A questão criminal no Brasil: aspectos pertinentes ao Processo Penal

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A questão criminal no Brasil: aspectos pertinentes ao Processo Penal 1. Explicação prévia O texto que segue corresponde à primeira parte (“considerações prévias”) das respostas ao questionário proposto pela Associação LatinoAmericana de Direito Penal e Criminologia (ALPEC), no que concerne aos temas correspondentes ao terceiro eixo temático, em seu quinto item: tendências legislativas do processo penal brasileiro. Este questionário tem natureza preliminar e se propôs a introduzir as matérias que foram abordadas em painéis específicos, no curso do IV Congresso LatinoAmericano de Direito Penal e Criminologia promovido no Rio de Janeiro, pela ALPEC, nos dias 29 e 30 de outubro de 2015. Os assuntos enfocados nas mais de vinte indagações formuladas referem-se especificamente: a) ao estabelecimento do sistema vigente – acusatório ou inquisitório –; se há participação popular no julgamento e de que maneira; quem tem a seu cargo a instrução criminal; se existe plea bargaining, juízo abreviado ou algo que faça as suas vezes; a importância da intervenção policial e o valor das provas policiais; o valor da confissão extrajudicial; se existe justiça restaurativa ou algum sistema composicional; b) à existência de justiça comunitária. Indaga-se a respeito da existência

de

uma

justiça

comunitária

à

margem

da

regulada

legislativamente, exercida conforme regras ancestrais ou dos povos originários. Requisita-se, neste caso, seja determinado o percentual da população submetida a esta justiça, como também que tipo de problemas são colocados pela concentração urbana e pelas tradições dos povos originários. 1

c) Em destacado o questionário investiga as regras e a aplicação prática da prisão preventiva, problema que no Continente tem sentido epidêmico – objeto de advertência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos – dado o emprego da prisão preventiva como sucedâneo da pena de prisão. As considerações preliminares foram apresentadas na mesa de abertura do debate: “A questão criminal no Brasil”. Acrescento o texto relacionado aos sistemas processuais, muito embora não tenha havido tempo para apresentá-lo ao público. Considero que sua condição estruturante de qualquer transformação que se pretenda, em termos de processo penal, justifica posição de destaque. Também porque parcial e preliminar, o artigo não traz uma “conclusão” ao final. O teor integral do questionário será oportunamente divulgado pela ALPEC-Brasil, mas aproveito a oportunidade para tornar públicos os agradecimentos ao Professor Doutor Nilo Batista, Presidente do Instituto Carioca de Criminologia e à Professora Doutora Vera Malaguti, Secretária Executiva do Instituto Carioca de Criminologia, pelo honroso convite para participar das atividades preparatórias do IV Congresso. Agradeço também ao Professor Doutor Edson Damas da Silveira, da Universidade Federal de Roraima, e na pessoa dele aos demais membros do grupo de pesquisas que coordena. O Professor Doutor Edson Damas da Silveira gentilmente respondeu às questões relativas às práticas penais dos povos originários no Brasil. Com efeito, são mais de 900.000 pessoas autodeclaradas indígenas e uma parte significativa de sua cultura refere-se às práticas de adjudicação de responsabilidade por fatos considerados graves. A invisibilidade destas comunidades e de suas culturas inscreve-se em um contexto ainda mais grave de não reconhecimento de um pluralismo jurídico independente do consentimento estatal, que serve a muitos 2

propósitos. Um deles consiste em possibilitar a investida contra o programa de demarcação de terras indígenas, em mais uma demonstração da desequilibrada correlação de forças que caracteriza o campo político e o sistema penal. A expectativa é de que este informe preliminar possa ter servido de porta de entrada para debates certamente muito ricos, dada a qualidade dos juristas envolvidos, entrelaçando nossas energias latino-americanas em um contexto de sinergia que viabilize transformações no continente à altura dos projetos de emancipação que inspiraram a criação da ALPEC.

