A questão antropológica no contexto da elaboração da obra A Estrutura da Pessoa Humana (1932-1933) de Edith Stein

May 24, 2017 | Autor: Gilson Bavaresco | Categoria: Edith Stein
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A questão antropológica no contexto da elaboração da obra A estrutura da pessoa humana (1932-1933) de Edith Stein1 Gilson Bavaresco2

Resumo A década de 1920 é caracterizada pelo surgimento da Antropologia Filosófica, cujo problema formulado por Scheler é “O que é o homem? e qual a sua posição no interior do ser?” (SCHELER, 2003, p. 1). Essa questão fundadora da Antropologia Filosófica contemporânea enfrenta problemas de uma época em que, rica em formulações filosófico-científicas sobre o homem, confronta e põe em questão ideias antigas e novas acerca do que, essencialmente, é o ser humano. Pretende-se analisar algumas obras de Max Scheler e Edith Stein tendo como foco as concepções antropológicas a serem submetidas a crítica antes do desenvolvimento de uma antropologia fenomenológica propriamente dita. No caso de Scheler, cinco noções são colocadas em questão: a Antropologia Teológica judaico-cristã; a grega do homo sapiens; a do homo faber; a do homem desertor da vida; e a do ateísmo postulatório da seriedade e da responsabilidade. Já em A Estrutura da Pessoa Humana, no início da década de 1930, a partir de uma perspectiva inovadora, Stein apresenta quatro ideias de homem: a da Bildung; a da Tiefenpsychologie; a da Analítica Existencial; e a da Metafísica Cristã. Em ambos autores criticam-se noções vigentes de homem para uma Antropologia Filosófica, pondo-as entre parênteses para uma Fenomenologia. Para Stein elas têm uma relevância pedagógica, repercutindo na formação da pessoa. Com Scheler, compartilha a preocupação com o problema da relação espírito/vida, principalmente em sua crítica à psicanálise. Por outro lado, critica o intelectualismo da Bildung e a superficialidade psicológica que resultou dela. Nesse sentido, concebe uma noção de pessoa humana que critica as três primeiras noções de homem enunciadas no início de seu tratado (principalmente pela ausência de meta última formativa) e valoriza a Metafísica Cristã em que, pelo enunciado “ele [a pessoa espiritual e livre] pode e deve formar a si mesmo” (STEIN, 2015, p. 123), se distingue de Scheler pelo papel ocupado pela (auto-)formação no conceito de pessoa, a importância dada ao télos formativo e à Graça sobrenatural. Palavras-Chave: Edith Stein; Max Scheler; Antropologia Filosófica.

1 Introdução No curso de Antropologia Filosófico-Fenomenológica de Edith Stein, denominado A Estrutura da Pessoa Humana (Der Aufbau der menschlichen Person), ministrado entre 19321933, a autora sustenta a tese de que a pedagogia se funda na metafísica e na antropologia filosófica (e na ética, implicitamente3). As questões fundamentais da antropologia filosófica são: “O que é o homem? e qual a sua posição no interior do ser?”4 Respondê-las é imprescindível, pois a “imagem” de homem é fundamental para qualquer pedagogia e ignorá-

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Trabalho realizado com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – no âmbito do desenvolvimento de pesquisa com o fim de elaboração de dissertação em Filosofia. Psicólogo – CRP 07/20256 –, bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul, UCS. Especialista em Educação em Direitos Humanos. Acadêmico do Mestrado de Filosofia da UCS, orientado pelo Prof. Dr. Everaldo Cescon. E-mail para contato: [email protected] Em um artigo de 1929 a autora afirma que “establecer objetivos es tarea de la ética, y que por lo tanto la ética es la ciencia fundamental para la pedagogía.” (STEIN, E. Sobre la lucha por el Maestro Católico, p. 105). SCHELER, M. A Posição do Homem no Cosmos, p. 1; SCHELLER, M. Para a ideia do homem, p. 91.

