiça trazem novas formas de resolução de conflitos, como a conciliação, a mediação e a arbitragem, além de desenvolverem uma nova concepção de sujeito de direito, “a quem é reconhecida a capacidade de se defender a ele próprio” (GARAPON, 1998, p. 244). Tem-se, assim, um afastamento da postura de tutelarização de indivíduos para a de promoção de sua autonomia, através do fortalecimento de um espaço de discussão e de uma reflexão crítica por todas as partes envolvidas. A mediação não é apenas uma alternativa à justiça, uma nova técnica de resolução dos conflitos: ela prefigura a emergência de um novo modo de regulação social. E talvez também uma nova socialidade. [...] A mediação é não apenas o sinal de uma nova concepção da intervenção familiar, mas, além disso, de uma evolução do imaginário contemporâneo. (GARAPON, 1998, pp. 244/245)

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As formas alternativas de resolução de conflito no cotidiano da Defensoria Pública

A Defensoria Pública nasce no cenário nacional tendo como função, entre outras, a orientação jurídica e o acesso aos direitos aos mais necessitados e o fomento a práticas alternativas de resolução de conflitos, conforme artigo 4º, I e II da Lei Complementar 80 de 1994: I – prestar orientação jurídica e exercer a defesa dos necessitados, em todos os graus; II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos

Na deliberação do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo que organiza o CAM, atribui-se a função da equipe psicossocial de “atuar como conciliador, facilitador e mediador”, numa perspectiva de promoção da cultura de resolução alternativa de conflitos. Esta prática foi a primeira a ser encaminhada ao CAM, ao menos na regional em que atuo. A quase totalidade dos encaminhamentos para tentativas de acordo refere-se a questões de família, como problemas de convivência, divórcio e regularização de visitas dos filhos, cuidado com idosos, ou a questões da área cível, como divisões de casas e terrenos, mas entre familiares, o que faz com que muitas questões da convivência, das relações familiares estejam entre os principais temas discutidos. O que mobiliza o CAM é a possibilidade de alcançar soluções simples através do diálogo e da participação de todos, sem acionar a justiça, com a qual os conflitos tomariam outros rumos, provavelmente mais duros, demorados e não necessariamente chegando a uma solução para todos. É preciso estar claro que a pessoa que procura a Defensoria Pública procura um advogado para poder falar com o juiz, mas a ela é oferecido um outro caminho. Cabe, assim, questionar que lugar é este de fomento à resolução alternativa de conflito que está sendo criado. Que tipo de resolução estamos pondo em prática? Estamos construindo novas formas de justiça, assim como as descritas por Garapon (1998) ou a denominada por Santos (2008) de “justiça democrática de proximidade”? E ainda, que metodologia estamos utilizando e, portanto, que papéis estamos assumindo? Nas discussões internas entre psicólogos, assistentes sociais e defensores e nos cursos promovidos pela própria Defensoria, há uma ênfase na diferenciação entre mediação e conciliação e tem-se preterido a primeira como meta para implementação na instituição. Cabe aqui problematizarmos essa linha de discussão que se limita à diferenciação entre uma e outra

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prática já existente em outros órgãos, pois a realidade da Defensoria guarda particularidades, assim como a formação dos profissionais que agora compõem o quadro desta instituição. A diferenciação entre conciliação e mediação é muitas vezes tênue. De acordo com Célia Passos (2009, pp. 94/95): O conciliador intera-se dos fatos; coloca foco preponderantemente nas questões objetivas; confere voz e vez às partes e aos seus representantes; opina, sugere, aponta vantagens e desvantagens, diz do direito sempre que entende ser necessário e coloca ênfase no momento presente. Já o Mediador, tem como objetivo primordial a desconstrução do conflito, e, para tanto, busca conhecer os interesses e necessidades de todos os envolvidos; foca-se preponderantemente nas questões subjetivas; confere vez e voz de forma balanceada às partes; prioriza a relação e as questões presentes e cuida da relação de forma a prevenir lides futuras, o que se dá pelo resgate da qualidade da comunicação e da capacidade negocial das partes.

Uma outra diferença, apontada por Ernesto Rezende Neto (2010),11 é que a conciliação é geralmente destinada a conflitos ocasionais, em que os participantes não possuem uma relação continuada, enquanto que a mediação é utilizada quando as pessoas têm interesse em preservar a relação, por exemplo, familiar ou comunitária. No que diz respeito à metodologia, “o conciliador pode apresentar uma apreciação do mérito ou uma recomendação de uma solução tida por ele como justa” (AZEVEDO, 2009, p. 41), enquanto que ao mediador não é recomendável esta postura (Idem). Para além do fato que para ser mediador no Brasil - uma prática bastante recente e ainda não muito organizada, pois há, desde 1998, um projeto de Lei tramitando no Congresso Nacional que já recebeu diversas modificações em sua redação - é preciso passar por um curso de capacitação continuada feito por uma instituição reconhecida, como nos enfatizou Adolpho Braga Neto (2010)12, parece ser, na prática, muito difícil diferenciar os dois formatos, não sendo possível definir qual deles é mais apropriado e viável na Defensoria, especialmente se pensarmos na estrutura desta – diretamente ligada à Justiça, com apenas um profissional para desenvolver este trabalho - e nas condições financeiras de seus usuários. No cotidiano, temos trabalho através de “tentativa e erro”. Nossa formação não foi em mediação ou conciliação, mas em psicologia. Sendo assim, o princípio norteador tem sido o da escuta e da promoção do protagonismo de todos os indivíduos, ou seja, não assumir o lugar de poder de resolver pelos outros. Neste contexto, há algumas questões a serem refletidas. Como afirmam Coimbra, Ayres e Nascimento (2008a), “num cenário de tradicional ação assistencial e tutelar os usuários, em geral, chegam sentindo-se ameaçados pelo poder da justiça, pelo saber do técnico, com demandas, quando não abafadas e tímidas, impregnadas de 11

Fala proferia no Curso de “Capacitação para o Atendimento”, Módulo “Resolução Alternativa de Conflito”, realizado pela Defensoria Pública aos seus servidores em 11/11/2010. 12 Idem

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desqualificação” (pp. 34/35). Podemos perceber esse posicionamento de subordinação pela ansiedade ou nervosismo que alguns demonstram por estar ali, pela falta de conhecimento sobre seu próprio caso, pela não atenção às informações que lhe são passadas. Já ouvi de um defensor que “se fossem pessoas mais informadas, com outro tipo de posicionamento, não seriam nossos assistidos”. Compreender a situação sócio-educacional dessas pessoas é de fundamental importância; ao mesmo tempo, parece-me que um mínimo gesto de cumprimento seguido de uma explicação mais detalhada, com uma linguagem mais acessível a quem não tem formação jurídica pode ser o diferencial no sentido de fortalecer aquele indivíduo e empoderá-lo nas suas buscas. Há, ressalta-se, barreiras práticas, como o tempo e a exigência de quantidade. Mas há também formas de se tentar um equilíbrio em prol da qualidade do atendimento e do respeito àquele indivíduo, entendendo, assim, sua função enquanto servidor. Num outro ponto, é preciso questionar se há diferença, para o usuário, que o seu caso esteja na mão da psicóloga ou do defensor. Que escuta diferenciada pode ser essa, já que essa disciplina foi a escolhida, juntamente com o Serviço Social13, para responsabilizar-se nesses casos? Os doutores14 pertencem à mesma instituição, aquela que tem no nome a defesa, aquela que ele espera poder resolver seu problema. Mesmo procurando ajustar-se aos papéis e lugares que o discurso institucional exige, o sujeito, ao falar para um outro que se coloca disponível a escutá-lo, articula suas demandas endereçando-as a uma instância decisória, portadora de um suposto saber sobre a resposta ao sofrimento do qual se queixa. (MIRANDA JÚNIOR, 1998, p. 30)

A demanda endereçada ao advogado e ao juiz é por uma instância superior de decisão. Para que o caminho seja realmente outro, é preciso uma transformação substancial, que começa pela explicação e passa pela postura do profissional e pela vivência daquela situação por todos os envolvidos. Muitas vezes, os usuários questionam o porquê de ser a psicóloga, e não o defensor, que irá se responsabilizar pelo seu caso. Explico, então, meu papel de promoção de reflexões e de diálogos entre as partes para que estas procurem repensar suas práticas e as do outro e tentem chegar a um acordo. O objetivo é promover um espaço em que as pessoas possam expor seus argumentos, ouvir o outro. Entendemos que, em geral, as pessoas chegaram até ali por dificuldades no diálogo direto, na resolução de conflitos sem confrontos; a facilitação 13

Vale ressaltar que nas regionais em que foi criada apenas uma vaga, esta foi destinada à psicologia. Não há, portanto, o apoio do serviço social. 14 É comum os usuários chamarem todas as pessoas que o atendem de doutores: estagiários, oficiais, defensores, psicóloga; sem distinção. Parece que são todos colocados no lugar de detentores de um saber e de um poder de decisão. Apresento-me pelo meu nome e deixo a pessoa à vontade para chamar-me como preferir; se ela perguntar, afirmo que pode chamar-me de “você”.

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desse diálogo poderá ter inúmeros efeitos naquelas pessoas e na forma como elas se relacionam. O acordo é um deles. O principal questionamento dos usuários, contudo, diz respeito ao resultado, à crença de que um acordo não pode ser obtido junto àquela pessoa com quem se está em litígio: “ele não vai vir”, “com ele não tem conversa”. Mas, após algumas explicações e, em especial, após a comparação com o processo judicial tradicional, se aceita: “vamos tentar”. Aos poucos é possível perceber que para pôr em prática tal atuação é preciso realizar um trabalho de explicação em cada caso, às vezes até de forma repetida, chegando, inclusive, a parecer uma forma de convencimento. Talvez em alguns momentos seja, pois se o defensor encaminhou para o CAM, é possível, logo em seguida, devolver-lhe o caso? O ideal, como já foi dito, é que o trabalho do CAM seja sugerido e para que a pessoa possa realmente escolher ela precisa de informações sobre uma e outra possibilidades. Nem sempre o encaminhamento é feito dessa forma. Além disso, há espaço para, após o primeiro atendimento, voltar ao defensor e dizer que o usuário não aceitou tentar o caminho do acordo extrajudicial? Há casos em que não há ação judicial a ser feita, mas quem deve dar esta explicação é o defensor. A não aceitação do usuário pode ser entendida como um fracasso, tanto pelo defensor como por mim. Mas seria um fracasso do encaminhamento? Seria um fracasso da minha atuação? Se não for fracasso, poderíamos entender como? Na tabela que devemos preencher mensalmente, juntamente com o relatório das atividades, para informar à Assessoria Técnica Psicossocial15 como tem sido nosso trabalho, é denominado “acordo infrutífero” quando apenas a parte que procurou a Defensoria se dispôs à tentativa de acordo e a outra parte se negou ou quando houve a reunião para tentativa de acordo, mas não foi possível chegar a um consenso. Este termo tem encontrado resistência por parte de muitos técnicos, dentre os quais me incluo, pois passa a ideia de que não houve ganhos, mas somente fracasso. A não aceitação da tentativa de acordo pode estar relacionada à importância da figura do juiz em nossa sociedade: o lugar socialmente atribuído ao juiz, que possui legitimidade para decidir sobre a vida de outrem; a ideia de que se não for dito pelo juiz, não é tão sério ou certo, ou seja, é mais fácil para se burlar ou simplesmente não cumprir. Nesta lógica, é fundamental uma ordem e um papel assinado. 15

Esta assessoria é composta por um psicólogo e uma assistente social, escolhidos pela administração geral da Defensoria Pública do Estado dentre aqueles que passaram no concurso, para trabalhar na gestão técnica dos outros psicólogos e assistentes sociais, ser a ponte entre estes e a administração.

