A QUESTÃO DA VIVÊNCIA NO ENSINO DA ARQUITETURA E URBANISMO

June 8, 2017 | Autor: Douglas Alves | Categoria: Architecture, Cultural Landscapes, Urban Design, Architecture Teaching Pedagogies
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO COGEAE

Douglas Carvalho Alves

A QUESTÃO DA VIVÊNCIA NO ENSINO DA ARQUITETURA E URBANISMO

São Paulo 2016 1

Douglas Carvalho Alves

A questão da vivência no ensino da arquitetura e urbanismo

Monografia de Conclusão de Curso apresentado à PUC-SP, como parte das exigências para a obtenção do título de Especialista em “Magistério do Ensino Superior”.

São Paulo 2016

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Aos meus pais, por sempre me colocarem em qualquer estrada que eu queira andar, e à Renata Lakatos, por sempre estar ao meu lado, não importa a estrada escolhida.

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AGRADECIMENTOS ▪ Agradeço, primeiramente, a Deus; ▪ À minha orientadora, Sonia Ignacio, a quem devo muito e que me fez ver que a filosofia é mais do que teorias e palavras escritas. Por acreditar num projeto de pesquisa tão diferente do costumeiro para um curso de magistério e por não se descabelar com a forma de trabalho do arquiteto em que, até o último segundo, tudo pode mudar; ▪ Agradeço principalmente, aos meus pais, Rosemarie R. Carvalho Alves e Antônio Matheus Alves, que de forma, às vezes, até dura sempre me incentivarão e proverão em qualquer empreitada acadêmica; ▪ Aos meus irmãos Glaucia e Matheus, por sempre estarem dispostos a escutar e, especialmente, à Renata Lakatos, a qual, sem o companheirismo, as broncas e as inúmeras tentativas e frustrações de revisar o texto de um desenhador, sempre esteve ali me dando forças e acreditando, mesmo quando eu mesmo não achava ser possível; ▪ Por fim, agradeço aos amigos Breno, Juliana e Rodrigo que, ainda que distantes espacialmente, sempre estiveram presentes nas conversas e apoiando minhas decisões.

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“A gravura de uma estrada que leva a um distante chalé parece fácil de interpretar; contudo a estrada só tem sentido completo para alguém que a tenha percorrido. ” Yu Fu Tuan 5

RESUMO ALVES, Douglas Carvalho. A questão da vivência no ensino da arquitetura e urbanismo. São Paulo, PUC-SP, 2016. (Monografia de conclusão de Curso de Especialização em Magistério do Ensino Superior). Trata-se de pesquisa teórica, de cunho qualitativo, que se baseia em relato de experiências de aprendizagem e de vivências profissionais. Procurou-se discutir aqui a questão das vivências e sua relação com o ensino-aprendizagem no curso de Arquitetura e Urbanismo, bem como abordar a pedagogia e metodologias de ensino relacionadas a esse mesmo curso. Partimos, para isso, da caracterização da profissão e de seu estado atual no país, conforme proposto pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo e seus praticantes, além da caracterização do curso no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Ensino da Arquitetura; tomamos por base, também, o currículo proposto e aprovado pelo Ministério da Educação. Após esse primeiro momento, nos voltamos para a caracterização do ensino de atelier e do ensino da arquitetura, para o que serviram de apoio teórico John Dewey, Yu Fu Tuan, Le Corbusier , Mallard e Walter Benjamin, especialmente para demonstração da caracterização do conceito de vivência e da realidade do ensino de atelier. Por fim, confrontamos os assuntos tratados com a realidade de um profissional formado que procurou expor, sob a luz dos capítulos anteriores, sua experiência acadêmica e as repercussões dessa em sua vida profissional de formado. Enfim, os resultados deste trabalho apontam para a necessidade da discussão intensa sobre a importância das vivências dos alunos no processo de ensino-aprendizagem no Curso de Arquitetura e Urbanismo, de modo a garantir que tanto o currículo como as atividades durante a formação e na vida profissional tenham uma significação mais realista e efetiva para os sujeitos e para a sociedade.

Palavras Chave: Arquitetura; Ensino; Urbanismo.

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ABSTRACT

This is a theoretical qualitative research, discussing the questions of living experiences in relation to the learn-teach process in the Architecture and Urban Design courses well as the pedagogic approach to the teaching methodologies related to that course. Starting by characterizing the profession, its state in the country according to the Conselho de Arquitetura e Urbanismo, and of its practitioners and the characterization of the course in Brazil according to the Associação Brasileira de Ensino da Arquitetura and the minimal curriculums of the Ministry of Education. Following that first moment we characterize the atelier teaching and the teaching of architecture, in this endeavor we will use the theory support of John Dewey, Yu Fu Tuan, Le Corbusier, Mallard e Walter Benjamin this last specially to demonstrate the meaning of live experience and the reality of the atelier teaching. Finally we confront the treated subjects with the reality of a working professional of the field to display, under the terms of the previous chapters, his academic experiences and its repercussions in his professional life.

Keywords: Architecture; Teaching; Urban Design.