2. Considerações prévias O direito processual penal brasileiro inscreve-se em uma tradição autoritária e na atualidade preserva práticas inquisitoriais que são distintas na forma, mas idênticas em propósitos, àquelas consolidadas desde 1941, com a edição do Código de Processo Penal unificado, durante a ditadura Vargas. Para entender o paradoxo justifica-se breve revisão histórica. Com a proclamação da República, em 1889, instituiu-se o paradigma da legislação processual estadual, competindo a cada Estado da Federação, conforme seus interesses, editar o próprio Código de Processo Penal. A base processual anterior fora bastante modificada desde 1832, quando foi aprovado o Código de Processo Criminal do Império brasileiro, de corte liberal, que todavia contrastava com a realidade de uma economia fundada na exploração da mão de obra escrava. É necessário sublinhar que desde as primeiras ocupações portuguesas, as populações originárias foram vítimas de genocídio, que veio associado à exploração de trabalho dos grupos remanescentes em moldes semelhantes ao que caracterizou a escravidão das populações africanas trazidas compulsoriamente ao Brasil. 3

Em grande medida – em particular no interior do país, onde a “Justiça” ficava a cargo de grupos oligárquicos locais – o que se aplicava ainda eram procedimentos inspirados na antiga legislação inquisitorial portuguesa (Livro V das Ordenações Filipinas), isso quando algum procedimento era adotado. Sem embargo, durante o período conhecido como da Regência – entre 1831 e 1840 – eclodiram revoltas de cunho separatista em vários pontos do território nacional. Em reação às revoltas, a partir de 1841 o poder central endureceu formalmente as leis processuais penais. O movimento de recrudescimento formal das leis processuais também respondeu à pressão internacional (Inglaterra) pela paulatina abolição da escravidão e cronologicamente, em linhas gerais, acompanhou os processos de libertação dos escravos, desde a proibição do tráfico, passando pelo “ventre livre” (alforria dos filhos dos escravos) até chegar à abolição, em 1888, às vésperas da proclamação da república. O pêndulo oscilava da seguinte forma: a cada passo no sentido de conferir liberdade às populações cativas operava-se mudança na lei processual penal brasileira que facilitava a persecução penal dos negros e demais membros de grupos sociais vulneráveis e aumentava o poder das instâncias administrativas de repressão. Exemplo disso é a legislação de 1871, que criou e regulamentou o inquérito policial na mesma semana em que era aprovada a Lei do Ventre Livre, tudo como forma de gerir o “medo branco”, em tese causado pela perspectiva de brancos e negros coexistirem em liberdade. O inquérito policial, que tomou forma em 1871, existe até hoje e é a principal modalidade de investigação preliminar prevista no âmbito do processo penal brasileiro. Presidido por autoridade policial (Delegado de Polícia ou Delegado Federal), o inquérito confere a esta autoridade significativa autonomia em face do Ministério Público e de outras 4

instâncias de controle que somente encontra paralelo na legislação de estados autoritários. Politicamente, desde a implantação do inquérito policial a autonomia das autoridades encarregadas da investigação esteve afetada apenas por sua vinculação aos poderes executivos dos Estados, de sorte que a política criminal implementada atendia – e ainda atende – aos interesses definidos pelos Chefes do Executivo. Isso explica a repressão aos negros capoeiras, nas cidades litorâneas, durante o século XIX, a repressão a anarquistas e integrantes de sindicatos, e depois a eleição prioritária dos herdeiros dos antigos escravos, no cenário constituído pela repressão ao tráfico de drogas, como alvo preferencial da Justiça Penal brasileira neste intervalo de 180 anos. Para compreender o contexto do processo penal brasileiro, portanto, é necessário entender as matrizes autoritárias que o constituíram. Vale lembrar que os primeiros juízes do estado eram igualmente investigadores e responsáveis pela segurança e ordem pública. Não raro magistrados do tribunal (Desembargadores) cumpriram funções administrativas de Secretários/Ministros de Estado no campo da segurança interna. O Código unificado de 1941, que aboliu o sistema das legislações estaduais, manteve-se fiel a este modelo e a rigor inicia as disposições normativas com o regulamento do inquérito policial (art. 4º e seguintes). A aura de cientificidade que enunciava, em sua exposição de motivos, inspirou-se no modelo fascista do Código Rocco (Itália). O pretexto de aperfeiçoamento jurídico da legislação conferiu a determinadas práticas – como a persecução penal iniciada de ofício, pelo próprio juiz responsável pela decisão final, a busca da prova de ofício, pelo mesmo juiz, e o poder de prender preventivamente suspeitos e acusados, sem requerimento do Ministério Público – o selo de “avanços jurídicos”,