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las resulta em que esta ciência não faça senão “construir castelos no ar,”5 dado que a pedagogia tem por tarefa formar a pessoa humana. Dada a crise dos grandes sistemas, o materialismo cientificista do século XIX e o surgir de novas noções de ser humano no século XX, muitas delas diluindo o homem nas classificações biológicas, levantou-se novamente a questão de se haveria uma noção essencial de ser humano.6 Neste trabalho pretende-se analisar algumas obras de Max Scheler e Edith Stein, tendo como foco as concepções antropológicas a serem submetidas a crítica (e postas entre parênteses) antes do desenvolvimento de uma antropologia fenomenológica propriamente dita, pois elas compõem o (con)texto em que a questão antropológica é colocada e possibilitam a clarificação do desenvolvimento das antropologias dos autores.

2 Ideias ou imagens de homem consideradas por Max Scheler e Edith Stein Scheler enumera algumas ideias de homem que as caracteriza da forma apresentada a seguir: A primeira delas é a antropologia que formou a consciência religiosa ocidental, ou seja, a Antropologia Teológica oriunda da tradição judaico-cristã. Scheler aponta em geral elementos dogmáticos: a ideia homem formado à imagem e semelhança de Deus; caído pelo pecado original (entendido como evento histórico); e diversas outras noções que constituem os diferentes símbolos de fé – por isso haveria diferentes antropologias teológicas. Entretanto, o que transparece em Scheler é a abordagem de seu conteúdo como sendo mitológico7 e a crítica da pretensão de validade para uma discussão filosófica e científica autônoma. Em geral, a análise de Scheler enfatiza os aspectos psicológicos que o “mito” tem na consciência ocidental, ainda em autores que não professem fé no cristianismo, em uma leitura psicológico-cultural que lembra Friedrich Nietzsche.

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STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 579. Em A Posição do Homem no Cosmos, Scheler, após tratar de diversas funções humanas que estão presentes também nos animais (passibilidade a estimulação, associação, inteligência prática), o autor levanta a questão central de sua antropologia: “Si se concede la inteligencia al animal, ¿existe más que una mera diferencia de grado entre el hombre y el animal? ¿existe una diferencia esencial? ¿O es que hay en el hombre algo completamente distinto de los grados esenciales tratados hasta ahora aquí y superior a ellos, algo que convenga específicamente a él solo, algo que la inteligencia y la elección no agotan y ni siquiera tocan?” (SCHELER, M. El Puesto del Hombre en el Cosmos, p. 138). A partir destas questões Scheler irá opor espírito e vida em sua antropologia filosófica. SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 60.

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A segunda ideia, a do “homo sapiens”8, que constitui uma “antropologia filosófica”9 de herança grega, do homem como portador de λόγος, separa homem de animal, ontologicamente. Essa ideia de homem possui uma gênese distinta das ideias contemporâneas de homem e pressupõe, em sua base, uma divindade, se não criadora, pelo menos plasmadora de um mundo de “formas” no qual a razão, afim a essa divindade (pois ela mesma é um “agente divino”), pode conhecer. Esta ratio tem poder e força contra o inferior (instintos e sensibilidade) e é constante na história. A terceira ideia seria a do “homo faber”10, ou seja, a antropologia científica11, se opõe à anterior, pois, negando à razão o estatuto de ser algo separado da animalidade, considera apenas uma distinção de graus evolutivos (mas não de essência). Ela supõe a perda da evidência do postulado da razão como sendo um princípio ontológico distinto da vida em geral. Scheler inclui neste grupo antropologias de cunho caracteristicamente materialista, que entendem a mente como epifenômeno cerebral e funções complexas, derivadas dos instintos. Nega-se, assim, a origem metafísica do λόγος, assim como a sua legalidade autônoma com relação às leis naturais. O ser humano é visto com um ser capaz de realizar atividades complexas (pôr-se fins e dispor dos meios para tais, de modo mais sofisticado que outras espécies) e se reduz a ser um animal de sinais e instrumentos. Pela evolução, adquiriu estas capacidades psíquicas superiores, uma inteligência técnico-prática, superior a mera capacidade de reação instintiva, sendo o espírito a parte interna da psyché. Apesar da in-diferença ontológica e a despeito da evolução no darwinismo designar mera mutação das espécies, ligou-se essa noção a concepções teleológicas de história que acreditam em um processo inteligível de melhoramento, que concebe a história humana una, que faz com que as características diferenciais do homem signifiquem um “aumento de valor das coisas humanas.”12 Nesse sentido, emerge uma sombria ideia “temível”,13 uma visão completamente oposta à do homo faber, mas à sua esteira, na do homem “desertor da vida,”14 também influenciada pelo evolucionismo. Aquilo que para a antropologia do homo faber aparece como uma exaltação do “espírito”, nessa aparece como uma patologia da espécie humana, sendo os produtos espirituais do ser humano a expressão de sua inferioridade biológica com relação às outras espécies que estariam consideravelmente melhor adaptadas ao meio e dariam mais sinais de plasticidade 8 9 10 11 12 13 14

SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 62-69. SCHELER, M., El Puesto del Hombre en el Cosmos, p. 106. SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 71-79. SCHELER, M. El Puesto del Hombre en el Cosmos, p. 106. SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 80. SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 80. SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 81.

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biológica. Segundo Scheler, essa noção teria o defeito de exaltar os valores vitais e entender o espírito meramente como inteligência técnico-prática e, nesse sentido, depender da antropologia do homo faber. Um dos seus principais representantes, para Scheler, seria Ludwig Klages.15 A última noção de homem é a do “ateísmo postulatório da seriedade e da responsabilidade”16 que, desenvolvendo a filosofia dos valores de Scheler e, por outro lado, por influência de Nietzsche, seus representantes, Hartmann e Kerler, exaltam de tal forma a origem autônoma da moral e o valor da pessoa que, atribuindo somente a esta a providência e presciência, consideram que, se Deus existisse, o homem não poderia ser livre e moral17. Nesse sentido, esse ateísmo é novo, pois não se limita a negar a existência de Deus ou a suspender o juízo sobre ela (agnosticismo), mas considera necessário que Deus não exista para que a pessoa seja moral e livre18. As noções de homem tratadas por Edith Stein, a partir de uma perspectiva inovadora, são resgatadas da sua relação com a pedagogia (pela repercussão na formação da pessoa humana), o que a diferencia da abordagem de Scheler. Nesse sentido, ela analisa quatro noções de homem: A primeira é a da Bildung (relacionada ao homo sapiens de Scheler), mas que se limita aos aspectos desta noção enquanto relacionada aos filósofos da Aufklärung – do idealismo alemão –, que legaram suas ideias filosóficas às instituições de ensino alemãs e cuja influência ainda vigia, apesar de sua crise desde o século XIX. Embora a ideia de formação integral constitua parte essencial da Bildung, Stein critica o seu intelectualismo e a noção superficial do ser humano que se gestou no século XIX na esteira desta sua consideração unilateral ao intelecto, pois a Bildung teria legado à posteridade a psicologia dos dados da consciência, sem uma noção de profundidade da psiquê. Sua ênfase principal está na autonomia do indivíduo e é uma pedagogia otimista e ativista.19

