A quem serve uma Identidade Nacional? Ensaio de um debridar de conceitos imaginados.

May 21, 2017 | Autor: G. Pinto | Categoria: Nation-building, Identidade Nacional, Darcy Ribeiro, Brasilidade, Discursividade
Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA CURSO DE BACHARELADO EM ANTROPOLOGIA

GILMAR DE SOUZA PINTO

A quem serve uma Identidade Nacional? Ensaio de um debridar de conceitos imaginados

Boa Vista 2017

GILMAR DE SOUZA PINTO

A quem serve uma Identidade Nacional? Ensaio de um debridar de conceitos imaginados

Ensaio apresentado ao Curso de Bacharelado em Antropologia do Instituto de Antropologia da Universidade Federal de Roraima como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Antropologia. Orientadora: Professora-Doutora Manuela Souza Siqueira Cordeiro.

Boa Vista 2017

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima P659q

Pinto, Gilmar de Souza. A quem serve uma Identidade Nacional? Ensaio de um debridar de conceitos imaginados / Gilmar de Souza Pinto. Boa Vista, 2017. 53 f. : il. Orientadora: Profª. Dra. Manuela Souza Siqueira Cordeiro. Monografia (graduação) – Universidade Federal de Roraima, Curso de Antropologia. 1 – Identidade nacional. 2 – Construção da nação. 3 – Comunidade imaginada. 4 – Identidade como representação. 5 – Ribeiro, Darcy. I – Título. II – Cordeiro, Manuela Souza Siqueira (orientadora). CDU – 394

GILMAR DE SOUZA PINTO A quem serve uma Identidade Nacional? Ensaio de um debridar de conceitos imaginados Ensaio apresentado ao Curso de Bacharelado em Antropologia do Instituto de Antropologia da Universidade Federal de Roraima como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Antropologia. Defendido em 6 de março de 2017 e avaliado pela seguinte banca examinadora:

_________________________________________________ Professora-Doutora Manuela Souza Siqueira Cordeiro Orientadora / Curso de Antropologia – UFRR

_________________________________________________ Professora-Doutora Madiana Valéria de Almeida Rodrigues Curso de Antropologia – UFRR

_________________________________________________ Professora-Doutora Vangela Maria Isidoro de Moraes Curso de Comunicação Social/Jornalismo - UFRR

À Turma 2012/1, com quem partilhei as Antropologuices próprias de nossas Alter-Idades. A Darcy Ribeiro, Homem de seu Tempo.

AGRADECIMENTOS

À Família na qual nasci e cresci e para a qual (ainda e sempre) posso voltar.

Às Pessoas que institucionalizam a FuNaI-RR no dia-a-dia (cujas proatividades me nutriram neste itinerário acadêmico).

Aos Professores e às Professoras da UFRR que me oportunizaram interlocuções dialógicas.

À Professora-Doutora Manuela Souza Siqueira Cordeiro, cuja Orientação serena acolheu meu diletantismo renitente.

À Professora-Doutora Vangela Maria Isidoro de Moraes, cuja Sensibilidade me aportou o poema de Thiago de Mello que heraclitiza meu texto.

À Professora-Doutora Madiana Valéria de Almeida Rodrigues, cuja Audiência afiniza este eclético repente ensaístico.

À CAPER/DAES/PRAE/UFRR, pelo apoio financeiro (Auxílio Pró-Ciência - PNAES/2016) que contribuiu para minha participação no VI Congresso da APA – Associação Portuguesa de Antropologia (Coimbra/PT, 1º a 4 de Junho de 2016).

Aos Amores e Paixões que me fazem e me fizeram.

Hino Nacional

Precisamos descobrir o Brasil! Escondido atrás das florestas, com a água dos rios no meio, o Brasil está dormindo, coitado. Precisamos colonizar o Brasil. O que faremos importando francesas muito louras, de pele macia, alemãs gordas, russas nostálgicas para garçonnettes dos restaurantes noturnos. E virão sírias fidelíssimas. Não convém desprezar as japonesas. Precisamos educar o Brasil. Compraremos professores e livros, assimilaremos finas culturas, abriremos dancings e subvencionaremos as elites. Cada brasileiro terá sua casa com fogão e aquecedor elétricos, piscina, salão para conferências científicas. E cuidaremos do Estado Técnico. Precisamos louvar o Brasil. Não é só um país sem igual. Nossas revoluções são bem maiores do que quaisquer outras; nossos erros também. E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões… os Amazonas inenarráveis… os incríveis João-Pessoas… Precisamos adorar o Brasil. Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão no pobre coração já cheio de compromissos… se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens, por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos. Precisamos, precisamos esquecer o Brasil! Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado, ele quer repousar de nossos terríveis carinhos. O Brasil não nos quer! Está farto de nós! Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil. Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

Carlos Drummond de Andrade

RESUMO

O cerne da reflexão proposta neste ensaio reside na validação da tese de que uma identidade nacional é um conceito construído historicamente e não ontologizável. Devido à historicidade que o conforma, expressa a correlação das forças sociais contingentes, forças sociais com expressão política e substrato econômico. Tal qual nação que se configurou como “comunidade imaginada”, a identidade nacional vem servindo aos propugnadores da existência de Estados como organismos vitais para o “progresso” (entenda-se: partilha de nichos a serem explorados economicamente). Tais nichos, todavia (também denominados “mercados”), implicam vidas de seres humanos, então reduzidos a consumidores compulsórios travestidos de “cidadãos” (re)produtores de culturas emulantes, replicáveis. No caso do Brasil, uma possível Brasilidade que nos caracterizaria vem sendo foco de reflexões há séculos (imbricadas no processo de consolidação de um Estado nacional “soberano”). O que seria, enfim, “ser brasileiro”? Darcy Ribeiro, em sua verve desbragada, nos propõe um povo brasileiro plasticamente apto a se transfigurar em “gente” pungente. Vigente quando agente. Nessa reflexão, o ensaio – no qual a linguagem também é protagonista – forja sua forma a partir da força perlocucionária das leituras sobrepostas, entranhadas. A discursividade (latente ou pulsante) é o foco desse apreciar. Eis o que se compartilha: ebulir o debate. Espraiar o discernimento. Conjugar energias transformadoras.

Palavras-chave: Identidade nacional. Construção da nação. Comunidade imaginada. Identidade como representação. Ser Brasileiro. Brasilidade. Darcy Ribeiro. Discursividade.

ABSTRACT

The core of the reflection proposed in this essay is that national identity is a historically constructed concept, which is not ontologizable. Due to historicity that configures the concept, it expresses the correlation of contingent social forces with political expression and economic substrate. As a nation that was designed as an “imagined community”, national identity has been serving to defenders of States as vital organisms for “progress” (that is, sharing of economically exploitable niches). These niches, however (also named “markets”), imply lives of human beings, then reduced to compulsory consumers disguised as “citizens” which are (re)producers of emulative and replicable cultures. Thus, in Brazil, a possible Brasilidade, which would characterize us, has become focus of discussions for several centuries, being imbricated in process of consolidation of a “sovereign” national State. Finally, what is “to be a Brazilian”? Darcy Ribeiro, with his immoderate verve, proposes a Brazilian people able to transfigure itself into pungent “people”, established as an agent. In this reflection, the essay – in which language is a protagonist too – forges its shape from perlocutionary force of superimposed and embedded readings. Discursiveness (latent or pulsatile) is the focus of this pondering act. That is the question to be asked in order to boil this debate. To spread discernment abroad. To conjugate transforming energies.

Keywords: National identity. Nation-building. Imagined community. Identity as representation. To be a Brazilian. Brasilidade. Darcy Ribeiro. Discursiveness.

SUMÁRIO

1. 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5. 1.6.

2.

2.1. 2.1.1. 2.1.2. 2.1.3. 2.2. 2.2.1. 2.2.2. 2.2.3. 2.3.

3.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS................................................... 10 O ensaio: trans-forma......................................................... Um referencial teórico-crítico............................................. A discursividade como corpus.......................................... Nação, Estado e Identidade Nacional................................ Darcy Ribeiro, Brasileiro da Silva...................................... A Brasilidade........................................................................

11 13 16 19 20 22

DO NATIVO AO NATIVISTA: IDEOCULTURA, COSMOPOLÍTICA E POVO(S) BRASILEIRO(S)..................... 25 IdeoCultura das Identidades.............................................. Identidade, Cultura e Discurso........................................... Quando o nacional nasce (ou não).................................... Ser ou nascer brasileiro: eis a questão?............................ CosmoPolítica das Nações................................................. Brasil, Brasilidade............................................................... Estado, Nação e Estado-Nação......................................... Lusitania e Nativismo......................................................... Povo(s) Brasileiro(s): Ser(es)-Tronco................................

26 26 28 31 37 40 42 47 50

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................... 61

REFERÊNCIAS........................................................................ 64

10

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Menos que perguntar sobre que valores representam o mito da nação, é preciso indagar a relevância do discurso da nacionalidade para os setores marginais na nação, para as margens que a própria nação cria. (PECHINCHA, 2006, p. 95)

À guisa de mise-en-place, oferto para deguste este texto em que discuto os termos nos quais uma identidade nacional se forja e se consolida como instrumento de afirmação de poder, de domínio. Temperando a Brasilidade com tais acentos, busco, impune mente ciente, denotar a historicidade que reveste essa construção do “ser brasileiro”. Saliento a necessidade, nesta óptica, de “desontologizar” nossa reflexão, pois não nos bastam elementos-caracteres para erigir identidades. Apreciem-no como acepipe discur-cívico. Meu exercício, em suma (proposta de agenda para reflexões a posteriori), é materializar um arcabouço epistemológico tecido à moda de mosaicos conceituais

bricolados

rapsodicamente

(qual

macunaímas

caleidoscópicos

cirandando). Sem descurar de certas proposições (in positivas) que Foucault (2002a) arregimenta como acauteladoras: A análise do pensamento é sempre alegórica em relação ao discurso que utiliza. Sua questão, infalivelmente, é: o que se dizia no que estava dito? A análise do campo discursivo é orientada de forma inteiramente diferente; trata-se de compreender o enunciado na estreiteza e singularidade de sua situação; de determinar as condições de sua existência, de fixar seus limites da forma mais justa, de estabelecer suas correlações com os outros enunciados a que pode estar ligado, de mostrar que outras formas de enunciação exclui. (p. 31)

Giannotti (1991), por exemplo, em esforço para desconstruir certas proposições estruturantes da Teoria do Agir Comunicativo, nos diz que o pensamento de Jürgen Habermas é marcado por um ecletismo de “bricoleur” (p. 7). Prosseguindo em tal diapasão (contrapondo Wittgenstein a Habermas), afirma que “[...] não há sentido, nem qualquer figuração de estados de coisa, sem a prática da própria linguagem corrigindo-se a cada instante” (p. 12). Na reflexão que instala, considera que A diferença entre proposição e afirmação duma proposição é de suma importância, pois só esta última torna explícito o caráter auto-reflexivo do sujeito à procura do conhecimento, só ela permite vincular à proposição uma pretensão de validade. (GIANNOTTI, 1991, p. 9)

11

Comunidades

Imaginadas,

Conceitos

Imaginados,

Identidades

Apropriadas, Atribuídas: com que interesses? Há, sim, toda uma intelligentsia a serviço dessa nobre missão (fazer a Ciência trabalhar em prol de um objetivo que se apresente como inadiável, imprescindível – ou, pelo menos, convenientemente apropriado). Nos termos de González (2013), Os processos de construção nacional caracterizaram-se por homogeneizar e fundir em uma referência única as adscrições culturais dos indivíduos através de processos de socialização politicamente dirigidos. Os relatos históricos sobre as origens, o devir e o futuro da nação constituem a dimensão mais visível deste processo. (p. 108)

Para tal consecução benfazeja, mister se faria emergir a substância desses processos: “As variantes étnica, cívica e religiosa da nação refletem, cada uma a seu modo, a genealogia intelectual que acompanhou seu respectivo processo de construção política” (GONZÁLEZ, 2013, p. 110). Eis, portanto, o cerne desta reflexão: de que maneira devemos expor argumentos para que se encadeiem numa vaga explicativa acerca da historicidade – e não ontologização – da gênese e constituição do que vimos nomeando como Identidade Nacional? A construção nacional, como todas as empresas políticas que se fixam a uma teleologia histórica, é por definição uma tarefa interminável, uma vez que, se terminada, suporia dar fim ao que se erigiu em um princípio político. Nesta perspectiva, as nações, mais do que um plebiscito cotidiano, como assinalou Renan, ou do que uma realidade intra-histórica, como diria o jovem Unamuno, são um enredo histórico, uma narração socialmente eficaz e sistematicamente posta à prova, cujos consensos, esquecimentos e rememorações correm ao passo da inteligência política do momento. (GONZÁLEZ, 2013, p. 112)

1.1. O ensaio: trans-forma O Curso de Bacharelado em Antropologia da UFRR – Universidade Federal de Roraima, ofertado pelo INAN – Instituto de Antropologia, prevê a elaboração de um TCC – Trabalho de Conclusão de Curso como pré-requisito da graduação. Esse TCC objetiva, dentre outras coisas (UNIVERSIDADE..., 2013, p. 22), “Aprofundamento de conhecimentos teóricos/práticos, através do tema escolhido em uma das áreas de especialização da Antropologia”; “Desenvolvimento do senso-crítico”; e “Promoção da socialização do saber científico produzido”.

12

Uma das modalidades em que o TCC pode ser desenvolvido é a de ensaio científico, no qual apresentam-se conclusões da reflexão feita sobre alguma temática antropológica. Obra aberta, o ensaio mais instiga que convence; referencia argumentando, contextualizando. Como Adorno (1986, p. 174) nos ilustra, [...] o ensaio não almeja uma construção fechada, dedutiva ou indutiva. Ele se revolta, em primeiro lugar, contra a doutrina, arraigada desde Platão, segundo a qual o mutável, o efêmero, não seria digno da filosofia; revolta-se contra essa antiga injustiça cometida contra o transitório, pela qual ele é mais uma vez condenado, no plano do conceito. Ele retrocede espantado diante da violência do dogma: ao resultado da abstração, que é o conceito invariável no tempo perante o individual a ele subordinado, caberia dignidade ontológica.

O ensaio, buscando eternizar um transitório, “[...] denuncia sem palavras a ilusão de que o pensamento possa escapar daquilo que é thesei, cultura, para aquilo que seria physei, da natureza” (ADORNO, 1986, p. 175). É ainda Adorno (1986, p. 178) quem nos enfatiza que A ingenuidade do estudante, ao qual o difícil e o formidável parecem ser exatamente o mínimo suficiente, é mais sábia do que o pedantismo adulto que, com um dedo ameaçador, adverte o pensamento de que ele primeiro deveria entender o mais simples, antes de ousar enfrentar o que é mais complexo, que é o que efetivamente o atrai.

O ensaio como forma, então, distinguindo-se da literatura e de uma cientificidade cartesiana, se nutrindo da sofística e da retórica, apresenta-se como teia de conexões transversais contradizendo uma lógica discursiva ancorada em conceituações apriorísticas. O ensaio busca denotar a totalidade que acolhe a temática sobre a qual se reflete e o ato mesmo de se refletir. Como professa Adorno (1986, p. 187) na conclusão desse seu texto, […] a mais intrínseca lei formal do ensaio é a heresia. Na infração à ortodoxia do pensamento torna-se visível na coisa aquilo que, por sua secreta finalidade objetiva, a ortodoxia busca manter invisível.

O ensaio, como obra pensada, segundo essa contribuição de Adorno, repele a subserviência da facticidade ao conceito prévio, “moldador”. O conceito precisa se render ao fato e se reconceituar mediante identidade com esse fato. O ensaio não é uma obra para enquadrar em conceitos um fato analisado (tido, pois, como “verdadeiro”): é um exercício de pensar o fato e ver que conceitos são demandados para evidenciar o que não está explícito.

13

Como diz Goethe (“Pandora”) na epígrafe do texto de Adorno, a reflexão num ensaio estaria destinada a fazer “[...] ver o iluminado, não a luz” (ADORNO, 1986, p. 167). Apesar disso, a rigidez normalizadora vigente na Academia não tolera a liberdade no linguajar (quiçá no pensamento). Afirma que “Se a força de um documento científico dependesse somente da inspiração intuitiva de cada autor, seria passível de erros, de omissão ou de excessos” (VITAL, 2011, p. 11). Cometêlos-ei, pois! Testemunha-me Barthes (2013, p. 75): “Se gostássemos dos neologismos, poderíamos definir a teoria do texto como uma hifologia (hyphos é o tecido e a teia da aranha)”. Afinal, Diríamos que contra o esprit géométrique ainda muito vivo nos cientistas humanos, a hermenêutica opta pelo esprit de finesse que só compreende o cogito quando mediatizado pelo universo dos signos: a consciência não é imediata, porém mediata; não é uma fonte, mas uma tarefa, a tarefa de tornar-se consciente, mais consciente. (JAPIASSU, 2013, p. 17)

1.2. Um referencial teórico-crítico

Eco (2012, p. 21-4), em clássica digressão epistemológica, nos apresenta os requisitos para considerarmos (e legitimarmos) um estudo como “científico”: que haja um “[...] objeto reconhecível e definido de tal maneira que seja reconhecível igualmente pelos outros”; que nos diga “[...] algo que ainda não foi dito ou rever sob uma óptica diferente o que já se disse”; ele (o estudo) “[...] deve ser útil aos demais”; e, por fim, “[...] deve fornecer elementos para a verificação e a contestação das hipóteses apresentadas [...]”. Demo (2009a) nos lembra que “Não existe história neutra como não existe ator social neutro” (p. 19). Assim, enfatiza que “Somente pode ser científico, o que for discutível” (p. 26, grifo do autor). E prossegue: “A ciência é somente um modo possível de ver a realidade, nunca único e final. As próprias disciplinas acadêmicas representam recortes parciais de uma realidade complexa, que nunca é apenas sociológica, econômica, psicológica...” (p. 28). E nos alerta para o fato de que “a ciência está sempre na iminência de se tornar sobretudo justificação social do cientista” (p. 36). Logo, “Todo cientista, ao fazer ciência, saberá que não faz a

14

ciência, mas oferece apenas um enfoque, um ponto de vista, uma interpretação, já que ele próprio não passa de um cientista” (p. 37, grifos do autor). Pinto (1969), cujas ideias talvez estejam em descompasso com os rumos da biomodernidade (no bojo da globalização que nos orquestra), nos diz: “A ciência é a investigação metódica, organizada, da realidade, para descobrir a essência dos sêres e dos fenômenos e as leis que os regem com o fim de aproveitar as propriedades das coisas e dos processos naturais em benefício do homem” (p. 30). E esclarece (p. 63): “[...] ciência como atividade natural da razão humana ao cumprir a exigência interior de apoderar-se intelectualmente, por reflexão subjetiva, dos processos do mundo exterior”. Apropriação que me remete ao foco que, em outras palavras, Freitas (2003) introduz: acerca da ética que deve permear a estética e a epistemologia. Pode parecer desnecessário lembrar que “O quê e o como do que se diz supõem sempre o ‘outro’ em sua fundamental diversidade” (AMORIM, 2007, p. 11) e que “[...] a produção de conhecimentos e o texto em que se dá esse conhecimento são uma arena onde se confrontam múltiplos discursos” (AMORIM, 2007, p. 12). Entretanto, não nos esqueçamos: “[...] todo discurso produz-se como ato num contexto singular e irrepetível [...] discurso enquanto acontecimento em que a diferença entre valores desempenha papel fundamental na produção de sentido” (AMORIM, 2007, p. 18). Como Demo (2009a, p. 53) nos asserta, “[...] ciência sem erro é dogma” e “Onde há muita verdade, há mais autoridade que ciência” (p. 47). Também nos ensina que “Se a razão pode desvirtuar a crítica, pois é ela que forja sofismas e ideologias, é capaz também de desmascará-los, à medida que exerce autocrítica” (p. 58), embora entenda-se que “[...] o científico será sempre – em parte pelo menos, e por vezes na maior parte – a opinião dominante do clube dos grandes, das vacas sagradas, dos pontífices que fazem e manobram opiniões” (p. 47). Indubitavelmente, segundo a abordagem dialética histórico-estrutural aqui assumida, “[...] não há outra maneira de se fazer história, a não ser comprometendo-se com opções políticas concretas” (DEMO, 2009a, p. 102). Crítica sem prática não transforma e prática sem crítica é impotente. A prática é tese mas também antítese e síntese, bem como a crítica é antítese mas também síntese e tese. Dialética é esse processar de processualidades historicizáveis, sempre criticizado (como tese), nunca síntese finalizada.