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Ao mesmo tempo, há também, por parte de vários membros da família, um receio de ser chamado pelo juiz e uma discordância pelo fato de convocar um terceiro “de fora” para lidar com o problema “de dentro” da família – neste caso, não parece haver diferença no que diz respeito à forma como este terceiro exerce seu papel (psicóloga ou juiz), pois a discordância se dá pelo fato de algum membro da família ter recorrido a alguém externo às relações familiares. Somente em poucos casos encaminhados ao CAM aconteceu a reunião, na Defensoria, para tentativa de acordo entre todos os membros. Houve aqueles em que o recebimento da carta de convite16 para o acordo foi propulsor para uma conversa entre as partes em litígio; houve também aqueles em que as conversas individuais com cada membro na Defensoria proporcionaram um encontro entre eles, fora dela, em que eles mesmos chegaram ao acordo. Podemos considerar que todos eles foram “acordos frutíferos”, embora a participação do CAM tenha sido diferente da inicialmente planejada. Em vários casos foram proferidas falas em discordância com a atitude da pessoa que procurou a ajuda, pois se acredita que ela deveria ter procurado diretamente as outras partes. O discurso do demandante, por sua vez, é de que chegara ali após várias tentativas frustradas de conversas; muitas vezes também ele não se sente bem com aquela demanda, se sente envergonhado por trazer os problemas familiares para a justiça, mas não consegue ver outra solução. Para alguns deles, parece até melhor que o caso não vá ao juiz, pois sabe que as outras partes não irão gostar, o que pode agravar ainda mais a situação. Aos que são convidados a comparecer à Defensoria, procuro minimizar esta busca pela justiça, quando carrega um forte componente negativo, explicando que a pessoa estivera ali para se informar sobre seus direitos. Cabe aqui colocar em análise essa busca pelo acordo como meta principal. Esse é o objetivo da conciliação, enquanto a mediação tem por finalidade “resolver abrangentemente o conflito entre os envolvidos” (PINHO, s/d(b), p. 8), ou seja, promover transformações nas relações, fomentar uma cultura de pacificação dos conflitos. Neste sentido, um “acordo infrutífero” não deve ser encarado como necessariamente uma “mediação infrutífera”, pois a entrada de um terceiro (no caso, uma psicóloga) naquela situação já pode ter efeitos na vida daquelas pessoas, na relação entre elas. Ademais, esse tipo de atuação se aproxima muito mais de uma prática da psicologia de maneira geral.

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A carta que envio tem o seguinte texto: “Convidamos Vossa Senhoria a comparecer à sede da Defensoria Pública do Estado, na (endereço), no próximo dia __/__/____ às ______ horas, para uma tentativa de acordo extrajudicial sobre assunto de seu interesse.” Assinatura: “Equipe Psicossocial - Centro de Atendimento Multidisciplinar”.

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Contudo, é importante destacar que, na Defensoria, um “acordo infrutífero” segue, muitas das vezes, para uma ação judicial. Parece haver sempre a sombra da justiça nessa instituição. Para muitos teóricos, mesmo que se siga a via judicial tradicional, a vivência anterior da mediação provavelmente contribuirá para que as partes se apresentem de maneira diferente na audiência com o juiz. Refletindo a partir da organização da Defensoria, vem, mais uma vez, a sensação de frustração se pensarmos que o objetivo do encaminhamento ao CAM é estritamente não entrar com ação judicial. Mas pode – e deve – ser muito mais do que isso. Aos poucos vai se criando espaço para mostrar outros resultados do trabalho do CAM que estão para além do frutífero/infrutífero, que dizem respeito à qualidade mais do que à quantidade, que estão relacionados às especificidades da psicologia. O fomento a práticas de resolução alternativa de conflito parece, muitas vezes, como se vê, não acontecer de forma espontânea. A cultura de não judicialização dos conflitos ainda precisa ser bastante regada em nossa sociedade. Ainda mais quando se propõe a contrapor-se à cultura de judicialização do cotidiano, fenômeno relativamente novo, como vimos anteriormente, e que ganha força diante de outros fatores da vida moderna, como a valorização da individualidade, da lógica adversarial, da necessidade de ganhar sempre, de levar vantagem com relação ao outro. Outro ponto importante é a reflexão sobre o trabalho com as famílias. É preciso compreender que há diversos arranjos familiares em nossa sociedade e que a própria noção de família é entendida de maneiras distintas, especialmente dependendo da classe social. É preferível, como nos aponta Cláudia Fonseca (2005), falar de “dinâmicas e relações familiares, antes do que de um modelo ou unidade familiar”; além disso, é fundamental que a família possa ser “analisada como uma noção política e científica historicamente situada” (p. 16). No intuito de procurar um caminho de reflexões sobre todas essas questões, proponho narrar e discutir alguns casos atendidos pelo CAM nesses primeiros meses de trabalho.

Caso 1

Daniela17 procura a Defensoria contando que se separou de seu companheiro, Eduardo, com o qual tem dois filhos, e combinaram de dividir a casa em que os dois moravam 17

Todos os nomes aqui utilizados são fictícios; foram modificados a fim de respeitar a confidencialidade dos atendimentos, além de resguardar a identidade das pessoas envolvidas.

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da seguinte maneira: ela ficaria com a parte de baixo e ele com a parte de cima. Cada parte passa a ter dois cômodos, como eles explicam: quarto e cozinha, além do banheiro. Ela vive com quatro filhos (dois de Eduardo e dois de um relacionamento anterior) e uma nora; ele, com uma filha de um relacionamento anterior e tem mais dois, que moram em outro Estado. Para que as partes da casa se separem e se transformem, portanto, em duas casas, é preciso algumas reformas, que serão feitas por Eduardo, já que Daniela não está trabalhando. A queixa que ela apresenta é que a forma como Eduardo está construindo fecha a circulação de ar, o que prejudica a saúde do filho mais novo do casal, que tem bronquite. Aos poucos, outros problemas aparecem no discurso: a falta de lugar para ela estender a roupa limpa (a alternativa seria usar a laje, mas, para isso, passa pela entrada da casa de Eduardo); as desavenças entre Daniela e a filha de Eduardo, de 15 anos, conflitos que já chegaram a ameaças de violência física, o que fez com que Daniela chamasse a polícia. Foram feitos atendimentos individuais com Daniela e Eduardo e uma reunião. Nesta, foi perceptível a carga emotiva que envolve a vida dos dois: as acusações com relação aos filhos mais velhos (de relacionamentos anteriores de cada parte); as “denúncias” de comportamentos provocativos; a falta de pagamento de pensão por parte de Eduardo; o choro de Daniela. Procurei focar a discussão na reforma da casa, mas a todo o momento estes temas eram retomados. Esta situação parece ser exemplo de uma necessidade de adaptação de paradigmas, tanto judicial como extrajudicial. O defensor que encaminhou o caso entende que não há como se fazer um processo para isso, pois os dois não foram oficialmente casados e a casa já foi fruto da partilha de bens entre Eduardo e sua primeira esposa. Se houvesse uma audiência de divórcio, o juiz poderia decidir pela venda da casa e a divisão do valor entre os dois, o que não se adequaria aos desejos de nenhum deles. O juiz, de acordo com explicação dada por um defensor, dificilmente aceitaria a divisão da casa com os dois continuando a morar nela. Contudo, um casal recém-separado de maneira litigiosa decide continuar a conviver. É importante ressaltar que essa decisão tem muitos elementos sociais e financeiros e, como bem observa Cláudia Fonseca (2005), “as circunstâncias socioeconômicas, que são em grande parte alheias à vontade individual, são parte de qualquer modo de vida. É importante lembrar: as condições objetivas de vida levam as pessoas a olharem para o mundo de um ângulo ou de outro.” (p. 57). Diante das dificuldades encontradas no dia-a-dia, Daniela procura uma outra instância que afirme o que deve ser feito. O caso é encaminhado para uma tentativa de acordo, mas as discussões sobre a reforma da casa, que foi consensual, tomam a menor parte dos 90 minutos

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de reunião. É nítido como o acordo que é suscitado é muito mais para as questões dos conflitos familiares, que não são de natureza judicial. Procurei pensar com eles em estratégias que poderiam ser colocadas em prática por cada um deles e por seus filhos para evitar situações de confronto como as que têm vivenciado cotidianamente; procurei construir um discurso em que eles entendessem que o momento pós-separação pode ocasionar muitos momentos conturbados, mas esta não é a única possibilidade e eles podem agir de maneira diferente, a partir de uma outra lógica. Ambos têm dificuldades de seguir este pensamento, pois se colocam no lugar de vítima e de acusação, ou seja, atribuindo a culpa ao outro. Essa é uma lógica que o próprio judiciário criou: até julho de 2010 o divórcio somente acontecia após um processo de separação, que deveria durar dois anos, no qual se procurava atribuir a um ou outro a culpa pelo divórcio, fomentando, assim, os litígios entre as partes envolvidas. A partir da Emenda Constitucional 66/2010 “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”, sem atribuição de culpa, sem prazos. “O divórcio deixou de ser instrumento de manipulação entre as partes”, afirma Rodrigo Pereira (2010, p. 5). Mas uma mudança cultural não acontece simultaneamente à modificação legal; é preciso compreender que existem vários fatores imbricados na constituição e na dissolução de uma união. Essa Emenda Constitucional trouxe à tona muitas discussões sobre esse tema, que não cabem ser aqui esmiuçadas. Mas é importante pensarmos que a Defensoria Pública pode ter seu papel nessa transformação social, notadamente numa perspectiva desjudicializante e “deslitigante”. Diante deste clima litigioso entre Daniela e Eduardo, sugeri ações que cada um deles poderia procurar fazer, a partir das queixas que o outro acabara de apresentar. Sugeri ainda que eles pensassem num prazo para que pudessem reavaliar a situação. Essas sugestões incidiram nos pontos das relações sociais, ou seja, do que é denominado de “lide sociológica”, que se diferencia da “lide processual”, mas que é igualmente importante: “algumas vezes, outros fatores além dos “direitos” acabam desempenhando papel fundamental na resolução de uma disputa” (AZEVEDO, 1999, p. 52). Para além das dificuldades no diálogo e no fato de a situação de separação ser recente, é importante frisar outra particularidade: Eduardo é o único provedor das casas que totalizam oito membros, além de contribuir mensalmente para outros dois filhos. Pensarmos, por exemplo, em suspender a reunião e marcar outra(s) implicaria em Eduardo, que trabalha como pedreiro autônomo, deixar de ganhar dinheiro. Poderíamos questionar – talvez muito mais para responder à Defensoria como órgão que nos tem colocado nessa lógica dicotômica entre conciliação e mediação – se este processo