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SUMÁRIO Introdução .............................................................................................................................................10

Capítulo 1 Arquitetura e Urbanismo no Brasil: uma abordagem introdutória.... ...................................13 1.1 Arquitetura e urbanismo como conhecimento e ensino: contexto histórico básico.......................13 1.2 A profissão do arquiteto e urbanista no Brasil: contexto básico da profissionalização.................16 1.3 Um relato sobre aprender arquitetura e urbanismo.......................................................................17

Capítulo 2 Ensino, arquitetura e urbanismo: uma análise de processo................................................21 2.1 Um método descontextualizado....................................................................................................21 2.2 Ensino, linguagem e reprodução...................................................................................................27

Capítulo 3 Discutindo uma experiência na Arquitetura e Urbanismo....................................................29 3.1 As vivências do aluno....................................................................................................................29 3.2 As vivências do profissional...........................................................................................................33

Considerações Finais............................................................................................................................37

Referências...........................................................................................................................................40 Anexos – Imagens.................................................................................................................................41

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INTRODUÇÃO

Atualmente nossa sociedade tem se tornado mais e mais uma sociedade urbana. Cidades em crescimento desenfreado, metrópoles superpopulosas e superpovoadas. Espaços e caminhos cada vez mais escassos e problemáticos.

Nesse contexto nos cabe questionar que tipo de vida esses espaços e essas cidades nos proporcionam? E de quem será a obrigação de discutir essas questões?

Os arquitetos e urbanistas formados por nossas academias estão cada vez mais distanciados das realidades e cada vez menos capazes de pensamento crítico, culminando por produzir uma arquitetura e urbanismo pasteurizados, ou seja, sempre com as mesmas soluções esquadrinhadas pelas pressões do mercado imobiliário e em última instância pelas soluções estudadas e internacionalizadas, sem grandes reflexões.

Em grande parte, não nos distanciamos ainda o suficiente da máxima da industrialização da arquitetura e do modo construtivo do período do modernismo e de sua arquitetura mundial (LE CORBUSIER, 2011). Vivemos também em uma sociedade onde as imagens, normalmente isoladas de determinada edificação ou plano, têm toda a importância ignorando todo o potencial adicional que poderia ser experimentado. Aliás, para além da sua utilidade, a visão tem o poder de invocar as nossas reminiscências e experiências, com todo o seu corolário de emoções, facto do qual se pode tirar proveito para criar situações de fruição extremamente intensas. (CULLEN,.1971,.p.10)

Em vista deste problema, podemos nos perguntar em relação aos que se propõem a iniciar no estudo da arquitetura e urbanismo: que tipo de vivências relacionadas a arquitetura e urbanismo eles tiveram? Qual é o impacto que isso tem 9

na sua formação sentimental? O estudo nessa área irá impor novas vivências que farão dele um profissional mais crítico e mais preparado para buscar modificar os problemas e paradigmas postos pela sociedade, ou simplesmente o transformará em um reprodutor de um sistema posto?

A experiência, por ser, capacidade de aprender a partir de suas próprias vivências, nos permitindo criar e transformar a partir delas (TUAN, Yu-fu, 1983) se reveste, por sua vez, de importância significativa tanto para o professor como para o aluno. Mais importante, ainda, porque segundo Dewey, “experiência e educação, não são termos que se equivalem”. E ainda “é deseducativa toda experiência que produza o efeito de parar ou distorcer o crescimento para novas experiências posteriores”. (DEWEY,1971,p,14)

Neste trabalho buscamos discutir o que acreditamos ser de primeira importância para a prática e o ensino da arquitetura e urbanismo: as vivências. Mais especificamente, estudar a importância de se entender as vivências e quanto elas impactam no processo de ensino-aprendizagem, tanto por parte do aluno, quanto por parte do professor e buscar determinar sua influência na qualidade do ensino e em última consequência na produção de arquitetura e urbanismo desse aluno uma vez formado.

Nosso suposto fundamental foi o de desenvolver o entendimento de como funciona um curso generalista e plural, numa sociedade culturalmente diversa, e num país de dimensões continentais com suas questões regionais sejam elas culturais, técnicas ou até mesmo climáticas, o que implica obrigatoriamente na discussão de questões importantes e impactantes desse processo.

Entender como as necessidades de mercado e filosofias internacionais de trabalho arquitetônico influenciaram a criação e remodelação das diversas formulações dos currículos com o passar dos anos também foi matéria desta reflexão.

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Procuramos, ainda, discutir sobre como o aluno adentra o ambiente da faculdade e como suas experiências prévias com o espaço impactam positiva ou negativamente todo o seu processo de produção do espaço e todo o seu processo de ensino-aprendizado. E, também, como o ensino de atelier pode impactar o aprendizado e criar vícios nesse processo, que refletirão na vida profissional do arquiteto e urbanista futuro.

Por fim, levanto em conta a experiência pessoal de um aluno do curso, buscamos verificar como a realidade se reflete frente a todo esse processo, procurando entender que tipo de dificuldades e problemas o aluno desse curso poderá enfrentar e que tipo de impacto esse ensino terá em sua vida profissional e acadêmica.

Tentamos, dessa forma refletir um pouco mais sobre a forma como o curso de arquitetura e urbanismo leva em consideração a importância das vivências no processo de ensino-aprendizagem de seus alunos.