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supostamente compartilhados pelas mais importantes nações europeias no anos 30 do século XX. Neste quadro alguns “mitos” ganharam força e não cederam mesmo após a recente redemocratização e a entrada em vigor da Constituição de 1988. Um deles, fruto de uma leitura equivocada de Francesco Carnelutti, por exemplo, é o de que o eixo do processo penal é a “busca da verdade real”, em virtude da qual o juiz criminal investe-se de poderes de gestão da prova (poderes instrutórios), que se sobrepõem à própria atividade probatória do Ministério Público e da Defesa. Este estado de coisas contribuiu para a configuração de uma modalidade de procedimento bifásico estruturado a partir de uma etapa preliminar inquisitória, destinada à investigação criminal, e uma segunda etapa em tese acusatória, no interior da qual supostamente teria lugar o debate contraditório. A concepção da estrutura bifásica revelou-se funcional ao paradigma inquisitório por várias razões: i) assegurou a posição de poder da autoridade policial, quer na condição de operadora de instrumentos de coerção, quer ao blindar esta autoridade contra atividades externas de controle. A única interferência admissível era das chefias executivas (Secretários, Ministros da Justiça, Governadores dos Estados), poucas vezes inspiradas por critérios republicanos; ii) viabilizou práticas do in dubio contra reum, em oposição à presunção de inocência, cuja primeira previsão normativa remonta à Constituição de 1988. Com efeito, ganhou foro de cientificidade, apoiada na “verdade real”, a ideia de que o juiz criminal poderia e deveria atuar em harmonia com a Polícia, na repressão às infrações penais, de modo que o que deveria ser o controle de legalidade da etapa preliminar (inquérito) converteu-se em chancela das mais diversas condutas abusivas da Polícia. A acusação em regra era admitida pelo juiz automaticamente, por mero despacho que em tempos de tecnologia de 6

informação restou facilitado por aposição de carimbos e etiquetas; iii) a influência da investigação prévia inquisitória no próprio processo foi garantida pela adoção da forma escrita como método usual de produção dos atos propriamente processuais, que se convertem em simples e quase obrigatória reprodução daqueles praticados no inquérito. Em semelhante cenário não há espaço para o efetivo contraditório, conceito praticamente desconhecido e pouco difundido na doutrina processual penal brasileira até recentemente. No campo das mentalidades a força deste esquema conceitual é a chave explicativa para a impermeabilidade das práticas processuais penais aos comandos constitucionais de 1988 que visaram introduzir dispositivos de garantia consagrados na maioria das democracias contemporâneas pós Segunda Guerra Mundial. Esta perspectiva analítica permite compreender também: I) o baixo impacto da adesão do Brasil aos Pactos Internacionais de Direitos Humanos em 1992, em especial ao Pacto de Direitos Civis e Políticos e ao Pacto de São José da Costa Rica, e a ignorância relativamente à existência, alcance e profundidade do controle de convencionalidade; II) a recusa a tomar em consideração, teoricamente, como parte da dogmática processual penal, noções de pluralismo jurídico na esfera processual, em particular do tipo engendrado sem o consentimento formal da ordem jurídica estatal, como é o caso das práticas jurídicas informais em várias áreas (no campo e na periferia das grandes cidades – “favelas”). Alguma concessão se fez nessa esfera ao pluralismo jurídico concedido pela ordem estatal, como ocorre com o direito das populações originárias (art. 231 da Constituição da República), mas ainda assim de maneira

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bastante limitada. O tema é um completo desconhecido de nossos juristas do processo penal;1 III) o controle exercido pelo juiz profissional sobre os jurados, no âmbito do Tribunal do Júri, que desvirtua o sentido da participação popular na Justiça e que não se projeta da mesma maneira no tipo de relação entre juízes togados e militares, nos escabinados militares; IV) a resistência em adotar a oralidade e a publicidade. Quanto à publicidade com frequência vige uma forma autoritária de proceder que se caracteriza pela promiscuidade das agências estatais com órgãos da comunicação social de feição conservadora, com o objetivo de manipular a formação do caso penal e ampliar competências em desacordo com as regras processuais, enquanto às defesas são sonegadas informações, a ponto de o Supremo Tribunal Federal (a corte constitucional brasileira) ter editado uma súmula vinculante (nº 14) com o propósito de assegurar ao defensor acesso aos autos da investigação; V) o recurso frequente a provas obtidas ilicitamente e a pretensão de reduzir o âmbito normativo da proibição da prova ilícita, definido na Constituição; VI) a não implementação concreta dos comandos emergentes da Reforma Processual Penal de 2008, que instituiu o procedimento trifásico, modificou o procedimento do Júri e explicitou as regras de garantia concernentes à prova penal. Em grande maioria, os juízes seguem fiéis à crença na não efetividade do procedimento trifásico, da oralidade e, ademais, reduzem o peso da atividade probatória das partes. Vige um princípio de “confiança” no produto da investigação policial que termina por tornar inócuos os 1