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se desenvolveu como uma ou outra técnica. Pelo que preconizam os autores da área, seria mais adequada uma mediação, pois se trata de pessoas que têm um vínculo afetivo forte e uma relação duradoura, pois os filhos fazem com que eles permaneçam com um laço, além de continuarem a viver no mesmo terreno. Contudo, diante dos conflitos agudos e da dificuldade do acordo se estender para outros encontros, ponderei a pertinência de sugestões, o que já se diferencia da postura de um mediador, apesar das sugestões se remeterem aos fatores emocionais, os quais não deveriam ser trabalhados numa conciliação. Parece mesmo tênue a linha de separação entre os dois métodos. Há, ainda, um outro ponto que podemos discutir. Humberto Dalla chama a atenção para a existência, na mediação, de componentes analíticos, muitas vezes aproximando-a de um processo terapêutico. Para ele, o profissional deve ter conhecimentos em psicologia e sobre as relações humanas e sociais, mas “deve haver um limite claro para a sua intervenção, sob pena de se perder o foco e tornar o processo abstrato e, portanto, infrutífero” (PINHO, s/d(a), pp. 6/7). O que parece, portanto, é que há sim uma diferença com relação à formação do profissional que atua como mediador; mesmo que sejam necessários ajustes no foco, as lentes são as mesmas. Para além dessa discussão entre as diferenciações entre uma e outra técnicas, o que parece estar clara é a atuação como psicóloga: a escuta, o acolhimento do sofrimento daquelas pessoas, a busca por proporcionar reflexões acerca das possibilidades de mudança de uma situação que tem causado mal a ambos, colocando-os como protagonistas dessas mudanças. Essas são intervenções próprias da psicologia. Tanto pelo fato de a mediação não poder ser aplicada em todos os casos - apesar de já observarmos, de acordo com vários autores da área, um certo deslumbramento com a mediação entendida como solução para todos os problemas -, como pelas especificidades que o trabalho na Defensoria apresenta, a intervenção psicológica se faz pertinente: tem suas especificidades, sua importância e seus efeitos. Mesmo que seja necessária uma formação adequada na técnica da mediação, há uma atuação própria da psicologia que se faz presente em todos os casos atendidos e que, por vezes, parece permanecer ofuscada diante do debate sobre a mediação. Essa atuação, é importante frisar, trabalha a partir das subjetividades, mas também produz subjetividades. São sujeitos diferentes que focam a psicologia e o direito; são diferentes as formas de subjetividade construídas a partir de uma ou outra intervenção. Portanto, é preciso sempre refletir que subjetividades estamos produzindo, que efeitos nossas

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práticas, como psicólogos, estão tendo nas vidas das pessoas atendidas, o que podemos construir com elas e qual o diferencial dessa atuação. O que temos a oferecer, como psicologia, é a aposta na vida, um encontro para a produção coletiva de análises e estratégias, para o enfrentamento dos tensionamentos, colocados na atualidade, via pequenas ações cotidianas, micropolíticas, microrrevoluções, como nos indicam Guattari e Rolnik (1986)18. (BOCCO, 2008, p. 121)

Caso 2

Cristina e Ana são irmãs e têm um terreno em conjunto, comprado por elas quando a mãe ainda era viva. A mãe viveu na casa que havia no terreno e, após a morte dela, começaram as desavenças entre as irmãs. Cristina procura a Defensoria afirmando que a irmã não se responsabiliza por nada do terreno e, por isso, há dívidas altas, além dela já ter entrado na Justiça contra a irmã algumas vezes para pedir ressarcimento por custos como a construção de um muro e a reforma da calçada, ações demandas pela Prefeitura. Após um encontro individual com cada uma das irmãs, fizemos uma reunião. Ana compareceu acompanhada de seu esposo, afinal ele é quem é o principal provedor do núcleo familiar; Cristina, sozinha. Antes do encontro, Ana informou que há um processo na justiça desde 2002 e questionou a possibilidade de realização do acordo com um processo em aberto. Conversei com o defensor que encaminhou o caso e ele me confirmou que um acordo pode acontecer a qualquer momento. Nesta primeira reunião ficou claro que as duas irmãs tinham o mesmo objetivo: desmembrar o terreno para que cada uma ficasse com a sua parte e escolhesse o que fazer com ela. Isto poderia ter sido resolvido sem processo judicial ou mesmo no processo que foi aberto anos atrás, mas a dificuldade no diálogo entre as irmãs, agravada por questões pessoais que acabam vindo à tona neste momento, fez com que o conflito se arrastasse por anos. Os conflitos interpessoais foram por diversas vezes tema de discussão, como o que cada uma trabalhou para a compra do terreno, os cuidados que cada uma direcionou a mãe no final de sua vida. Depois de um início de trocas de acusações, Ana se dirige a mim: “é difícil ser psicóloga, né? ... Se fosse um juiz já teria mandado a gente calar a boca”. Eu sorri e sugeri que elas evitassem este tipo de questões para focar no problema principal, além de não se utilizarem de tom provocativo, o que não ajudava em nada a resolução da questão. Elas

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GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: Cartografia do Desejo. Petrópolis: Vozes, 1986.

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aceitam, mas é difícil se controlarem. Aos poucos noto que elas mesmas, após falarem algo que “fugia do tema”, faziam algum comentário como “mas isso não interessa aqui”. Mais uma vez, trabalhar questões emotivas, para além dos direitos, pode ajudar no desenvolvimento do diálogo. E, nesse sentido, a postura da psicóloga, diferente da de um juiz, contribui para a promoção de um ambiente em que estes assuntos possam emergir. Em diversos casos [...] comunicações e negociações não conseguem se desenvolver até que uma ou mais partes tenham tido uma oportunidade de expressar sua irresignação, raiva ou outro sentimento. [...] os litigantes precisam ter alguma pessoa neutra que possa ouvir e registrar a intensidade de tais sentimentos antes que o caso esteja pronto a ser debatido com objetividade. (AZEVEDO, 2009, p. 51)

Apesar dessa carga emocional, elas conseguiram chegar a acordos, mas esbarraram em dúvidas jurídicas. Decidimos suspender aquele encontro e agendar um próximo em que um estagiário de Direito pudesse estar presente. A segunda reunião teve, portanto, o intuito de esclarecer essas dúvidas e organizar o acordo, com a elaboração de recibos e do termo de acordo. Um ponto que chama a atenção é a constância da chamada “reação desvalorizadora”: “um conceito da psicologia cognitiva referente à tendência em uma negociação das partes desacreditarem, desconfiarem ou desvalorizarem certa proposta tão somente porque foi apresentada pela parte contrária”. (AZEVEDO, 2009, p. 50) Este tipo de comportamento pode ser observado em todos os encontros, tanto individuais, como coletivos e parece que tem sido comum há muitos anos entre elas. O papel do mediador, segundo o Manual de Mediação Jurídica, seria o de neutralizar e recontextualizar a proposta de forma a parecer como uma nova proposta, elaborada pelo próprio mediador. Além disso, é importante que as partes tenham confiança no mediador, o que pode propiciar maior flexibilidade para a discussão. Os encontros individuais podem ajudar no estabelecimento dessa confiança. (AZEVEDO, 2009) Neste caso, parece-me que a confiança pôde ser estabelecida. Por diversas vezes as duas se remetiam a mim, querendo receber uma concordância sobre seu ponto de vista; aproveitei esses momentos para a reformulação das propostas. Apesar de cansativo, avalio que os encontros fluíram bem e o acordo está caminhando para seu fechamento de forma satisfatória para ambas. Contudo, como há impasses jurídicos e documentais, o processo se arrasta. Neste tempo, acabei assumindo um papel mediador do contato entre elas, pois elas não têm se falado, nem para marcar, por exemplo, ida à Prefeitura para assinar documentos. Fui percebendo aos poucos esse lugar e me senti bastante incomodada, por vezes irritada. Queria pensar numa forma de modificar isso, de falar sobre o que é e o que não é minha função e o

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quanto este lugar que eu estava assumindo não era saudável para elas, pois criara uma dependência. Certo dia, quando ela me disse que era preciso entregar alguns documentos assinados pelas duas em um prazo bastante curto, tomei a decisão de questionar este lugar. Falei muitas coisas para ela sobre a importância de ela mesma tomar a atitude de ligar para a irmã, independente do que esta a tenha falado, em nome do foco atual de resolução do desmembramento do terreno. Quando ela me disse “por que você está falando assim comigo?” me derrubou. Foi ai que me dei conta o quão afetada eu estava com estas pessoas. E que talvez aquele não fosse o melhor momento para questionar este lugar de “correio”. [Trecho do diário de campo]

A minha vontade foi dizer pra ela sobre meu incômodo. Parece que de certa forma falei. Mas ponderei o momento e decidi não falar sobre o que me incomodava, nem me negar a mais uma vez mediar a marcação de procedimentos entre elas. Continuo neste lugar. E o acordo, embora seja o interesse das duas, vai sendo protelado.

Caso 3

Telma chega, pela segunda vez, à Defensoria para tratar sobre sua mãe, Dona Rita, que tem 90 anos e precisa de cuidados constantes. A primeira vez, meses antes, quando a mãe ainda tinha possibilidade de locomoção, as duas pediram à Defensoria a mudança da casa em que a mãe morava sob os cuidados de uma das filhas, Marta. Neste tempo não havia CAM; foi enviado ofício a esta filha e a mãe mudou-se. Menos de um ano depois, Telma volta, já não acompanhada de sua mãe, pois esta encontra-se com a saúde mais debilitada, para pedir a participação de todas as irmãs no cuidado com a mãe. O caso é encaminhado ao CAM para tentativa de acordo. O primeiro passo foi convocar todas as filhas, em separado, para serem ouvidas. A mais velha, Marta, que cuidava da mãe no ano anterior, afirma que, a pedido da Defensoria, a mãe saiu da casa dela; para voltar, ela precisaria falar com os filhos, de quem depende financeiramente. Eles não querem a presença da avó, visto que no ano anterior vivenciaram algumas dificuldades de relacionamento; propõem uma contribuição financeira no valor de R$ 80,00 mensais para ajuda na eventual contratação de um cuidador. Uma fala da Marta que chamou atenção: “não vou colocá-la no altar”, referindo-se à mãe.