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CAPÍTULO 1

Arquitetura e Urbanismo no Brasil: uma abordagem introdutória

1.1 Arquitetura e urbanismo como conhecimento e ensino: contexto histórico básico

O ensino de métodos de construção remonta a muitos anos antes de Cristo, desde que o homem abandonou o estilo de vida nômade; a necessidade de moradia e proteção contra as intempéries, entre outros, demandou que esse conhecimento fosse apreendido e retransmitido. Porém, somente com o trabalho de Alberti (14041472), em seu “Re Aedificatoria”, obra que reúne sua leitura e interpretação dos textos de Vitrúvio implantando normas, regras e dando uma definição de ofício, é que a arquitetura passaria a ser tomada como ramo do conhecimento. Interessa-nos entender, todavia, como o ensino da arquitetura e urbanismo chegou ao Brasil e como ele se desenvolveu. Os primeiros anos dessa prática estão intrinsecamente ligados com os de Portugal, uma vez que apenas em 1808, com a chegada da corte portuguesa, o Brasil teria sua primeira instituição acadêmica. Dessa forma, podemos identificar três momentos importantes no ensino luso da arquitetura: o primeiro, denominado eclesiástico, onde a transmissão do conhecimento estava dominada pelas ordens religiosas; o segundo, das corporações de ofício, onde o método de ensino era determinado no binômio mestre-aprendiz; e a terceira, do público, onde preparavam os indivíduos através de “aulas” e “cursos”, de forma a preencher quadros de pessoal para a coroa portuguesa. As primeiras construções em meados de 1577 são atribuídas à primeira fase, enquanto as corporações de ofício foram bastante promissoras no Brasil sendo extintas apenas em 1824 pela constituição. Devido às intenções lusas de exploração do território brasileiro, em detrimento da colonização, as necessidades de assentamentos na colônia tinham mais relações com precisões práticas: fortificações e edifícios de administração. Essa demanda culminou na instituição das “Aulas de 12

Arquitetura Militar” em 1699, no Rio de Janeiro, Salvador e São Luís e em 1701 no Recife; essas aulas seriam ministradas até 1792. Em 1806, com a chegada da corte portuguesa no Brasil, o paradigma de construções de ordem prática não mais se adéqua à condição da colônia. Foi necessária a criação de todo um sistema funcional e simbólico próprio a partir dessa nova situação que resultou na modificação de construções existentes, a construções de novas monumentais e a urbanização e embelezamento do Rio Colonial, além do impulso nas atividades culturais e a fundação de diversas instituições com esse propósito, em especial a chamada “Missão Francesa” que viria a fundar a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios. Mas, somente em 1826, com a criação da Academia Real de Belas Artes no Rio de Janeiro, o curso de Arquitetura passaria a ser ministrado, sendo que seu principal público eram os estudantes de origem modesta. A escola perduraria até 1959 quando, já com o nome de Escola Nacional de Belas Artes - atribuído em 1889 pelo estado republicano – teria formado um pequeno número de arquitetos durante todo o século XIX; mas a partir do século XX, com

o

advento

do

desenvolvimento

econômico,

especialmente

aquele

proporcionado pelas capitais do café, começou a receber estudantes de uma parte da população cujo status cultural era mais elevado. Além disso, a mudança das condições dos mercados de trabalho verificadas a partir do final do séc. XIX culminou na criação de diversos cursos de arquitetura em novas escolas de engenharia ou de belas artes. Conforme a ABEA (Associação Brasileira de Ensino da Arquitetura), em 1933 havia quatro cursos de arquitetura no país. Em 1966 esse número passou para doze; em 1974, vinte e oito; setenta e duas em 1994; cento e oitenta e quatro em 2008 e, finalmente, em 2013, duzentos e noventa e três cursos em vinte e seis estados mais o Distrito Federal, espalhados em cento e quarenta e sete cidades, sendo que a maior parte delas se concentra no Sul e Sudeste, o que é compreensível, uma vez que as maiores porcentagens de urbanização estão nesse eixo. Com a criação da Faculdade Nacional de Arquitetura em 1945, no Rio de Janeiro, houve a mudança dos antigos catedráticos por novos professores mais identificados com a Arquitetura Moderna. Estes, por sua vez, formando os mestres 13

que disseminariam por outras escolas do país os mesmos valores. O próprio currículo da faculdade serviu de exemplo e modelo para diversas outras escolas do país, porém as atividades pedagógicas e conteúdos ainda eram muito similares ao curso de origem. Outra abordagem desse período foi o das escolas politécnicas adotada pelos cursos paulistas e pelas engenharias do país. A partir da década de 1950, a arquitetura brasileira encontrava-se fortalecida no mundo e seu maior triunfo se materializava na realização da construção de Brasília. Além da realização de três Encontros Nacionais de Arquitetos, Estudantes e Professores de Arquitetura (1958, 1959 e1962) para definir a identidade profissional que os desvencilharia das artes e da engenharia, forjando o que deveria ser uma formação específica. Em 1962, com base nesses encontros, o Conselho Federal da Educação aprovaria o Currículo Mínimo que instituiu os conteúdos obrigatórios para as escolas de arquitetura brasileiras. Neste parecer também foi dada a definição do projeto como produto típico da atividade do arquiteto. (SALVATORI, data???). Porém, com o advento da ditadura militar e a ênfase no ensino funcional voltado ao mercado de trabalho, as universidades viram o curso de arquitetura reduzido em sua duração, passando da média de 5 para 3 anos. Isso se deu através de nova promulgação de currículo mínimo, ocorrida em 1969. Seguiu-se, então, a década de 1970 que apresentou o declínio da hegemonia da Arquitetura Moderna e, de fato, até 1994 houvera poucos avanços com relação à legislação curricular. Apesar de tentativas de reformulação, a questão foi enfrentada de maneira individual pelas escolas o que resultou em diversas propostas e na dissolução do conceito do perfil profissional criado pelo currículo mínimo. Em 1994, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) publicaria as novas Diretrizes Curriculares, que buscavam uma aproximação a padronizações internacionais; essas diretrizes reaproximaram a discussão das associações profissionais representativas às questões de ensino. Esse acontecimento culminou no mercado de trabalho direcionando de forma direta as competências profissionais indispensáveis, que ficaram ainda mais visíveis na versão de 2006 das Diretrizes Curriculares do Curso; e estas que foram novamente revisadas em 2010, sob a mesma filosofia, demandam dos projetos pedagógicos a presença explícita dessas 14

competências em seus textos, sendo hoje a legislação vigente para todos os cursos de arquitetura em território nacional.

