A Questão Berbere

October 14, 2017 | Autor: José Pedro Mendes | Categoria: African Studies, Middle East & North Africa
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A Questão Berbere



Definições:

a) Islamismo - Religião monoteista dos povos seguidores do Islão e que professam a crença num único deus, Alá. O Islão foi revelado ao profeta Maomé na região da Arábia , em Meca e Medina, no inicio do século VII. O Alcorão, conjunto de textos revelados ao profeta, é o livro sagrado dos muçulmanos. O Árabe é a sua língua liturgica, assim como, o elo de união das tribos muçulmanas. O Islamismo é uma identidade cultural politica e religiosa comum a cerca de 1,2 mil milhões de crentes, no mundo actual, sendo a segunda maior religião do globo.

b) Berberes - Conjunto de povos de África do Norte que falam línguas berberes, da familia das línguas afro-asiáticas ou camíticas. A palavra Berbere deriva do latim, bárbaro, e tem a sua origem no Império Romano. Os Berberes autodenominam-se Imazighuen que significa "homens livres". Estes povos divididos, príncipalmente, entre Marrocos e Argélia, mas também se encontram na Tunísia, Líbia, Mali, Níger e Burkina-Faso. Existem várias tribos que falam Berbere como os Cabila, Mzabita e Targui, assim como as tribos do Riff e os Tashelit do sul de Marrocos. Os habitantes nómadas do Sahara, os Tuaregues, também fazem parte do grupo dos Berberes. Estima-se que actualmente sejam entre 58 a 75 milhões de falantes em todo o mundo

c) Árabes - Povos muçulmanos e cristãos oriundos do Médio Oriente. Actualmente esta defenição aplica-se a todos os povos de língua árabe e que habitam regiões tão vastas como as que se estendem do Médio Oriente, a Ásia e Norte de África.

1-A islamização Berbere.