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A segunda era a demandante. Ela afirma que tem um filho com necessidades especiais, o que a faz ter que estar cem por cento do tempo voltada para ele, seja acompanhando-o à escola ou a médicos, seja em casa, sob olhar atento. A terceira filha, Cida, afirma já ter cuidado da mãe, mas hoje não tem mais condições por conta de seu trabalho, das brigas entre as irmãs – ela não receberia suas irmãs em casa, nem vai à casa de nenhuma delas - e ainda pelas desavenças criadas entre mãe e filha no período em que moraram na mesma casa. A última, Ruth, afirma, veemente e emocionadamente, que aquela senhora não é sua mãe, pois a abandonou quando criança: “não chame esta mulher de minha mãe, nem peça para que eu cuide dela”, afirma aos prantos. Não aceita, portanto, acordo. Atualmente, D. Rita está na casa de uma neta, Juliana, filha de Tânia, mas Juliana está grávida e em breve terá mais dificuldades em dividir a atenção entre a avó e o bebê. Além disso, afirma que tem sido difícil arcar sozinha com os custos da avó. Diante do impasse, procurei conversar em separado com as partes no sentido de sensibilizá-las diante do problema: há uma idosa precisando de cuidados e, por mais mágoas e desavenças que existam na dinâmica familiar, é preciso que elas pensem numa solução. Mas, se não há disposição para uma reunião entre todas as partes, como alcançar algum tipo de solução? Consideramos este caso bastante delicado, tendo em vista que há muitos conflitos para além da queixa apresentada e que foram sendo vivenciados ao longo de anos de convivência familiar. É também um caso emblemático, pois traduz uma demanda bastante presente no cotidiano do CAM: desavenças familiares que culminam no conflito acerca dos cuidados de um idoso. Mais ainda, é um caso que recebe a influência da existência do terceiro chamado a atuar, tendo em vista que todas as partes compareceram à Defensoria e puderam colocar seu ponto de vista, suas queixas, seus sentimentos, mas que permanece sem acordo diante do nível de conflito em que as partes se encontram. Também foi um caso que me mobilizou bastante, pois Telma passou a ir quase semanalmente à Defensoria para saber “o que tinha conseguido”. Ela me endereçou uma demanda de solução do grande problema que a afligia e também a sua mãe. Eu não conseguia pensar numa solução que pudesse ajudá-las, ao mesmo tempo em que refletia que aquele não era o meu papel. Ademais, o encontro com a filha que não se dizia filha foi por demais angustiante e, de certa forma, paralisante, pois senti que causei um grande sofrimento àquela pessoa, a ponto de decidir que não mais entraria em contato com aquela filha. Coloquei em análise o meu papel. Enquanto psicóloga, parece-me muito mais gritante ter causado (e vir a causar novamente) todo aquele sofrimento a uma pessoa, do que não incluí-la em uma

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tentativa de acordo. Ao mesmo tempo, entendi que esta situação aconteceu também pelo fato de Telma não ter me informado deste posicionamento de Cida, o que me fez passar a ter um certo receio dos elementos que Telma trazia em seu discurso. Por fim, é um caso que traz à tona a discussão sobre a relação entre o Estado e as famílias pobres. Uma família que tivesse melhores condições financeiras certamente pagaria um cuidador, o que não eximiria de conflitos, mas provavelmente não chegariam aos cuidados do Estado ou da Justiça. Mas as famílias com maiores dificuldades financeiras, marginalizadas do acesso a um sistema de saúde de qualidade, posicionam-se de maneira adequada a sua realidade frente a essas situações e se vêem muitas vezes impotentes, procurando, assim, a ajuda de outrem. Como o profissional deve se posicionar? Inspiremo-nos em Claudia Fonseca (2005): Seu desafio é caminhar nessa “corda-bamba” sem resvalar inteiramente para um lado ou outro [...], sem encampar a lógica estatal que vê as famílias como culpadas por não assumirem total responsabilidade por seus membros, que as rotula de “heterônimas”, criticando suas demandas “exageradas” de ajuda. (p. 58).

O aumento da procura pela justiça envolve pontos bastante complexos. Por um lado, vimos que pessoas excluídas do acesso aos direitos básicos, como saúde, educação e moradia, passam a ter informação sobre os direitos que possuem e acionam a justiça para alcançá-los. Diariamente chegam pessoas à Defensoria para pedir remédios receitados pelo seu médico do SUS que não têm no posto de saúde da cidade; chegam também famílias ou comunidades procurando regularizar terrenos ocupados, as chamadas “área livre”, ou seja, áreas da Prefeitura que foram invadidas há anos e que as pessoas não têm nenhuma documentação; há ainda mães que não conseguiram vaga nas creches ou escolas municipais. Todos esses são exemplos de uma lógica judicializante, mas nesses casos são propulsionados pela difusão de informações acerca de direitos básicos a que todo cidadão deve ter acesso. Por outro lado, essa instância da justiça sendo rotineiramente – e até naturalizadamente – inserida nas relações sociais, seja entre o cidadão e o poder público, seja entre as pessoas, amplia o leque de demandas para resoluções. A filha que pede a participação das irmãs nos cuidados com a mãe entende que é seu direito não ser sobrecarregada com essa tarefa e é dever das irmãs contribuírem. Uma mãe que procura a justiça para internação de seu filho usuário de droga o faz como ato de desespero, como última saída para tentar “salvar” seu filho, pois já passou por várias outras instituições, além de inúmeras tentativas de conversas. Pessoas em geral que já não conseguem estabelecer um diálogo para um conflito que ganha proporções ainda maiores, procuram uma instância externa àquela relação, alguém que possa

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dizer do direito de cada uma e decidir por elas, impor um pacto. São nesses casos que a judicialização mostra seu lado mais difuso. Todo tipo de relação passa a poder ser judicializável. Neste contexto, procuramos colocar em questão como a justiça pode responder a estas demandas e qual o papel da psicologia nessas situações. A psicologia inserida na Defensoria parece esbarrar a ideia inicial de chegar à justiça, mas não se distancia tanto dela – nem sempre as pessoas entendem que a Defensoria não é o Fórum, a maioria delas acredita que se não conseguir chegar a um acordo, poderá entrar com ação judicial ali mesmo. Mas há de haver uma diferença! Por tudo o que já discutimos até aqui, parece que os pontos diferenciais são a escuta e o posicionamento.

Capítulo 3: As buscas por verdades

Partiremos novamente com Foucault (2005) para refletirmos sobre as diferentes formas de verdade construídas por diferentes sociedades, especialmente relacionadas à esfera judiciária. Esse estudo histórico se faz importante para que possamos entender os percursos já percorridos, ou seja, como cada sociedade construiu práticas judiciárias que engendraram modos de subjetividade, formas de saber-poder e relações com a verdade, e o contexto atual de relação entre os indivíduos e o sistema judiciário no que tange à busca por (e à produção de) verdades. A questão que norteia essas reflexões é “quais são regras de direito que as relações de poder põem em funcionamento a fim de produzir discursos de verdade” (FONSECA, 2002, p. 25)? O Direito Germânico e também o direito feudal, no início da Idade Média, eram, de acordo com Foucault (2005), marcados pelo sistema de provas. Não havia ainda um poder judiciário: a relação era entre dois indivíduos e havia apenas o fracasso e a vitória como decorrência. Esse sistema de provas não se constituía como uma busca pela prova da verdade, mas da força: do embate entre dois indivíduos que afirmam fatos distintos, é através da prova de força que se estabelece quem tem a razão. “A autoridade só intervém como testemunha da regularidade do procedimento” (p. 16). Esse sistema desaparece ao longo do século XIII, quando se passa a construir um poder judiciário, diretamente ligado à circulação e à concentração de bens. A justiça se torna uma imposição aos indivíduos de menor renda a partir de algo exterior a eles, “do alto”. Alguns novos conceitos e personagens aparecem nesse sistema: a noção de infração traz a ideia de que um dano não é mais de um individuo contra outro, mas ao soberano, às leis do Estado. Neste sentido, o Procurador é aquele que representa o soberano, o qual fora lesado pelo dano e que exigirá a reparação através das confiscações. Vemos, portanto, que o poder estatal confisca o procedimento judiciário e os bens dos indivíduos. Neste cenário, a prova desaparece e o inquérito se consolida como a nova forma de saber, que busca o estabelecimento da verdade a partir de uma gestão administrativa: alguns indivíduos, considerados “notáveis”, se reúnem para falar o que sabem e depois deliberar o que consideram ser a verdade. É uma forma de atualizar um acontecimento passado através de testemunhas, de “autenticar a verdade, de adquirir coisas que vão ser consideradas como verdadeiras e de as transmitir” (FOUCAULT, 2005, p. 78)

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No século XIX se constrói uma outra forma de saber-poder: o exame, que significa uma vigilância permanente do indivíduo por alguém que exerce uma relação de poder e que irá construir um sabe sobre ele (poder epistemológico). Não mais se pergunta o que foi feito e quem o fez, o foco agora é a norma, ou seja, o que se deve ou não fazer. “A penalidade do século XIX, de maneira cada vez mais insistente, tem em vista menos a defesa geral da sociedade que o controle e a reforma psicológica e moral das atitudes e do comportamento dos indivíduos” (FOUCAULT, 2005, p. 85) Essa nova forma de saber-poder será exercida pelas classes mais altas sobre as mais baixas, com o objetivo de individualizar o autor do ato e corrigir suas virtualidades, fixando-o em um sistema normatizador. Esse saber de observação, classificação e análise dos comportamentos dará lugar às Ciências Humanas, como a Psiquiatria e a Psicologia, conforme já discutimos no capítulo 1. Da gestão administrativa para a busca da verdade passa-se à criação de instituições diretamente ligadas ao poder político que intervém de maneira autoritária para “demarcar a fronteira entre o verdadeiro e o falso, o culpado e o inocente, o justo e o injusto” (FONSECA, 2002, p. 252). Há, portanto, a criação de um terceiro, considerado “neutro”, que tem o poder de julgar os indivíduos a partir de ideias de justiça com valor absoluto e com poder de execução. Esse formato é a base do que encontramos hoje. As noções de norma e de exame, sem deixar totalmente de lado elementos do inquérito, são o fio condutor das práticas judiciárias, que produzem modos de subjetividade, de relações entre os indivíduos e entre esses e o poder (político, epistemológico, normatizador), além da produção de verdades, ainda calcada na ideia da existência de uma verdade absoluta. O que podemos observar hoje é uma relação do indivíduo com o poder judiciário baseada na legitimação deste como autoridade decisória e na submissão de suas decisões, ao menos no que diz respeito à busca ativa pela justiça. Cada vez mais, como já vimos no capítulo 2, essa autoridade é chamada a intervir em uma maior gama de assuntos, como os de caráter eminentemente relacional. Assim, para muitos tipos de conflito a resolução não é tomada entre os dois indivíduos envolvidos, mas delegada a um terceiro, que necessita de provas e testemunhas para dizer a verdade, proferir a sua decisão sobre quem tem razão e qual será a reparação. Parece haver uma miscelânea de componentes históricos, mas que têm hoje seu papel no complexo sistema judiciário atual, muitos já naturalizados. “Você pode ir lá em casa ver que eu estou falando a verdade” é uma frase por diversas vezes repetida por aqueles que são atendidos na Defensoria, inclusive no CAM.