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Walther, em 1928, alude a uma série de passagens de Klages que demonstram que o espírito não é mero “intelecto”, contrariamente a Scheler, pois o espírito, cuja caracterização é sui generis, apartaria o ser humano da existência, ao fixar a mobilidade e dinamicidade da vida ininterrupta (e suas “imagens”) em conceitos “estáticos” e ter uma vontade essencialmente repressora dos instintos (WALTHER, G. Ludwig Klages y su lucha contra el 'espíritu', p. 117s., 265s.). A filosofia e psicologia de Klages é um desenvolvimento a partir de Nietzsche, que “ha inaugurado una filosofía de la enemistad absoluta entre la vida y la conciencia; y nosotros mismos hemos desarrollado sistemáticamente que la reflexión ha de concebirse como un fenómeno de perturbación del vivenciar, y que sólo así, en resumidas cuentas, puede comprenderse.” (KLAGES, L. Los Fundamentos de la Caracterologia. p. 25). SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 94. STEGMÜLLER, W. A Filosofia Contemporânea, v. II, p. 221-222. SCHELER, M. La Idea del Hombre y la Historia, p. 94-95; Hartmann desenvolve cinco antinomias entre ética e religião, optando a favor da primeira (STEGMÜLLER, W. A Filosofia Contemporânea, v. II, p. 222-223). STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 563.

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De acordo com Ales Bello, “Stein, todavia, confronta-se também com as posições que lhe são contemporâneas, em particular com a leitura do Dasein proposta por Heidegger e com a psicologia do profundo, presumivelmente aquela de Jung, mesmo não sendo expressamente citado.”20 De fato, a segunda noção abordada é a da tiefenpsychologie, mas não há indicação nenhuma em sua obra a Jung (apesar de ter em comum a ideia de Selbst21), pois Stein afirma que se limitará ao seu fundador22, ou seja, à psicanálise de Freud, que se caracteriza por conceber uma profundidade no homem (referindo-se ao inconsciente). Isso se confirma pela crítica de Stein à ênfase dada na satisfação instintiva/pulsional e a negligência das possibilidades futuras do sujeito23 tendo como consequência pedagógica não conferir uma formação ativa da pessoa, não implicar uma luta contra as pulsões e, enfim, não ter metas pedagógicas devido à sua noção de natureza humana. Sendo mais conhecida que a psicologia de Jung24 e influenciando a pedagogia, fez com que Stein assumisse uma posição frente a ela. A atitude compreensiva desta pedagogia, frente ao ativismo da Bildung, que se nega a estabelecer metas pedagógicas reduzindo-as a metas terapêuticas, é uma característica da época que descobriu os males psíquicos causados pela imposição de fins pedagógicos abstratos e das dificuldades de desvelar as possibilidades próprias do educando.25 A terceira imagem de homem levada em conta é a da Analítica Existencial de Heidegger, a partir de sua leitura de Sein und Zeit, de 1927. Reconhece nesta uma noção de profundidade do ser humano distinta da psicanálise, situando como problema básico a questão do ser e descrevendo o modo como entende que a profundidade da existência seria acessada na visão de 20

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“La Stein, tuttavia, si confronta anche con le posizioni a lei contemporanee in particolare con la lettura del Dasein proposta da Heidegger e con la psicologia del profondo, presumibilmente quella di Jung, anche se non è espressamente citato.” (BELLO, A. A. L'Universo nella Coscienza, p. 133). STEIN, E., La Estructura de la Persona Humana, p. 650, 653. No entanto, apesar de Jung realizar a distinção eu/si-mesmo, essa distinção já era realizada por autores conhecidos por Stein na própria escola fenomenológíca de Munique, por exemplo, “según Pfänder, la personalidad humana – como todo ser dotado de espíritu – puede compararse a una elipse con dos focos, mientras que el ser sin espíritu se semeja a un círculo con un centro único. Uno de los focos de la personalidad es el yo que aprehende, conoce y quiere, o yo-centro; el otro es el mí-mismo, aún más profundo, el ser fundamental del que brota el flujo de lo vivido, antes de ser actualizado por el yo-centro.” (WALTHER, G., Ludwig Klages y su lucha contra el 'espíritu', p. 123). STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 565. STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 572. Na recensão à obra Metaphysik der Gemeinschaft (1930), de Dietrich von Hildebrand, Stein, em 1932, recomenda a obra deste filósofo, na análise do amor, “desde el punto de vista teórico, porque ofrece fundamentos conceptuales esenciales para una discusión crítica de esa mala interpretación sensualista de todas las relaciones humanas que a través del psicoanálisis se ha adentrado en los más amplios círculos” (STEIN, E. Metafísica de la Comunidad, p. 1000). O sensualismo psicanalítico é análogo ao empirista, pois considera que a “ human personality as a 'bundle of impulses.'” [“a personalidade humana como 'um feixe de pulsões'”] (ALLERS, R. The New Psychologies, p. 32), funda todo o mental no pulsional e, por derivação, todas as relações humanas (o outro como objeto da pulsão). Como afirma Allers, havia se tornado moda, naquele período, a tese da educação livre, cujo objetivo único era o “'desenvolvimento de sua própria personalidade'” (ALLERS, R. Psicologia do Caráter, p. 175), em uma práxis pedagógica contraditória, como se abrir mão dos fins pedagógicos já não fosse ele mesmo um fim.