15

Como “[...] somente uma meditação sobre a linguagem pode fornecernos uma estrutura de acolhida à exegese freudiana de nossos sonhos, de nossos mitos e de nossos símbolos” (JAPIASSU, 2013, p. 13), estendo o corpus a apreciar confrontando excertos de obras e pensares de vários lugares, de várias épocas, de variadas procedências epistemológicas e naturezas políticas. Com posições tensionadas, composição tensional. Pois o ser que projeto me leva a surfar nas tantas ondas que, entendo, me levam a um conhecer que propiciará um saber. Saber, é certo, com sabor. Dissabor de se ver sem identidade, sem reconhecimento, todavia. Apenas inédito, informe. Mankind-in-progress... Sem ser-em-vão, insiro neste escritar o alerta de que me valho: [...] o projeto hermenêutico possui realmente um cunho interdisciplinar [...] porque se constrói na luz que reciprocamente lhe lançam linguagens oriundas de perspectivas profundamente distintas, porém susceptíveis de imprevisíveis convergências epistemológicas: a filosofia reflexiva do cogito, a exploração do inconsciente, a figuração simbólica do espírito habitante do mundo, a decifração hermenêutica dos signos e das ideologias. (JAPIASSU, 2013, p. 14-5)

Extrair do multiverso a gênese dessa fractalidade que é o viver humano; identificar o que (nos) une e o que (nos) dessemelha; reconhecer-se como um ou outro nas malhas do Imaginado Dito (Anderson), do Escrito-Lido, do Pensado-Discursado. Escreviver nesse Dar-se (Ribeiro), qual Ricoeur balance. A linguagem é de tal forma feita, que o poder de dizer, de significar, de exprimir ou de comunicar pode realizar-se em registros tão diferentes quanto o conhecimento científico, a poesia, a expressão mítica e a formulação religiosa. (JAPIASSU, 2013, p. 15)

Pesquisar, assim, é prospectar respostas, aprumar perguntas. Pesquisar cientificamente é fazer isso metodologicamente comprometido com a transformação da realidade. Pesquisar é esse ato cotidiano de agentes historicamente

intervenientes,

não

mera

atividade

acadêmica.

Produzir

conhecimento é inerente à ação de agentes historicamente intervenientes. Martins e Lintz (2009) nos dizem que “[...] o trabalho de elaboração de uma monografia implica muito mais uma atividade de extração do que produção de conhecimento” (p. 7, grifos dos autores). Comentando abordagens, Sperber (1970) enfatiza que “Para os outros antropólogos, o espírito humano é capaz de tudo adquirir; para os estruturalistas, é capaz de tudo engendrar” (p. 110). Tal dualidade, entretanto, mostra-se

16

dicotomicamente inconsequente, diria, pois ambas as polaridades não entregam o que prometem (SPERBER, 1970). Isso porque “[...] nenhuma regra de uma língua, nenhuma regra de uma cultura é inata” (SPERBER, 1970, p. 110). Logo, [...] nada permite afirmar que os dispositivos coletivos, chamemo-los ou não de “espírito”, sejam todos de um mesmo tipo universal. Suas estruturas particulares são produtos da História que, pelo menos sob esse aspecto, devem ser incluídos na antropologia. (SPERBER, 1970, p. 113)

Talvez fosse o caso (mas não aqui, com texto) de se incluir a ideia do inconsciente coletivo como nominação outra (Homóloga? Análoga?) desse “aparato” (Aparelho? Dispositivo?). A potência simbólica seria infinita dadas as possibilidades de permutações e transformações operadas sobre os referentes, os significantes. Mas... Haveria regras “ordenando” (limitando) tais fractalidades? E estas seriam passíveis de classificação? Ou apenas de instrumentalização? Na Universidade, as estruturas curriculares deveriam introjetar tais perspectivas. Fragmentar o conhecimento em disciplinas e estas em aulas afastanos da totalidade do conhecimento, única dimensão onde podemos agir dialeticamente na interação teoria-prática. Transcendendo os meros treinamentos, ativamos o protagonismo típico de “[...] sujeito histórico capaz de definir seu espaço coletivamente” (DEMO, 2009b, p. 10). Sapere aude!, disse Horácio – “Ouse saber!” (PÖPPELMANN, 2010). Mas sob os auspícios de Paul Ricoeur, nas palavras de Japiassu (2013, p. 18-9): “[...] não há um lugar não ideológico de onde possa falar o cientista social, porque falar de um lugar axiologicamente neutro não passa de um engodo”.

1.3. A discursividade como corpus

Um enunciado tece um discurso acerca de um acontecimento (o qual é pleno de um potencial significatório). Entre o significado que o enunciador atribui ao discurso que professa e o significado que o receptor atribui ao acontecimento mote do enunciado percebido há descontinuidade ou distanciamento? Deslocamento ou derivação? Atentemos para o que Pechincha (2006) nos disse e pensemos o quão a linguagem nos é singularmente dotada não só de força ilocutória mas também de potencial “prestidigitatório”.

17

Além do mais, não há como elidirmos o fato de que “A cultura ocidental constituiu, sob o nome de homem, um ser que, por um único e mesmo jogo de razões, deve ser domínio positivo do saber e não pode ser objeto de ciência” (FOUCAULT, 1999a, p. 507). Saliente-se que, em termos de radicalização de nossa compreensão, “O hibridismo como forma política de desafio e resistência a um poder cultural dominante se manifesta nas práticas de significação, através dos eventos discursivos das instituições, dentre eles, as produções textuais” (PAGANO e MAGALHÃES, 2005, p. 26). Que Estado terá sido perpetrador desta cartografia preposta? Que noção de nação avulta no singramento proposto? A qual identidade se reconhece? Há qual alteridade nesse museu – ou noutro? De que percurso gerativo falo? Digo? Percurso sujeito a que sintaxe “imaginada”? Quem diz curso diz junção: mas com trato reiterativo, aliterativo, reverberativo. Pois se mântrica é minha enunciação, eu sou outro a discorrer sobre as estruturas que se articulam mutantemente diacronistas. Avulto qual sombra ao nascente ou ao poente. “Plus ça change, plus c’est la même chose”? Intento

diafanizar

os

entendimentos

que

manifestamos

como

compreender. Assim, quando interrogo, exclamo, reticencio ou opino, o faço sobre os efeitos que em mim germinaram das leituras realizadas (compreendidas ou não). Flores (s. d., p. 4) tenta nos esmiuçar essa perlocucionaridade de John Austin: “Dizer só realiza o acto pretendido de forma feliz sob dadas condições processuais que implicam quem diz o quê, como, sob que modalidades, a quem, quando, onde, com que intenções e com que efeitos”. Palavra: quem a lavra? Ainda há pessoas que dizem que as questões de sentido não têm sentido para elas, mas, quando dizem “não tem sentido”, de duas, uma: ou sabem o que querem dizer, e eo ipso a questão do sentido adquire sentido, ou então não sabem, e sua fórmula se torna sem sentido. (JAKOBSON, s. d., p. 29)

“Dir-lhes-ei o que escrevo: assim entendereis?” Ou: “Escrevo-lhes o que disse: assim o reconhecereis?” Como Pêcheux (2008, p. 56) salienta, [...] todo discurso é o índice potencial de uma agitação nas filiações sóciohistóricas de identificação, na medida em que ele constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou não, mas de todo modo atravessado pelas determinações inconscientes) de deslocamento no seu espaço [...]

18

Orlandi (1990, p. 16) diz que a reflexão que nos apresenta é sua contribuição na qual “[...] procuramos compreender os processos discursivos que vão provendo o brasileiro de uma definição que, por sua vez, é parte do funcionamento imaginário da sociedade brasileira”. A singularidade de tal reflexão repousa no fato de que analisa a visão não do colonizador português mas a visão colonial de missionários capuchinhos franceses ao longo do período colonial brasileiro. Alerta-nos, entretanto, “[...] que a história, para quem analisa discursos, não são os textos em si mas a discursividade” (p. 18). Sem vergonha de parecer desaforado (até equivocado), complemento Orlandi apondo palavras de Paul Ricoeur (citado em Japiassu, 2013, p. 10): “’É necessário que morram os ídolos para que vivam os símbolos’”. De que discursividade podemos tratar numa reflexão acadêmico-científica? Reflexão cuja fruição nos seja ética e esteticamente aprazível? Pois mister se faz realçar: O brio do texto (sem o qual, em suma, não há texto) seria a sua vontade de fruição: lá onde precisamente ele excede a procura, ultrapassa a tagarelice e através do qual tenta transbordar, forçar o embargo dos adjetivos – que são essas portas da linguagem por onde o ideológico e o imaginário penetram em grandes ondas. (BARTHES, 2013, p. 20)

Substantivamente, então, me ponho a debridar adjetivos fenecidos, fenecíveis. Tal endoplastia, cometida travessamente, reverbera em mentalidades encouraçadas. Especulo com Foucault (2012, p. 8-9): [...] suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade.

Japiassu (2013), inclusive, me oferece (apresentando Paul Ricoeur) lentes para um ver míope que me atazana qual a espada a Dâmocles: [...] pela linguagem, falamos das fisionomias ocultas e não percebidas das coisas. [...] Há uma síntese do visto e do dito numa filosofia do discurso, mas que só se aplica à ordem das coisas. [...] O homem não é um dado. Ele se define por ser uma tarefa, uma síntese projetada. [...] Bachelard dizia que a razão recomeça, mas é a imaginação que começa, pois é a imagem poética que nos introduz na raiz do ser falante. [...] o ser se dá ao homem mediante as sequências simbólicas, de tal forma que toda visão do ser, toda existência como relação ao ser, já é uma hermenêutica. [...] para além da experiência das coisas e dos acontecimentos, situa-se o nível da linguagem filosófica, linguagem interpretativa capaz de revelar uma experiência ontológica que é relação do homem com aquilo que o constitui homem, vale dizer, foco de sentido. (p. 9-10)

19

1.4. Nação, Estado e Identidade Nacional

Benedict Anderson, em “Comunidades Imaginadas” (obra originalmente publicada em 1983), nos diz que a nação “[...] é imaginada como uma comunidade porque, independentemente da desigualdade e da exploração efetivas que possam existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda camaradagem horizontal” (2013, p. 34). No ver que instauro, a diacronia é contínua sistematização das agências humanas que, reciprocitariamente, se conectam, se interpenetram por intermédio do Agir Comunicativo dialético (histórico e estrutural). Eis a gênese de um culturar qual se cultiva o que nos cultua. Reflexo das lutas históricas, a identidade nacional é resultado de um trabalho de construção social que convém compreender, ao mesmo tempo, em sua elaboração estratégica e em sua dimensão cultural. (DÉLOYE, 2002, p. 96)

País: Brasil. Território onde impera a Brasilidade. Onde opera um Estado (sob ou sobre uma nação?). Estado como [...] um instrumento de unificação que contribui para fazer com que os processos sociais concernidos (cultura, economia) acedam a um grau de abstração e de universalização superior: em todos os casos, ele contribui para arrancá-los da particularidade do local a fim de fazê-los aceder à escala nacional. (BOURDIEU, 2014d, p. 302)

Oliveira (2010) nos esclarece que “O questionamento de base em Durkheim, nunca é demais insistir, diz respeito às regras de conduta sancionada (a moral) que conduzem a sociedade. Foi justamente para exercer, civicamente, essa moral que Durkheim ‘convocou’ e definiu o Estado” (p. 134) como “Órgão da justiça social, organizador da vida social, defensor das liberdades individuais e promotor da justiça social” (p. 134). Habermas (2002), ao ponderar sobre o Estado nacional na Europa e sobre um Estado nacional europeu, é categórico: “[...] a origem nacional, que era atribuída por outros, esteve associada desde o início com a delimitação negativa entre o próprio e o estrangeiro” (p. 126). Discorrendo sobre como a “invenção da nação” se fez suporte legitimador do Estado-nação moderno, Habermas (2002) enfatiza:

20

Apenas a consciência nacional que se cristaliza em torno da percepção de uma ascendência, língua e história em comum, apenas a consciência de se pertencer a “um mesmo” povo torna os súditos cidadãos de uma unidade política partilhada – torna-os, portanto, membros que se podem sentir responsáveis uns pelos outros. A nação ou o espírito do povo – a primeira forma moderna de identidade coletiva – provê a forma estatal juridicamente constituída de um substrato cultural. (p. 129-30)

Complementa dizendo que “A auto-afirmação existencial da nação nasce da auto-afirmação estratégica do Estado moderno contra seus inimigos externos” (HABERMAS, 2002, p. 130). E sobre estes nossos tempos sem brios: Já que o Estado nacional se vê desafiado internamente, pela força explosiva do multiculturalismo, e externamente, pela pressão problematizadora da globalização, cabe perguntar se há hoje um equivalente para o elemento de junção entre a nação de cidadãos e a nação que se constitui a partir da idéia de povo. (p. 134)

Em busca de resposta(s), Habermas (2002) apresenta-nos a ideia de que o Estado-nação precisa garantir, em sua normatividade jurídica, o exercício pleno

dos

direitos

constitucionais

do

cidadão



as

pessoas

precisam,

democraticamente, se sentir partícipes da condução política do Estado que as rege. Há que afirmar-se a [...] transformação dos direitos fundamentais em realidade, [...] cuja tarefa é resguardar a nação real de cidadãos ante a nação imaginada, supostamente constituída dos membros de um mesmo povo. (p. 137)

1.5. Darcy Ribeiro, Brasileiro da Silva

Darcy Ribeiro, ao final de seu livro “O Povo Brasileiro” (2011, p. 410), afirma que “[...] os brasileiros são, hoje, um dos povos mais homogêneos linguística e culturalmente e também um dos mais integrados socialmente da Terra”. Ser liberto de amarras acadêmicas, pontificou como franco-atirador na visão de muitas gentes. Improvisando conceitos marxistas ao tropicanismo vigente em nosso país, destoava das tantas tendências para cá e para lá no espectro ideológico nacional. Cotejando o pensamento de Darcy Ribeiro com a obra de Norbert Elias, Ribeiro (2005, p. 17) assinala que “[...] o privilégio à categoria ‘evolução histórica’ não traduz necessariamente grandes falhas para cientistas sociais, a depender de seu uso”. Aqui residiria a gênese do “expurgo” de Darcy Ribeiro das bibliografias da Antropologia brasileira acadêmica.

21

Concertando,

qual

um

repto

subalterno

precoce,

visões

aneurocêntricas, Darcy Ribeiro estilizou uma reflexão (nation-building) enraizada, então, nos termos do surgimento do Estado moderno na Europa continental. Estudar o “povo brasileiro”, atentando para como esta designação é construída e reconstruída historicamente e, também, na tradição oral, na literatura, nos discursos políticos, na mídia ou nas ciências sociais não é abdicar do exame dos contextos mais abrangentes onde a nação emerge ou dos conflitos entre pessoas e grupos que não podem ser classificados em “etnias nacionais”. (RIBEIRO, 2005, p. 20)

Portanto, como analisar o pressuposto da miscigenação como gênese do “Povo Novo”? Como modular as alteridades demandadas por índios autóctones, negros africanos e brancos europeus que aqui se despem (são despidos) de suas Identidades Étnicas originais para conceber um “Povo Novo” tido como homogeneizado a partir de suas Culturas próprias? Como entender que “Ao desgarrá-los de suas matrizes, para cruzá-los racialmente e transfigurá-los culturalmente, o que se estava fazendo era gestar a nós brasileiros tal qual fomos e somos em essência” (RIBEIRO, 2011, p. 163)? Alfredo Bosi, em texto cuja matriz foi elaborada originalmente (1980) antes de “O Povo Brasileiro” (1995) e atualizado posteriormente mas ainda previamente a essa obra referida de Darcy Ribeiro, nos fala da reinterpretação cultural conceituada por Melville Herskovits (à qual justaponho a máscara antropofágica e a conecto ao processo de transfiguração étnica cunhado por Darcy Ribeiro): mecanismo [...] pelo qual toda cultura dominante é absorvida e descodificada pela cultura dominada, de tal modo que, nesta última, já não fica da cultura superior nada a não ser, talvez, o desejo que têm os dominados de apreender os dons e os poderes dos seus patrões. (BOSI, 1992, p. 337)

Mikhail Bakhtin, Homi Bhabha e Stuart Hall vêm pensando nisso como processo de hibridismo/hibridização cultural no panorama de culturas que se impactam por mundialização. Como imergir nessa discussão foge ao escopo estrito do que me propus aqui, cito, tão-somente, comentário de Pagano e Magalhães (2005) sobre como Sherry Simon contextualiza isso: O conceito de Bakhtin não é apenas um conceito descritivo para dar conta da plurivocidade do romance, mas a expressão de um valor moral, afirmando a multiplicidade das identidades e opondo-se ao monopólio da verdade única. (p. 26)

22

Peter Burke (2010, p. 13), historiador inglês de bastante intimidade com o Brasil, em “Hibridismo Cultural”, selecionou três frases como epígrafes desse seu ensaio: “Todas as culturas são o resultado de uma mixórdia”, de Claude LéviStrauss; “A história de todas as culturas é a história do empréstimo cultural”, de Edward Said; “Hoje, todas as culturas são culturas de fronteira”, de Nestor Canclini. Eis-nos, pois, na teia de referenciais que amealha nossa capacidade de discernir identidades, de perceber descontinuidades, de nominar os (nossos) eus e os outros (deles) – ou não-(m)eus –, o em-mim/nós e o fora-de-mim/nós (ou em-outros). Escreve Darcy Ribeiro, na breve “Introdução” de seu livro “Os brasileiros: 1. Teoria do Brasil”, sobre a concepção de Antropologia Dialética que pratica: [...] procura ser uma ciência comprometida com o destino humano, que indaga dos efeitos sociais dos estudos que empreende e os coloca a serviço dos povos que focaliza. (RIBEIRO, 1980a, p. 21)

1.6. A Brasilidade

Sobre o escopo referido, seria, enfim, a Brasilidade redutível à Miscigenicidade? O mestiço, diferenciando-se de sua ascendência autóctone ou africana, se apresentaria como brasileiro perante a outridade do estrangeiro, o europeu. Uma ninguendade, todavia, o especificaria como brasileiro: ele desprezava sua ascendência e era desprezado pelos brancos-europeus! Que compatibilidade seria viável? Considere-se que A nação não é apenas o que está sendo no presente e o que foi no passado, mas é ainda e principalmente o que pretende ser no futuro, a imagem que faz de si mesma e que procura realizar no tempo. (CORBISIER, 1950, p. 93)

Como o sentimento de Brasilidade surge e é apropriado? Quais suas características de interlocução de subjetividades? A quem interessa erigir um “brasileiro” prototípico? Ubi bene, ibi patria, disse Aristófanes – “Onde alguém se sente bem, aí está sua Pátria” (PÖPPELMANN, 2010). Diante de que alteridades surge a Identidade Nacional do Brasil? Quando doxa e ethos se imbricarão? Abstraindo virtús, esterilizando pathos, pleonasmando catarses? Quando liminares insertas?

