A Queda do Império Romano do Ocidente - CF

July 19, 2017 | Autor: Cláudio Fonseca | Categoria: Ancient History, Medieval History, Medieval Studies, Early Medieval History, Ancient Rome
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História Medieval Economia e Sociedade Professora Doutora Manuela Santos Silva História 2014/2015 A Queda do Império Romano do Ocidente A análise que se segue tem por base um excerto de Jordanes das suas obras de referência historiográfica: Romana e Getica, onde aborda a história de Roma (Romana) e na sua Getica o autor fala-nos dos Godos. A tese que será aqui apresentada e defendida é que o Império Romano já tinha terminado e que 475 ou 476 d.C. é uma data de marco por ser a deposição de Rómulo Augústulo por Odoarco. O Império Romano deixou de ser uno quando o imperador Diocleciano decidiu dividir o Império Romano numa tetrarquia, passando a existir então dois Augustos que na época foram: Diocleciano e Maximiano e por outros dois Césares que seriam subordinados cada um ao seu Augusto, do Ocidente ou Oriente. Esta divisão levou a uma consequente anarquia e luta pelo poder entre os Augustos e os Césares, esta divisão terminará com a vitória de Constantino que reunifica o Império, voltando o mesmo a dividir-se agora em duas partes por vontade do imperador Teodósio. Ferdinand Lot descreve de forma sintética esta anarquia que caracterizou os século III e IV: “ […] No século III, no século IC, um chefe militar descontente, ambicioso toma a púrpura. Batido, é condenado à morte, e isso traz de novo a calma, pelo menos provisoriamente. Vencedor, mata o seu rival ou os seus rivais e imediatamente trata de montar, em seu lugar, a guarda fronteiriça contra os Bárbaros. O seu destino tem sempre uma grandeza trágica. […] O primeiro a aparecer pode suceder-lhe, bastando-lhe para tal matá-lo; mas o assassino é obrigado a tomar o lugar da vítima e a prosseguir o seu terrível e grandioso destino. […]”1. Este excerto mostra a busca do poder e como se conseguia chegar até ele, Ferdinand Lot acaba por criticar também o porquê disto acontecer: “ […] Teodósio, ao morrer, apenas deixa dois menores perfeitamente incapazes. Seria de esperar vê-los eliminados em proveito de braços ou cabeças mais vigorosas e esclarecidas. […] A realidade do poder passa para as mãos de patrícios semi-bárbaros, como Estilicão ou Aetius, ou até totalmente bárbaros, como Ricimero ou Odoarco. Patrício e imperador travam um combate de intrigas palacianas. O primeiro não ousa tomar a púrpura, enquanto que o segundo, ainda que temendo-o e odiando-o, não pode passar sem os serviços do primeiro. […]”2, é visível então as dependências do Imperador em relação aos chefes militares que possuem milícias que eles próprios criam, vemos nascer o fenómeno dos colonatos, que serão abordados.

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Vide, LOT, Ferdinand, O fim do mundo antigo e o princípio da idade média, Lisboa, Edições 70, 1968, pp.214-215. Vide, idem, ibidem, p.215.