A expansão islamica tem o seu inicio após a morte do profeta Maomé em 632 com a invasão do Egipto e a expansão por todo o Norte de África. Estas populações tornam-se essencialmente muçulmanas, e adoptam o árabe como língua franca, o que facilita o comércio assim como o acesso à leitura do Alcorão, visto que o árabe é a lingua de expressão religiosa. Assim o Alcorão e a língua árabe desempenham a função unificadora de vários povos sobre o mesmo sistema político e religioso. Tal como tinha originalmente acontecido na penisula Árabica, quando o profeta Maomé procura reunir várias tribos sobre uma única cultura política, social e religiosa de caríz identitário.
No Egipto, governado, na época pelo Império Romano do Oriente de Bizâncio, os muçulmanos foram bem recebidos, visto que se encontravam saturados do governo corrupto e opressivo de Bizâncio. A conquista da região costeira do Norte de África, conhecido entre os árabes como Magrebe (o oeste) revelou-se difícil, pois os Berberes mostraram forte resistência ao invasor árabe. Apesar disto, a região da actual Túnisia foi conquistada em 647, tendo sido fundada a cidade de Cairuão com o objectivo de ser a capital da nova província de Ifriqiya.
A província de Ifriqiya, seria constantemente assaltada por tropas Berberes, a partir de oeste, assim como pelos nómadas do norte do deserto do Sahara. Esta guerras prolongam-se até cerca de 711, altura em que os árabes conseguem, finalmente, chegar à costa atlântica. No entanto o domínio árabe fica limitado às zonas costeiras ao longo do Mediterrâneo, visto que toda a zona do interior do Magrebe até al-Aqsa (actual Marrocos) continua sobre o domínio dos povos Berberes.
Os árabes impunham a sua política tributária aos povos conquistados, sendo que os recém convertidos ficavam isentos de pagar impostos. Deste modo os habitantes das zonas montanhosas do norte acabam por se converter ao Islão embora mantenham as suas crenças tradicionais nos espíritos, nos santuários locais e nos homens santos. Vêem no Islamismo uma nova saída para as suas ambições expansionistas.
Apesar de islamizados, os Berberes não se submeteram totalmente à vontade da dinastia vigente, os Omíadas. Durante o século VIII continuaram a surgir grandes revoltas Berberes. Por esta altura os povos berberes adoptam o heterodoxismo xiita e as doutrinas islamicas carijitas, de modo a afirmarem a sua independência, perante a imposição do islão ortodoxo.
No século IX a unidade politica do mundo muçulmano começa a fragmentar-se e surgem, então, vários estados árabes e Berberes muçulmanos, políticamente independentes, que vão evoluir durante os séculos seguintes. Na região Oeste surgem os árabes Idrisidas, ao centro os berberes Rustémides e a Este os árabes Aglabidas.
No início do século X, os Xiitas sírios, que se reclamam descendentes da filha do profeta Maomé, Fátima, estabelecem a dinastia Fatimida no Egipto, que rapidamente, se expande até ao Magrebe. Os fatimidas governam o Norte de África, do Egipto a Marrocos , durante dois séculos.
Em meados do século XI, surge o movimento religioso e militar Almorávida, fundado por Abdallah ibn Yasin em 1059. Este movimento surgiu entre os berberes do Sahara Ocidental. O Império Almorávida vai estender-se desde o Sahel até ao Mediterrâneo, tendo atacado o Império do Gana e alcançando a Espanha muçulmana. Os Almorávidas professam o sunismo ortodoxo e aspiram uma versão mais pura do islão.
Ainda durante este século, regista-se a chegada ao Norte de África dos Beni Hilal. Estas tribos árabes nómadas e guerreiras foram enviadas pelos Fatímidas e tiveram grande relevância na disseminação do nomadismo, fomentando o desenvolvimento do comércio trans-sariano. Também desempenharam um importante papel na arabização do Magrebe.