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Parece querer trazer à tona a verdade sobre os fatos, a prova, a legitimidade da sua palavra e a importância do testemunho. A produção do exame, por seu turno, recorre a especialistas, testemunhas de um saber técnico e de um poder epistemológico sobre os indivíduos. Pode-se recorrer a qualquer tipo de especialista, que possa falar sobre a verdade daquele sujeito, daquela situação. Os psicólogos estão ai incluídos, chamados a falar da verdade do “interior” do indivíduo e de seus comportamentos. Os usuários, de maneira geral, parecem entender esse lugar do especialista e apresentam, além do convite para conhecer a realidade in locus, materiais, como fotos e vídeos, querendo dar mais elementos de prova da verdade. Essa demanda também está presente no pedido de um estagiário: “vocês [psicólogos] não têm uma pergunta que consiga saber se houve ou não um abuso sexual?”. Vemos procedimentos variados, que se apresentam nas práticas judiciárias como formas de saber, de saber-poder sobre os indivíduos, que têm como meta a busca pela verdade absoluta e a adequação às normas, ao modo-de-ser-indivíduo. Neste cenário, os psicólogos estão inseridos também como produtores de um saber-poder sobre os indivíduos. É preciso que estejamos sempre atentos a este lugar de poder que nos é conferido, que possamos refletir ao responder a estas perguntas que esperam encontrar uma verdade sobre o sujeito, que nos permitamos fazer outras perguntas, questionar esta função e o uso que se faz dela e que possamos, então, produzir outras respostas. Traremos dois exemplos de atuação da psicologia na Defensoria Pública para problematizarmos a função da justiça e da psicologia no que diz respeito à produção de verdades: os exames de DNA para investigação de paternidade e a elaboração de documentos a partir de estudos psicológicos.

Investigação de Paternidade

Seis meses após o início do trabalho do CAM, os defensores da regional em que atuo decidiram, em reunião, que todos os casos de investigação de paternidade deveriam ser acompanhados por este setor, casos esses que eu nem sabia que eram realizados pela Defensoria. A psicologia, de acordo com essa determinação, passaria a acompanhar o caso desde o início, ou seja, desde o momento em que o usuário apresentasse alguma demanda de

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reconhecimento ou investigação de paternidade, numa perspectiva de acordo, podendo seguir dois caminhos: 1) reconhecimento formal da criança por parte do pai, inicialmente objetivado na modificação da certidão de nascimento (posteriormente, nos direitos e deveres, como visitas e pagamento de pensão, se for o caso e por meio de ação judicial); 2) sendo de interesse das partes, encaminhamento para exame de DNA gratuito, realizando-se acompanhamento do caso até a entrega do resultado; confirmando-se a paternidade, também é buscado acordo para que o reconhecimento formal seja voluntário. Não havendo solução extrajudicial, em qualquer momento, o usuário poderá entrar uma ação judicial, não mais atribuição do CAM. A grande maioria dos casos demanda a realização do exame. Antes de adentrarmos nas descrições e reflexões dos casos até agora atendidos e na função da psicologia nesse acompanhamento, gostaríamos de proceder a uma análise desta demanda por exame de DNA de maneira mais global, procurando entender a inserção social da análise genética, seus objetivos e seus efeitos em diferentes contextos. No Brasil, desde o final dos anos 1990, já há uma grande produção de análise genética pelo DNA, inclusive gratuitamente oferecida pelo Estado para a verificação da paternidade a pedido pessoal ou pela justiça. Cláudia Fonseca (2004) faz uma análise sobre a produção da demanda de investigação de paternidade a partir da “sacralização” do teste de DNA e os efeitos dessa produção. Há várias questões ai imbricadas: o direito de saber, tanto do filho como do homem; o questionamento sobre a conduta da mulher e a “revelação” sobre a verdade moral, sobre os comportamentos dela; a naturalização do homem exigir o direito à verdade antes de assumir o compromisso da paternidade; a idealização do papel de pai. A interseção entre os saberes médico e jurídico está influenciando nas relações de gênero e parentesco construídas social e culturalmente. Introduzir o exame de DNA nessas relações parece pretender uma solução simples para questões bastante complexas, como a redução do parentesco a um dado concreto obtido através de uma análise biogenética. Vemos, portanto, uma biologização das relações familiares. (FONSECA, 2004) Contudo, conforme lembra a autora, “a afirmação de um fato biogenético, o cumprimento de uma lei e o desenvolvimento de uma relação social são processos distintos” (p. 15). O laço consanguíneo é apenas um dos critérios para a construção do pertencimento no grupo familiar e é preciso questionar quais os efeitos da “revelação da verdade” nesse grupo, ou seja, qual é o sentido de pai que está sendo questionado e o que se pretende promover a partir da análise biogenética e da imposição judicial e se esta prática está surtindo os efeitos

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desejados. Um dos efeitos que tem se construído no Brasil, com a normalização desse pedido e o fácil alcance ao exame, é certo: “a tecnologia está mudando as premissas familiares e assim aumentando a dúvida que pretende sanar” (p. 32). “Hoje, com a crescente importância legal do teste de DNA, e a possibilidade de saber ‘a verdade real’, homens e mulheres não têm mais a tranqüilidade para negociar sua própria verdade” (FONSECA, 2004, p. 31). O que se discutia antes através da palavra, o que se conceituava antes somente socialmente (o parentesco), hoje passa por uma prova de verdade, uma objetivação bioquímica de uma realidade subjetiva. “Parece que a simples existência do teste atiça a vontade de saber” (idem), a necessidade de se revelar uma verdade, de não mais encaminhar pela palavra. Cabe trazermos exemplos de outras produções, em diferentes países, da demanda e dos efeitos da análise biogenética. Na Finlândia, o exame de DNA é utilizado para identificar familiares de origem somali e autorizar suas entradas no país. A Finlândia recebe muitos cidadãos vindos da Somália como refugiados e, através da lei daquele país, este cidadão tem o direito de ter sua família reunida. Contudo, as concepções de família e parentesco apresentam distinções culturais e, para que a lei finlandesa tornasse real, após muitas controvérsias entre quem é e quem não é membro da família, foi instituída a análise genética como parte do processo de pedido de visto para o direito da “família reunida”. (HAUTANIEMI, 2007) Na Argentina, a tecnologia de análise genética foi criada após pressão das “Avós da Praça de Maio”, que denunciaram o desaparecimento de filhos de pessoas mortas pela ditadura militar. Essas crianças haviam sido entregues a famílias ligadas ao regime, sendo registradas e criadas em ambiente distinto de sua origem, sem saber a verdade sobre seu passado. Com as denúncias, foi criado um banco de dados com as análises genéticas dos parentes dos desaparecidos políticos a fim de promover a identificação das crianças às suas famílias de origem e o julgamento das famílias “apropriadoras”.19 Todo esse movimento trouxe muitas discussões no plano social, político e jurídico, como sobre o direito à identidade, à escolha e sobre as antigas dualidades cultura e natureza, social e genético, apreendido e herdado. (REGUEIRO, 2010) O exemplo finlandês também traz discussões importantes, como as diferenças culturais, os propósitos políticos de controle e da revelação da verdade a partir de uma ótica, os questionamentos sobre propriedade, herança

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Cabe informar que, no Brasil, desde 2006, também há um banco de DNA para identificação das ossadas que estão com o governo federal ou em valas comuns de alguns cemitérios e que se acredita tratar-se de pessoas mortas pelo regime militar. (PNUD, 2006)

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e obrigações e as transformações sociais e culturais decorrentes, como as modificações nas redes de relacionamento e nas noções de pertencimento a elas. (HAUTANIEMI, 2007) No caso argentino, houve primeiramente uma construção política do parentesco a partir da busca, seguida de uma produção científica, jurídica e familiar. Conforme ressalta a autora, a consanguinidade sozinha não sustenta uma relação de identificação, se não há a atualização social e simbólica do parentesco: “é a construção simbólica prévia e a relação social posterior o que faz com que esse vínculo de parentesco se legitime ou se construa parcialmente através de uma análise genética”20 (REGUEIRO, 2010, p. 29). A realidade brasileira não tem nenhuma conotação social que se aproxima à forma como se apresenta, por exemplo, na Finlândia e na Argentina; mas, em contexto diferente, suscita questionamentos semelhantes. Ana Liési Thurler (2009) aponta que o não reconhecimento paterno no Brasil apresenta uma incidência de 25%, mas é um fenômeno que não recebe muita atenção social. Para a autora, a “deserção paterna” tem raízes históricas, bastante relacionadas às relações desiguais de raça/etnia e de gênero: “A dominação masculina está presente tanto na recusa do pai em reconhecer sua condição de genitor, quanto na exigência à mulher-mãe de provas para que sua criança não permaneça somente filha da mãe”. (BANDEIRA, 2009, p. 20) Há outras questões sociais aí imbricadas: a construção social dos papéis (já naturalizados) de pai-provedor e de mãe-cuidadora, de parentesco, as questões sobre a sexualidade de homens e mulheres, entre outros. O que é importante refletir é que a realização do exame de DNA, a revelação de uma “verdade” biológica, parece ser somente a ponta do iceberg de toda uma problemática que ultrapassa o âmbito privado, mas que tem consequências neste. E essas consequências não são controláveis: as construções simbólica e social de parentesco podem ou não acontecer após a revelação biológica. À justiça parece caber intervenção no primeiro passo. E quanto aos outros? A justiça tem algum papel nessas transformações sociais? No cotidiano da Defensoria, a maioria das pessoas que busca o reconhecimento são mulheres que fizeram o registro de seus filhos somente em seu nome, pois o pai não esteve presente no momento do nascimento. Boa parte dos pais afirma ter dúvidas sobre a paternidade e atribui a elas a função de “procurar seus direitos”, ou seja, procurar uma forma de fazer o exame de DNA para que, com o resultado em mãos, ele possa proceder com o registro da criança. Às vezes elas procuram o reconhecimento da paternidade ainda com o 20

Tradução livre.