1.2 A profissão do arquiteto e urbanista no Brasil: contexto básico da profissionalização

Tal qual o ensino da arquitetura a prática profissional do arquiteto no Brasil incidiu por diversos estágios com o passar do tempo. Como foi visto até meados do início do século XIX a profissão era disseminada entre os extratos mais baixos da sociedade e tinha pouca desenvoltura como disciplina acadêmica (SALVATORI, 2008, p.53). É somente após o Estado Novo que acontece uma grande oportunidade de expansão do campo profissional. Especialmente pela grande demanda do Estado por construções de infraestrutura, mas também pelo desenvolvimento econômico, industrial e urbano que se deram nesse período. Durante as décadas de 1930 a 1960, se viu também no Brasil o aumento da importância social da Arquitetura e Urbanismo, especialmente durante o governo de Juscelino Kubitschek e a exaltação do discurso de uma nova identidade para o país que, nesse momento, passava de uma sociedade primariamente agroexportadora para uma urbano-industrial. Havia nesse contexto uma forte influência da arquitetura moderna, a Semana de Arte Moderna de 22, que seria responsável por grande impacto em toda a categoria dos arquitetos especialmente no tangente à criação de uma identidade nacional. Durante todo esse período os grandes empregadores da arquitetura eram o próprio Estado e as classes sociais dominantes, fruto da demanda desenvolvimentista que assolava o país. A colaboração entre os campos profissional e o educativo nessa época também é um dos fatores que explica a grande aceitação da arquitetura moderna como a nova estética para a arquitetura nacional. Após a II Guerra Mundial, o Brasil experimentava um momento de maior abertura democrática que pressionava pela maior distribuição dos resultados desse desenvolvimento. Em 1964, porém, em resposta às “Reformas de base” de João 15

Goulart (1918-1976) as forças conservadoras do país instauram uma ditadura militar que duraria vinte anos, o que causou o distanciamento dos arquitetos brasileiros mais influentes no ensino da arquitetura. Nomes como Oscar Niemayer, Demétrio Ribeiro e Vilanova Artigas, e outros, tiveram seus direitos políticos cassados, já que acabavam identificados com as esquerdas políticas principalmente por suas experiências nas CIAM (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna) e por tratarem especialmente de assuntos como moradia social e projetos para massas populacionais. É de se estranhar, entretanto, que diversas dessas propostas geradas nesses mesmos congressos seriam depois apropriadas pela ditadura em plena colaboração com a classe profissional dos arquitetos. Logo após o golpe militar foram instituídos os PND (Planos Nacionais de Desenvolvimento) que, em especial os dois primeiros, colocaram os arquitetos em posição inédita nos âmbitos administrativos e, também, na implantação nos grandes projetos de infraestrutura, responsáveis por boa parte das novas oportunidades de trabalho no campo urbanístico. Nesse período, também, muitos dos arquitetos destituídos de cargos públicos por motivos políticos voltaram a trabalhar como contratados nesses grandes projetos, já que contavam com experiência fundamental para o contexto desenvolvimentista do país. Porém, com a década de 1970, a crise do petróleo e a desaceleração econômica, os PNDs não foram efetuados em sua plenitude. Com a redemocratização na década de 1980 e os fracassados planos econômicos, um novo paradoxo aparece entre as exigências do mercado e a formação dos novos arquitetos. A massificação do ensino da arquitetura e a aceitação de ideias neoliberais vão transformando o mercado da construção em um “commodity”, onde a remuneração é muito mais importante que a qualidade do produto arquitetônico. Com a Lei da Anistia Política (1978) reaparecem as publicações especializadas no assunto e se retomam os intercâmbios internacionais. Nesse momento começa um ensaio de mudanças no postulado moderno da arquitetura do país, especialmente fora das capitais de São Paulo e Rio de Janeiro e com grande força no Sul do país. A interiorização dos estudos também trouxe uma certa regionalidade se desvinculando dos modelos anteriores. Porém, o padrão do produto 16

da arquitetura atendia mais e mais à estética de imagem empresarial, quase sempre com reflexos de influências internacionais. Seguindo até o presente, os arquétipos são aqueles do mercado imobiliário, que usa e reutiliza todo tipo de estilo e linguagem com finalidades publicitárias e de mercado. O perfil do profissional arquiteto também tem sofrido muitas mudanças ao longo dos anos. Inicialmente uma profissão masculina, tem visto essa condição mudar. Segundo dados do mais recente censo do CAU-BR (Conselho de Arquitetura e Urbanismo – Brasil), 67% dos arquitetos brasileiros são do sexo feminino, apenas a partir da faixa dos profissionais com 61 anos ou mais os homens são maioria, o que demonstra uma clara mudança no mercado, especialmente na faixa etária entre 30 e 35 anos. Os arquitetos também têm alto grau de escolaridade, 25,49% são pósgraduados enquanto que 8,07% têm mestrado ou doutorado. A distribuição dos profissionais é bastante centralizada, sendo que as regiões Sudeste (53,80%) e a Sul (22,61%) detém três quartos de toda a população de arquitetos do país. Convém esclarecer que apenas 34,73% desses trabalham com concepção de projetos em arquitetura e urbanismo; dado ainda mais relevante a esse estudo é que apenas 2,76% dos profissionais se dedicam ao ensino da arquitetura no país.