O Oriente era a nível económico melhor que o Ocidente, acabando por o Império Romano do Oriente sediado em Constantinopla durar sensivelmente mais um milénio. O Império Romano do Ocidente vai sofrer a pressão dos povos germanos que tentam penetrar a fronteira do norte. “ […] Estes reinos não surgem da ocupação por potências estrangeiras de uma zona precedentemente imperial, mas estabelecem-se no território na sequência de negociações de faedera, instrumentos diplomáticos em uso desde o alto império, por meio dos quais Roma se intromete nas questões internas […] por exemplo, os visigodos combatem ao lado dos romanos contra Átila (? -435) nos Campus Cataláunicos.[…]”3. Ou seja, Roma tentou manter estes povos sob a orientação de Roma, tentando controlar algum possível ataque contra o Império, havendo assim um sistema de contenção das fronteiras e até pôr os bárbaros a lutarem contra os bárbaros o que socialmente permitia manter a calma e a paz no interior do império. Todavia foi o simples adiamento de um conflito directo com os bárbaros, muitos são os filósofos ou políticos gregos e romanos que defendem que um império para se manter deve estar em contínua conquista e expansão, a partir do momento que um império se resguarda e busca a manutenção e calma social, tende a perder força e vigor. Mas se pensamos que os problemas se encontravam no exterior do limes, tal não é verdade. Os problemas internos começam justamente fruto da crescente autonomização dos territórios e o crescimento do secessionismo, como a revolta de Póstumo que vai criar um Império Gálico, onde neste império se compreende a Gália, as Ilhas Britânicas e a Península Ibérica, ao todo será um império que durará 13 anos havendo vários “imperadores”.4 Desta forma parece recuperar-se a terminologia de imperator e de imperium. Imperator significa aquele que comanda, chefe militar, general, imperium¸é a autoridade sobre as pessoas e território, estes conceitos se assim o quisermos chamar vêm da República Romana, tendo Octávio Augusto usado o título enquanto unificador do território. Imperium era igualmente um ceptro que o Imperator usava personalizando assim o seu poder, e com as tendências secessionistas isso tornouse mais visível pois estes generais juntavam exércitos e iam aglomerando os seus apoiantes criando assim guerras civis havendo o corte com o modelo romano que era essencialmente urbano, vemos aqui um fenómeno rural a aparecer e a crescer que está ligado à forma organizacional dos futuros reinos bárbaros. É aqui que podemos começar a falar de colonatos. Estes líderes são homens com dinheiro e que provêem das cidades, pois só assim se justifica a razão de conseguirem armarem milícias, saindo estes homens das cidades precisam de ter um local de defesa e de habitação pelo menos temporária, fica aqui a ideia daquilo que será a corte itinerante que será característica dos reinos germânicos, em que a sede é onde o “rei” está. Ora estes homens saindo das cidades irão procurar espaço, e esse espaço encontra-se no campo, aí se justifica a realidade ser maioritariamente rural. Um Império é constituído por maioritária por cidades e essa característica será importada pelo Cristianismo, onde as cidades serão aquelas onde existe uma diocese com o seu bispo, estes líderes irão então colonizar os campos, sendo o único espaço disponível continuando a marcha para outros territórios aumentando assim o seu regimentos de homens. Aqui podemos encontrar as bases daquilo que será a estrutura organizacional dos futuros reinos germânicos. A realidade de um Reino é maioritariamente rural ao passo que o Império a realidade é mais urbana. Os bárbaros começam a atacar o império fazendo vários ataques entre eles se destaca o ataque levado a cabo por Alarico em 410, pois antes falara Alarico com Honório, tendo o imperador romano negado a cedência de território para o povo visigodo, pelo que “[…] Em 410 os visigodos vieram, uma vez mais, pôr cerco a Roma. Alarico não se arriscou a assaltar a cidade, muito bem defendida, mas, passado pouco tempo, a fome obrigou a população a abrir as suas portas. Durante 3

CARLÀ, Filippo – A Desagregação do Império Romano. In ECO, Umberto, org. – Idade Média, 3ª edição (sine loco), D.Quixote, 2010, vol. I, p.52. 4 Cif. Idem,ibidem.p.50.

três dias e três noites a Cidade Eterna saqueada pelos ávidos Visigodos. Quando estes abandonaram a cidade, arruinada, humilhada, levaram, na sua marcha para o sul da península, um enorme espólio e um número incalculável de prisioneiros, entre os quais Gala Placídia, irmã do imperador. […]”5. Este excerto demonstra bem a fraqueza de Roma em não ser capaz de se defender, Roma estava isolada, ou podemos dizer que se isolou a si mesma? Vimos como estavam as fronteiras, mas se acreditamos que os problemas estavam só fora do limes, tal não é verdade, pois dentro das fronteiras é que começaram os problemas e graves, pois afectavam os pilares: Sociedade e Economia. “ […] Mas, seja qual for a maneira como se considere o problema, chega-se sempre à conclusão de que as causas do declínio devem, antes de tudo, ser atribuídas à corrupção dos costumes nas cidades e ao enfraquecimento do sentido cívico em todo o império. […] O cidadão romano já não sentia o desejo de servir o seu país. Recusava-se desde essa altura, a cumprir os seus deveres cívicos e militares. Quanto aos primeiros, o Estado soube obrigá-lo ao seu cumprimento; pelo que respeita aos segundos, recrutavam-se mercenários estrangeiros. […]”6. Vemos aqui que foi o próprio Império que se desligou dos seus pilares de ordem no território, retirando o serviço obrigatório tirou ao cidadão o seu vinculo directo com o Estado, bem como a ideia de servir o mesmo, mas também acabou por desta forma ir esvaziando as suas hostes necessárias para combater revoltas internas para assegurar a paz interna, bem como para travar avanços exteriores ao limes, assim o Estado vê-se dependente dos federati e dos seus homens que possam ser servir nas hostes cada vez menos romanas e assim ganha força a frase de Lot ao dizer que o imperador depende do bárbaro, assim sendo não só se esvaziavam as hostes como também se esvaziavam os cofres do Estado, pois estes mercenários eram pagos a soldo pois o Império Romano do Ocidente importava muito produtos da “ […] Índia, a fim de permitirem a aquisição de artigos de luxo; e em parte serviam para pagar o soldo a mercenários germânicos. […]” 7 começamos então não só ater um problema social mas também na balança comercial de Roma, porque segundo nos dá conta Grimberg “[…] A Itália da época imperial não possuía indústria de exportação, pelo que os víveres tinham de ser importados. […]”8. O problema da sociedade é que não se soube adaptar à nova realidade, a aristocracia romana não fez obras de empreendedoras para desenvolver o comércio e indústria, investiu antes no seu próprio bem-estar e prestígio. Quem faziam os trabalhos eram os escravos que eram propriedade do senhor, não sendo assim preciso contratar trabalhadores, compravam-se escravos muitas vezes vindos do Oriente pois eram considerados dos melhores. Se o Ocidente a maioria das pessoas são pagãs no Oriente o Cristianismo está muito bem enraizado sendo a maioria da população cristã, uma das premissas do Cristianismo era que um cristão não pode escravizar é por isso que os escravos iram aceitar também muito rapidamente esta nova religião, portanto a oferta de escravos reduz-se, o que faz com que esta mercadoria como era vista se encareça, ou seja o valor de um escravo vai aumentar pelo que mais uma vez as aristocracia vai esvaziar mais os seus cofres. Todavia vai ser esta religião que vai permitir ainda a união do Império pelo menos nas pessoas, pois uma das mensagens era a solidariedade para com o outro. “ […] Era na comunidade cristã que ela se encontrava mais enraizada. No terreno da assistência social, a caridade cristã fez maravilhas e, no plano civilizador, a obra da Igreja fez igualmente sentir os seus benefícios entre os povos germânicos.[…]”9, mas, a questão é que esta nova religião vai muito contra a antiga sociedade