23

Assumindo este ensaio como estágio pré-estreia, auguraria prosseguir nessa garimpagem dos ideologemas que dissolvem as contradições num transfigurar simbólico com espessamento dos referentes ancorados em "projéteis" consensuados. Nomino, pois, as “imaginações” interessadas como “projéteis” a serem hegemonizados pela indústria cultural personificante de um nacionalpopularismo indistinto mas “ben trovato”. A intelligentsia, evidentemente, se faz presente (passado e futuro). Assim instigado, reflito refratariamente ao que me não vejo: sou alguém ou meramente não o sou? [...] um sujeito não pode, no fundo, apreender-se a si mesmo enquanto “Eu”, ou “Nós”, a não ser negativamente, por oposição a um “outro”, que ele tem que construir como figura antitética a fim de poder colocar-se a si mesmo como seu contrário [...] (LANDOWSKI, 2012, p. 25)

Contrastivamente, portanto, um brasileiro não era/não foi/não seria um português nem um indígena nem um africano – a Brasilidade, então, construiu-se... Fez-se corações & mentes sobre imagens, ações, imaginações... Sobre a informe premissa de que [...] a problemática da identidade não se origina somente de uma lógica da diferença e do descontínuo; ela pede, sobretudo, o desenvolvimento de uma semiótica do contínuo, do “devir” ou, como se diz às vezes hoje, da instabilidade. (LANDOWSKI, 2012, p. 29)

Instabilidade como deslizamento (Jacques Derrida) não referente de equilíbrio mas de susceptibilidade ao contingente. Que contém gente. Plasmável. Transfigurável. Ser(es)-Tronco plenipotenciário(s). Brasílico(s) longevo(s). Assim, entender-se-ia a Brasilidade como um bem simbólico, não necessariamente derivando em Nacionalismo mas suportando reificação de relações sociais mediadas pelas culturas interagentes no espaço-tempo. Cada pessoa vivendo no Brasil conota significados às expressões e sentimentos que lhe possibilitam projetar-se no continuum da vida. Frankfurtianamente, a indústria cultural que concebe e acolhe tal bem simbólico é aquela que, no dizer de Rüdiger (1998, p. 18), […] refere-se antes de mais nada ao processo de transformação da cultura em mercadoria mas, também, de transformação da mercadoria em matriz de cultura, que tem lugar na baixa modernidade.

24

Para (se) ser mercadoria, há que (se) ter identidade no espaçotempo da troca. É, portanto, na submissão, como ente indiferenciado, a “universais” como Pátria, Estado e Nação que se configura o plano do mercado, irmão (gêmeo?) do Estado-nação moderno. A sociedade dominada pela racionalidade da ciência e da técnica, isto é, pela ideologia do progresso, é arquivamento do passado, perda da memória, procedimento necessário para que o presente em “falso movimento”, movimento de mercadorias e não da ação humana, seja tomado como história enquanto tal. (MATOS, 1993, p. 55)

25

2. DO NATIVO AO NATIVISTA: IDEOCULTURA, COSMOPOLÍTICA E POVO(S) BRASILEIRO(S) O escritor é um homem que não tem outro instrumento senão as palavras. […] Todo estilo é mais que uma maneira de falar: é uma maneira de pensar e, portanto, um juízo implícito ou explícito sobre a realidade que nos cerca. (PAZ, 2006, p. 146)

Discutir-se-á neste ensaio que ora apresento para consideração de sua pertinência e relevância a tese de que uma Identidade Nacional é um constructo histórico, não um conjunto de elementos-traço que essencializam o ingresso e a permanência dos Idênticos, os semelhantes (homogêneos?) e excluem os Outros, os diferentes (desiguais?). Tendo como substrato os pressupostos (indissociáveis e interpenetráveis) da Antropologia (visão sincrônica) e da História (visão diacrônica), discuto a constituição de um Povo e a instituição de uma Nação como efeitos (não teleológicos) da agência humana, interativamente protagonista. Parto da presunção de que Estado, País e Pátria são artifícios geopolíticos da rede pan-ideológica que configura a “ordenação” do mundo “real” (em busca de um “desenvolvimento” que propicie futuros “estáveis”). Tais concepções, erigidas à moda da casa, estão subsumidas na composição das forças econômicas (e seus avatares políticos) que permeiam a esfera pública, disputando a hegemonia que as predispõe a auferir estabilidade do status quo favorável. Aceito a caracterização que Darcy Ribeiro faz do Povo Brasileiro – plasticamente disponível para se transformar libertariamente naquilo que a miscigenação promete. Feito uma ressignificação processuada. Daí, não aceito a resignação que vejo em Roberto DaMatta – de que não há como não emularmos o espectro relacional em nossas tessituras públicas. A Brasilidade nos congrega como partilhantes de uma herança multiétnica, como condôminos de um território misto de “impávido colosso” e “mãe gentil” e nos impele a um “sonho intenso”, a um futuro que “espelha essa grandeza” (apesar do “braço forte” passado, da “clava forte” vindoura). Brado retumbante desejado prescinde de raios vívidos improváveis. O tempo urge, o espaço surge. Imaginemos que não haja fronteiras a nos separar, apenas limiares a nos alinhavar os cotidiânicos viveres gregários que nos habilitam à plenitude da humanidade.

26

Nós podemos, pois [...] mesmo que o mundo que nos rodeia nos pareça espontaneamente um universo articulado e diferenciado, nem por isso há, entre “Nós” e o “Outro”, fronteiras naturais – há apenas as demarcações que construímos, que “bricolamos” a partir das articulações perceptíveis do mundo natural. (LANDOWSKI, 2012, p. 14)

2.1. IdeoCultura das Identidades Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo: é uma moral de estado civil; ela rege nossos papéis. Que ela nos deixe livres quando se trata de escrever. (FOUCAULT, 2002b, p. 20)

Identidade é propriedade. E isso não é (só) rima nem solução. Propriedade de um passado, de um desejo de futuro. Propriedade de uma substância, uma essência – como queriam/querem muitos. Propriedade de características, traços – fenotípicos, comportamentais. Propriedade de capacidades, habilidades – como as de não se limitar a se ser de um único jeito, de se adaptar a contextos diversos, múltiplos. De reimaginar o imaginado. Instituinte e Instituído qual Yin-Yang. Um Marinheiro de Fernando Pessoa.

2.1.1. Identidade, Cultura e Discurso Pensar sobre si sempre foi algo presente em nosso passado colonial – pelo contraste com o outro, o distante, o além-mar. Se brasileiros eram os exploradores de pau-brasil, brasileiros nos tornamos por “meramente” nascer no Brasil. Ou por sermos como outros que aqui também eram. Eram como se poderia ser naquele tempo, neste lugar. Descoberto, achado, conquistado, explorado. A “cultura”, “brasileira”, passa a ser substrato e produto, raiz e fruto. Como nos diz Oliven (1999): “A afirmação de identidades regionais no Brasil pode ser encarada como uma reação a uma homogeneização cultural e como uma forma de salientar diferenças culturais” (p. 79). O portfólio de culturas regionais é que daria consistência a uma identidade que se pleiteia nacional diante do estrangeiro, o verdadeiro outro. Culturas regionais fundadas nas matrizes étnicas indígena, africana e portuguesa.

27

Enfatizando que uma identidade, em termos conceituais, seria uma construção simbólica, uma arquitetura fundada em referentes específicos (múltiplos, diversos), Ortiz (2015, p. 152) pontua que “[...] toda identidade é uma representação e não um dado concreto que pode ser elucidado ou descoberto”. E realça que “Ao se passar da ideia de essência à de representação, a construção da identidade desloca-se para o domínio dos interesses e dos conflitos, e interessa saber como ela é construída, que relações de força ela recobre” (p. 156, grifo meu). Tanto há um papel para os emblemas na consolidação de identidades – no(s) script(s) que perpassa(m) a cultura – quanto há insuficiência designativa desses emblemas na modernidade-mundo. O carnaval é um emblema do Brasil brasileiro – disso nos orgulhamos - mas também dizemos que o Brasil brasileiro não é só carnaval – pois nos orgulhamos de muitas outras coisas. Contextos espaçotemporais submetidos às interrelações forjantes de sentidos que se embatem na ágora nossa de cada dia implicam compreender que Os agentes dispõem de uma herança de símbolos que podem ser combinados em função de suas estratégias, a identidade é o resultado do arranjo das peças depositadas nas camadas geológicas da tradição nacional. (ORTIZ, 2015, p. 163)

Fundamental se faz, repete-se, perceber o lugar de onde se fala e transparecer o lugar de onde se (h)ouve. Orlandi (1990) já nos alertara que “[...] o imaginário que institui as relações discursivas (em uma palavra, o discursivo) é político” (p. 36) e que “[...] a identidade é um movimento, tanto no seu modo de funcionamento (entre o eu e o outro) como em sua historicidade (devir, mas também multiplicidade na contemporaneidade etc.)” (p. 46). Enfim, “[...] não é o discurso do Brasil que define o brasileiro, é o discurso sobre o Brasil” (ORLANDI, 1990, p. 48). Discurso palimpsesticamente transcriado nos entre-lugares eu-outro, povo-Estado, popular-erudito, pessoalcoletivo, privado-público etc. “Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada” (AZEVEDO, 2016, p. 173) – aforismo 44 do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, publicado no ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha. Quem sou quando deixo de ser... Como o outro? Qualquer outro. Qual quer Eu? Precisaríamos de uma Carteira de IdentidadeS – não sou o mesmo sempre, em todos os lugares, com todo o mundo. Ou há um substrato mínimo que

28

persiste articulando ontens & amanhãs? Sob o primado da compreensão da vida como tensão primal Yin-Yang, diria que há, sim, um mínimo que forma (dá forma, conforma) uma pessoa em sua agência & proatividade no âmbito da “dualidade” (esfericamente holística nos termos de Werner Heisenberg) Caos X Cosmos – Cosmos como a compreensão do existir (visto como devir), não como a ordenação desse existir (visto como status quo). Esse mínimo, todavia, é mutante, aleatoriamente fractável, equilibrado com os mínimos de outrem em harmonias não-lineares compostas (“imaginadas”) por interagências ontem-hoje-amanhã & id-ego. Se a ideia durkheimiana de solidariedade permite que a ideia de identidade nacional governe as interações coletivas e institucionais nas quais estamos subsumidos, a ideia de que um id possa existir plenipotenciariamente – à revelia de egos e outros ids – nos induz à recuperação da pulsação Yin-Yang, onde não há absolutização das opções nas multifurcações, apenas a impulsividade (equilibrada como um numerador sobre tantos denominadores quantos forem concebíveis propriamente) que nos impele... A agência humana, de que tanto nos fala a Antropologia, não pode ser mimetizada em detrimento do risco de se ser audaz em demasia – intimoratamente. Recitando, novamente (na oratura sempiterna), o super-homem de Nietzsche, conclamo, pertinentemente, Foucault (2012, p. 48): [...] é preciso, creio, optar por três decisões às quais nosso pensamento resiste um pouco, hoje em dia, e que correspondem aos três grupos de funções que acabo de evocar: questionar nossa vontade de verdade; restituir ao discurso seu caráter de acontecimento; suspender, enfim, a soberania do significante.

Assumindo os pressupostos de que “[...] o ideal é uma arma com a qual se desnuda um mundo errado, injusto e opressivo” (p. 137) e de que “O autor semeia, a leitura insemina” (p. 22), Giannetti (2016) nos indaga: “Ser um para cada outro, ser outro para si mesmo e afinal não ser nem um nem outro. Quem é quem é?” (p. 121)

2.1.2. Quando o nacional nasce (ou não)

Cunha (2014, p. 125) assevera que havia no Brasil da primeira metade do século XX, segundo Silviano Santiago, “[...] o impulso escrutinador e

29

modernizador do país e a continuidade do trabalho textual de instituir a nação, estabelecendo e estabilizando a identidade nacional, a hierarquia social e a liderança político-econômica” (grifo meu). É nesse caldo contingencial que o(s) projeto(s) de nação brasileira articula(m)-se sobre uma arquite(x)tura rapsódica jongando em corpus afro-luso-tupiniquim (qual diálogo antropo-persona) em movimentos in nativos. Entretanto, fazer-se nação é um construto de elites e “descobrir” é “desvelar” um estado que se forja a partir da interpretação (que alude, que elide), do discurso (reiteradamente enunciado) – artes “intelectuais” (afetas a contingentes demográficos estamentados – de escribas e preceptores). Vide, por exemplo, Weber (2012, p. 175): [...] é óbvio que, do mesmo modo que os poderosos da comunidade política provocam a idéia do Estado, aqueles que numa “comunidade cultural” (o que significa aqui: um grupo de pessoas às quais, em virtude de seu modo de ser peculiar, estão acessíveis, de modo específico, determinadas obras consideradas “bens culturais”) usurpam a liderança – os intelectuais, portanto, como por enquanto queremos chamá-los – estão em grau específico predestinados a propagar a idéia “nacional”.

O Ser Brasil, pois, fez-se domesticando o plural: “Na malha discursiva colonial se produziu o recalque do outro” (CUNHA, 2014, p. 129) – o indígena, o africano -, recalque esse evocado nas letras tantas de “nossos” nativistas: “Ao reconhecer a prioridade e o comando da palavra escrita sobre as significações do país, torna-se necessário voltar obsessivamente a esses textos que dizem preliminarmente da nova terra e instituem a colonização” (CUNHA, 2014, p. 128). Toda demarcação identitária, como delimitação de propriedade privada, exige cercas, muros. Implica, portanto, se fazer como regra que demanda exceções. “Pular a cerca” não seria des-identificar-se: seria também usufrutar da outridade (o que valeria, “igualmente”, para os demais – os “outros”). Por que, então, não vivermos nesse quintal amplo, sem barreiras? Fazermo-nos super-homens, como recomenda, vivíssimo, Friedrich Nietzsche! Perplexo com a resistência a tal liberdade, recorro à languidez de Pierre Bourdieu, cujas explanações chegam a me extasiar: “Diz-se que os agentes sociais constroem a realidade social, o que é um enorme progresso. Mas, dito isto, quem constrói os construtores? Quem dá aos construtores os instrumentos de construção?” (2014b, p. 234). Afinal, “A doxa é responder sim a uma pergunta que eu não fiz” (2014c, p. 250).

30

A manipulação condutora do processo de imaginação de conceitos convenientes às elites que se apoderam da máquina estatal e buscam configurar o desenvolvimento do país para que os grupos econômicos/classes sociais que elas representam sejam os maiores beneficiários pode ser evidenciada por variadas maneiras. Para não dizer que não falei de horrores, “A coincidência e a fusão entre indivíduo, sociedade e Estado são ideologicamente produzidas” (MATOS, 1993, p. 50). E Matos (1993) prossegue: “Se considerarmos os universais abstratos – povo, nação, pátria –, veremos que são constructos de identidade a encobrir as divisões e conflitos neles existentes” (p. 51). A “ciência”, mesma, é posta a serviço de tais interesses. Lima (2007) nos esclarece sobre o uso da Arqueologia para corroborar essa construção de identidades nacionais, já que O surgimento do nacionalismo como doutrina política trouxe consigo a necessidade de construção de histórias nacionais, de mitos fundadores da nação, relatando sua origem e formação, com profundidade temporal suficiente para legitimá-la, na medida em que não há nação sem tradição, sem passado. (p. 12)

A nação, originalmente uma concepção romana, expressava o local de nascimento das pessoas. Já na Idade Média, na Europa, passou a designar o pertencimento a um território. E no bojo da Idade Moderna passou a significar a “alma” do Estado. Neste sentido, sempre se buscou travesti-la com um manto de compromissos em prol de uma “ordem” voltada para um “progresso”. Tal “alma”, contudo, veio imersa numa abordagem essencialista homogeneizante que abolia as diversidades e pluralidades. Identidade significava, literalmente, identicidade – característica dos entes idênticos. Esse mea-culpa da Arqueologia, no dizer de Lima (2007), sinaliza a assunção de que “A disciplina forneceu poderosos elementos para a construção de longas genealogias em sociedades contemporâneas, que reforçaram suas identidades e conferiram a elas a legitimidade que buscavam” (p. 12). No Brasil isso se intensificou após a Revolução de 30 e especialmente no Estado Novo (19371945) mas esteve sempre presente após 1500. O colonialismo construiu e se alimentou todo o tempo de figuras de alteridade, fundando e sustentando maniqueisticamente a identidade dos dominantes à custa da construção negativa do outro e da sua exclusão [...] (p. 15-6)

31

E que tal pensarmos na ideia de nação (ou identidade nacional) como também sendo um dispositivo de poder? Por que deveríamos cultuar a ideia de um todo homogêneo, “coeso”? Se for necessário (ou vital?) partilhar algo, por que não o “ser singular”? O “ser único”, “original”? Abaixo a clonificação! Basta de Estado ou Nação como se precisássemos domar as pessoas! Imaginemos, pois, um viver libertário! No qual vir-a-ser sou. Fui. Ex-posições...