1.3 Um relato sobre aprender arquitetura e urbanismo

Este autor, por sua vez, pode, de forma bastante significativa, contribuir com suas vivências pessoais para o andamento deste trabalho. Arquiteto e Urbanista, formado em uma universidade de renome no município de São Paulo, situada em bairro consolidado da cidade e com uma veia artística bastante proeminente, iniciou seus estudos no segundo semestre de 2005 e se formou no início do segundo semestre de 2010. Participante do diretório acadêmico durante os anos de 2006 e 2007 esteve presente em diversos Conselhos Regionais de Estudantes de Arquitetura (COREAs), como representante estudantil da universidade junto a demais colegas de diretório, estando bastante envolvido em discussões das modificações trazidas pelo já citado plano de diretrizes curriculares do ano de 2006. 17

O curso de arquitetura e urbanismo é dividido, basicamente, em disciplinas técnicas, artísticas e de projeto; podendo exemplificar as primeiras os estudos de desenho técnico e cálculo estrutural, e de conforto ambiental; o segundo grupo é composto por desenho de observação e história da arquitetura e da arte, já o terceiro compreende projeto arquitetônico de interiores, urbanos e de restauro. Em geral as duas primeiras categorias de disciplinas são disciplinas teóricas, enquanto as da terceira categoria se denominam por “aulas de atelier”. Com a definição do projeto como produto típico do arquiteto, como pudemos ver, é de se esperar que as disciplinas do curso orbitem em torno das necessidades de fazer o aluno aprender a projetar. Em especial, nessa faculdade relatada pelo autor, o projeto pedagógico se iniciava com um primeiro semestre muito fortemente embasado nas matérias das categorias técnicas e artísticas, enquanto que a única disciplina de projeto era praticamente uma iniciação à dinâmica de uma aula de atelier. A partir do terceiro semestre as matérias teóricas passam a ser conteúdo para as disciplinas de projeto do semestre seguinte, de tal sorte que se no sétimo semestre a disciplina de restauro era o principal eixo temático, no oitavo semestre do curso as disciplinas de projeto se focariam então em restauro. Os dois primeiros semestres normalmente servem de aclimatação para os alunos, já que poucos são os jovens que saídos do ensino médio possuem vivência na dinâmica de estudo de atelier. Basicamente, uma aula de atelier, consistia em uma aula com vários professores que escolhem um tema a ser desenvolvido individualmente pelos estudantes, com partes do processo em trabalhos em grupo; como o desenvolvimento do projeto e as orientações dadas pelos professores dependem da produção dos alunos, estes se tornam responsáveis pelo conjunto do trabalho. Isso, por sua vez, gera muita discussão sobre métodos de avaliação, uma vez que o aluno pode ser atendido constantemente por um professor e ser avaliado por outro diferente. Centro-me na explicação da disciplina de projeto porque como ela é a síntese do trabalho do arquiteto e do estudante é nela que veremos a importância das vivências.

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Como já foi dito, o ensino de projeto depende bastante do entendimento teórico e de aplicação das técnicas e da subjetividade artística e, por isso, durante os ateliês é comum que alunos se apeguem a um professor que tem uma visão estética ou como se costuma dizer na arquitetura, uma visão formal mais próxima da sua, o que muitas vezes acaba por transformar o aluno num mero espelho para as soluções de projeto que seu professor, experiente e com mais vivências, pode concatenar. A forma de ensino mais usada para projeto é a de “inspiração” em trabalhos já realizados, ou seja, criação de repertório pessoal através do estudo e reprodução de soluções utilizadas por outros. Este estudo normalmente é feito através de leituras e estudo de imagens e plantas de outros projetos. Levando em conta a falta de familiaridade do aluno com o espaço tridimensional, representado quase sempre em duas dimensões nas fotos e desenhos técnicos, nem sempre esse estudo tem o efeito realmente esperado de entendimento do porquê de determinadas tomadas de decisão por parte do arquiteto responsável pela obra estudada. O curso muitas vezes ignora as vivências de cada aluno, o que este entende por espaço e as suas relações com esses. O que ele vivenciou de arquitetura e urbanismo, de qualidade ou não, pouco importa nesse processo, porque como foi dito o aluno está assimilando um repertório; o problema é que esse não será seu, pois não terá sido vivenciado, senão de segunda mão nesse primeiro momento. Durante o curso também nos foi oferecida a possibilidade de algumas viagens supervisionadas a locais com importantes obras da arquitetura nacional, como Rio de Janeiro - RJ, Petrópolis - RJ, Ouro Preto - MG, Vila Velha - MG, Mariana-MG, Belo Horizonte - MG e Brasília - DF, durante as quais pude de forma muito mais efetiva vivenciar e transformar aquelas experiências em repertório. Foi, inclusive, durante a visita a Vila Velha, em uma de suas igrejas barrocas, que a percepção de quanto a vivência daquele momento impactou a este autor e, por conseguinte, gerou a força motriz para esse trabalho.

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CAPÍTULO 2

Ensino, arquitetura e urbanismo: uma análise de processo

2.1 Um método descontextualizado

Neste

momento

do trabalho,

pretendemos analisar o processo de

aprendizagem e de ensino que o estudante de arquitetura produzirá e receberá. Visto que o curso se constitui de três grandes temáticas – a teoria, a produção técnica e a produção artística – estas deverão ser trabalhadas de forma a apresentar aos alunos todo o ferramental para que se desenvolva de modo que resulte, no futuro, um profissional não só preocupado com o bem-estar do usuário de suas produções, mas também de toda a sociedade.