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Vide, GRIMBERGL, Carl, Das grandes invasões bárbaras às cruzadas – História Universal, Publicações Europa América, 1940, p. 15. 6 Vide, idem, ibidem, p.26. 7 Vide, idem, ibidem, p.26. 8 Vide, idem, ibidem, p.26. 9 Vide, ide, ibidem, p.26.

romana que não se conseguiu modernizar e adaptar às novas realidades. Esta mesma religião vai querer aproximar do ponto de vista religioso os bárbaros com os romanos. Posteriormente vai ser esta religião que vai manter os ideais de unidade do Império sendo a sede papal em Roma. Vimos como estava a situação de Roma para que se justifique a derrocada do Império, passemos agora à analisar do texto de Jordanes. O texto abre com Orestes a deslocar-se de Roma para Ravena para lutar contra tropas invasoras, mas também fez nessa cidade o seu filho Rómulo Augústulo, imperador, “ […] Porém, pouco depois de Augústulo ter sido estabelecido imperador em Ravena, por seu pai Orestes, Odoarco, rei dos Turcilingos, tendo consigo ciros, hérulos e auxiliares de várias tribos, ocupou a Itália. Orestes foi morto e o seu filho Augústulo expulso do reino e conde nado ao exílio no Castelo Luculano, na Campânia. […]”10, vemos aqui então que Odoarco derruba o poder imperial, temos a indicação de que Odoarco seria um rúgio e que era rei dos Turcilingos na geografia europeias os territórios compreendidos seriam o que actualmente correspoenderiam à Suíça, Alsácia-Lorena e parte da ocidental da Alemanha, todavia este líder militar consegue trazer consigo outros povos que se juntam à sua causa. Matou Orestes e depôs Augústulo, sentando-se no trono governando Roma e afastando todos os partidários romanos, semeando mesmo o medo como por exemplo matando o conde Bracila. Odoarco como nos relata Jordanes vai governar a Itália por treze anos até que vai surgir Teodorico. Teodorico é um ostrogodo, e dizemo-lo por ele ir se restabelecer na Península Itálica, caso ele fosse para a Ibérica seria um visigodo, este povo tinha conseguido agora libertar-se do domínio huno e por isso em “ […] 488 Teodorico pôs em marcha com todo o seu povo para ir destronar o «tirano» Odoarco. Transpôs os Alpes Orientais e, um ano mais tarde, estabeleceu-se solidamente no solo da Itália. Odoarco foi ao seu encontro, mas sofreu sucessivas derrotas. […]”11. Teodorico o grande como aparece em algumas obras, irá governar a partir daqui os destinos da Itália, todavia não irá continuar com a política de Odoarco, aqui podemos pensar que de facto nem todos os bárbaros são bárbaros, talvez por conhecer a realidade de ser subjugado por outro povo tenha tido uma experiência que o fez pensar como se teram sentido sob o domínio de Odoarco. “[…] A sua tarefa seria daí em diante, fazer dos Ostrogodos os protectores da civilização romana. […] Deixou, em geral, aos cidadãos romanos a posse dos seus bens, contentando-se em guardar para os Ostrogodos as terras abandonadas pelos partidários de Odoarco, vencido. […]” 12, os Ostrogodos sob as ordens de Teodorico não podiam frequentar as escolas romanas nem se apropriar do comércio ou indústrias romanas. Levaram-se a cabo obras de restauro das estruturas romanas, mas o problema foi que “ […] após a sua morte, ocorrida em 526, depressa se verificou que um semelhante Estado unitário se não podia manter por muito mais tempo. […]” 13. Com esta análise do texto vimos que dos povos bárbaros temos duas formas de intervenção na Península Itálica, uma visão mais agressiva e autoritária a de Odoarco outra de manutenção, ou pelo menos a procura da manutenção dos valores romanos e as suas dignidades civilizacionais. Posto isto tende-se a convergir para a afirmação de Arnaldo Momigliano que diz que a deposição de Rómulo Augústulo e consequente queda do Império Romano do Ocidente foi uma “ […] «queda sem ruído» […]”14, esta foi a tese que se procurou aqui defender, pois a nível político e organizacional as províncias estavam a começar a autonomizarem-se, ficando nas mãos dos senhores que se faziam cercar de homens que eram armados e combatiam por estes, o Império não foi capaz de dar resposta aos conflitos pois o sentido cívico estava a ser dissolvido por estas