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filho recém-nascido, às vezes demoram anos, geralmente motivadas pelo pedido do filho. Também recebemos casos em que a criança foi registrada no nome do pai, mas, geralmente após uma separação conflituosa do casal, “surge” a dúvida e a vontade do pai de buscar a verdade.21 É preciso saber que há um projeto do Tribunal de Justiça denominado “Paternidade Responsável”, que visa promover o reconhecimento de paternidade de maneira gratuita e célere (sem processo judicial). Para isso, contam com os cartórios de registro civil e as escolas públicas, que notificam o Fórum quando há uma criança registrada sem o nome do pai. O Fórum então convoca a mãe e o pai e, se este afirma que possui dúvidas acerca da paternidade, o caso é encaminhado à Defensoria para que proceda com a realização do exame de DNA. É o judiciário convocando outros órgãos para intervir na vida privada sob os argumentos do “melhor interesse para a criança”. Há vezes em que a mãe e o (suposto) pai22 chegam juntos à Defensoria, demonstrando estarem de acordo com a realização do exame; nesses casos, o pedido do exame é encaminhado na mesma hora ao órgão estadual responsável pela perícia gratuita. Quando chega apenas uma das partes, o procedimento tem sido o de chamar a outra parte para ouvir seu posicionamento; em geral, são os homens, que explicam suas dúvidas: “nós não tínhamos um relacionamento sério”, “foi uma noite só”, “numa discussão, ela disse que poderia não ser meu”, “eu aceito fazer o exame desde que os outros dois namorados dela também façam”, “eu era casado, ela destruiu minha vida, quero fazer pra ter a certeza e, se não for, vou pedir danos morais”, “eu já ajudo, mas não quero ficar com a dúvida por toda a vida”, “isso já faz anos, agora é que ela veio me dizer que sou pai!”. Não há como eximir-me e não me afetar; o machismo imperante em nossa sociedade, a história de mulheres submissas sempre me incomodam. Escutar mulheres colocadas numa posição em que seu comportamento sexual e moral é questionado, sem um questionamento semelhante ao comportamento masculino, é uma tarefa árdua. Os homens, em sua maioria, acreditam que é função da mulher evitar a gravidez: “eu era casado, ela deveria estar com a proteção dela” e se eximem da responsabilidade pelo feito. Também parecem querer se eximir das conseqüências, da responsabilidade, afinal, eles associam o pedido da mulher

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Entendemos que há diferenças entre os pedidos de reconhecimento e de contestação, mas aqui não as exploraremos. (BRITO, 2008) 22 O homem que afirma sua dúvida e pede o exame é denominado, nos procedimentos administrativos e jurídicos, de “suposto pai”.

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como exclusivamente para o pagamento da pensão: “eu já disse a ela que não tem nada a ver, eu já pago a pensão dos outros dois!”. A questão que fica não é a tentativa de alcançar uma dita neutralidade, mas sim o que fazer com essas afetações, como me posicionar no atendimento, especialmente com relação ao homem. Dependendo da situação, questiono alguns pontos, mas procuro focar o diálogo no futuro, ou seja, nas consequências de um ou outro resultado. Se já é pai (formal e socialmente), o que vai fazer se o exame der negativo? Se nunca viu a criança, como vai agir se der positivo? Eles dizem que assumirão ou que a criança não vai ser prejudicada. Ainda é cedo para ter certeza. No que diz respeito às relações institucionais, a decisão sobre o acompanhamento desses casos mudou o cotidiano do CAM: mais do que dobrou o número de novos casos e de atendimentos. Pode-se pensar num caminho de valorização do trabalho da psicologia, tanto no sentido do entendimento de que uma profissional dessa área pode lidar de forma diferente com todo esse processo (e um diferente que é, então, percebido como melhor ou mais adequado aos usuários), como no sentido de que houve uma conquista de espaço, de respeito, nesses meses iniciais; mas também se pode pensar em mais uma forma de diminuir a carga de trabalho dos defensores. Não necessariamente são motivos antagônicos. Esta nova atribuição encontra-se alinhada ao tipo de demanda que vimos trabalhando: a de uma escuta diferenciada por parte do profissional de psicologia. Para todos fica muito claro que faz todo o sentido ser a psicóloga quem vai dar o resultado do exame de DNA, pois como lidar com a situação delicada que surge se o resultado for negativo? É importante pensarmos no poder que assume aquele que “revela a verdade” e a necessidade de manejo da situação surgida a partir dos incontroláveis efeitos em cada um dos envolvidos quando desta revelação, independente do resultado. Quais características são associadas à psicologia, em contraposição ao direito, que a torna mais apta para o trato dessas situações? A disposição para uma escuta da situação e do sofrimento do outro é um primeiro ponto.

Não

é

uma

postura

que

pretende

simplesmente

enquadrá-lo

em

uma

ação/procedimento, mas que o escuta em sua singularidade. Não me parece que esta postura deveria ser exclusiva da psicologia, mas faz parte das atribuições a ela esperadas em qualquer contexto de atuação. O outro ponto é a inserção desses casos nas tentativas de acordos extrajudiciais, o que faz com que o pai seja convidado a comparecer à Defensoria, função que só cabia à mulher. Antes, após o primeiro atendimento era agendado um retorno em que havia duas opções a ela: chamar o pai para comparecer no dia marcado e assinarem juntos um pedido de exame

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extrajudicial; na ausência dele, entrar com ação judicial, que demora muito mais tempo, além de todos os ônus de um processo litigioso. Hoje, portanto, há alternativas às mulheres que perderam o contato com o pai de seu filho, mas sabem onde ele mora. Este homem é chamado por carta para comparecer à Defensoria. No atendimento, explico a situação e a possibilidade de realização do exame de DNA gratuitamente. Se ele aceitar, encaminhamos o pedido ao órgão responsável. Nem todos os casos são resolvidos assim, pois muitos não comparecem ao convite enviado por carta. Os que comparecem muitas vezes afirmam que já esperavam esse chamado, mas não tiveram a iniciativa, pois entendem que é função da mulher, ou afirmam que gostariam de fazer o exame, mas estavam adiando, procurando um momento melhor, mais adequado. De toda forma, este procedimento de convocar o homem para que ele possa reconhecer uma criança de maneira amigável, como eles mesmos costumam dizer, só foi possível a partir da atuação do CAM. Mais uma vez, não se trata aqui de uma atitude diferenciada da psicologia, mas no que tange ao procedimento, é só o CAM que consegue proceder com esta metodologia. É importante refletir que todos os pedidos de exame de DNA são aceitos. A única restrição é a renda, avaliação que é feita administrativamente no primeiro contato com a Defensoria, apenas com a pessoa que procurou o órgão. O CAM não tem a atribuição de denegar atendimento pela renda. Nesses casos de pedido de exame, também não há espaço para negar o encaminhamento para a realização do mesmo. Não se questiona os motivos, pois se entende que todos têm o direito. A realização do exame já está naturalizada no âmbito judiciário e, se não acontecer administrativamente através da Defensoria, será feito através do Fórum. A minha atuação se pauta na escuta das histórias a fim de conhecer o contexto em que aquele exame está inserido na dinâmica familiar. Isso terá efeitos, por exemplo, na escolha por entregar o resultado em conjunto ou em separado. Também pode ter efeitos no apoio que pode ser dado a alguma das partes no decorrer do processo. Para auxiliar nas discussões, mais uma vez faremos uso da descrição de casos, na tentativa de deixar mais claras as histórias das pessoas que chegam à Defensoria pedindo o reconhecimento ou a investigação de paternidade e como tem se dado a atuação do CAM.

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Caso 1

Marília tem uma filha de 10 anos que nunca conheceu o pai. Ela conta que engravidou quando era adolescente e o namorado, também bastante jovem, chegou a questionar a paternidade, o que a deixou muito chateada. Sua reação foi se afastar: nunca mais o procurou, mudou de endereço e de telefone e as poucas vezes que o encontrou na rua, mudou de calçada. Mas agora a filha pede a ela que lhe apresente seu pai. Pela filha, ela resolve procurar a Defensoria Pública. Mandei uma carta e Igor compareceu. Ele achava que estava sendo chamado por outro motivo, mas, apesar da surpresa, afirmou que esperava que um dia isso viesse a acontecer. Por conta do tempo transcorrido e da atitude de Marília, Igor pede que seja feito o exame de DNA e, confirmando a paternidade, ele diz que vai procurar ter contato com a filha, inseri-la na família dele. Sua maior preocupação é com sua mãe, que, segundo ele, ficou bastante chateada com a postura de Marília de não deixar que a família dele conhecesse a criança. A pedido de Marília o encaminhamento para o exame foi feito em separado, ou seja, eles não se encontraram na Defensoria. Ela sabia que eles se encontrariam no dia do exame, pois este deve ser feito ao mesmo tempo com os três envolvidos na perícia: criança, mãe e suposto pai. Seu pedido foi para que tivesse tempo para conversar com a filha, que externava bastante expectativa para esse primeiro encontro com o pai. Ela marcou mais de um atendimento comigo, pedindo ajuda sobre como lidar com esse comportamento da filha. Ela tinha receio de como Igor agiria com ela, o que poderia frustrá-la. No dia do exame ela me ligou para mais uma vez pedir ajuda. Contou que a mãe de Igor foi com ele ao exame e, após a realização deste, falou muitas coisas fortes para Marília, ameaçando tirar a menina dela. Ela estava, então, bastante assustada, preocupada e já arrependida por “ter mexido nessa história”. Conversamos bastante e eu também lhe passei informações jurídicas sobre os direitos das duas partes. Após 10 anos, ter procurado Igor para este reconhecimento da paternidade mexeu muito com Marília, que por diversas vezes expressou as dificuldades que estava passando para lidar com as expectativas da filha, além dos sofrimentos revividos. Neste contexto, tornei-me uma referência para Marília, que me ligou e me procurou diversas vezes para tirar dúvidas, tanto sobre procedimentos, como sobre questões jurídicas ou ainda para ter um espaço de fala. Tenho acompanhado os passos de Marília nessa trilha, que ainda não terminou. O resultado ainda não chegou e serei eu a responsável por esta entrega, que também

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não será o ponto final. As reações e os efeitos decorrentes são ainda incertos e podem, como a própria Marília receia, causar outros sofrimentos. O diferencial da minha atuação, em relação ao formato anterior, estritamente administrativo, parece, mais uma vez, estar na abertura para a escuta do sofrimento daquele sujeito, para acompanhar as dificuldades que um procedimento de busca pelo reconhecimento da paternidade resulta.

Caso 2

Dolores teve um filho em 2010. O pai não registrou, não deu nenhum tipo de assistência. Eles ficaram poucas vezes juntos e ela o procurou quando engravidou, mas ele duvidou e não aceitou a informação da paternidade. Depois do nascimento ela voltou a procurá-lo e ele mais uma vez afirmou não ter certeza se era seu filho, dizendo-a para “procurar seus direitos”. Ela foi à Defensoria, munida de poucas informações dele: não tinha o nome completo, nem o endereço residencial, apenas o comercial. Foi enviada carta convidando-o para atendimento, mas a carta retornou. Ela passou a agir quase como detetive, conseguindo telefones de pessoas que poderiam dar informações sobre ele. Algumas vezes me pedia para que também agisse nesse formato, chegando a me pedir para ligar para ele, dizendo ser advogada. Para ela, isso o causaria medo e faria com que ele comparecesse. Obviamente, não fiz o que ela me pediu. Mas telefonei para ele - embora em geral eu procure evitar o contato telefônico, pois as pessoas acabam querendo conversar por telefone o que seria melhor ser dito no atendimento presencial - expliquei o procedimento e ele então aceitou comparecer. No atendimento ele reiterou o que ela havia contado e aceitou fazer o exame. Neste ínterim, conversamos várias vezes por telefone. Ela se mostrava bastante indignada com o comportamento dele, mas ao mesmo tempo muito certa de que queria modificar a situação, “dar um pai a seu filho”, em suas palavras, e receber uma ajuda financeira dele. A minha atuação acabou sendo mais no sentido de ajudá-la a conseguir trazê-lo à Defensoria, ou seja, a alcançar os objetivos dela. Longe de ser uma postura própria da psicologia, o que podemos observar é que casos como esses ficavam sem solução – a solução aqui entendida como o acordo extrajudicial para realizar a investigação de paternidade.