2.1.3. Ser ou nascer brasileiro: eis a questão?

Falar sobre a pessoa do brasileiro implica assumir fracassos (Ordem & Progresso nunca governaram) e sucessos (plasticidade de agências). Darcy Ribeiro, antropofagólogo, deixou-nos seu brado retumbante: [...] Mil povos únicos, saídos virgens da mão do Criador, com suas mil caras e falas próprias, são dissolvidos no tacho com milhões de pituns, para fundar a Nova Roma multitudinária. Uma Galibia Neolatina tão grande como assombrada de si mesma. Inexplicável. Aqueles tantos povos singelos que aqui eram já intrigaram demais ao descobridor e seus teólogos: Gentes são ou são bichos racionais? Têm alma capaz de culpa? Podem comungar? O enxame de mestiços que deles devieram na mais prodigiosa misturação de raças intriga ainda mais. Quem somos nós? Nós mesmos? Eles? Ninguém? Acordando como nações no meio desta balbúrdia, nos perguntamos com o Libertador: Quem somos nós, se não somos europeus, nem somos índios, senão uma espécie intermédia, entre aborígines e espanhóis? Somos os que fomos desfeitos no que éramos, sem jamais chegar a ser o que formos ou quiséramos. Não sabendo quem éramos quando demorávamos inocentes neles, inscientes de nós, menos sabemos quem seremos. [...] (RIBEIRO, 2014, p. 27)

Pergunto(-me) se é necessário enfatizar “[...] a importância do legado luso e estabelecido seu estatuto de condição onipresente na formação da identidade nacional [...]” (LAVALLE, 2004, p. 106), haja vista que o iberismo sempre esteve, ao menos, latente em nossa história. Talvez minha incerteza seja desprovida de lastro epistemológico e minha afirmação (de que nossa história sempre foi ibericizada) seja derivação acaciana. Lavalle (2004, p. 106), ao explicitar os porquês de sua ponderação, busca em Sérgio Buarque de Holanda (“Raízes do Brasil”) a explicação

32

de que “[...] o complexo cultural a definir o português é um só: a cultura da personalidade ou personalismo [...]”, cuja primazia [...] implica o império dos vínculos afetivos, o domínio da esfera das relações pessoais animada pela lógica da reciprocidade e da dependência – por isso a ética de fidalgos: filho d’algo – sobre o indivíduo, ente abstrato, e sobre as formas coesas e de hierarquia funcional de organização da vida social.

A incisividade de Lavalle (2004, p. 109) me é, simultaneamente, iluminadora e, até, talvez, dogmática (se posso julgar): as raízes do Brasil estão na cultura da casa-grande – [...] uma civilização de raízes rurais, senhoreada pelo poder aglutinante e quase onipotente das grandes famílias patriarcais, em cujas órbitas suseranas articularam-se como universo coerente, embora regionalmente fragmentado, o conjunto das relações sociais no econômico, no político e no social.

O homo brasilicus seria um homo parentalis? Em sua análise comparativa dos processos de afirmação de nacionalidade no Brasil e na Venezuela, Rodrigues (2014) identifica a primeira como continuidade (em relação ao período colonial) e a segunda como ruptura. E cita Afonso Arinos de Melo Franco que teria dito que “[...] o Brasil se tornou nação antes de ser Estado” (p. 160). Isso porque “[...] a imagem mais bem firmada tenha sido a do ser brasileiro, um sujeito produzido na confluência dos indígenas, uma identidade nativa, distante e mistificada e os brancos, representantes da civilização” (p. 162). Enveredando por tal seara, segundo Arregui (1971, p. 11), “[...] o ‘ser nacional’ significa cultura nacional”. E explicita: Entende-se por “complexo cultural” de um povo ou de uma classe social, o conjunto de valores, hábitos psicológicos e ilusões mentais coletivas estreitamente dependentes de um núcleo causal que rege e organiza o pensamento e as formas de vida do grupo ou classe em questão. (p. 120)

Distinguindo o ser ou o nascer brasileiro como mote desta digressão, almejo discernir no corpo social um coletivo mais que cívico. Nos termos de DaMatta (1998, p. 216, nota 14): No Brasil, ser “humano” significa dar atenção às singularidades de cada caso e mostrar simpatia para com o caso. Isto permite uma transformação imediata que é fundamental na dinâmica social brasileira: a do “indivíduo” em “pessoa”. Ser tratado como indivíduo significa ser olhado como um ser anônimo a quem automaticamente se aplica a letra fria e impessoal da lei.

33

Reverberando isso em outra dimensão, encontramos em Campos (2009, p. 11) a percepção que evola de um cronista dos costumes, de quando havia o costume de cronicar: [...] a cultura é apenas a arte da convivência. Ninguém convive com mais suavidade do que o brasileiro. Logo, o povo brasileiro é muito culto.

Já o arquiteto Carlos Martins, Coordenador do Projeto “Descobrindo o Brasil”, constituído por uma grande exposição itinerante celebrando o V Centenário de Descobrimento do Brasil (exibida em Alemanha, Angola, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Inglaterra, Israel, Japão, Líbano e Polônia), nos anos de 1999 e 2000, disse que o propósito de tal empreitada era o de explicitar “[...] como são absorvidas e reelaboradas as múltiplas influências que deixaram sua marca na formação da nacionalidade brasileira” (COMISSÃO..., 1998/1999, p. 6), enfatizando que “No Brasil, as influências culturais não são simplesmente transpostas, mas sofrem um processo de síntese e transformação em contato com o nosso meio cultural” (idem). Antropofagia? Sob a égide de uma identidade que se pleiteia “nacional”, como posto aqui, (ainda) pergunto(-me) se ser ou nascer brasileiro é a questão a ser tratada. Já Bosi (1992) comparece com sua assertiva de que Uma teoria da cultura brasileira, se um dia existir, terá como sua matériaprima o cotidiano físico, simbólico e imaginário dos homens que vivem no Brasil. Nele sondará teores e valores. (p. 324, grifos meus)

Teores de entranhamento, valores de estranhamento. Um mundo misto: de(sen)cantado, incurtido (vice e/ou versa). Entre mentes de ver gentes. Pois... Entre o ser de um lugar e o ser de uma linhagem, o que se partilha é algo significativo. Partilhamos um passado glorioso ou o desejo de um futuro cornucópico. Contudo, “[...] a existência de um específico tipo antropológico comum, apesar de não ser sem importância, não é nem suficiente nem necessária para a fundação

de

uma

nação”

(WEBER,

2012,

p.

173).

Vêm-me,

assim,

pressupostamente, as palavras de Arbex Jr. (1997, p. 39): Não é a defesa do território, não é o poder militar, não é a opressão sobre outras nações que caracterizam a grandeza de uma pátria. É, ao contrário, sua tranquila capacidade de ser berço e asilo acolhedor de todos os que se identificam com a alma sutil que sua história cultural criou.

34

Outrossim, o repercutiria salientando a “aura” sutil emanada dessa “história cultural”. História cultural na qual as narrativas de quaisquer naturezas forjam mínimos de coesão & consistência desde o ser e o não-ser (pois ambos hão de nascer). Viver é narrar e ouvir narrativas de outrem (e de si mesmo). Bernd (2011, p. 61) nos orienta nessa oitiva: Enquanto o projeto de Alencar consistiu em atribuir qualidades positivas ao índio, fundando a ancestralidade a partir do processo de aculturação e desculturação das duas etnias (branca e indígena), e o de Euclides ao erigir o sertanejo como símbolo desta miscigenação primordial, consistiu em preservar a proposta alencariana de duas etnias fundadoras, a criação de Mário de Andrade surge como um contradiscurso a esta consistência hegemônica que vinha se firmando ao longo de nossa história.

Tal qual o “homem cordial” de Sérgio Buarque de Holanda, o “herói sem nenhum caráter” foi, significantemente, incompreendido. Como aquele “cordial” vem de coração – o que palpita segundo o contexto – e não de trato delicado, o “sem-caráter” vem da ausência de uma conformação rígida de premissas – há toda uma gama de possibilidades a compor – e não de inconfiabilidade. Coringa, “[...] a trajetória de Macunaíma desconstrói os estereótipos fundados na existência de uma essência brasileira imutável [...]” (BERND, 2011. p. 64). Negro na maloca, branco na cidade, índio sempre sente. Ser ou nascer brasileiro, insisto, é UMA questão. Neste viver quântico transcibernético onde multiconexões são perspectivadas como além-Eu e pós-aqui, me pergunto ao esmagar um pernilongo/carapanã que me picou: esse sangue é dele ou meu? Afinal, Migrações, exílios, diásporas, mestiçagens levam ao questionamento sistemático da pertença única, abrindo uma fenda no debate identitário que precisa ser libertado de seu pacto exclusivo com a língua e com a nação. (BERND, 2011, p. 147)

Julgo reputada a reiteração de que “[...] existe uma história da identidade e da cultura brasileira que corresponde aos interesses dos diferentes grupos sociais na sua relação com o Estado” (ORTIZ, 1986, p. 9). Ortiz (1986, p. 21) também se mostra incisivo ao registrar que “A mestiçagem, moral e étnica, possibilita a ‘aclimatação’ da civilização européia nos trópicos”. Interessante realçar que Ortiz (1986) nos diz que “Ao retrabalhar a problemática da cultura brasileira, Gilberto Freyre oferece ao brasileiro uma carteira de identidade” (p. 42).

35

Ao permitir ao brasileiro se pensar positivamente a si próprio, tem-se que as oposições entre um pensador tradicional e um Estado novo não são imediatamente reconhecidas como tal, e são harmonizadas na unicidade da identidade nacional. (p. 43)

O senão que Ortiz (1986) registra é quanto à ideia que subjaz no primado da miscigenação – uma aculturação harmônica à revelia das fricções sociais. Afinal, “[...] o nacional se definiria como a conservação ‘daquilo que é nosso’, isto é, a memória nacional seria o prolongamento da memória coletiva popular” (p. 131)? Ao enfatizar que a memória nacional “[...] se vincula à história e pertence ao domínio da ideologia” (p. 135), Ortiz (1986) nos conduz à conclusão de que uma identidade nacional “[...] não se situa junto à concretude do presente mas se desvenda enquanto virtualidade, isto é, como projeto que se vincula às formas sociais que a sustentam” (p. 138). Maciel (2007), vernaculamente hábil, discorre sobre como Gilberto Freyre “[...] inventa a nação a partir da construção de uma cultura e de uma tradição, fornecendo ao brasileiro uma identidade própria e singular” (p. 57). E comenta, a partir dessa premissa de intelectual decifrador da “alma do povo”, o cerne do pensamento de Roberto DaMatta acerca do que significa “ser” brasileiro: A capacidade acasaladora brasileira é o que melhor nos define e nos diferencia de qualquer outra nação, ressaltando assim uma facilidade natural em aproximar extremos e encontrar sempre uma terceira via, um terceiro caminho, alternativo e acima do bem e do mal, do certo e do errado. (p. 77)

Jobim

(2006), por exemplo, discutindo

as representações de

nacionalidade, menciona que “[...] há processos históricos de subjetivação, redes de sentido que constituem a cultura pública em que ele se insere, e que estas redes são, também, formadoras de subjetividade” (p. 186). Citando Hans Ulrich Gumbrecht, fala-nos das duas posições possíveis ante à consideração das identidades: uma “construtivista”, sujeita à historicidade, e uma “ontológica”, essencialista. Como considerar pertinente, ainda, a ideia de essência neste mundo em que laços entre nós se liquefazem? Em que vidas virtuais secundarizam o presencial? Foucault (1999b) é taxativo: “A idéia de uma ‘antropologia psicanalítica’, a idéia de uma ‘natureza humana’ restituída pela etnologia não passam de pretensões piegas” (p. 525).

36

Carvalho (1985), lucidamente, elucida a questão: “[...] as sociedades seriam portadoras de uma heterocultura fundada nas bases polares da tradição e da modernidade, ambas eternas e inevitáveis, constituintes do planetário das diferenças” (p. 15). Dia & Noite não existem, apenas tais nominações por nós estabelecidas. Nascemos à revelia. O viver, pois, é um contínuo itinerar diante das únicas certezas plausíveis: houve um antes e há um depois que jaz neste momento que não mais é. Quer seja, portanto, em uma filosofia do sujeito fundante, quer em uma filosofia da experiência originária ou em uma filosofia da mediação universal, o discurso nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura, no segundo, de troca, no terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura não jamais põem em jogo senão os signos. O discurso se anula, assim, em sua realidade, colocando-se na ordem do significante. (FOUCAULT, 2012, p. 46-7)

Tal constatação se fez tácita pois nem sempre ribáltica. Isso em mim, em você, em nós – laços que nos enredam, [...] as identidades coletivas terão de se direcionar objetivamente para um futuro contingente e projetar conteúdos simbólicos que manipulem a tradição cultural com base nas novas exigências e desafios postos em prática pelo processo histórico. (CARVALHO, 1985, p. 20)

Pinsky (1993a), à guisa de falar dos fundamentalismos religiosos, nos diz muito sobre fundamentalismos outros – sociais, culturais, ideológicos, epistemológicos: “A pessoa a quem a verdade se ‘revelou’ acaba assumindo a atitude de pregar a sua verdade como universal, ou mesmo impô-la, se tiver condições políticas para tanto” (p. 62). Eis a potência da forja de substratos para as identidades – e suas diferenças, contrastivas. O que paira, ainda, é a dúvida: quando começamos a nos chamar de brasileiros? Quando nos macunaimizamos (rapsodiando as “raças” que aqui intercursaram)? Segundo Bueno (1998), [...] a partir de 1525, quando os europeus começaram a desembarcar com mais freqüência no Brasil, encontraram uma galeria de personagens enigmáticos. Eram homens brancos que viviam entre os nativos: alguns tinham sobrevivido ao naufrágio de seus navios, outros haviam desertado. Muitos haviam cometido algum crime em Portugal e foram condenados ao degredo no Brasil, outros tiveram a audácia de discordar de seus capitães e acabaram desterrados. Vários estavam casados com as filhas dos principais chefes indígenas, exerciam papel preponderante na tribo, conheciam suas trilhas, usos e costumes, e intermediavam as negociações entre várias nações indígenas e os representantes de potências européias. Sua presença em pontos estratégicos do litoral seria decisiva para os rumos do futuro país. (p. 7)

37

Miscigenação ou afinização? Nesses seus primeiros 30 anos de existência, esse “futuro país” já configurava uma nação? Um Estado? Bueno (1998) insiste: “[...] durante as três décadas esquecidas, o Brasil adquiriu seu nome, ajudou a batizar a América e serviu de modelo para A utopia, de Thomas Morus” (p. 10). Uma fábula (rasa) das três raças? Raça Humana! Deglutição Antropofágica? Ração Humana! Fronteiras? Nação Humana! Esgrimindo argumentações fluentes e incisivamente apresentadas, Kujawski (2001) pode, por exemplo, nos dizer que “[...] o ‘homem cordial’, de Sérgio Buarque de Holanda, como diz a etimologia (cor, cordis), é o homem guiado exclusivamente pelos impulsos do coração” (p. 54) mas também pode “explicar” o que isso implica: “Ele é avesso às normas, à hierarquia e ao ritualismo social, e também aos valores abstratos, tais como o dever, o direito, o bem e o mal” (p. 54). Macunaíma socioantropologizado, o “homem cordial” seria a faceta do brasileiro que domina como poucos a arte da plasticidade, “[...] esse impressionante sincretismo típico do brasileiro, sua facilidade para o amálgama e a fusão de elementos diversos e até contraditórios” (KUJAWSKI, 2001, p. 55), segundo menção a Roberto DaMatta. Afirmando que “A assim chamada ‘identidade’ de um povo não passa de um exagero retórico, uma figura de linguagem” (p. 56), Kujawski (2001) pleiteia o uso de “mesmidade”, já que “[...] um povo está sempre mudando, sem deixar de ser ele mesmo” (p. 56).

2.2. CosmoPolítica das Nações A história dos povos repete seguidamente a lição nunca aprendida de que os grupos humanos não hostilizam e não dominam o “outro povo” porque ele é diferente. Na verdade, tornam-no diferente para fazê-lo inimigo. Para vencê-lo e subjugá-lo em nome da razão de ele ser perversamente diferente e precisar ser tornado igual: “civilizado”. (BRANDÃO, 1986, p. 8)

A existência de uma vida pública caracterizaria um Estado moderno e caracterizaria,

precipuamente

(por

sua

disposição

conformacional),

uma

nacionalidade, um jeito de ser público (não no sentido de espectador mas no de protagonista na ágora). A intelectualidade (em sua acepção genericamente abrangente) assim se fez/faz presente, mediante “[...] contribuição das idéias

38

impressas, em obras de gêneros os mais diversos, para a consolidação de certos temas recorrentes no pensamento da história do Brasil” (LAVALLE, 2004, p. 30). É ainda Lavalle (2004, p. 40) quem enfatiza que [...] a organização política do Estado e a edificação nacional foram, por excelência, o desafio político e intelectual do oitocentos no país – como de resto no conjunto da América Latina.

E assim, mais impelido que movente, tal qual nos hibridizamos a partir das matrizes culturais indígena, africana e ibérica, sem que a referida intelligentsia se consolidasse enquanto alter-ego de uma nação, de um coletivo (mais que de um território), tentarei refletir (correndo o risco de contemporizar) sobre [...] revelar a lógica subjacente às primeiras estratégias presentes na produção cultural brasileira, resultantes da formação a partir de múltiplas matrizes e da posição ocupada pelo campo intelectual em relação ao campo do poder, nas relações assimétricas que transparecem no jogo das designações que o mesmo e o outro reciprocamente se atribuem. (MADEIRA e VELOSO, 2001a, p. 12)

Uma teia de significações (mediada por linguagem semioticamente comum) enredaria as coletividades partilhantes de um locus que teriam agenciado uma instância – o Estado – para normalização de suas relações (intrínsecas e extrínsecas, centrípetas e centrífugas). Essa vida societária, pois, pautar-se-ia por tal “[...] núcleo altamente estilizado de determinações culturais e psicológicas profundas (familismo, cordialidade, privatismo ou incivilidade, por exemplo), que além de constituírem o âmago da identidade nacional, transbordam-na fundando e modelando o espaço público” (LAVALLE, 2004, p. 63-4). Nesses ou noutros termos, vamos configurando o visualizar de um ser brasileiro. Mesmo após nossa independência, em 1822, “A ampla maioria da população livre não tinha qualquer identificação com uma unidade territorial mais ampla que os domínios de um potentado rural” (REIS, 1988, p. 191). E já na segunda metade do século XX pode-se dizer que “[...] a antecipação dos direitos sociais relativamente aos direitos cívicos e políticos revigorava o mito da autoridade benevolente que conduz a sociedade para o progresso” (REIS, 1988, p. 198). Que dizer? Antes: que pensar? Antes: como pensar? Deduzir para induzir? Produzir para traduzir? Reduzir para abduzir? Seduzir para conduzir? Alinhavar e cerzir? O devir é uma narrativa: cosida ou cozida? Almeida (2008, p. 46) comparece para aduzir:

39

Todo escritor de gênio engendra os seus antecessores num trabalho de perlaboração mimética e antropofágica. Fabrica-os. A capacidade mimética de invenção não é privilégio de nenhuma classe dominante, de nenhum discurso ou saber.