Sobre o tema o autor do relatório remete às obras e ao trabalho do Grupo de Pesquisas coordenado pelo Professor Edson Damas da Silveira no âmbito da Universidade Federal de Roraima. O Professor Edson Damas, principal investigador brasileiro do tema, muito gentilmente respondeu aos itens do questionário relativos às práticas processuais penais em vigor no âmbito de nossos povos originários. 8

dispositivos de controle que deveriam incidir sobre os meios de obtenção de provas (interceptações telefônicas e demais decorrentes do afastamento de sigilos) e sobre a viabilidade da acusação conforme parâmetros internacionais acerca da presunção de inocência e do significado de sistema ou processo de corte acusatório (por exemplo, critérios emanados da Corte Interamericana de Direitos Humanos); VII) a expansão do encarceramento provisório, contra todas as expectativas geradas pela alteração legislativa de 2011, que substituiu o modelo binário “prisão vs liberdade” por uma fórmula mais abrangente, que introduziu medidas cautelares alternativas. A população carcerária brasileira continua crescendo em proporção maior do que o se verifica em outros países da região e a população de presos provisórios aumenta em ritmo ainda mais intenso. Definido o contexto, compreende-se porque determinadas respostas ao questionário poderão soar ambíguas. Para isso, no entanto, é necessário acrescentar que parte dos problemas detectados no processo penal brasileiro pode ser atribuída à multiplicação sem controle e fiscalização eficazes das faculdades de direito (1.280), com ênfase às criadas no âmbito de instituições privadas, e também à atitude de voltar às costas à América Latina. Com efeito, o Brasil talvez seja o único país da América do Sul que saiu da ditadura nos anos 80, aprovou uma nova Constituição (1988), mas até hoje mantém o mesmo Código de Processo Penal (1941), com alterações pontuais que não entusiasmaram os operadores do direito. Trata-se de uma escolha política para a qual contribuíram as grandes corporações jurídicas e também parte da academia, insensível à realidade de que a concretização das promessas constitucionais relacionadas à dignidade da pessoa humana depende de profunda mudança de mentalidade dos juristas e das próprias bases normativas do direito processual penal. 9

3. O sistema processual é inquisitório ou acusatório? Conforme exposto nas considerações iniciais, o Brasil vive um dilema normativo: a Constituição da República de 1988 (art. 5º, inc. LIII, LV e art. 129, inc. I) e os tratados internacionais firmados pelo Brasil em 1992 (Pacto de São José da Costa Rica e Pacto de Direitos Civis e Políticos) definem o processo penal como de tipo acusatório. Desnecessário sublinhar que a base de um processo do gênero deve ser encontrada na escrupulosa distribuição das principais funções processuais (acusar, defender e julgar) entre três sujeitos processuais distintos, que o procedimento deve ser estruturado em três etapas (preliminar ou de investigação, de admissibilidade da acusação, em contraditório, e de instrução e julgamento, orientada pela oralidade e publicidade) e que tem como princípio reitor a presunção de inocência, com prevalência da liberdade sobre a prisão durante a persecução, o caráter excepcional das medidas que incidem sobre a privacidade, o in dubio pro reo como critério de resolução da incerteza, bem como o duplo grau de jurisdição previsto em benefício do acusado, além da gestão da prova pelas partes. Na prática e em parte com respaldo no Código de Processo Penal, todavia, a realidade é outra, muito pouco clara, o que nos leva a crer no diagnóstico de Alberto Binder para o processo penal vigente na América Latina: o que se tem é um processo penal inquisitorial reformado.2