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Vide, JORDANES, Romana et Getica in Monumenta Germaniae Histórica – Auctorum Antiquissimorum, t.v, pars, Berlim, 1882, pp. 119-120. 11 Vide, op. Cit. GRIMBERG, Carl, p.27. 12 Vide, idem, ibidem, p.28. 13 Vide, idem, ibidem, p.28. 14 Cif. Op. Cit. CARLÀ, Filippo, p.54.

entidades regionais, e porque Roma já não era defendido por romanos mas sim por homens pagos a soldo, posteriormente verifica-se que muitos deste regionalismos serão as fronteiras dos reinos bárbaros que irão aparecer, serão reinos bárbaros que em muito ainda vão inspirar-se na antiga civilização romana, pois alguns desses reinos depois serão cristãos e as dioceses serão as antigas cidade romanas, um Reino é maioritariamente de estrutura rural ao passo que um Império é maioritariamente urbano, isso será visível no caso português o norte de Portugal era maioritariamente composto por aldeias e domínios senhoriais sobre essas aldeias ou vila, enquanto que no sul tínhamos o Império Árabe com os seus centros urbanos. O Império do ponto de vista económico já não era auto-suficiente porque este Império que tão inovador foi para o seu tempo estagnou, não se desenvolveu, muito por culpa por falta de uma aristocracia empenhada em desenvolver as indústrias, tendo por isso que comprar os produtos ao Oriente que tinha conseguido assegurar industrias de produção e consequentemente tinha conseguido criar uma rede de comércio, conseguindo assim ter dinheiro e ainda continuar durante quase um milénio. A Religião será a maior herdeira da cultura romana, mantendo desde logo a sua sede em Roma bem como irá alimentar a ideia de um império unificador, o Império Sacro Romano é exemplo disso. Em suma aquilo que realmente definia o império já tinha acabado apenas existindo um trono cobiçado por muitos mas quem ninguém conseguia governar, para terminar fica uma citação do classicista Pierre Grimal, que sintetiza tudo: “ […] O Império Romano desmoronou-se; o seu esqueleto administrativo não resistiu ao gigantesco processo das invasões, a sua faculdade de renovação deteriorou-se, as suas províncias isolaram-se como reinos, o mundo abriu-se mais para as terras então desconhecidas, que romperam o equilibro, mas a própria ideia de Roma subsistiu como mito vivificante, o de uma pátria humana cuja história mostrou não ser um sonho impossível. […]”15.

Cláudio Fonseca Nº 50350

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Vide, GRIMAL, Pierre, A Civilização Romana, Lisboa,Edições 70, 2009, p.314.

Referencias Bibliográficas CARLÀ, Filippo – A Desagregação do Império Romano. In ECO, Umberto, org. – Idade Média, 3ª edição (sine loco), D.Quixote, 2010, vol. I GRIMBERGL, Carl, Das grandes invasões bárbaras às cruzadas – História Universal, Publicações Europa América, 1940 GRIMAL, Pierre, A Civilização Romana, Lisboa,Edições 70, 2009 JORDANES, Romana et Getica in Monumenta Germaniae Histórica – Auctorum Antiquissimorum, t.v, pars, Berlim, 1882, pp. 119-120 LOT, Ferdinand, O fim do mundo antigo e o princípio da idade média, Lisboa, Edições 70, 1968

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