Esse narrar como devir ilumina-nos, segundo Hayden White (evocado por BOLLE, 2001, p. 169): “[...] a finalidade da narrativa – que lida com questões de lei, legitimidade e autoridade – consiste em formular julgamentos morais.” Cunha (2006, p. 14), por exemplo, nos instiga a perceber “[...] a força das determinações e das significações imaginárias na instituição do simbólico”, entendendo essas significações imaginárias não como constructos ficcionais ou delírios fantasiosos mas como eivadas da plasticidade sensível que acolhe os futuros porvires, latentes devires. Tais significações imaginárias, contextualizadas, são-nos apresentadas como “estampas originárias” do tecido Brasil, um “ter sido Brasil”. Perguntamo-nos sobre o assento de uma identidade nacional plasmada na história e perpassada pela cultura. Seria um mesmo Brasil aquele que processa, substrativamente, no dizer de Lavalle (2004, p. 118), “[...] a transição do predomínio do universo rural patriarcal – com suas práticas, valores e instituições – para a organização urbana, industrial e democrática do país”? Os laços, pois, que (re)unem pessoas que partilham imaginários sociais (e políticos) são tênues e ambíguos e voláteis mas a instituição Estado os torna ideologicamente estáveis e detentores de um nexo outrora reificado pelo patrimonialismo autonomista. Inspirado em Habermas – a consciência histórica forja e é forjada no processo contínuo do viver-aprendizagem –, Carvalho (1985) aponta a identidade como a demandada “[...] construção de uma memória social aberta, mesmo que fundada nas várias particularidades culturais mas que estivesse sempre atenta para a realização de um universo a ser realizado no futuro” (p. 21). Assim, incita-nos [...] à reivindicação coletiva de uma identidade emancipada da sincronia das situações particulares e dirigida para a possibilidade de transformação da sociedade como um todo, para novas totalizações sociais. (p. 22)

Trans-Formar uma massa fértil de presentes nos futuros a sorver – eis nossa possibilidade (mais que o desafio proposto por Darcy Ribeiro). O locus dialógico em que os “inéditos viáveis” podem (devem) aflorar seria, na compreensão habermasiana, o momentum da afirmação do ser como agente, no qual, “[…]

40

podendo analisar, discutir, problematizar o mundo da vida é que os indivíduos poderão se ‘descolonizar’ do sistema” (FIEDLER, 2006, p. 96). Poderia dizer que um “sou-somos” não se vincula a raízes mas a uma altertrofia que nos guia ao alter-nativo que assumiria a geração desse vir-a-ser desejado/desejante. No fluxo do viver tais devires está o gestar do que “queremos ser/devemos ser” (um renitente podemos). Gestação modulada pelas protagonices – próprias & alheias, politicamente culturais – intervenientes. Conceber com saber.

2.2.1. Brasil, Brasilidade Entendendo

Brasil/Brasilidade

como

campo

discursivo,

sou,

inevitavelmente, levado a compor um panorama em 3D expressivo e contundente ao mesmo tempo mutante e intercontextual, uma fênix fractal. Começando por palavras contemporâneas, “[...] a ‘identidade nacional’ implica a existência de vínculos morais e a adesão a um sentido histórico herdado e voluntariamente compartilhado” (LAVALLE, 2004, p. 45). Como não vivo de lemas, tentarei [...] compreender como os sistemas de pensamento e os códigos estéticos elaborados nas metrópoles são reapropriados nas colônias, como a recepção de idéias e tendências não é mecânica, e, sim, seletiva e pragmática, revelando os graus diferenciados de consciência crítica da intelligentsia formada a partir de uma posição colonial. (Madeira e Veloso, 2001a, p. 10)

Como seríamos brasileiros? Que Brasilidade pressupõe o viver esse/este Brasil? Há brasileiros mais brasileiros que outros brasileiros? Meu ser brasileiro é idêntico aos demais jeitos de se ser brasileiro? Como uma identidade engloba as outridades com as quais partilhamos uma nacionalidade? E, afinal, precisamos, mesmo, de uma nacionalidade? Como nos afirmam Madeira e Veloso (2001a, p. 13), “Identidade e alteridade constituem um par produtivo na permanente e obsessiva tarefa de construir a nação”. Considerando a emergência de um Estado sobre um território que congrega pessoas compartilhando uma Língua que medeia as inumeráveis interações criativas-criadoras da cultura daquele próprio espaço-tempo (continuum), devo perguntar: que povo é esse que se diz diferenciado e se reconhece como substrato e continente de algo temerariamente designado como uma nação chamada Brasil?

41

Lucas (2002a, p. 151) diz: “A originalidade do caso brasileiro consiste na prematura formação de um caráter de brasilidade, que se pode considerar difuso, embora patente e irreversível”. Mello-e-Souza (2008), por outro lado, em semiexegese de Oliveira Lima, entende que “[...] sem o mestiço não poderia haver jamais um sentido de Nação” (p. 45), nação essa conformada pelo Estado-Monarquia: O Brasil original da natureza exuberante e das múltiplas raças será estudado, pintado, relatado, cantado, enfim, celebrado e – por que não? – inventado pelos artistas e intelectuais agindo pela mão condutora e benévola do estadista-imperador. (p. 86)

Não seria improcedente, pois, citar DaMatta (1988, p. 208): “O Brasil tem sido caracterizado como a sociedade do know-who, em oposição à nação do know-how”. Uma identidade contrastiva a suportar essa visão de nacionalidade – a brasileira. Ou, pelo menos, a visão do que seja ser brasileiro (condição de indivíduo). Chamando-nos a atenção para as dicotomias nação-sociedade, indivíduo-pessoa e societas-universitas, DaMatta enfatiza que [...] o que é bom para o indivíduo (regras impessoais, igualdade diante das leis, imparcialidade no estilo de governo, supressão dos vínculos de patronagem, nepotismo e outros) normalmente é terrível para a ética da pessoa, cuja existência social e modo de condução política se baseiam precisamente na presença de um código de lealdades e laços pessoais. (p. 210)

O Brasil foi construído ou construiu-se? O brasileiro foi forjado ou estilou-se por si mesmo? A Brasilidade foi-nos elaborada ou a sincretizamos? Foi donativo do colonizador? Veio do nativo? É ainda DaMatta quem nos instiga: “[...] o Brasil sempre reteve o pior do mundo ibérico (‘burocracia aristocrática’ associada com personalismo) em combinação com o pior do capitalismo (sua impessoalidade fria e ‘alienante’ e seu apetite pelo dinheiro)” (1988, p. 217, nota 17). E vaticina: A “sociedade” é hierárquica e holística, a “nação” é igualitária e individualista. Nação e sociedade encontram-se raramente juntas e muitas vezes são usadas uma contra a outra. (DAMATTA, 1988, p. 217, nota 17)

Madeira e Veloso (2001b, p. 135), inventariando a contribuição de Caio Prado Júnior à form(ul)ação do Brasil, nos dizem que O complexo patriarcal e rural de nossas primeiras formações sociais reforçou as relações de caráter familiar e privado e um modelo de individualismo personalista que resistem à neutralidade das leis gerais e dificultam a construção de um espaço impessoal a partir do qual se possa organizar a vida pública e uma comunidade propriamente política.

42

Bolle (2001), ao “[...] descrever a construção do discurso de Guimarães Rosa sobre o Brasil” (p. 166), em Grande Sertão: Veredas (1956), aponta que [...] o romance de Guimarães Rosa proporciona o mais fascinante insight dentro da máquina do poder e da mentalidade dos subalternos, com os meios de um narrador dotado de uma prodigiosa capacidade de percepção, invenção e potência linguística. (p. 165)

Brasil brasileiro parido mas ainda no bojo puerpérico; maturo mas ainda pleno de seres-tronco (plenipotenciários); a penas tentando viabilizar que as possibilidades sejam probabilidades. Acessíveis a todos. Definidas por todos. Escolhidas por todos. Sem imposições. Ou reposições prometeicas. Apenas fênix sem Sísifo. A ideia made in Brazil de uma nação brasileira mobilizadora das energias das pessoas e proporcionadora de um orgulho próprio raiando o ufanismo peregrina por nossa história. Os processos de subjetivação que nos legaram o homo braziliensis se mantêm ativos, inclusive conjugando sistematicamente o verbo fetichizar. Entre o dado (a visão edênica) e o almejado (a integração econômica ao circuito imperialista), sinto que há muitas coxias para pouca berlinda. De fato, vimos que com o “princípio da nacionalidade”, a “idéia nacional” e a “questão nacional”, o poder político constrói o semióforo “nação” na disputa com outros poderes: os partidos políticos (sobretudo os de esquerda), a religião (ou as igrejas) e o mercado (ou o poder econômico privado). (CHAUÍ, 2006, p. 45)

2.2.2. Estado, Nação e Estado-Nação

Déloye (2002), analisando livros escolares franceses republicanistas do final do século XIX, pondera: “É o conhecimento mútuo pelo conjunto dos cidadãos de uma pertinência a uma comunidade de valores que funda a integração nacional [...] um processo voluntário de identificação e de orientação de sua ação” (p. 103). Nos termos do plebiscito diário de Ernest Renan, busca-se legitimar essa contínua idade do ser nacional. Plebiscito que pauta as questões conjunturalmente estruturantes da permanência desse “continuar sendo”. Bourdieu (2014e, p. 488), francês, nos fala sobre “[...] o trabalho coletivo de construção pelo qual o Estado faz a nação, isto é, o trabalho de construção e de imposição de princípios de visão e de divisão comuns [...]”. Já havia

43

reiterado que “Os Estados-nações constituíram-se de acordo com processos do mesmo tipo, por uma espécie de construção artificial de uma cultura artificial” (2014a, p. 219). Eis, pois, a imaginação a serviço da razão. E a razão a serviço da dominação. Entre relativizar e dogmatizar afirmações como “[...] o patriarcalismo teria sido condição sine qua non para a ‘formação do Brasil’” (LAVALLE, 2004, p. 53), assistimos, ainda hoje, a uma frondosa reflexão multidimensional sobre não só as raízes, os alicerces do ser brasileiro mas também sobre suas peculiaridades e idiossincrasias. O Estado-Nação como simbiose expressa numa vida pública vitalizada como “... trama de interações cimentadas por laços morais e vínculos orgânicos com densidade institucional estável” (LAVALLE, 2004, p. 59) demanda, pois, que seus “cidadãos” se reconheçam identitariamente convivas. Sinto-me equilibrado, nesta reflexão, apenas quando articulo as concepções de Estado e Nação como fundantes de um ethos público emulante de uma ágora plena de indivíduos-agentes. Nossa Brasilidade se originaria nestas relações

interagenciadas,

que

intercambiam

significações

e

ressignificam

contingências pretensamente normalizadoras. No entanto, Lavalle (2004, p. 100) nos traz outra versão para melhor compreendermos a dinâmica processual de constituição do Brasil que nos integra: a Brasilidade, atrelada ao mito de origem da nação e da identidade nacional, seria o avesso desse ethos público, ethos aqui sorrateiramente traduzindo uma sociabilidade pautada pela “[...] absorção do mundo das relações impessoais dentro da teia hierárquica das relações privadas [...]”. Bauman (2004, p. 153) nos lembra que A nudez da criança recém-nascida, mas ainda não envolta nos ornamentos jurídico-legais, fornece o locus em que a soberania do poder de Estado é perpetuamente construída, reconstruída e assistida com o auxílio das práticas de inclusão/exclusão destinadas a todos os outros demandantes da cidadania que caem sob o alcance dessa soberania.

Reis (1988, p. 188) salienta que “As construções do Estado e da nação dizem respeito a processos dinâmicos que interagem continuamente com as práticas concretas de classes e grupos com as quais desempenham um jogo de influências mútuas”, pois, “Enquanto realidade construída, a nação provê a reconciliação ideológica entre dominação burocrática e solidariedade social” (p. 189). E citando Louis Dumont, Reis nos assevera que “[...] a nação constitui ao mesmo tempo uma coleção de indivíduos e um indivíduo coletivo” (p. 189).

44

A nação prefigurada se identifica pela força da tradição, ao passo que o Estado se arvora numa identidade matreiramente conveniente. A identidade nacional seria um conceito imaginado – uma artesania útil para unificar polos de poder num horizonte panorâmico. A cultura, antes extravasamento da singularidade dos povos conviventes em mosaicos de close-ups, se torna mero inventário de características distintivas. Lavalle (2004, p. 132) enumera algumas expressões mistificadoras dessa suposta demanda por algo que nos conjuntifica: “Caráter nacional, cultura brasileira, tipo social, personalidade média, alma do povo, consciência nacional, ethos brasileiro, temperamento coletivo, psicologia do brasileiro, vocação nacional”. O engendramento de uma identidade nacional se processa a partir de uma conveniência: conformar os indivíduos “formando-os” como unidades de um todo homogêneo e coeso. Por que negar, combater, discriminar os diferentes? Por que esses diferentes não compõem o TODO homogeneizado? Por que precisamos ser essencialmente algo, alguém? Por que nosso ninguém coringa não pode ser qualquer-um? Porque o Estado é provedor do capitalismo de plantão... [...] a consciência nacional é consciência da identidade nacional, da forma e figura que imprimem caráter a um povo. (KUJAWSKI, 2005, p. 11)

Importante, entendo eu, prestar atenção a outras derivações desta nossa reflexão. Schiller e Fouron (2000), neste caso, afirmam, em suas análises, que [...] o nacionalismo é uma forma de identidade racial. A identidade nacional é um conceito marcado pela raça no sentido em que se considera que as diferenças humanas têm por base uma variação biológica que se manifesta em aspectos físicos diferentes. (p. 42)

Ressaltam que A unidade conferida pelo mesmo sangue dentro de uma nação permitia encobrir as diferenças de interesses de capitalistas e trabalhadores na exploração estruturada que foi rotulada de economia nacional, unindo-os contra outros Estados na luta pelo poder. (SCHILLER e FOURON, 2000, p. 46)

E concluem que “[…] temos de adotar uma posição crítica em relação às tentativas de circunscrever a nossa imaginação a uma linguagem de sangue e nação” (SCHILLER e FOURON, 2000, p. 67).

45

O que me leva a pressupor que, exitante, o conceito imaginado de nação moldou (pró ou contra o que se tinha ou não tinha, o que se almejava ou não se desejava) a vida das pessoas neste mundo. Erigiu a identidade nacional, que disciplina o civismo compulsório. Compulsivo. Pois “A intenção dos articuladores da organização nacional era impor um novo marco de organização e funcionamento social” (GIL, 2001, p. 21). É ainda Gil (2001), nas ponderações que elenca como subsídios ao entendimento a que se propõe, quem nos guia pelo itinerário breve de uma reflexão sobre essa gênese do Estado-Nação: recorda que Rousseau é quem estabelece o alicerce de que há um contrato político (tácito) entre os indivíduos que se sentem viver em sociedade e que Herder nos diz que “[...] a nação é um conjunto de indivíduos que tem tradições comuns, uma língua comum, uma história comum que lhes permite formar uma comunidade nacional distinta” (p. 27). Distinta de outras comunidades nacionais, portanto. Melhor por ser a que se é. Mas radicalmente fundada na premissa de que “Cada nação para Herder seria a ‘encarnação de uma cultura dada’” (p. 27). Assim, o Estado estaria a serviço dessa específica nação. O contrário de dizer que o Estado “cria” a nação que o justifica. Quando um certo futuro almejado exige que se crie um passado conveniente com esse propósito. Futuro configurado a partir da correlação de forças do presente. De cada presente. Max Weber, segundo Gil (2001, p. 29), pensaria a nacionalidade mais detalhadamente, em uma acepção politicamente holística: O conceito de nação, para Weber, se refere ao poder político e o “nacional” é um tipo especial de pathos que, num grupo humano unido por uma comunidade de linguagem, de religião, de costumes ou de destino, se vincula à ideia de uma organização política própria, já existente ou a que se aspira e quanto mais se carrega o acento sobre a idéia de “poder”, tanto mais específico resulta esse sentimento patético.

Na esteira da compreensão de Benedict Anderson (indivíduos que se unem pelo sentimento de camaradagem), Gil (2001) pontua que o “caso Europa” se apresenta como fruto de interações entre “[...] um modo de produção que se tornava dominante (o capitalismo), uma tecnologia de comunicações (a imprensa) e a diversidade lingüística européia” (p. 30).

46

Esclarecendo as diferenças entre França e Alemanha, nesse processo histórico de unificação de Estados-nação pertinentes, Gil (2001, p. 31) apresenta as concepções que cada um desses “países” acolheu: Temos, por um lado, uma concepção de nação como o lugar da vontade através, por exemplo, do plebiscito de todos os dias de Renan e, por outro lado, uma concepção de nação como algo hereditário, definido pela herança cultural e sangüínea.

Ernest Gellner, entretanto (entre tantos?), consideraria o Estado-nação como a única possibilidade viável (democrática) de organização política no horizonte de

sociedades

industrializadas.

Para

Gellner,

“A

questão

nacional

seria

conseqüência, portanto, da necessidade de racionalidade inerente às sociedades industriais” (GIL, 2001, p. 31). Mas... e o Estado? Terá sido, mesmo, uma boa invenção? “Ao Estado cabe administrar as contradições e tornar a Nação viável. Respeito aos pobres, aos velhos à educação e à saúde não é mais uma questão de generosidade das elites, mas de sobrevivência da nação” (PINSKY, 1993b, p. 25). Nação com N em maiúscula

(mesmo

sucedendo

hífen).