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BINDER, Alberto. Prefácio ao livro Teoría del Caso, de Leonardo Moreno Holman. Buenos Aires: Didot, 2012, p. 17. 10

Em obra originalmente publicada em 1998 defini o modelo brasileiro como “processo penal de aparência acusatória”.3 Com efeito, pelo menos desde 1988 ao juiz criminal brasileiro é vedado iniciar o processo por meio de acusação e desde 2008 ele também está proibido de alterar o conteúdo da acusação sem requerimento prévio do Ministério Público.4 O juiz criminal segue, todavia, com poderes de instrução no curso do processo e sem embargo de não estar autorizado a produzir elementos probatórios na investigação preliminar, na prática raramente controla esta etapa. Assim, no lugar de examinar se estão presentes os critérios que conferem o caráter excepcional a interceptações telefônicas e outros métodos ocultos, o juiz tende a ratificar as pretensões deduzidas pela Polícia, inspirando-se em um princípio de confiança irrestrita. Outro aspecto característico da inquisitorialidade é a preservação de poderes para decretar a prisão preventiva de ofício, durante o processo, e a tendência a sobrevalorizar em juízo os elementos probatórios colhidos na investigação. Não há definição de standards probatórios de modo que tanto se dificulta o controle da correta aplicação do in dubio pro reo, na maioria das vezes em prejuízo da defesa, como despreza-se o dever judicial de controlar a execução dos procedimentos probatórios. A maioria dos juízes criminais desconhece, por exemplo, como são armazenados dados obtidos por meio de medidas cautelares de cunho probatório, tampouco examinam a preservação da cadeia de custódia das provas. A predominância da mentalidade inquisitorial é mais acentuada em tema de prova penal, seja porque não há uniformidade de linguagem quanto 3

https://www.academia.edu/8507492/Sistema_Acusatorio_A_Conformidade_Constitucio nal_3a_ed Consultado em 13 de setembro de 2015. 4 Lei nº 11.719/2008, que alterou o artigo 384 do Código de Processo Penal. 11

às etapas dessa atividade, ao conteúdo e ao próprio significado da citada atividade em um processo de partes, como porque habitualmente se produz confusão entre os âmbitos da produção e avaliação da prova. O Código de Processo Penal é deficiente no ponto e assim mais contribui para dificultar do que para orientar a atuação dos sujeitos processuais. A tarefa de avaliação da prova tende a prevalecer em detrimento do controle sobre a produção dos elementos probatórios em virtude da força persuasiva da ideia ainda vigente de busca da “verdade real”. Ferramentas teóricas tais como “ônus de persuasão” e “ônus de produção” não são diferenciadas e a rigor são ignoradas. Em determinados processos – ligados, em geral, a casos de tráfico de drogas, organizações criminosas e criminalidade econômico-financeira – prevalece o chamado “fetiche da prova técnica”, com apego “ferrenho àquela concepção ultrarracionalista da prova”, conforme Antonio do Passo Cabral designa o fenômeno.5 A audiência é subvalorizada. Praticamente não existe em relação às medidas cautelares e é considerada um ritual sem sentido no processo condenatório. A explicação reside no fato de que o juiz das cautelares produzidas no âmbito da investigação tende a ser o mesmo juiz do processo principal, que assim chega à etapa de admissibilidade da acusação com sua convicção formadas pelos elementos colhidos unilateralmente, durante a investigação criminal. Isso afeta a concretização de um procedimento de fato oral e em contraditório e prejudica a identificação e exclusão processual da prova ilícita.

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CABRAL, Antonio do Passo. Questões processuais no julgamento do mensalão: valoração da prova indiciária e preclusão para o juiz de matérias de ordem pública. Revista do Ministério Público. nº 53 (jul/set 2014). Rio de Janeiro: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, 1995. p. 9. 12

Experimentos de apresentação imediata do preso em flagrante ao juiz, para análise da legalidade da prisão – denominados de “audiências de custódia” – estão em fase de implementação, por orientação do Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle e gestão do Poder Judiciário Nacional (Federal e Estadual), mas sofrem duras resistências de grande parte dos juízes criminais.6

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http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79715-cnj-investe-nas-audiencias-de-custodia-parareduzir-populacao-carceraria. Consultado em 13 de setembro de 2015. 13

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