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Caso 3

Roberta chegou para atendimento encaminhada da triagem com demanda para investigação de paternidade de seus dois filhos, de 6 e 4 anos. Ela contou que já havia feito outro exame através da Defensoria, a pedido de seu ex-companheiro quando eles se separaram e o resultado dera negativo para as duas crianças. Ela agora queria procurar os “verdadeiros pais” de seus filhos. Ela fora conversar com eles: um a ameaçou de agressão; o outro ela não encontrou em casa. Mandei carta convidando-os, em dias separados. Um deles faltou ao horário agendado e ela entrou com pedido judicial. O outro, Lucas, compareceu e se disse bastante surpreso com a situação, pois durante esses seis anos não havia sido procurado por Roberta, não sabia mais sobre sua vida, nem que tinha filhos, menos ainda da desconfiança que um deles poderia ser dele. No primeiro atendimento e também em outro que agendamos, ele fez bastantes perguntas, querendo entender o que significava aquela situação, o exame, a paternidade neste formato, suas obrigações. Também criticou a forma como Roberta o procurou, pois, como ele não estava em casa, ela contou para a mãe dele. Ele aceitou fazer o exame e diz que ainda está em processo de assimilação de todas essas informações. Torce para que não seja seu filho, pois projeta muitos problemas futuros: a não compreensão das pessoas acerca dessa situação; a reação de sua filha e da mãe dela, que pode ocasionar em dificuldades de manter o contato com a filha; e ainda como começar um relacionamento de pai com uma criança de 6 anos, que conhece outro homem como pai. Roberta não me procurou para novas conversas. Já Lucas demonstrou a necessidade de falar e perguntar, de pedir ajuda para elaborar esta nova situação, que o tomou de surpresa, desestabilizando-o emocionalmente, segundo ele mesmo falou. A busca por um espaço de apoio, pontual que seja, encontra lugar nestes atendimentos. E produz efeitos também em mim, na medida em que me aproximo e me afeto com as histórias que escuto, que me proponho a, junto com eles, refletir sobre este momento e suas conseqüências. Não há um procedimento padrão, há encontros. Esses encontros produzem efeitos que não são controláveis. Talvez este seja um espaço de reflexões que pode de alguma forma influenciar na construção de um laço afetivo entre novos pai e filho.

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Produção de verdades: a demanda pela palavra do especialista

A produção de laudos psicossociais está prevista dentre as funções do CAM, mas na regional em que atuo esta demanda não tem sido muito frequente. Os pedidos têm vindo da área da infância com dois objetivos: um respaldo técnico a alguma ação nova, como um pedido de adoção ou ação contra a prefeitura, por exemplo, para promover espaços de trabalho especializado com crianças e adolescentes com deficiência mental; um relatório que se contraponha ao que consta no processo, feito pelos técnicos peritos do Tribunal de Justiça, com relação à destituição do poder familiar, à guarda ou à adoção. Nesses últimos, há, de acordo com o defensor da área, procedimentos feitos de maneira incorreta pelos técnicos do Fórum local, sem dar chance de defesa aos pais, tirandolhes o(s) filho(s) de maneira abrupta. Nessas situações, a função de tirar os filhos do colo da mãe, que o leva ao Fórum sem saber o que vai acontecer, tem sido dos técnicos psicólogos e assistentes sociais do Fórum local. São eles que produzem laudos conclusivos favoráveis ao acolhimento institucional e que procedem com a retirada das crianças, dizendo que “vai ser melhor para o seu filho”. Muitas vezes eles não dizem para qual instituição levaram a criança, mesmo que não haja decisão do juiz de proibir a visita. Mas as famílias, assustadas e impotentes, só conseguem esta informação quando o defensor passa a atuar no caso. Diante da situação acima descrita, observamos uma diferença de lugar e de postura. Os técnicos do Fórum respondem ao juiz e, muitas vezes, como a anteriormente narrada, parecem imersos numa realidade de julgamento, numa lógica dicotômica, de escolha entre o Bem e o Mal e, mais ainda, na compreensão de que esta escolha é função dos técnicos. Na Defensoria, por seu turno, o técnico responde ao defensor, o qual tem a função de defender, notadamente aqueles com menos recursos (não somente financeiros, mas, por consequência, educacionais, entre outros). Se olharmos pelo viés dos operadores do direito, parece haver, neste segundo lugar, mais espaço para produzir respostas diferentes àquelas colocadas pelo juiz. Contudo, não nos propomos a fomentar uma lógica bélica, opondo os técnicos de um e outro lugares; também não pretendemos nos contentar com uma única percepção: a postura de cada técnico, do que ele compreende ser a sua função política da atuação de um psicólogo ou assistente social faz a diferença. A discussão sobre as produções de laudos no contexto judiciário é bastante polêmica, como já vimos no capítulo 1. A retomada dessa questão nesse ponto é para refletir sobre a demanda que está sendo endereçada à psicologia no CAM com relação a esses documentos.

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Primeiramente é importante ressaltar que nomeio tais documentos de “relatórios”, tomando por base a Resolução 003/2007 do Conselho Federal de Psicologia23, além de uma escolha de posicionamento: Um dizer de um profissional, a partir daquilo que ele, com sua história de vida, seus referenciais teóricos e suas crenças, pôde entender da história, contada para ele, naquelas poucas entrevistas, e não como um retrato que diz sobre a verdade do sujeito, esquadrinhado e analisado, verdade apreendida nas entrevistas por um perito, neutro, cuja habilidade detém. (CARVALHO, AYRES e FARIAS, 2008, p. 77)

No que diz respeito às demandas até agora recebidas, por um lado, há um entendimento de que se a propositura de uma ação já estiver acompanhada de um relatório de um “especialista” haverá maior peso ao pedido. Colocando em análise este lugar de especialista, é preciso refletir sobre esta produção: é um “especialista da subjetividade” a quem se recorre para que fale dos indivíduos, dos comportamentos, das emoções, das relações, é um dizer de um técnico, que possui um saber sobre aquela área ou sobre aquele sujeito e a sua palavra, no âmbito judiciário, é uma palavra de autoridade, de verdade. (ALVES, 2008). É preciso tomar cuidado com esse lugar, que é um lugar de poder e que tem diversos e não controláveis efeitos na vida sobre quem se fala. Por outro lado, o pedido de contraposição ao outro documento produzido parece ser o pedido de uma outra forma de ver a mesma situação. Há um questionamento do procedimento utilizado pelo técnico, mas também das suas conclusões. Nesse sentido, o que parece estar sendo demandada é uma outra verdade, que contradiga a verdade até agora colocada e que tente fazer com que o juiz reconsidere a sua decisão. Esta demanda tem sido discutida entre os agentes e defensores em âmbito estadual, pois toca na questão da garantia da autonomia técnica. Na deliberação do CAM, consta, entre as atribuições (Art. 5º): “V - Elaborar estudos, informações e pareceres sobre matérias específicas, a partir do enfoque apresentado pelo Defensor Público”. Há, portanto, uma inclinação para um certo ponto de vista. Mas o segundo técnico consultado (o da Defensoria) pode chegar às mesmas observações que o primeiro (o do Fórum) e ele não deve ser compelido a fazer um documento de um ponto de vista previamente assumido pelo defensor; este, por seu turno, pode ter a escolha de utilizar ou não o documento na defesa daquele caso, da forma como lhe convier. Alguns psicólogos e assistentes sociais acreditam que a não utilização do documento é uma desvalorização do trabalho empreendido até a elaboração do mesmo. Outros (dentre os quais 23

“Institui o Manual de Elaboração de Documentos Escritos produzidos pelo psicólogo, decorrentes de avaliação psicológica”

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me encontro) entendem que a autonomia só estará garantida se o técnico tiver a liberdade de se posicionar da forma como compreendeu a situação; o defensor também tem a sua autonomia sobre a forma como elaborar a defesa de um caso. Assim, aquele relatório pode não ser diretamente utilizado no processo, mas pode lhe dar respaldo para formular novos quesitos ao técnico que elaborou o primeiro documento, pode lhe fazer modificar a sua linha de raciocínio ou ainda pode ser descartado por entender que não colabora na defesa daquele indivíduo. Se entendermos que a função do técnico psicossocial é uma função de apoio e que o lugar desses técnicos na Defensoria está relacionado a uma das partes (e não ao juízo) a decisão sobre a utilização do documento produzido é do defensor. Não há necessariamente uma desvalorização, mas há, neste formato, uma proteção ao técnico para que não seja colocado como reprodutor de uma concepção prévia, dando-lhe o lugar importante da palavra de especialista e fazendo-o funcionar como extensão do poder decisório, como micro-poder. Ainda mais, nos caberá sempre refletir sobre este lugar, pois há um desafio ético a ser enfrentado na medida em que sua produção terá a função de questionar a produção de outro psicólogo. Além disso, é preciso pensar sobre os efeitos de cada palavra na vida daquele que está sob os vértices do poder judiciário. A compreensão da situação observada não é somente um resultado técnico; é também uma postura ético-política: a contextualização sócio-histórica da situação daquele sujeito e também do lugar da psicologia. Quem é o “cliente” da psicologia? Qual o objetivo de sua atuação? Quais os efeitos que busca produzir a partir da sua palavra? São questões fundamentais e que diferenciam uma postura tutelar e policialesca de uma postura de garantia da autonomia e dos direitos daquele sujeito. No contexto em que até agora têm sido feitas as demandas, o pedido é para impingir um olhar sobre famílias de crianças que se encontram abrigadas, ou seja, para que afirme palavras de liberdade, o que vai ao encontro das minhas concepções. Mesmo assim, é fundamental não naturalizar este processo para não reproduzir, num outro extremo, a produção de uma verdade. A luz que iluminava o laudo na procura de verdades ignorava os efeitos que produzia no percurso. Imaginava ser neutra e imparcial. [...] Ansiando por visibilidade e verdade, a luz que iluminava o laudo embaçava pequenos detalhes. Detectava exclusivamente vitórias e fracassos de paradigmas universais, destinos do objeto em análise. Via a si mesmo evitando seus efeitos no mundo; evitava também desconforto, assombro, confronto com o sentido da produção da sua maquinaria. (BAPTISTA, 2001, pp. 206/207)