No ínicio do século XII assiste-se à fundação de um novo movimento berbere de cariz religioso e militar e com origem no Atlas. Surgem os Almoadas, que rapidamente afastam os Almorávidas do poder, conquistando todo o Magrebe e a Espanha muçulmana. O novo Império Almoada assume uma versão fundamentalista do islão, chegando a penalizar os não muçulmanos e a expulsar crisão e judeus.
Com o ínicio da fragmentação do Império Almoada, no século XIII, três dinastias berberes vão partilhar entre si a herança dos Almoadas. São as dinastias Marinidas, Abdalvadidas e Hafsidas.
No limiar do século XVI, a nova dinastia Sádina vai governar em Marrocos. Os Saadinos apresentam-se como árabes, com reputação de descenderem do profeta. Vão praticar a guerra santa (jihad) contra os portugueses de Agadir e Tânger. Enriquecido com o espólio dos portugueses, Ahmaed al-Mansur moderniza o exército e adquire novas armas. Criam a estrutura administrativa do estado (makhzen) que permanece em funcionamento até ao ínicio do século XX.
A dinastia Sádina será suplantada no século seguinte pela dinastia Alaouitas, que permanece até aos dias de hoje. Os Alaouitas são descendentes de Ali (do árabe alawi) e são xarifes descendentes do profeta. De acordo com a tradição, os Alaouitas chegaram a Marrocos no século XIII, e estabeleceram-se no oásis de Tafilalt (ou Tafilet). O Sultão Moulay al-Rashid, considerado o fundador da dinastia, dá inicio à expansão Alaouita, com a tomada de Taza e de Fez em 1666. Esta manobra permite assegurar o controlo do território do norte. Em 1669 conquista a cidade de Marrakech e expande o seu domínio para o sul. Começa a desenhar-se uma homogenia territorial, apesar da resistência das tribos Berberes.
Durante o reinado do Sultão Ismail ibn Sharif, de 1672 a 1727, estabelece-se a organização do estado, mas os atritos com as tribos Berberes continuam a ser constantes.
Na segunda metade do século XVIII,o Rei Muhammed III, abandona a organização do estado central e procede a uma reforma administrativa que concede a autonomia às tribos Berberes. O reino atravessa, então, um periodo de pacificação.
Ao longo do século XIX, os reis de Marrocos protagonizam várias tentativas de aproximação às potências europeias. De Abderrahmane (1822-1859), a Muhammed IV (1859-1873), até Hassan I (1873-1894), os Alaouitas procuram estabelecer relações com a Europa e os Estados Unidos da América. A administração e o exército vão ser modernizados, tornando-se mais eficazes no controlo dos movimentos Berberes. O envolvimento com a política externa europeia torna-se cada vez maior. Entre 1859 e 1860 trava-se uma guerra com Espanha que ocupa a cidade de Tetuão e a zona do Rif. Para recuperar o território ocupado, Marrocos, é forçado a pagar uma elevada contribuição a Espanha, o reino fica muito debilitado e à beira de perder a independência, o que só será salvaguardado na conferência de Madrid em 1880.
No inicío do século XX, as potências coloniais europeias começam a cobiçar os territórios do Magrebe. A França ocupa a Argélia, a Itália ocupa a Líbia e a Túnisia torna-se num protectorado francês. Marrocos vê-se envolvido em duas crises, a crise de Tânger (1905) e a crise de Agadir (1911), ambas manipuladas pelas rivais da Grande Guerra, França e Alemanha. Em Marrocos a unidade territorial, está comprometida, e o rei Abdelhafid já não controla as revoltas das tribos Berberes do norte. Recorre à ajuda militar francesa para evitar uma guerra civil. O custo desta operação é elevado, e Marrocos tornar-se num protectorado de França, vinculado pelo Tratado de Fez de 1912.
A recuperação da independência do reino acontece em 1956, com o Rei Mohammed V, que morre em 1961, sucedendo-lhe o filho Hassan II. O novo monarca vai priveligiar a arabização e a islamização do reino e procura um ponto de equilibrio entre as iminentes revoltas Berberes e a unidade do reino. Deste modo casa com uma mulher Berbere, dando continuação a uma tradição familiar. Mas o seu reinado ficará conhecido pela inflexibilidade e autoridade do monarca.
Hassan II morre em 1999 e sucede-lhe o filho Mohammed VI.