Mediadora

das

desigualdades,

das

subalternizações. Uma Nação distinta, merecedora de sacrifícios ofertáveis pelo “povo” – afinal, “brasileiro”. Propondo-se outro objetivo, Avritzer e Costa (2006), sobre a conceitualística de Jürgen Habermas, ponderam que “À construção institucional do Estado-nação corresponde, portanto, no plano cultural, a formação das esferas públicas nacionais, no interior das quais são produzidos e reproduzidos os signos identitários que definem a nação” (p. 67). E prosseguem, salientando que “[...] a esfera pública constitui a arena viva e dinâmica na qual tem lugar um permanente processo de construção, desconstrução e reconstrução discursiva e simbólica da nação” (p. 67). Por outro lado – e agora sobre a conceitualística de Homi Bhabha -, Avritzer e Costa (2006) complementam: A ação pedagógica toma a comunidade nacional como objeto dos discursos que enfatizam a origem comum e os laços supostamente primordiais que unem os diferentes membros da nação. Por meio da ação performativa, os símbolos nacionais são atualizados e reinterpretados, fazendo com que os membros da nação se tornem assim sujeitos da reposição viva e permanente do que se acredita ser o destino comum da comunidade nacional. (p. 67)

47

Subsidiando sua análise sobre um certo contexto da Colômbia, Mann (2006) assevera que o maior desafio para a América Latina ainda “É como incorporar suas diversificadas populações a uma genuína cidadania nacional, que sustente Estados com infra-estruturas poderosas, que possam tornar-se plenamente democráticos” (p. 190). Fazendo da genealogia dos Estados nacionais europeus um contraponto, Mann (2006), mordaz, salienta que “[...] foi através da opressão e dos assassinatos que se desenvolveu um sentido comum de nacionalidade” (p. 168). Debatedor de uma suposta crise do Estado-nação e adepto da ideia de articulações espiralmente dialéticas no processo de (re)configurações dessa dimensão do poder e da política, Carvalho (2003) afirma que “[...] o que virá será, como sempre, influenciado pelo que foi” (p. 397). Citando Ernest Renan, Carvalho (2003) alinha: “Esquecer e reescrever a história geralmente envolve a criação de memórias e heróis nacionais, símbolos, alegorias, mitos e rituais” (p. 398). Sistematizando essa sua abordagem, Carvalho (2003, p. 398) conclui que A criação de uma memória nacional, de mitos e de heróis ajuda as nações a desenvolver uma unidade de sentimentos e de propósito, a organizar o passado, a tornar o presente inteligível e a encarar o futuro.

E nos lembra, enfocando o Brasil, que A história fala de conquista com genocídio dos índios, seguida de colonização com escravidão africana. Daí viemos, em cima disso foram construídos os alicerces de nossa sociedade. (p. 401)

2.2.3. Lusitania e nativismo Pergunto-me se uma construção discursiva explicitada como “... definir a identidade nacional como elemento unificador do território e apontar para a construção dessa identidade como processo civilizador, insuflando o orgulho patriótico” (LAVALLE, 2004, p. 75) suporta a criação cultural de nosso brasileiro “com muito orgulho, com muito amor”. Ser ou Nascer Brasileiro: eis a questão? De que maneira reconheceríamos a Brasilidade como constructo interagenciado diacronicamente? Lavalle (2004, p. 190, nota 16) afirma que “A reapropriação estabelece relações de descontinuidade e continuidade que animam a renovação do pensamento”.

48

O ser nacional parece-me constrangido a ser cidadão mais que ser um ser. A fisiologia do corpo social se expressa na tensão do instituído com o instituinte: nem 8 nem 80 – apenas 88. O “vitorioso” se impõe mas não é replicado: “[...] onde, na formação da população, predominou a mestiçagem, com forte presença do ventre indígena, como é o caso do Brasil, o ‘civilizador’ branco e católico aparece na memória coletiva mais como bandido do que como herói” (MEDINA, 2008, p. 83). O viés metropolitano de nossa ascendência carregou na bagagem uma profusão de estereótipos e agiu para que estes fossem alçados à condição de arquétipos constituintes do horizonte do grande império português. A este além-mar caberia a coadjuvância, jamais o protagonismo. Uma estratigrafia epistemológica, contudo, nos permite distinguir a diversidade de camadas interpretativas dos significados da interação cotidiana cá na Terra (ainda não) Brasilis padecendo sob o jugo da colonialidade. Na ausência, então, de uma intelligentsia nativa, nosso olhar se debruça sobre as leituras das leituras que foram feitas à época: navegadores, viajantes, reinóis, missionários. E justaponho a elas a leitura de Darcy Ribeiro, sobre a qual justaponho outras tantas leituras (estas, mais recentes, ainda “atuais”). Esse porvir da Casa de Avis deparou-se com o deglutir do tupi-guarani e nosso devir, então, imbricou-se já nesse chegar, nesse encontro – nesse embate. A Brasilidade a que alude Darcy Ribeiro é uma construção dentre outras e seu fatorgênese, a miscigenação, mais que categoria analítica, é texto a ser semiotizado. Madeira e Veloso (2001c, p. 30) já nos haviam esclarecido de que “Os períodos históricos são feitos de camadas de narrativas que, superpostas e permeáveis, estão sempre sujeitas a leituras e a releituras”. No portfólio de nossos pensadores pátrios há um eminente intelectual no início do século XX, Oliveira Vianna, que imprimiu uma daquelas “estampas originárias” ao discutir os alicerces de um edifício Brasil continental e multiverso. Bresciani (1998, p. 29) nos situa em relação aos liames que engendraram o papel desempenhado por Oliveira Vianna no debate público, papel urdido na matriz autoritária e centralizadora: A imagem de um país desencontrado consigo mesmo vem carregada de forte apelo emocional em sua busca de identidade, e mais, das “raízes de nosso povo e da nação” a ser formada pela mão forte dos líderes políticos de um Estado autoritário. Mito e utopia cruzam-se no discurso que reivindica a neutralidade da ciência e a objetividade dos fatos, mas que recorre à troca afetiva entre cidadãos criando símbolos da brasilidade e manifestações coletivas do “sentir-se brasileiro”.

49

A mística da “causa” gerando o “efeito” – essa obsessão teleológica – sempre foi um graal buscado na história da epistemologia. E isso mesmo depois de Werner Heisenberg nos apresentar ao Princípio da Incerteza e à quântica! Em que alavanca, pois, apoia Oliveira Vianna suas teses? A cientificidade da noção de determinação constitui o cerne de sua teoria sobre a diferença constitutiva das identidades nacionais. Essa determinação, estruturada por três variáveis (a raça, o meio físico e social e a história), confere a base sobre a qual se modelam as características de um povo, caráter e mentalidade, que o torna uma realidade particular inconfundível, confere-lhe identidade própria, personalidade coletiva que o projeta e singulariza entre os outros povos. (BRESCIANI, 1998, p. 43-4)

Maciel (2007) nos presenteia com uma apreciação do pensamento de alguns expoentes de nossa história e de suas intervenções nos contextos em que viveram para construir esse Brasil-Nação ‘gigante pela própria natureza’. Localizando no “Dia do Fico” (9 de janeiro de 1822) a irrupção do discurso próseparação da metrópole, diz-nos que “[...] a união entre o Estado, simbolizado na pessoa de D. Pedro, os povos regidos por ele e o território que os abriga está selada pela vontade divina, fundando assim um imaginário nacional mágico [...]” (p. 27). Das estirpes iluministas, José Bonifácio de Andrada e Silva ostentava a convicção de que “[...] a composição do todo Brasil deve-se em primeira instância à hospitalidade dos povos residentes aqui” (MACIEL, 2007, p. 28). Ele (Bonifácio) “[...] não percebe brancos, índios e negros como sendo o mesmo tipo de gente, e almeja conciliar seus interesses em uma só nação” (p. 35), essa ideia-expressão da necessidade de se instilar uma solidariedade que proporcionasse a sensação de não se estar a sós, podemos contar com o outro, nosso semelhante... Joaquim Nabuco, segundo Maciel (2007, p. 44), insinuaria que [...] a Independência não foi para todos: foi apenas para os brasileiros, dos quais os negros eram aliados de coração, como se a independência política fosse o início da construção de um processo de liberdade social para todos.

A Nação-Ideal não conferia com a Nação-Real... Havendo necessidade, então, de se diferenciar do velho regime (dinastia divinizada), fez-se a luz: um algo a nos amalgamar, a nos irmanar – a partilha de nosso lugar comum. Nossas tradições, costumes. Um algo, enfim, que “justifique” um poder centralizado sobre um território delimitado. Ao que Gil (2001), comentando esse momento de eclosão dos fatos ligados à unificação territorial e poder centralizado na Europa, invectiva:

50

Uma das preocupações centrais dos novos Estados que surgiam era fazer com que os seus cidadãos internalizassem um comportamento de lealdade, desta forma era assegurado o surgimento de um Estado-nação. (p. 26)

Ao poder teológico-político entranhado, acopla-se o poder econômico exalado pelas burguesias (termo ainda atual). O processo de subjetivação adquire contornos maquiavélicos submetendo povos a desígnios malsãos que exaurem a vitalidade da autodeterminação desses povos, extraem-lhes a viabilidade da libertária homofania (o super-homem de Nietzsche, diria). Homofanias vicárias, vicariamente simbióticas. Ao que Mansilla (2000) comenta: La búsqueda de una última (o primera) esencia que otorgue características indelebles y simultáneamente únicas a una sociedad es un afán inútil, pero este tipo de ejercício intelectual no debe su popularidad y reiteración a argumentos lógicos, sino a un designio que se halla en las capas más profundas de la consciencia individual y colectiva: al propósito perseverante por conseguir y mantener algo estable, algo que dé sentido a las otras actividades humanas, incluidas, en primer término, las exegéticas, algo que no sea relativo, sino que contribuya como fundamento perdurable a establecer derroteros claros y objetivos indubitables. [...] Pocos son los que pueden vivir en una atmosfera donde todo es materia de controversia; en lugar de la incomodidad cotidiana que conlleva el espíritu crítico, la mayoria de los mortales y de los grupos sociales, prefiere el yugo de las certidumbres y las convicciones, aunque éstas sean, en el fondo, ideologias justificatorias que no resisten un examen desapasionado. (p. 23-4)

Fazendo coro a ele, Bernd (2000) expira o alento de que [...] a uma era de oposições binárias, de essencialismos e de culto à pureza, que parece ter caracterizado a modernidade, siga-se outra marcada por heterogeneidades, polifonias e cruzamentos em que a recuperação identitária estaria mais atenta à recuperação de traços, vestígios, fragmentos e de vozes que permaneceram até então inaudíveis (como a do negro, do índio, das mulheres, etc.), do que à recuperação e ao registro das vozes legitimadas e oficiais. (p. 134)

2.3. Povo(s) Brasileiro(s): Ser(es)-Tronco [...] quero me dedicar a criar confusões de prosódias E uma profusão de paródias [..] A língua é minha pátria E eu não tenho pátria, tenho mátria E quero frátria Poesia concreta, prosa caótica Ótica futura Samba-rap, chic-left com banana [..] (“Língua” in “Velô”, CAETANO VELOSO, 1984)

51

Na ânsia de ser, o brasileiro não era. Não era dos reinóis, mesmo lusonativo. E não foi índio pois índio já era outra pessoa. E não foi africano, mesmo assumindo a negritude (negra atitude de refundar-se nestas plagas). O “ser brasileiro” foi/é outra identidade. De uma brasindianidade, a brasilianidade se fez brasilidade – i(denti)dade do Brasil. O gentílico se implanta quando se torna necessário denominar diferencialmente os primeiros núcleos neobrasileiros, formados sobretudo de brasilíndios e afro-brasileiros, quando começou a plasmar-se a configuração histórico-cultural nova, que envolveu seus componentes em um mundo não apenas diferente, mas oposto ao do índio, ao do português e ao do negro. (RIBEIRO, 2011, p. 114)

A(s) Brasilidade(s), então, residiria(m), mesmo, na “[...] sedimentação secular cristalizada na cultura e no caráter nacionais” (LAVALLE, 2004, p. 168)? De que ser português, ibérico, falamos quando o inserimos em nosso ser brasileiro? De que ser negro, africano, falamos? De que índio, etnia, falamos? Nesse mural exarando tal mosaico há assinatura datada? Poderíamos

recompô-lo

caleidoscopicamente

sem

assinaturas

datadas? Precisamos do suporte conceitual de uma identidade nacional para nos projetarmos para a vida? Por que buscar o que nos assemelha ao invés de expor o que nos diferencia? Brado pela substituição do MDC – Máximo Denominador Comum pelo MMC – Mínimo Múltiplo Comum! Releiamos um de nossos textos fundantes - a Carta de Pero Vaz de Caminha a El Rey D. Manuel (que não é má temática). Ela nos traria, reiteradamente, o “mapa da mina”: os nativos não cultivam chefias, lideranças, poder. Pois seria nas “Máquinas textuais de diferenciação” (CUNHA, 2014, p. 12930) que deveríamos pensar, enfatizaria Silviano Santiago, se efetivamente nos interessa iluminar o caminho “imaginado”. Não havendo liderança entre os indígenas, cabe ao alienígena (branco, europeu, português) assumir o leme para a condução da tropicanau singrando a nós. Isso se fez com o auxílio luxuoso das elites letradas, dos intelectuais que se assenhorearam da exclusividade de ocupação das ribaltas formadoras (de mentes), portadoras de voz. Silviano Santiago, evocado por Cunha (2014), desfia o “não vê-lo” (ao “outro”) praticado por tais adeptos da continuidade dominial do sistema colonial no pós-independência do Brasil.

52

Ei-los ativos, “máquinas textuais” naturalizando as diferenças que hierarquizam a nação gestada. Para desnudá-los, Santiago lhes aplica, na apreciação do obrar de cada um, a singularidade de um método diagnóstico: “O retrovisor, a anamnese e a perlaboração exibem a matriz produtora e a continuidade acintosa do lugar da liderança, da hierarquia, da violência constituinte” (CUNHA, 2014, p. 130). Nessa toada, penso ser inadmissível esmaecer “[...] a compreensão daquela que se acabou por se tornar a interpretação mais difundida do espaço público ao longo do século XX, cuja consolidação se encontra estreitamente vinculada à literatura dos anos 30” (LAVALLE, 2004, p. 19). O foro reflexivo de embates pró-normativos acerca do que seria uma vida brasileira vivida num Brasil de brasileiros historiciza-se na doxa composta “[...] do patriarcalismo, do familismo, do patrimonialismo, do personalismo, do agnatismo e da miríade de empecilhos privatistas consignados no pensamento político-social” (LAVALLE, 2004, p. 19). As vilas-feitorias, emulações da urbe metropolitana, já não podiam ser novas malocas mas não podiam deixar de se amalocar. As cristianices impostas eram contrabandeadas para as reminiscências de cultos afros em síncreses (re)criadoras. A sabedoria milenar se vulgarizava num contraponto à sabujice empolada dos que se arvoravam na autotransformação de burocratas lusos em burgocratas escusos. As análises sobre nossa constituição como povo e nação, país e Estado, configuram uma tradição de nossa intelectualidade. Nem sempre, todavia, congruentes, tais análises nos apontam algumas saliências recorrentes: [...] um passado de incivilidade incontida, na cultura política da dádiva, da tutela e do favor – isentas de qualquer vestígio de consciência cívica republicana -, na história lenta de um ethos “pré-moderno” [...] (LAVALLE, 2004, p. 22)

Identidade nacional, Brasilidade, nation-building: o ser brasileiro sempre foi uma aspiração (imaginada inspiração). Na medida em que transitávamos de colônia a império e república, entre democracias e ditaduras, esquecíamo-nos do pré-Brasil, onde nações vicejavam como homo sapiens “autóctones” há milênios. Pensamos sobre ideias retrospectivas para desejarmos ser insights de ideias prospectáveis no vindouro (um devir como porvir). É ainda Lavalle (2004, p. 68) quem nos assiste:

53

[...] as idéias de Bonifácio e de Martius, comprometidos com a miscigenação como alicerce da nação, apresentam-se exemplarmente como passíveis de reapropriação pela literatura do século XX empenhada na tentativa de equacionar o Ser Nacional.

Sem pretender genealogizar a [...] irrupção e permanência, no longo prazo, de horizontes de problemas que balizam a descontinuidade no sentido da reapropriação de certos temas continuamente invocados para identificar os traços da identidade nacional (LAVALLE, 2004, p. 72),

haja vista querer apenas revisitar algumas (sín)teses, almejo, sim, identificar substratos (mais que retóricos) argumentativos pró-etnificação da brasileiridade (alicerçada nas matrizes “autóctone” indígena e “alienígenas” portuguesa e africana). Como Ribeiro (2011, p. 118-9) sintetiza: Trata-se, em essência, de construir uma representação co-participada como uma nova entidade étnica com suficiente consistência cultural e social para torná-la viável para seus membros e reconhecível por estranhos pela singularidade dialetal de sua fala e por outras singularidades.

No processo de abrasileiramento destas “Índias Ocidentais”, percebo um esforço enorme em se (re)dimensionar o papel da Lusitania na conformação de nossa Brasilidade. Comentando uma certa continuidade entre o espírito português (cujo olhar vicejava no além-Tejo) e a identidade brasileira, Rodrigues (2014, p. 155) afirma que “A alegoria do bandeirantismo e do bandeirante evoca também a ideia do aventureirismo português herdado pelos brasileiros”. Uma indistinta Brasilidade teria se afirmado ainda antes da Independência (1822). Ao derivar tal raciocínio, Rodrigues assim se expressa: A existência pré-destinada do Brasil, conjugada à formação de uma raça mestiça, são os elementos simbólicos a que se recorre para explicar a unidade nacional e a integração territorial que distingue o Brasil das nações hispano-americanas. (2014, p. 158)

Se no princípio havia o verbo que se fez luz, hoje há armadilhas discursivas para obscurecer raciocínios cujo intento é o da compreensão do que se representa, se enuncia. Lucas (2002b, p. 29), por exemplo, assevera que “A nação brasileira, na medida em que se foi criando, incorporou a seu espírito processos civilizatórios trazidos pelos portugueses, inclusive a língua e a literatura”. E ratifica (p. 41): “A mescla dos negros aos índios e aos brancos foi considerável e dela se amalgamou a cultura mestiça que caracteriza a formação nacional brasileira”.

54

Não há, contudo, como considerar o “povo” uma totalidade homogênea em que a identidade implica ausência de tensões com outras alter-nativas. Sim, há “traços” (de caráter, de personalidade, fenotípicos) mais ou menos hegemônicos (ideologicamente geneticamente

inculcados transmitidos).

e

apreendidos,

Deveríamos,

então,

culturalmente pensar

em

assumidos, discernir

os

ingredientes que nos compõem, que nos dão substância, organicidade cidadã (e/ou cívica). Darcy Ribeiro, a quem credito visionariedade magnânima aliada a tempestividade pulsante, esclarece que “[...] desafio, muito diferente, é o nosso, de reinventar o humano, criando um novo gênero de gentes, diferentes de quantas haja” (2011, p. 409). Como abordar a logorreia plena de convicções de Darcy Ribeiro no plano de um anticanonismo, um paracanonismo, um transcanonismo afeto à Antropologia, arena de co-vivências? O Brasil e a Brasilidade (campo discursivo) permitem que o reprimido e o contraditório emerjam e refluam, se travestindo de explícito e consensuado em tensão dialética replicando as partículas de Heisenberg. Muitas são as dicotomias que enfeixaram as visões que a história nos proporcionou de nossa própria história: colônia-metrópole, arcaico-moderno, endógeno-exógeno

(nacional-estrangeiro),

popular-elite,

oral-letrado,

bárbaro-

civilizado, ruptura-continuidade, rural-urbano, agrário-industrial, tradicional-moderno, cosmologia-ciência,

identidade-diferenciação,

mestiço-puro,

público-privado,

subdesenvolvido-desenvolvido, plebeu-nobre, pagão-cristão. Dessa c(a)osmose brotou a singularidade que nos marcou/marca. Como isso se deu? Como isso foi registrado pela intelligentsia? Como esta contribuiu para que as coisas tivessem acontecido como aconteceram? Que regularidades e recorrências nos modelaram? Somos/fomos o prolongamento da Europa? Apenas decantamos o vinho nacional desse mosto ibérico? Ou houve processos pragmáticos de convívio e conquista para que o novo mundo se fizesse integrado ao “mundo” (o velho mundo)? Sim, nos integramos mediante um processo de acumulação de capital que alavancou a modernização da Europa (revolução industrial). Sim, o Brasil colonial (América portuguesa) como que pagou um resgate para se ver “livre”: predaram-nos recursos naturais e minerais, agrícolas e pecuários; impuseram-nos a escravidão (que tatuou nossas relações interpessoais e institucionais) e o latifúndio; nos catequisaram mas sem exemplos morais de retidão.