Considerações Finais

A mobilização a respeito da vulnerabilidade24

Uma mulher, aparentando 40 anos, bem cuidada (maquiada, unhas feitas), aparece já no final do dia com suas coisas (bolsas e malas) e senta na frente do prédio da Defensoria Pública, na calçada. Ao sair do trabalho, encontro-a e a reconheço. Eu havia conversado com ela na semana anterior, quando ela fora encaminhada ao CAM, pois o atendimento jurídico não conseguiu reunir elementos para a propositura de qualquer ação judicial. Ela me contara seus problemas e afirmara estar na Defensoria em busca de seus direitos. Dissera que seu marido havia sido assassinado há cerca de dois meses e seu caminhão havia sido roubado. Eles vinham do Piauí e ela ficou sozinha, sem casa e em busca de justiça. Tem duas filhas, mas uma mora no interior, enquanto outra morava nesta cidade, mas ela não a encontrou no endereço que conhecia. Não quis dar nenhuma referência de qualquer parente. Senti-me de mãos atadas, sem saber o que fazer para ajudá-la. Quando ela aparece na Defensoria já tarde, demonstrando que passará a noite ali, mais uma vez sinto-me impotente. Não tenho (ou não sei) a quem recorrer para que ela não durma ao relento. Apenas converso um pouco com ela, não muito diferente do que fizera da primeira vez. E espero até o dia seguinte. No outro dia pela manhã, ao chegar ao trabalho, vejo-a no mesmo lugar em que a vira na noite anterior. Àquela hora, muitos funcionários e usuários já notaram a sua presença e se perguntavam o que fazer. Alguns pararam para conversar, outros ofereceram comida; ela repete as mesmas histórias e não aceita ajuda de ninguém. Fiz contato com o Centro de Referência Especial da Assistência Social (CREAS) do Município, que afirma fazer o trabalho de Aproximação Social, mas naquele dia o carro não estava disponível. Após algumas tentativas, consigo combinar uma aproximação por um técnico do albergue municipal. No meio da tarde, ele chega, acompanhado de dois guardas, mas é só ele quem se dirige a ela. Eu assisto de longe, pela janela. Espetáculo também para mais tantas outras pessoas, através das portas de vidro do andar térreo (onde se aguarda 24

Este texto foi escrito como diário de campo após um episódio que me mobilizou bastante. Depois, sofreu alterações e acréscimos após discussões e reflexões no curso “Formação para o atendimento, Modulo II: atendimento às pessoas com transtorno mental”, organizado pela Escola da Defensoria Pública em 25/02/2011, em São Paulo, especialmente a palestra proferida pela psicóloga Teresa Cristina Endo.

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atendimento) ou das janelas de outros andares. Vários funcionários me procuram para contar que “ele havia chegado”. Estão todos mobilizados, agora aliviados porque ela seria levada dali. Levá-la dali é a solução? Houve defensor que entendeu que não tínhamos nenhuma responsabilidade pela situação, pois ela estava fora das dependências da Defensoria; houve defensor que sugeriu dar uma senha de atendimento a ela para que ela pudesse ao menos não ficar na rua – mas ela não pediu atendimento naquele dia; houve ainda defensor que ordenou aos seguranças que a tirassem da porta da Defensoria, ameaçando responsabilizá-los – qual é a responsabilidade que se tem, individualmente, por alguém estar em situação de rua? A mesma pessoa também sugeriu que chamassem a polícia, mas um funcionário informou que outros contatos estavam sendo feitos. Este funcionário pediu à senhora que se afastasse da entrada dos carros para que ela não corresse riscos. Ela passou a ficar à frente do bar vizinho, mas continuou a vista de todos. O que tanto nos incomodou? Alguns imaginavam o sofrimento de dormir ao relento; outros, a fome que ela deveria estar sentindo. Alguns questionaram como ela estava naquela situação já que estava tão bem cuidada, enquanto outros quiseram tirá-la da vista. Olhar para a pobreza afeta, entristece. Alguns simplesmente não querem ver. Mais do que da pobreza, nos protegemos da vulnerabilidade, pois no encontro com o outro vulnerável, nos deparamos com a nossa própria vulnerabilidade. A linha de divisão desses “mundos” parece tênue. Por que chamamos alguém para retirá-la? E ainda comemoramos quando ela se levantou e saiu acompanhada do técnico da prefeitura? Não sei se era minha função, mas sei que eu era a única pessoa que tinha contato com a rede de atendimento. Meu desejo, compartilhado com alguns funcionários e usuários, era que ela pudesse estar num lugar melhor: um abrigo, com cuidados, afazeres e pessoal preparado para atendê-la. Mais ainda, que ela tivesse uma casa para chamar de sua. Não sabemos se ela não tem. O que sabemos é que, naquele momento, ela não tinha. Sei também da minha dificuldade em atender uma pessoa que se encontra com algum transtorno mental. “No encontro com o que para nós é insuportável, não escutamos a dor do outro”, alerta Teresa Cristina Endo. A nossa escuta se fecha, se departamentaliza e o nosso atendimento se resume ao encaminhamento. Mas o encaminhamento pode ser simplesmente um dispositivo de proteção a si mesmo, além de exclusão do usuário: não há um cuidado com o sofrimento daquela pessoa, mas uma troca de serviço, de responsabilização.

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Quantas pessoas vemos nas ruas todos os dias, no caminho entre a casa e o trabalho? Parece que quando está “em baixo dos nossos narizes” o peso é maior, pois o encontro passa a ser real, a pobreza passa a ter um rosto, a vulnerabilidade bate à porta. E, nesse caso - não parece ser por acaso -, bate à porta da Defensoria Pública. Este órgão público carrega o objetivo instituído de “defender os mais vulneráveis”. Mas um episódio como este parece mostrar outros movimentos: instituintes, vividos pelas pessoas que compõem esta instituição (entre trabalhadores e usuários, incluindo a senhora), que nos fazem enxergar quão diversa e fluida é essa composição de corpos, saberes, ações, afetações...

Para continuar a caminhar...

Completamos um ano de trabalho. As histórias são diversas; muitas questões ainda permanecem e algumas respostas já têm sido dadas. Construímos uma prática que se desenvolveu devagar, abrindo espaço para caber, naquele mundo judiciário, outros olhares. Uma postura ética é o que nos norteia, de olhar e escutar a pessoa que chega para o atendimento como sujeito e nós como implicados na produção de subjetividades e de mundos. Decidi escrever. Reencontrar-me com textos, buscar novos; refletir sobre as demandas que estavam sendo endereçadas à psicologia e como eu as estava respondendo; colocar em análise o lugar que eu estava ocupando, as minhas afetações, as minhas respostas. Foi um trabalho árduo, pois refletir sobre a prática no mesmo momento em que se as executa é um grande desafio: é se dispor a constantemente repensar, se tirar do lugar conveniente do instituído, mergulhar nas problematizações, nas histórias, na vida de cada pessoa que passou a fazer parte da minha vida - os dias de folga eram dedicados a pensar sobre o trabalho. Muitas vezes o diário de campo transformava-se, por inteiro, em texto “inserido” (não mais diferenciado do “texto de fora” que poderia ser o diário) e a escrituração também tomou as vezes de um processo “terapêutico” (arrumação das ideias, princípios, afetações). Trabalhamos ao longo deste texto algumas das principais demandas endereçadas à psicologia ao longo deste primeiro ano de atuação. Problematizamos as expectativas de defensores, estagiários e usuários acerca do trabalho do CAM - e da psicologia de maneira específica – e as possíveis respostas, em forma de atuação. A inserção de uma nova disciplina em meio aos formados e formandos em direito não é tão simples. Passa pela ideia que cada um tem do que é a psicologia, o direito e a Defensoria Pública.

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As tentativas de acordo extrajudiciais foram, desde sempre, as mais faladas dentre os objetivos da chegada dos profissionais de psicologia e serviço social. Questionaram e nos apresentaram as técnicas, mas pareciam esperar que nós já as soubéssemos, que deveria haver algo na nossa formação que nos dava condições de ocupar este lugar. Isso para a administração geral, pois o cotidiano das regionais nem sempre espelha aqueles que se dispõem a fazer parte do corpo gestor. No dia-a-dia institucional, reverberava a pergunta “o que você vai fazer aqui é mediação ou conciliação?”. Talvez eles (os defensores) ainda não saibam responder. Mas, hoje, eu diria: “nem uma, nem outra, muito pelo contrário”. Mesmo muitas vezes tomada por esta questão, que era muito mais institucional do que minha, e que me fez estudar sobre uma e outra práticas, refleti sobre o lugar ocupado, sobre as demandas que estavam sendo colocadas pelos usuários, sobre a forma de escutá-los e seus conflitos, sobre as premissas que compartilho acerca de direitos humanos e da interseção entre psicologia e direito. Tudo junto, não departamentado. E então as tentativas de acordo extrajudiciais conduzidas por uma psicóloga passam a fazer mais sentido. Neste ínterim, descobri o mundo dos “filhos da mãe”, que recorrem à Defensoria em busca do pai: do nome e sobrenome, da ajuda financeira, da construção de um laço afetivo e/ou da resposta ao questionamento sobre o comportamento moral da mulher. A responsabilidade por este tipo de acompanhamento, numa perspectiva de acordo extrajudicial, chegou-me de surpresa, mas avalio os benefícios de mais essa atribuição: o ganho para os usuários, que passam a ter alternativas no que diz respeito ao procedimento para fazer exame de DNA; o trabalho diferenciado de escuta dessas histórias, de acolhimento dos inúmeros sentimentos que permeiam essa busca. Faz sentido a escuta “psi”. Essa escuta, aliás, faz sentido em todos os atendimentos realizados, para qualquer tipo de demanda. Algumas parecem ser mais claras: aquelas pessoas que foram vítimas de violência, por exemplo. Mas ao mergulhar um pouco mais percebemos o diferencial de uma postura, de uma compreensão, da disposição para escutar. Há diferenças dessa escuta numa instituição eminentemente judiciária? A atuação da psicologia, onde quer que seja, requer adaptações. Mas a escuta é feita no encontro, na afetação e no entendimento daquele sujeito para além de “uma pessoa que busca assistência judiciária” – o “assistido”. A produção de laudos em contraposição ao de outro profissional chama a atenção pela delicadeza ética que traz à tona. Questionamos práticas profissionais de psicólogos que atuam como micro-poderes, que respondem conclusivamente ao pedido de julgamento, que julgam de acordo com seus pontos de vista, seus padrões sociais e com o objetivo de enquadrar todos os indivíduos em um modo-de-ser engessado, descontextualizado, encarcerado em modelos

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morais. Mas há de se tomar cuidados. Nem partir do princípio que todos os profissionais que compõem o corpo técnico do poder judiciário têm este tipo de atuação, nem partir para o oposto e produzir uma outra verdade absoluta, engessada sobre outros moldes. A prática de um psicólogo ligada à justiça está intimamente relacionada à concepção dos que buscam essa instituição e dos que trabalham nela sobre o lugar que ela ocupa em nossa sociedade. A justiça e a psicologia são locus – ou práticas - associadas à busca por verdades, por palavras de provas de verdade. Como responder a esta demanda em uma sociedade em que se pede respostas imediatas, em que se “medicaliza” e “psicologiza” todos os indivíduos e suas relações, em que o sistema judicial ganha cada vez mais espaço, legislando sobre vários assuntos e aumentando a gama de profissionais que compõem seu corpo técnico (os especialistas), em que o caminho judiciário é o padrão, única resposta possível para a solução de litígios? São “resposta-percurso” que estamos procurando construir. Este foi apenas o primeiro ano. Este texto fez-me tomar fôlego. Ainda há muitos caminhos a trilhar, muitos passos a caminhar.

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