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Heidegger. Entretanto, Stein interpreta a filosofia de Heidegger como uma metafísica niilista, ou seja, como problemática a sua concepção de origem (do nada), a ênfase na finitude humana e a meta niilista de seu pensamento (a morte), que faz com que a imagem de homem presente na noção de Dasein não reconheça a presença do Ser Eterno que estaria por trás do ser finito. Nesse sentido, a quarta noção, que é a da Metafísica Cristã, como ela denomina, ofereceria um fim último à formação. Além disso, entende que Deus atua com sua Graça na formação da pessoa, fazendo com que não somente a responsabilidade seja enfatizada, mas também a confiança em Deus – providente – como um aspecto importante da transformação por que passa o homem em seu processo formativo.26

3 Considerações Finais Em termos gerais a diferença de critério entre Max Scheler e Edith Stein no que concerne à eleição das noções de ser humano que passarão por uma análise crítica antes da elaboração de uma Antropologia Fenomenológico-Filosófica é que, no primeiro, está relacionado ao problema da relação entre espírito-vida (no qual emerge a questão de se o espírito constitui uma esfera essencialmente diversa da vida em geral), enquanto em Stein a questão é a relação superfícieprofundidade da personalidade. Isso aparece particularmente evidente, porque ela identifica como característica dos teóricos da Bildung que “só prestam atenção ao iluminado pela luz da consciência”27, o que resultou como derivação histórica a psicologia superficial dos dados da consciência do século XIX; além disso, distingue a psicanálise de Freud e a analítica existencial de Heidegger por conceberem noções diversas de “profundidade”28 do ser humano e seu acesso a ela – em Freud, significando a dinâmica das pulsões (somente nesse sentido ela preocupa-se, diferentemente de Scheler, com a relação espírito-vida), e em Heidegger, na vida segundo o espírito. Mais adiante, na mesma obra, Stein apresenta a sua tese antropológico-fenomenológica pelo enunciado “ele pode e deve formar a si mesmo”29. Ao apresentar o que constitui o diferencial do ser humano – como pessoa livre e espiritual – frente às outras espécies, no qual a responsabilidade pelo que ela mesma é aparece como uma característica fundamental, posiciona-se implicitamente contra a psicanálise (pois dá uma particular ênfase no eu e não o reduz, em sua significação última, a dinâmicas pulsionais). Entretanto, é quando a autora realiza a distinção entre o “eu-puro” de Husserl (com sua consciência central e periférica e seu caráter

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STEIN, E., La Estructura de la Persona Humana, p. 576. cf. STEIN, E. Sobre el concepto de formación, p. 192. STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 564. STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 564, 566. STEIN, E. La Struttura della Persona Umana, p. 123.