55

Quando surge o “ser brasileiro” enquanto discurso? Quem o engendra? A quem ele substancializa? Como o “brasileiro” incorpora esse discurso? O “ser brasileiro” é um discurso “brasileiro”? Em que contexto político e social tal discurso se origina e consolida? Como flui ao longo da história? Como se reveste de história? Como pleiteia historicidade? Como bordeja ideologia e cultura? Como, se discurso alienígena que (também) é, se autoctoniza? Como, se criação autóctone, se presta a certos interesses alienígenas? Para Darcy Ribeiro, conforme Ribeiro (2005), A nacionalidade entendida como sociedade politicamente constituída a partir de um patrimônio comum de lembranças e expectativas, como sentimento de pertencimento a um coletivo e adesão voluntária de cidadãos a uma identidade comum nunca houve no Brasil. (p. 21)

Para Darcy Ribeiro, por ele mesmo (RIBEIRO, 2011, p. 408), a mescla que nos faz/fez é “[...] a criatividade do aventureiro, a adaptabilidade de quem não é rígido mas flexível, a vitalidade de quem enfrenta, ousado, azares e fortunas, a originalidade dos indisciplinados”. Insistindo que “O brasileiro se cria pelo fato de fazer falarem os outros” (p. 20) e reiterando que “[...] o discursivo materializa o contato entre o ideológico e o linguístico” (p. 26), Orlandi (1990) nos alerta: não nos iludamos com o conteúdo ou a autoria de um texto – qualquer texto. Quais, enfim, as significações extrapoladas historicamente? Quais as inoculadas ideologicamente? Que sentidos perduraram? O que nos iguala a algum Outro? O que me diferencia do Outro? Que Outro não sou? Um Outro seu Eu? Outr’Eu? Kujawski me inquieta: “Tal como a vocação pessoal, a identidade não é inventada arbitrariamente, ela é descoberta em nós como nosso ‘si mesmo’, aquele que temos que ser, se não quisermos nos trair a nós mesmos” (2005, p. 12). Imagino, assim, que o ser brasileiro foi concebido naquele distante abril de 1500, quando lusoargonautas e tropica-nus se fecundaram. Comentando que a prática da mestiçagem não pode ser creditada à índole dos portugueses – já que a colonização portuguesa da Índia e da África não a praticou -, Tadei (2002, p. 3) infere que “[...] a mestiçagem que ocorreu em larga escala no Brasil deve ser analisada tendo em vista o projeto de colonização aqui desenvolvido pelos portugueses”. Ou seja: artimanha geopolítica de efetivação da conquista. A ser instilada no imaginário local mediante as já referidas “máquinas textuais de diferenciação”.

56

Ela (a miscigenação), portanto, tal qual um dispositivo de poder (conforme Michel Foucault, aponta Tadei), funcionaria como uma estrutura elementar do discurso pátrio, “[...] que determina nossa forma de pensar e falar sobre o Brasil e sobre o problema racial brasileiro” (p. 3). Em suma: [...] ele pode ser entendido como um conjunto de saberes e de estratégias de poder que atua sobre nossa identidade nacional, tendo por objetivo integrar e tornar dóceis as etnias que estão na raiz de nossa nacionalidade (no caso os indígenas do continente e os negros africanos). (TADEI, 2002, p. 3)

Em “O Brasil visto de fora”, Thomas Skidmore faz um inventário dos pensadores da identidade brasileira. Entre esses, Skidmore aprecia as obras de Darcy Ribeiro e Roberto DaMatta. Ainda que superficiais, tais apreciações nos situam em termos de compreender como nosso Brasil tem sido visto de fora. A essência do caráter brasileiro, segundo Da Matta, residia nas relações estruturais e em seus valores correspondentes ligados pela altamente hierarquizada sociedade portuguesa no início da Idade Moderna e na sua colônia escravagista americana. (SKIDMORE, 1994, p. 93)

Skidmore (1994) evoca o brado de Darcy Ribeiro por uma proatividade mais incisiva dos intelectuais brasileiros na denúncia das mazelas geradas pela espoliação colonial secular mas pouco elabora sobre a distinção que Ribeiro faz da miscigenação abordada por seus predecessores (fundada num corpus paracientífico europeu) da tese de contribuição das matrizes étnicas indígena, africana e europeia à configuração do ser brasileiro de hoje. Como Darcy Ribeiro, Da Matta percebia que a sociedade brasileira necessitava de mudanças urgentes, mas para ele a solução estava na adoção de valores mais igualitários, um processo bem mais profundo que apenas a mudança política. (SKIDMORE, 1994, p. 94)

Como adotar tais valores mais igualitários à revelia da política? Pois Bourdieu já nos reptou: “quem constrói os construtores?” Se aponho a Roberto DaMatta a pecha de um resignado (em termos dessa sua ideia de “sociedade relacional” como invariante – portanto, subalternizadora), o faço em termos de considerar que ele não toma tal constatação (a dita “sociedade relacional”, contraposta à “nação igualitária”) como um “ato-limite” (na denominação que encontramos em Freire, 2011), um momento histórico de superação ou subserviência. Assim, DaMatta abdicaria dx brasileirx como um(a) agente-devir pro(cri)ativx de “inéditos viáveis”.

57

Freire (2011, p. 130) evidencia que “[...] as ‘situações-limite’ implicam a existência daqueles a quem direta ou indiretamente ‘servem’ e daqueles a quem ‘negam’ e ‘freiam’“. E nos orienta: Para alcançar a meta da humanização, que não se consegue sem o desaparecimento da opressão desumanizante, é imprescindível a superação das “situações-limite” em que os homens se acham quase coisificados. (p. 131)

Eis onde percebo a atualidade “cívico”-libertária de Darcy Ribeiro: há nele (segundo o “leio”) a concepção de um brasileiro ressignificável – uma identidade mutatis mutandis, ávida por “inéditos viáveis” historicizados, dialógicos. Esse ser é um querer mais ser mais que um querer ser outro – que é um ser mais perante o outro, ser que menos era. Um inédito plenamente viável. Num espetáculo que não pode parar de estrear... Em que pese o silêncio da Academia a que foi relegado, Darcy Ribeiro é, homem de seu tempo, verbete de qualquer memorabilia da Antropologia exercitada no Brasil. Oliveira (2002), ao comentar o livro “Os Índios e a Civilização”, enfatiza que ele – o livro - “[...] deveria ser colocado dentro de um conjunto seleto de obras que constituem uma referência básica para o pensamento social brasileiro” (p. 406). Sobre seu autor, menciona que “[...] Darci é um exemplo de intelectual/ator, que associa teorias e pesquisas com ações políticas de transformação, ambas acompanhadas por um complexo e apaixonado discurso justificador” (p. 408-9). Oliveira (2002) salienta que o conceito-chave que Darcy Ribeiro utiliza nesse livro, a transfiguração étnica, “[...] (à diferença da integração) não constitui um estado, mas sim um processo” (p. 414). Pontuando inconsistências no arcabouço analítico-conceitual de Ribeiro, Oliveira (2002, p. 421) ressalta que Se na conjuntura atual o diagnóstico de Darci sobre o problema indígena exige grandes modificações e sua proposta de ação indigenista perdeu a utilidade, o mesmo não se pode dizer de seu gigantesco esforço na reunião e sistematização de dados, bem como dos conceitos, do método de análise e dos rumos para a Antropologia brasileira por ele elaborados e preconizados.

Já Bomeny (2009), sobre Darcy Ribeiro, considera que Com as duas pontas – uma de origem na subalternidade, outra de constituição étnica mesclada de forma original – o antropólogo vai adentrando o traçado brasileiro e apostando na força da mescla entre disparidades que produzirão um ideal de civilização. (p. 348)

58

Autêntico intelectual orgânico, Darcy Ribeiro, segundo Bomeny (2009, p. 349), frustrou-se (mas não fracassou) pois “O homem que se impôs como missão salvar a humanidade não pôde reduzir sua ação às cercas do possível”. Como agente, Darcy Ribeiro (ágil no verbo, ente politicamente ativo) continua impactante: Não há, nunca houve, aqui um povo livre, regendo seu destino na busca de sua própria prosperidade. O que houve e o que há é uma massa de trabalhadores explorada, humilhada e ofendida por uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente. (RIBEIRO, 2011, p. 408)

Eis, nítido, o retrato dos que se servem de uma identidade nacional para tornar o nacional quintal próprio interditado [aos não-nacionais e aos nacionaisoutros, estes nós que, no dizer de Darcy Ribeiro, alimentam(os) o mó capitalista]. A esse Brasil, Darcy tece o preito. Seu país, a pesar, manter-se-ia apto a despertar do berço esplêndido no qual o nina(ra)m. Darcy reafirma as possibilidades originais de uma civilização que, no Brasil, combina a seu favor a mistura, os imponderáveis e a plasticidade da interação interétnica. A positividade lhe foi dada no processo de engajamento, e a certeza de um futuro promissor sustentada na convicção de uma revolução pela política. A nota crítica foi concentrada em sua avaliação do papel dos intelectuais no reforço do atraso, da alienação e do pouco comprometimento com os destinos do país. (BOMENY, 2009, p. 348)

No dizer de Santos e Ferraz (2014, p. 334), Para Darcy Ribeiro, a marca da nacionalidade reside exatamente neste ponto: a violência do europeu serviu para desenraizar, por meio da cultura e da miscigenação, os componentes indígenas e africanos, tornando-os ‘ninguém’ – já não serviam para ser índios, ou nem se viam mais como africanos, e muito menos eram considerados brancos.

Transfigurados etnicamente, pois, tornaram-se brasileiros – devir mais que carma. Submetidos à experimentação acasaladora, criaram pontes entre si ao invés de muros genetificantes – uma nação: “Em termos durkheimianos diríamos que ela consiste numa consciência coletiva que aproxima os indivíduos de uma coletividade, cria vínculos sociais, soldando-os entre si” (ORTIZ, 2015, p. 140). Nas veredas do pensamento de Darcy Ribeiro, Giannetti (2016) clama: “No desconcerto plural do mundo civilizado descortinar a pauta, o chamado e o vislumbre de uma utopia brasileira no concerto das nações” (p. 138). Quando esse autor pergunta se “Faz sentido a ideia de uma civilização brasileira?” (p. 172) busco a resposta em Galeano (1990, p. 16):

59

Somos o que fazemos, e sobretudo o que fazemos para mudar o que somos: nossa identidade reside na ação e na luta. Por isso a revelação do que somos implica na denúncia do que nos impede de ser o que podemos ser. Nos definimos a partir do desafio e por oposição ao obstáculo.

Concebo, como Friedrich Nietzsche, um super-homem no horizonte, um jeito-de-estar com que nos fartar de conviver. Estando neste nosso mundo neste momento de fakebooks, sugiro uma máscara identitária que se amolde qual cicatriz nos rostos futuros: o homo zappiens. Nenhuma identidade tem competência para abarcar todas as possibilidades de ser-estar e todas as identidades têm as probabilidades de serestar. Haver ou vir. Ou ver houver. Pois conceber & parir é (re)produzir identidade(s). À maneira de Thiago de Mello em seu poema “Como um rio” (in “Mormaço na Floresta”, 1981): [...] Como um rio, que nasce de outros, saber seguir, junto com outros sendo e noutros se prolongando e construir o encontro com as águas grandes do oceano sem fim. Mudar em movimento, mas sem deixar de ser o mesmo ser que muda. Como um rio.

Alegra-me a constatação de Feldman-Bianco (2000), de fé n’estrada: [...] examinar os significados, as implicações e os limites da política identitária, incluindo resistências e contestações às diferentes formas de dominação e, quando possível, apontar alternativas contra-hegemônicas (mesmo que utópicas) à emancipação social na atualidade. (p. 14)

Não considero agonística esta era em que somos. Precisamos, penso eu, saber como queremos/devemos ser para sermos tais sementes. Conceber um futuro para conceber, no presente, a parição desse futuro. Parto do presente para chegar ao parto do futuro. Que será presente, passado um tempo. Que identidade, então, suportaria tanto acolhimento ao devir perene – sucessão de devires, eterno “in-between”? Por um Eu multi-self! Somente sendo esse vir-a-ser mutante conseguiria reificar aquele ser de Nietzsche, o transcendente do aqui-agora. Abolida a propriedade do passado e instaurado o protagonismo coletivo sincrônico no presente, teremos sempre futuros – distintos e acordes. Endosso, assim, as palavras de Castro (2000, p. 167):

60

[...] a idéia de que o trânsito, a combinação pelas margens buscando ir além das fronteiras identitárias sem as diluir, ilustra uma prática de cultura política na globalização que, se não minimiza os seus efeitos perversos e objetivos (pela exclusão e pelo reforço das necessidades), tece uma alternativa poética de resistência à homogeneização e hegemonização da cultura.

Em fim, Partir Repartir Ah com Chegar

61

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com Rondon aprendi a ver como humanista o Brasil indígena e esforçar-me por ser digno de seu drama. Com Anísio – a inteligência mais versátil e mais atrevida do Brasil – aprendi a precaver-me contra as astúcias da razão e a defender-me de toda estreiteza sectária. Fiz meu o seu lema: não tenho compromisso com minhas idéias, busco a verdade. (RIBEIRO, 1980b, p. 15)

Entendo que uma jornada nunca é tão só sair e/ou voltar, curta ou longa, rápida ou lenta, tediosa ou inebriante, fuga ou busca: sinto-a, camaleônica, vida que ex-corre, persona entre mentes... Minha mise-en-scène epistêmica, qual um ascender de vaga-lumes no breu espeleológico platônico, se funda no dizer de Manoel de Barros que, em seu poema “Os Deslimites da Palavra 1.5” (in “O Livro das Ignorãças”), verseja: [...] Preciso do desperdício das palavras para conter-me. O meu vazio é cheio de inerências. [...]

No desabrochar do texto, ouso dizer que almejei (invejei?), como diz Miceli (2014, p. 21) sobre a escrita de Pierre Bourdieu, “[...] o rumo da indagação empírica em vez do volteio conceitual emproado, tornando convincente a narrativa pedagógica, mobiliada com respiros de ordem variada”. Não me iludo: volteei deliberadamente.

Imaginei

uma

narrativa

pedagógica.

Mobiliei-a

(não

aleatoriamente) com diletantismos acalentados há leituras. Debridei, sim, conceitos – e me pus a desvendar os beneficiários das identidades nacionais. Como quem denuncia mas também prenuncia... Pronuncia... Afinal, muitas são as ventriloquices que tiriricam sobre nós. Ensaiei – ansiei mas não estreei... Um texto é intervenção política – Falar é agir (relembrando Austin). Ainda que calar também o seja. E eu, indignado com os indignos, que utopia persigo? Pois “A luta social não se pode reduzir à luta de duas ideologias rivais: é a subversão de toda ideologia que está em causa” (BARTHES, 2013, p. 41). Por isso, nunca é tarde, entendo, para encarnar a ânsia pelos “inéditos viáveis” de que nos falava Paulo Freire. Um “Nós Podemos!” é mais que boca-no-trombone: é mãos-à-obra, Gentes!

62

Darcy Ribeiro ainda me é indispensável – não como exemplo ou guru mas como possibilidade de um existir desfrutavelmente impactante. Mais para savoir-faire que para know-how. E nesse mundo imaginado de fronteiras abertas e identidades caleidoscópicas (intercambiáveis) ouso ousar – “É só um jeito de corpo, não precisa ninguém me acompanhar” (“Jeito de Corpo” in “Outras Palavras”, CAETANO VELOSO, 1981). A identidade é nacional, entendo, para apartar os estrangeiros, e é nacional para, também, se impor ao local, ao regional. Inclui os que se sentem partilhantes de algo (sincronicamente moldável) mas, igualmente, exclui os que não permanecem sendo o que foram/o que eram (diacronicamente imutáveis). Ambas concepções estabelecem e/ou conjugam representações culturais que as entranham paradigmaticamente no viver cívico (aquele balizador do/balizado pelo viver social). Tais representações se imbricam nas teias de significações que os coletivos engendram para si como alicerces dos fatos sociais totais que os plasmam comunitariamente. Eis-nos imaginando nossas comunidades. Ratificando que “[...] a identidade nacional não pode ser apreendida independentemente das lutas que opõem os que pretendem fixar seu conteúdo” (p. 111-2), Déloye (2002) conclui que uma identidade nacional – qualquer nacional – só subsiste diante da capacidade que desenvolve para acolher a(s) alteridade(s) fluente(s). Logo, ser brasileiro é (muito) mais do que nascer brasileiro... A quem, então, serve uma identidade nacional? Relembrando Brandão (1986), talvez o fulcro da perquirição esteja no construir a diferença no outro ao invés de conformar a identidade em si. A positividade da vida nos impeliria em direção ao outro para que nele pudéssemos obrar – esculpir, lapidar, recriar, moldejar. Como se nega atividade. Projeto de inconsciente sublimador na dubiedade da aversão/obsessão ao/por espelho. “Não sendo sou eu, nada serei além do outro do outro, mero alguém (colecionável por quem nos é)”. Bacharelar-me Antropólogo me extasiou a cada semestre letivo, a cada disciplina cursada, a cada leitura resenhada... E culmino este flanar com o sou que estou indo – carregando na matula cada sinapse estimulada nas nossas tantas conversas. Diria, nietzscheanamente, que o saber – o conhecer – é apenas a tentativa que fazemos para nomear a diferença entre o que pensamos ser e o que pensamos perceber. Asserto, também, que o Brasil tem jeito, sim – e não é jeitinho!