Porém, antes disso é necessário entender e lembrar as condições nas quais o aluno se encontra ao adentrar a universidade. Em geral, conta somente com as relações vividas na (s) casa (s) onde tenha habitado, e muitas vezes, apenas com a parte da cidade em que sua casa se localiza. Portanto, ele tem apenas os referenciais vivenciados nesses espaços e uma consciência muito pouco crítica, cheia de preconceitos especialmente com aquilo que não lhe é conhecido. Não devemos nos esquecer de que muitos alunos chegam à Universidade carregando uma série de ideias preconcebidas originadas de um incipiente conhecimento do mundo ao seu redor. Esse indivíduo ilhado na própria cidade, que só conhece o mundo a partir das referências de seu fechado círculo social, tenderá, naturalmente, a perpetuar este ponto de

vista

limitado

em

sua

produção

arquitetônicas.

(RUFINONI, 2002, p. 12).

Vale ressaltar, como nos lembra Tuan (1930), que mesmo alunos provenientes de localidades próximas entre si e, às vezes até mesmo de uma 20

mesma região, podem experimentar mundos diversos, seja por motivo de status diferentes, áreas de trabalho ou de convívio diversos, etc.

Neste ponto é importante salientar também que os docentes em arquitetura apenas recentemente têm entre suas fileiras professores acadêmicos. [...] até bem pouco tempo, a docência em arquitetura – principalmente

na

área

de

projeto



era

diletante:

exercíamos a nossa prática profissional nos nossos escritórios ou no setor público [...] e íamos às faculdades transmitir a experiência adquirida nessa prática. (MALARD, 2005, p. 81).

Isso é uma realidade especialmente para as disciplinas de projeto, uma vez que a produção arquitetônica brasileira dos últimos tempos se encontra prestigiada internacionalmente, o que facilita a reprodução desse sistema. Enquanto que para as disciplinas teóricas, até em função de sua natureza, muitos dos docentes assumem esse cargo como profissão primeira em suas carreiras, obviamente dedicando a ela mais empenho.

Como o curso se apoia fundamentalmente nas aulas de atelier de projeto, em que a maioria dos docentes não tem formação pedagógica, os professores se apoiam firmemente em suas práticas profissionais. O padrão metodológico utilizado por esses professores é o da solução de problemas. Normalmente se propõe aos alunos uma situação para a qual eles devem apresentar uma solução projetual. Ocasionalmente, a problematização também pode ficar a cargo do aluno, sendo que, normalmente essa última é reservada aos alunos já em momentos mais avançados do curso. Esse tipo de atividade tem em si uma complicação no fato de que uma avaliação objetiva é impraticável, pois projetualmente um problema pode ser resolvido de diversas maneiras sem que nenhuma delas possa ser considerada correta ou incorreta. Nesse caso, o julgamento feito pelo avaliador é baseado em suas próprias vivências. Por exemplo, professores mais ligados ao movimento moderno, ou de mercado tenderão automaticamente a avaliar os trabalhos de forma mais adequada a sua própria prática. 21

É comum também que os professores utilizem estudos de casos e de referências arquitetônicas vistos em revistas especializadas, bem como, ainda, discussões entre professor e aluno com relação a estas. Cabe ressaltar que elas são a grande virtude e também o grande problema do ensino de atelier. A dinâmica da apresentação da produção – ou seja, as propostas de projeto – para a crítica e debate

junto

ao

seu

orientador,

cria

uma

relação

que

se

desenvolve

significativamente, uma vez que para julgar a solução proposta pelo estudante, é necessário entender de quais premissas se está partindo, quais foram os processos que desencadearam as escolhas tomadas, de forma que a interpretação do produto apresentado seja correta. Todavia, o que observamos é a reprodução de soluções ditas ideais. Fundamentalmente se perceberá então que as vivências e entendimentos do professor serão sobrepostos aos do aluno, num processo que não entenderá o erro e a experimentação – ainda que esta última resulte em soluções disparatadas – como tentativas válidas na busca da resposta para esse trabalho proposto. Isso poderá fazer com que o aluno se torne um repetidor das soluções já previamente conhecidas pelo professor.

Nesta situação o aluno acaba por perder oportunidades valiosas de se aprofundar em uma pesquisa técnica e teórica, uma vez que não terá buscado novas possibilidades para solucionar o problema proposto.

Outra questão importante que essa prática metodológica suscita é a objetificação do produto de trabalho como um fim em si mesmo, ou seja, não será mais o processo de desenvolvimento o importante e sim o produto final apresentado. Isso acabará por produzir um clima de competição, em que cada solução apresentada terá mais ou menos mérito. Partindo de nossa própria experiência, arriscamos afirmar que, inúmeras vezes durante o processo de projeto, alunos deixarão para produzir um produto nos últimos dias de seu prazo, preocupados em apenas concluir o trabalho. Ao transformar o atelier não mais em um espaço de discussão e argumentação, mas sim num espaço de mera orientação para uma competição, que se instaura rapidamente entre os estudantes, o clima passa a ser o de um “Concurso 22

de projeto”. Dessa forma, o objetivo não será mais exclusivamente resolver um problema, mas ter a melhor solução para o problema. A ideia de reproduzir o ideal do “arquiteto gênio” que tem todas as respostas apesar de muitas vezes nem entender o porquê de suas escolhas, acaba por ser o mote desse conjunto de atividades.

Com o ideário de competição em mente, o aluno acaba também por sobrevalorizar o monumental, o apelo visual exagerado; e, nesse caso, não só o embelezamento estético do projeto, mas também dos meios de apresentação, sejam eles quais forem, é que passam a importar, às vezes até em detrimento do entendimento do material apresentado. É comum a apresentação de pranchas com diagramações artísticas esplendorosas, maquetes eletrônicas perfeitas,

em

materiais que receberam mais atenção do que o projeto em si. Nas imagens abaixo, podemos comparar como, com o passar do tempo, as ferramentas e o modo de apresentação tomaram mais e mais o espaço do projeto.