2-A identidade Berbere.

Os Beberes ou Imazighen são o povo mais antigo do norte de África, com uma cultura e língua próprias.
Os Berberes marroquinos estão divididos em três grupos linguísticos, nas montanhas do Rif, no Médio Atlas e nas montanhas do sul, existindo entre estes vários dialectos. Nas montanhas do Rif é falado o Tarift, no Médio Atlas o Tamazight e no Alto Atlas, a sul de Marraquexe até ao Anti Atlas, fala-se Tashelhit.
Nestas áreas vivem alguns árabes, assim como muitos Berberes habitam outras regiões do pais.
Entre o povo Berbere de Marrocos, existe um sentimento de que são cidadãos de segunda, apesar da sua língua ser reconhecida oficialmente, mas arabização que lhes é imposta pelo estado, significa a negação da sua identidade cultural.
O povo Berbere sempre defendeu as suas tradições, o seu território e a sua organização igualitária. Os Berberes vivem essencialmente nas zonas rurais como as montanhas do Atlas e do Rif,
Os Berberes são pequenos agricultores e pastores, criam cabras e ovelhas que produzem carne e leite. Praticam uma agricultura de subsistência, de âmbito familiar, onde a ajuda mútua dentro da comunidade é um factor importante. As aldeias tradicionais Berberes têm um armazém comum. Dentro de cada comunidade existe um forte espírito de subsistência, pois são muito valorizadas as relações familiares e a estrutura de cada clã.
Os familiares revezam-se na guarda dos animais, sendo o tamanho de cada rebanho, indicativo da prosperidade de cada familia. Nos negócios, os Berberes, dão grande importância às relações pessoais em deterimento de outros valores de mercado. Os preços são negociados entre vendedor e comprador, mantendo a forma tradicional de fazer negócios.
A zona do Rif é conhecida pela sua relação com a Europa, através da produção e tráfico de canabis, apesar dos Berberes não possuirem nenhum monopólio no comércio da droga.
No Médio Atlas, a actividade Berbere está centrada na agricultura de subsistência, mantendo a sua organização tribal segmentária e governação igualitária.
Os Berberes do Alto Atlas e do Anti Atlas vivem em pequenas vilas de cerca de quinhentos habitantes, separados por rios que servem de irrigação aos terrenos. Estas regiões são pobres para a agricultura, e as aldeias funcionam como unidades económicas. Regista-se um aumento de emigração para zonas urbanas.
Actualmente existem grandes comunidades berberes em cidades como Casablanca e Agadir, que procuram manter os seus laços rurais e ao mesmo tempo, inserir-se na moderna sociedade árabe. Este movimento migratório, começa a pôr em causa a preservação da língua e cultura Berbere. Nas grandes cidades a língua falada é o árabe, e por isso muitos berberes tornaram-se bilingues. A língua e cultura Berbere é conotada com algo rural e ultrapassado. Assim, a língua Berbere corre o risco de ficar restrita ao uso doméstico, familiar e das relações íntimas. Alguns Berberes vêm a sua própria língua como um meio de comunicação inferior e inadaptado à vida moderna. Por outro lado, outros, procuram enriquecer a sua utilização, recusando subalternizar-se ao árabe.
Em 1991 surge o primeiro movimento activista Berbere, que denuncia a sistemática marginalização da língua e cultura Amazigh, afirmando a intenção de promover a língua Tamazight a língua oficial, tal como o árabe, assim como difundir a cultura Amazigh em meios de comunicação e nas escolas. Na Conferência Internacional de Direitos Humanos, de 1993, em Genebra, várias associações Berberes publicaram um memorando onde denunciam a política de assimilação forçada contra os Berberes, a sua identidade, cultura e língua. Em Março do ano seguinte, alguns activistas endereçam uma carta ao primeiro-ministro marroquino pedindo o reconhecimento da língua Amazigh. No dia 1 de Maio, um grupo de activistas Berberes manifestaram-se durante a marcha do Dia do Trabalhador, tendo sido presos sete activistas, acusados de distúrbio da ordem pública. Como reacção, quatrocentos advogados disponibilizaram-se para os defender. Este acontecimento chamou a atenção do mundo para Marrocos, e em especial aos problemas dos Direitos Humanos. Incomodado com a situação, o primeiro-ministro Abdellatif Fillali, anunciou a intenção de iniciar a emissão televisiva em dialecto berbere, e mais tarde surgiram algumas edições de jornais nos três principais dialectos berberes e algumas emissões de rádio.
Em 1995, o Rei Hassan II, defensor da cultura Berber, enquanto parte integrante da identidade marroquina, emitiu um decreto real autorizando as mudanças curriculares, que permitissem o ensino da língua Berbere nas escolas públicas. Mas em 1996, um dahir (decreto administrativo) veio proibir o uso de nomes próprios em Tamazigh, ou qualquer outra língua que não seja o árabe. Este decreto é extensivel aos nomes de cidades, vilas e aldeias, na sua maioria de origem Berbere, sendo esta medida um retrocesso na luta pela afirmação da cultura Amazigh.
Nas ilhas Canárias, em Agosto de 1997, reune-se pela primeira vez o Congresso Mundial Amazigh, onde 350 delegados se encontram com a finalidade de preservar a identidade, a cultura e a lingua Amazigh.
No dia 17 de Outubro de 2001, a casa Real, já no reinado do actual Rei-Mohamed VI, tomou a iniciativa de criar o Institut Royal de la Culture Amazigh, mas em contrapartida, o Rei proibiu os activistas Berberes de se manifestar públicamente, sob pena de julgamentos penais.
Em Setembro de 2003, o governo permitiu o ensino da língua Berbere em 10% das escolas de Marrocos.
Nas últimas décadas, os Berberes conseguiram algumas vitórias importantes na luta pela defesa e preservação da sua identidade. Conseguiram que hoje a sua língua tenha estatuto oficial, bem como seja a mesma divulgada nos meios de comunicação. A criação do Institut Royal de la Culture Amazigh, é também actualmente meio fundamental para a preservação dos seus costumes e tradições. São importantes conquistas de afirmação cultural assombradas pela probição de se manifestarem públicamente e de utilizaram os seus nomes próprios e assim como as topomínias das suas terras.
Não obstante, a arabização de Marrocos é um processo inevitável em curso, constituindo um factor de desenvolvimento económico do pais. Neste contexto, o Rei de Marrocos, ainda que ambiguo na resolução dos problemas berberes, não prescindirá da identidade árabe que caracteriza a sua dinastia, relegando a questão da minoria Imazighen.







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Docente: Prof. Dr. António Dias Farinha

Discente: José Pedro Mendes

4-Bibliografia

*Fontes
-Zurara, Gomes Eanes de (1410-1473), Crónica do achamento e conquista da Guiné
-Les Sources Inédites De L'histoire Du Maroc-Castries, Henry, (1530-1845),
-Ibn Khaldoun, (1852), Histoire des Berbères et des Dynasties Musulmanes de l'Afrique Septentrionale

*Estudos
-Terrace, Henri, (1950), Histoire du Maroc a L'etablissement du Protectorat Français
-Laroui, Abdallah, (1977), The History of the Maghrib, Princeton University Press
-Fage, J.D., (2010), História da África, Edições 70, Lisboa.
-Sellier, Jean, (2004), Atlas dos Povos de África, Campo da Comunicação, Lisboa

*Webgrafia
- http://www.ircam.ma/fr/

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