63

De uma vontade inicial de trazer Darcy Ribeiro para a berlinda (persona injustiçada e, quiçá, incompreendida mesmo pelxs colegxs Antropólogxs), tive de me (de)limitar a desenvolver uma reflexão mais condizente com meu estágio de aprendiz. Assim, imbriquei nação e identidade nacional num exercício-rascunho epistemológico destinado, primordial e propedeuticamente, a empoderar reflexões por vir. Per-sigo: fluxo(s). Entretanto, expus algumas ideias (ancoradas em ideias alheias) como quem redecora um cômodo deixando-o esteticamente funcional mas sem que a unanimidade de stylists se contente – haverá sempre uma parede nua ou um móvel excedente ou um tapete que não combina com o espelho (ou com a vastidão da janela descortinada). Fazer com que o eu-continente seja perpassado por “n” conteúdos, conforme se deseje. Inconformados, portanto, com o contido em conteúdo único, essencial, identitário, rebelemo-nos! Nem conscrição nem circunscrição: mixórdia de sucção e secreção! Ex-sessões! Ex-seções! Ex-cessões! Nós, nação, somos feixe que não quebra. Multidão de eus, lassos; juntos, desatamos os nós que nos contêm. Contem comigo! Eis, então, meu propósito (à guisa de libelo): que todo epílogo se transfigure em epígrafe, criatura-oratura! [...] Imagine there’s no countries […] I hope someday You join Us […] (“Imagine” in “Imagine”, JOHN LENNON, 1971).

64

REFERÊNCIAS

ADORNO, T. W. O ensaio como forma. In: COHN, G (Org.). Theodor W. Adorno. São Paulo: Ática, 1986, p. 167-87. ALMEIDA, A. V. de. Literatura, Mito e Identidade Nacional. São Paulo: Ômega, 2008. 191 p. AMORIM, M. A contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação ética, estética e epistemológica. In: FREITAS, M. T.; SOUZA, S. J. e; KRAMER, S (Org.). Ciências Humanas e Pesquisa: Leituras de Mikhail Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 11-25. ANDERSON, B. Comunidades Imaginadas: Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. 330 p. ARBEX JR., J. Ó, Pátria amada, idolatrada!. In: KUPSTAS, M (Org.). Identidade Nacional em debate. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1997, p. 20-39. ARREGUI, J. J. H. Que é o ser nacional? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971. 246 p. AVRITZER, L.; COSTA, S. Teoria Crítica, democracia e esfera pública: concepções e usos na América Latina. In: DOMINGUES, J. M.; MANEIRO, M (Org.). América Latina hoje: conceitos e interpretações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 53-81. AZEVEDO, B. Antropofagia – Palimpsesto Selvagem. São Paulo: Cosac Naify, 2016. 240 p. BARTHES, R. O prazer do texto. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013. 80 p. BAUMAN, Z. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 190 p. BERND, Z. Cooperação, dependência e diálogo cultural Europa/Latino-América. In: BERND, Z (Org.). Olhares cruzados. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000, p. 129-35. ______. Literatura e Identidade Nacional. 3. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2011. 168 p. BOLLE, W. grandesertão.br ou: A INVENÇÃO DO BRASIL. In: MADEIRA, A.; VELOSO, M (Org.). Descobertas do Brasil. Brasília: Ed. UnB, 2001, p. 165-235. BOMENY, H. Aposta no futuro: o Brasil de Darcy Ribeiro. In: BOTELHO, A.; SCHWARCZ. L. M (Org.). Um enigma chamado Brasil: 29 intérpretes e um país. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 338-51. BOSI, A. Cultura brasileira e culturas brasileiras. In: BOSI, A. Dialética da colonização. 4. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 308-45.

65

BOURDIEU, P. Curso de 31 de janeiro de 1991. In: BOURDIEU, P. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras, 2014a, p. 208-22. ______. Curso de 7 de fevereiro de 1991. In: BOURDIEU, P. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras, 2014b, p. 223-39. ______. Curso de 14 de fevereiro de 1991. In: BOURDIEU, P. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras, 2014c, p. 240-56. ______. Curso de 14 de março de 1991. In: BOURDIEU, P. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras, 2014d, p. 294-309. ______. Resumos dos cursos publicados no Anuário do Collège de France. In: BOURDIEU, P. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras, 2014e, p. 483-8. BRANDÃO, C. R. Identidade e etnia: construção da pessoa e resistência cultural. São Paulo: Brasiliense, 1986.176 p. BRESCIANI, S. Forjar a identidade brasileira nos anos 1920-1940. In: HARDMAN, F. F (Org.). Morte e Progresso: cultura brasileira como apagamento de rastros. São Paulo: Ed. UNESP, 1998, p. 27-61. BUENO, E. Introdução. In: BUENO, E. Náufragos, traficantes e degredados: as primeiras expedições ao Brasil 1500-1531. Rio de Janeiro: Objetiva, 1998, p. 7-10. BURKE, P. Introdução. In: BURKE, P. Hibridismo cultural. São Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2010, p. 13-22. CAMPOS, P. M. O brasileiro tranqüilo. In: CAMPOS, P. M. Brasil brasileiro. Crônicas do país, das cidades e do povo. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 11-4. CARVALHO, E. de A. Identidade e projeto político: notas para a construção teórica do conceito na Antropologia. In: BASSIT, A. Z.; CIAMPA, A. da C.; COSTA, M. R. da (Org.). Identidade: teoria e pesquisa. São Paulo: Ed. PUC-SP, 1985, p. 15-22. CARVALHO, J. M. de. Nação imaginária: memória, mitos e heróis. In: NOVAES, A (Org.). A crise do Estado-nação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 395-418. CASTRO, M. G. Transidentidades no local globalizado. Não-identidades, margens e fronteiras: vozes de mulheres latinas nos E.U.A. In: FELDMAN-BIANCO, B.; CAPINHA, G. (Org.) Identidades: estudos de cultura e poder. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 149-75.

66

CHAUÍ, M. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2006. 104 p. COMISSÃO NACIONAL PARA AS COMEMORAÇÕES DO V CENTENÁRIO DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL. Rumos: os caminhos do Brasil em debate. Ano I, n. 1, dez. 1998/jan. 1999. CORBISIER, R. Consciência e Nação. In: CORBISIER, R. Consciência e Nação. São Paulo: Revista “Colégio”, 1950, p. 88-95. CUNHA, E. L. Apresentação. In: CUNHA, E. L. Estampas do Imaginário: Literatura, História e Identidade Cultural. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2006, p. 138. ______. Do crânio da onça o jabuti faz seu escudo: Silviano Santiago como intérprete do Brasil. In: OLIVEIRA, M. P.; PEREIRA, M. M. S.; CARRASCOSA, D (Org.). Cartografias da Subalternidade. Diálogos no Eixo Sul-Sul. Salvador: EdUFBA, 2014, p. 121-31. DAMATTA, R. Brasil: uma nação em mudança e uma sociedade imutável? Considerações sobre a natureza do dilema brasileiro. Estudos Históricos 1(2):204-19, 1988. DÉLOYE, Y. A nação entre identidade e alteridade: fragmentos da identidade nacional. In: SEIXAS, J. A.; BRESCIANI, M. S.; BREPOHL, M (Org.). Razão e Paixão na Política. Brasília: Ed. UnB, 2002, p. 95-112. DEMO, P. Metodologia Científica em Ciências Sociais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009a. 293 p. ______. Pesquisa e Construção de Conhecimento: Metodologia Científica no caminho de Habermas. 7. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2009b. 125 p. ECO, U. Como se faz uma Tese. 24. ed. São Paulo: Perspectiva, 2012. 174 p. FELDMAN-BIANCO, B. Identidades. In: FELDMAN-BIANCO, B.; CAPINHA, G (Org.). Identidades: estudos de cultura e poder. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 13-7. FIEDLER, R. C. do P. A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas e uma nova proposta de desenvolvimento e emancipação do humano. Revista de Educação I(1):93-100, 2006. FLORES, T. M. Agir com Palavras: A Teoria dos Actos de Linguagem de John Austin. s. d. Publicado em: http://www.bocc.ubi.pt/. Disponível em: http://www.infocambiouniversitario.com.br/pag/flores-teresa-agir-com-palavras.pdf. p. 1-19. Acesso em: 17 fev. 2017. FOUCAULT, M. A ordem do discurso. 22. ed. São Paulo: Loyola, 2012. 74 p.

67

______. As unidades do discurso. In: FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002a, p. 23-34. ______. Introdução. In: FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002b, p. 3-20. ______. Os três modelos. In: FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999a, p. 491-507. ______. Psicanálise, Etnologia. In: FOUCAULT, M. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999b, p. 517-36. FREIRE, P. As relações homens-mundo, os temas geradores e o conteúdo programático desta educação. In: FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011, p. 119-32. FREITAS, M. T. de A. A perspectiva sócio-histórica: uma visão humana da construção do conhecimento. In: FREITAS, M. T.; SOUZA, S. J. e; KRAMER, S (Org.). Ciências Humanas e Pesquisa: Leituras de Mikhail Bakhtin. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2007, p. 26-38. GALEANO, E. A descoberta da América (que ainda não houve). 2. ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1990. 94 p. GIANNETTI, E. Trópicos utópicos: uma perspectiva brasileira da crise civilizatória. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. 210 p. GIANNOTTI, J. A. Habermas: mão e contramão. Novos Estudos CEBRAP 31:7-23, out. 1991. GIL, A. C. A. Introdução. In: GIL, A. C. A. Tecendo os fios da nação: soberania e identidade nacional no processo de construção do Estado. Vitória: Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, 2001, p. 17-35. GONZÁLEZ, F. C. A Nação como Relato: A estrutura narrativa da imaginação nacional. RBCS 28(82):107-18, jun. 2013. HABERMAS, J. O Estado nacional europeu: sobre o passado e o futuro da soberania e da nacionalidade. In: HABERMAS, J. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002, p. 121-45. JAKOBSON, R. A linguagem comum dos lingüistas e dos antropólogos (Resultados de uma Conferência Interdisciplinar). In: JAKOBSON, R. Lingüística e Comunicação. 10. ed. São Paulo: Cultrix, s. d., p. 15-33. JAPIASSU, H. Apresentação. Paul Ricoeur: filósofo do sentido. In: RICOEUR, P. Hermenêutica e ideologias. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2013, p. 7-20.

68

JOBIM, J. L. Representações da identidade nacional e outras identidades. Gragoatá 20:185-97, 1. sem. 2006. KUJAWSKI, G. de M. A questão da identidade. In: KUJAWSKI, G. de M. Idéia do Brasil: a arquitetura imperfeita. São Paulo: Ed. SENAC, 2001, p. 53-6. ______. Somos muitos, somos um? Onde está nossa identidade? In: KUJAWSKI, G. de M. A identidade nacional e outros ensaios. Ribeirão Preto: Ed. FUNPEC, 2005, p. 3-28. LANDOWSKI, E. Buscas de identidade, crises de alteridade. In: LANDOWSKI, E. Presenças do Outro: Ensaios de Sociossemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2012, p. 3-29. LAVALLE, A. G. Vida Pública e Identidade Nacional: Leituras Brasileiras. São Paulo: Globo, 2004. 219 p. LIMA, T. A. A Arqueologia na construção da identidade nacional: uma disciplina no fio da navalha. Canindé (Rev. Museu de Xingó) 9:11-24, jun. 2007. LUCAS, F. Capítulos da brasilidade e a cobiça pelo Amazonas. In: LUCAS, F. Expressões da identidade brasileira. São Paulo: EDUC, 2002a, p. 147-74. ______. Gênese da identidade cultural do Brasil (Elementos europeus, indígenas e africanos presentes na mitologia cultural do Brasil. In: LUCAS, F. Expressões da identidade brasileira. São Paulo: EDUC, 2002b, p. 27-55. MACIEL, F. O Brasil-Nação como ideologia: a construção retórica e sociopolítica da identidade nacional. São Paulo: Annablume, 2007. 111 p. MADEIRA, A.; VELOSO, M. Apresentação. In: MADEIRA, A.; VELOSO, M (Org.). Descobertas do Brasil. Brasília: Ed. UnB, 2001a, p. 9-19. ______. Caio Prado: Modernista, Contemporâneo. In: MADEIRA, A.; VELOSO, M (Org.). Descobertas do Brasil. Brasília: Ed. UnB, 2001b, p. 125-38. ______. Molduras para o período colonial brasileiro: uma agenda de pesquisa. In: MADEIRA, A.; VELOSO, M (Org.). Descobertas do Brasil. Brasília: Ed. UnB, 2001c, p. 23-51. MANN, M. A crise do Estado-nação latino-americano. In: DOMINGUES, J. M.; MANEIRO, M (Org.). América Latina hoje: conceitos e interpretações. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 163-93. MANSILLA, H. C. F. La crisis de la identidad nacional en el tercer mundo. In: BERND, Z (Org.). Olhares cruzados. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2000, p. 22-35. MARTINS, G. de A.; LINTZ, A. Guia para Elaboração de Monografias e Trabalhos de Conclusão de Curso. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. 118 p.

69

MATOS, O. C. F. A Escola de Frankfurt: luzes e sombras do iluminismo. São Paulo: Moderna, 1993. 127 p. MEDINA, S. O romance como narrativa fundacional. In: MEDINA, C (Org.). Povo e personagem: sociedade, cultura e mito no romance latino-americano. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2008, p. 77-86. MELLO-E-SOUZA, M. Brasil e Estados Unidos: a nação imaginária. Brasília: Ed. Fundação Alexandre de Gusmão, 2008. 145 p. MICELI, S. Materialismo do Simbólico. In: BOURDIEU, P. Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras, 2014, p. 1926. OLIVEIRA, J. P. de. Os índios e a civilização. Darci Ribeiro. In: MOTA, L. D (Org.). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico 2. 2. ed. São Paulo: Ed. SENAC, 2002, p. 403-22. OLIVEIRA, M. de. O Estado em Durkheim: elementos para um debate sobre sua Sociologia Política. Rev. Sociol. Polít. 18(37):125-35, out. 2010. OLIVEN, R. G. Que país é este? A (des)construção da identidade nacional. In: SOUSA, E. L. A. de (Org.). Psicanálise e colonização: leituras do sintoma social no Brasil. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1999, p. 67-80. ORLANDI, E. P. Terra à vista. Discurso do confronto: velho e novo mundo. São Paulo: Cortez/Campinas: Ed. UniCamp, 1990. 262 p. ORTIZ, R. Cultura brasileira e identidade nacional. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986. 152 p. ______. Imagens do Brasil. In: ORTIZ, R. Universalismo e diversidade: contradições da modernidade-mundo. São Paulo: Boitempo, 2015, p. 139-63. PAGANO, A.; MAGALHÃES, C. Análise Crítica do Discurso e teorias culturais: hibridismo necessário. D.E.L.T.A. 21(especial):21-43, 2005. PAZ, O. A “inteligência” mexicana. In: PAZ, O. O Labirinto da Solidão e Post Scriptum. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006, p. 135-54. PÊCHEUX, M. Ler, Descrever, Interpretar. In: PÊCHEUX, M. O Discurso: Estrutura ou Acontecimento. 5. ed. Campinas: Pontes, 2008, p. 43-57. PECHINCHA, M. T. S. O Brasil no Discurso da Antropologia Nacional. Goiânia: Cânone Editorial, 2006. 183 p. PINSKY, J. Fundamentalismo e modernidade. In: PINSKY, J.; ELUF, L. N. Brasileiro(a) é assim mesmo: cidadania e preconceito. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1993a, p. 60-3.

70

______. O Brasil tem jeito? In: PINSKY, J.; ELUF, L. N. Brasileiro(a) é assim mesmo: cidadania e preconceito. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1993b, p. 22-5. PINTO, A. V. Ciência e Existência: Problemas Filosóficos da Pesquisa Científica. São Paulo: Paz e Terra, 1969. 537 p. PÖPPELMANN, C. Dicionário de Máximas e Expressões em Latim. São Paulo: Escala, 2010. 142 p. REIS, E. P. O Estado Nacional como ideologia: o caso brasileiro. Estudos Históricos 1(2):187-203, 1988. RIBEIRO, A. M. M. O Povo Brasileiro de Darcy Ribeiro: crítica ou reforço à noção de “caráter nacional brasileiro”? In: PLANCHEREL, A. A. (Org.) Memória & Ciências Sociais. Maceió: EdUFAL, 2005, p. 9-25. RIBEIRO, D. Introdução. In: RIBEIRO, D. Os brasileiros: 1. Teoria do Brasil. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1980a, p. 19-21. ______. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 435 p. ______. Prefácio. In: RIBEIRO, D. Os brasileiros: 1. Teoria do Brasil. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1980b, p. 9-18. ______. Utopia selvagem: saudades da inocência perdida. Uma fábula. São Paulo: Global, 2014. 168 p. RODRIGUES, F. dos S. Ciclos narrativos brasileiros. In: RODRIGUES, F. dos S. Nacionalidade no pensamento social brasileiro e venezuelano e o lugar Guayana. Manaus: EDUA, 2014, p. 141-92. RÜDIGER, F. A Escola de Frankfurt e a trajetória da crítica à Indústria Cultural. Estudos de Sociologia 3(4):17-29, 1998. Disponível em: seer.fclar.unesp.br/estudos/article/viewFile/903/767. Acesso em: 11 nov. 2014. SANTOS, A. dos; FERRAZ, I. G. Darcy Ribeiro. In: PERICÁS, L. B.; SECCO, L. F (Org.). Intérpretes do Brasil: clássicos, rebeldes e renegados. São Paulo: Boitempo, 2014, p. 325-35. SCHILLER, N. G.; FOURON, G. “Laços de Sangue”: os fundamentos raciais do Estado-Nação transnacional. In: FELDMAN-BIANCO, B.; CAPINHA, G (Org.). Identidades: estudos de cultura e poder. São Paulo: Hucitec, 2000, p. 41-71. SKIDMORE, T. E. Criadores de mitos: os arquitetos da identidade nacional brasileira. In: SKIDMORE, T. E. O Brasil visto de fora. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 71-98. SPERBER, D. As estruturas do espírito humano. In: SPERBER, D. Estruturalismo e Antropologia. São Paulo: Cultrix, 1970, p. 89-118.

71

TADEI, E. M. A mestiçagem enquanto um dispositivo de poder e a constituição de nossa identidade nacional. Psicologia Ciência e Profissão 22(4):2-13, 2002. UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA. Instituto de Antropologia. Projeto Político-Pedagógico do Curso de Graduação Bacharelado em Antropologia. Boa Vista, 2013. 106 p. Disponível em: http://ufrr.br/antropologia/index.php?option=com_phocadownload&view=category&id =11&Itemid=258. Acesso em: 11 nov. 2014. VITAL, M. J. S. Prefácio à 1ª versão. In: SILVA, A. M. M. et al. Manual de Normas para Apresentação dos Trabalhos Técnico-Científicos da UFRR. Boa Vista: Ed. UFRR, 2012, p. 11-3. WEBER, M. A “nação”. In: WEBER, M. Economia e Sociedade: Fundamentos da Sociologia Compreensiva. Vol. 2. 4. ed. Brasília: Ed. UnB, 2012, p. 172-5.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.