Imagem 1 - Plano Piloto – Brasília por Lúcio Costa

23

Imagem 2 - Vencedor do Concurso Internacional para o empreendimento Busan North Porth, Coréia do Sul

Como é possível ver nas imagens acima, sem entrar no mérito da qualidade das propostas, o apelo visual se tornou parte fundamental da apresentação das propostas arquitetônicas. Ambas as pranchas foram apresentadas em concursos, ambas foram vencedoras, logo, podemos perceber como os usos de cores, imagens e desenhos da segunda proposta foram usados para chamar atenção para a prancha, muito mais do que para o próprio projeto e no intuito de, tornando a prancha mais aprazível aos olhos, separá-la positivamente das demais possíveis propostas. Na primeira imagem vemos apenas a representação técnica simplificada do projeto, na segunda, vemos muito pouco de técnico e muito mais de artístico. A intenção parece ter sido de transformar uma proposta técnica em algo mais agradável aos olhos, sem termos a certeza clara de que essa solução traria tecnicamente os mesmos benefícios aos futuros usuários do projeto construído.

Somos criaturas que apreendemos o espaço através da visão e do mover-se, uma vez que o pensamento está fortemente ligado às imagens. E é sem dúvida através da visão que recebemos a maior quantidade de estímulos, portanto, é de 24

entender a necessidade de se atender aos olhos desde o primeiro instante. Porém, ao se optar pela monumentalidade sem reflexão e sem pensamento crítico, desperdiçamos uma oportunidade de propor espaços que sejam experimentáveis além do que se vê. Mais ainda, se deixa para trás toda a experimentação das teorias aprendidas em disciplinas não projetuais, quando o aluno decide pelo monumento arquitetônico e não pela edificação, certamente deixará de pensar em soluções que acomodem demais sentidos dos possíveis usuários daquele espaço projetado. Ou ainda pior, usará soluções genéricas para essas questões e muitas vezes somente quando elas agregarem algum valor estético a sua produção.

Outro fator que ajuda a propagar essa situação é o foco das problemáticas de projeto voltadas ao que chamamos de arquitetura de exceção, esquecendo muitas vezes da possibilidade de trabalhos baseados em problemas reais da sociedade. Espaços como teatros, museus e edifícios multiuso, tomam precedência sobre outros tipos de projeto, como por exemplo, os de moradia social. Essas tipologias sem dúvida trazem qualidades à discussão do problema do espaço projetado, mas utilizadas no sistema apresentado, descontextualizadas, acabam muitas vezes por produzir ideias de monumentalismo obrigatório e a repetição das soluções propostas por outros sem terem sido vivenciadas pelo aluno. Por exemplo: um aluno poderia ser solicitado a projetar uma galeria, sem que ele nunca tivesse visitado uma, nem entendesse vivencialmente do que se trata o espaço; ele certamente produzirá um material, ainda que tecnicamente correto e talvez visualmente aprazível, ineficaz do ponto de vista da experiência do espaço.

Esse processo também diminui obviamente a importância dada pelo aluno às disciplinas teóricas do curso. Normalmente as disciplinas de projeto são as de maior carga horária e também as com maior carga de trabalhos e tendem, na maioria das vezes, a serem priorizadas pelos estudantes.

Existe ainda também pouco incentivo a pesquisa no campo de projeto. Normalmente a pesquisa costuma ser muito mais presente nas disciplinas de engenharia e construção que também fazem parte do curso. 25

Em vista disso, a formação do arquiteto e urbanista como o profissional generalista no campo profissional é até atendida, porém, com uma falha de criticidade pelo fato do aluno não ter vivenciado de forma verdadeira o processo de pesquisa; a partir de erros e acertos esse profissional estará fadado a reproduzir também, no mercado de trabalho e na sociedade, esse padrão de ideias imposto dessa outra pelo próprio mercado imobiliário.

2.2 Ensino, linguagem e reprodução Segundo Benjamin (1985), nós somos seres que habitando o espaço deixamos nele rastros, de tal forma que extrapolamos sua capacidade meramente prático-funcional – a casa, a escola, o escritório – e lhe imbuímos valor afetivo. Diferente do que propunha Corbusier (2011) em que a pura praticidade da máquina de viver, eficaz e estandardizada traria, ao homem e à sua família, portanto à sociedade, sua desbestialização e garantiria sua sobrevivência. Porém podemos indagar, se o homem deixa no seu espaço mais íntimo (a casa) rastros perceptíveis e profundos, não deixará também a sociedade, em sua mais completa forma de realização, que é a cidade, esses mesmos rastros?

Tais rastros, com o passar do tempo, gravados e regravados no espaço formam um diálogo que se expressa através de uma linguagem.

Ao arquiteto e urbanista cabe a capacidade de entender esses rastros e significá-los, ou seja, dialogar com o espaço em sua atuação projetual.

Porém, como vimos, a estandardização e a reprodução de soluções fazem com que a linguagem do espaço cada vez mais não corresponda à linguagem do arquiteto, diminuindo a qualidade da obra final. Isso causa uma cacofonia na linguagem e o que se verifica é que mais e mais se perde a autenticidade das referências. Os diálogos se tornam repetitivos, monótonos. Assim se perde a vivacidade que a relação entre o homem e a cidade pode proporcionar. É por esse mesmo motivo que remetemos a Tuan (1930, p.18) quando ele diz que “Os espaços do homem refletem a qualidade dos seus sentidos e sua mentalidade”. Que tipo de 26

espaços estaremos criando quando nossas resoluções estão afastadas das nossas vivências?