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funcional) e sua noção de “eu-anímico” – que tem um fundo, uma profundidade30 – que aparece o significado fenomenológico de sua noção de “profundidade” da alma, como uma espacialidade interior. Apesar do papel dado ao “si mesmo” (Selbst) em sua obra, não há indicações de que se baseie na leitura de Jung, como sugere Ales Bello.31 Na verdade, a autora mostra, nesta e em outras obras32, uma preferência pela psicologia individual de Alfred Adler e de Rudolf Allers. E com relação ao si-mesmo que deve ser formado, a autora, nesse sentido, confere particular importância ao télos formativo que a ética e a antropologia filosófica deverão fornecer – contra uma pedagogia de influência psicanalítica (que abriria mão da finalidade educativa) – e o coroamento dado por uma antropologia teológica em que, a diferença de Scheler, não é subvalorizada, pois a Graça Sobrenatural e a Revelação deverão guiar o ser humano para a sua plena formação. Além disso, confere particular importância à auto-formação da pessoa, aproximando-se das concepções da Bildung no que concerne à autonomia, mas diferenciando-se no que diz respeito ao fim último – fundamento ético da pedagogia.33

4 Referências: ALLERS, Rudolf. The New Psychologies. Fort Collins: Roman Catholic Books/Roger A. McCaffrey Publishing, [1932] s/a. ______. Psicologia do Caráter. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editôra, 1946. BELLO, Angela Ales. L'Universo nella Coscienza: Introduzione alla fenomenologia di Edmund Husserl, Edith Stein, Hedwig Conrad-Martius. Pisa: Edizioni ETS, 2007. (Incontri, I)

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STEIN, E., La Estructura de la Persona Humana, p. 656. BELLO, A. A. L'Universo nella Coscienza, p. 133-134. Por exemplo, em 1929, ao distinguir entre a psicologia metafísica (escolástica) e as psicologias empíricas (elencando os tipos da psicologia descritiva, da psicologia explicativa – científico-natural – e da psicologia compreensiva), a autora não somente não faz nenhuma referência a psicanálise e a psicologia analítica de Jung, como inclui nas compreensivas aquela que “de un modo especial se acentua esta unidad indivisible [anímica] en la psicología individual (Alfred Adler)” (STEIN, E. Los tipos de Psicología y su Significado para la Pedagogía, p. 93) – assinalando o seu papel de compreensão da criança na pedagogia. Em A Estrutura da Pessoa Humana, Stein cita a psicologia individual pelo mesmo motivo – a aceitação da unidade da alma (no qual se enraízam as pulsões) – frente a posição de psicanalistas acerca do caráter caótico/cindido da personalidade (cf. STEIN, E. La Estructura de la Persona Humana, p. 565). Em Problemas de la formación de la Mujer, de 19321933, ao tratar do material humano a ser formado, distingue os métodos de diferentes áreas do saber (ciências naturais e humanísticas, teológica e filosófica), opta em especial, dentre as ciências humanas, pela psicologia individual de Adler e cita em particular com a obra de Allers Sexualpsychologie als Voraussetzung einer Sexualpädagogik (1931), apresentando alguns princípios desta ciência. Novamente, mostra preferência pela psicologia individual e ignora as psicologias do inconsciente. Em carta a Rosa Magold, de 16 de junho de 1931 (STEIN, Obras Completas, v. I, p. 929), afirma que se tivesse permanecido mais um ano com o grupo, teria recomendado, além de uma obra de Siegfried Behn, o livro de Rudolf Allers Das Werden der Sittlichen Person, de 1929 (trad. ALLERS, R. Psicologia do Caráter, Agir, 1946). A razão está em que a ética da Bildung e a da Metafísica Cristã estabelecem fins últimos para o homem radicalmente distintos: “el idealista, para el que la autodeterminación es el más alto; el católico, según cuya convicción el fin de la existencia del hombre es conocer a Dios, amarlo y servirlo: todos ellos tienen concepciones fundamentalmente distintas de la educación.” (STEIN, E. Sobre la Lucha por el Maestro Católico, p. 105).

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