Retorno a Tuan:

A gravura de uma estrada que leva a um distante chalé parece fácil de interpretar; contudo a estrada só tem sentido completo para alguém que a tenha percorrido. (TUAN, 1930, p. 25).

O espaço educa, direciona as ações, gera sentimentos. Então ao propor soluções descontextualizadas com suas vivências, o aluno sem dúvida não logrará êxito em apresentar um diálogo com o espaço que está disposto a propor. O que ainda pode ser mais problemático é que esse espaço desconexo e fora do contexto do diálogo urbano, causará sem dúvida um “apequenamento” da qualidade das relações que a sociedade terá com o espaço, diminuindo a diversidade, a pluralidade e a vivacidade com que o espaço influenciará a vida dos que dele se servem.

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CAPÍTULO 3

Discutindo uma experiência na Arquitetura e Urbanismo

3.1 As vivências do aluno

Nesse capítulo passo a descrever e comentar minha experiência pessoal, à luz do discutido nos capítulos anteriores, exemplificando a formação de um arquitetourbanista.

Cinco anos, ou como na maioria dos currículos, dez semestres. Esse é o tempo mínimo que um aluno levará caso inicie sua caminhada no curso de Arquitetura e Urbanismo para se graduar no Brasil. Esse foi o tempo despendido por este autor em sua própria graduação, em uma renomada faculdade da cidade de São Paulo. É a partir dessas vivências que se pode afirmar o que segue.

Os quatro primeiros semestres, ou dois primeiros anos, serão dedicados à introdução de diversos conceitos básicos, sejam eles de natureza técnica, teórica ou prática, dos quais os alunos deverão se valer para o restante de sua vida acadêmica e, também, para sua vida profissional.

Disciplinas como: desenho de arquitetura e urbanismo, desenho de expressão, ecologia, história da arte e da arquitetura, tanto nacional como internacional, técnicas construtivas, topografia, antropologia urbana e instalações tomarão, em média, a metade das horas/aula dedicadas aos alunos, sendo que a outra metade será utilizada para a disciplina de projeto.

Desde o princípio do curso o aluno já cursará disciplinas de projeto, normalmente ele estará despreparado em relação a questões de representações técnicas de desenho, além de pequeno ou nenhum conhecimento em metodologias construtivas ou de linguagem formal arquitetônica, entretanto nessa fase o foco da 28

formação estará no conteúdo básico que permitirá que o aluno tenha o repertório acadêmico e profissional para se aprofundar nas disciplinas de projeto.

Durante essa fase as disciplinas de projeto abrangerão temas mais genéricos, iniciando o aluno na experiência da aula de atelier e aumentando sua capacidade de expressar suas ideias sem sentir-se frustrado, enquanto ainda se acostuma a dominar o ferramental necessário para transcrever corretamente suas ideias ao papel. Vale lembrar que diferente da maioria das disciplinas onde o meio de transmissão dos partidos1 se faz através da linguagem escrita, da qual se espera que o estudante tenha o domínio, a linguagem projetual é feita através do desenho. Esses semestres iniciais têm a importante missão de “alfabetizar” na linguagem arquitetônica e isso por si só já é um grande desafio, e o primeiro problema que se pode verificar, uma vez que enquanto aprende a linguagem já se espera que dela ele faça uso, em um paralelo, seria como pedir a um aluno que está aprendendo a escrever o alfabeto que escreva um pequeno poema enquanto ainda não domina plenamente a escrita, nesta fase o aluno ainda estará aprendendo a projetar enquanto se alfabetiza na linguagem de projeto.

Naturalmente, detalhes construtivos e partidos arquitetônicos nesse período tendem a ser menos importantes na solução do problema apresentado do que a capacidade de pensar, idealizar e transmitir a solução proposta.

Nestes semestres apenas uma disciplina de projeto será ministrada e ela tomará como dito anteriormente, por volta de metade do tempo da vida acadêmica do aluno. Os temas e problemáticas serão amplos, quase genéricos, com intenção de não adicionar uma complexidade que o estudante não estará preparado a equacionar. Cito os temas desenvolvidos neste período em minha graduação: 1º Semestre – Centro Cultural (Edifício de Múltiplo-uso) 2º Semestre – Conjunto residencial

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Partido, em arquitetura, é um termo utilizado para descrever os conceitos teóricos e práticos que nortearão a execução do projeto.

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3º Semestre – Edifício Garagem 4º Semestre – Edifício Comercial

Como se pode verificar todos os temas têm, em comum, programas amplos e genéricos dos quais se esperam soluções, simples, porém assertivas, por parte dos alunos. Esses temas também ajudarão no processo de formulação de ideias quando de programas mais complexos, uma vez que as técnicas e teorias neles debatidas, certamente se encontrarão presentes em programas mais complexos.

Um fator importante que vale ser lembrado é que o repertório formal deste estudante para solução dos problemas propostos será muito pequeno, o que é natural e por consequência forçará invariavelmente a escolhas baseadas estritamente nas decisões e orientações de projeto de seu professor-orientador.

Essa dinâmica, que se repetirá com alguma frequência desde os semestres fundamentais do curso se transformará no alicerce de um comportamento repetitivo, o de seguir as decisões do professor ao invés da exploração de vivências próprias na formação de um repertório pessoal. Uma vez que prazos e, muitas vezes, a própria incapacidade do orientador em explorar outros caminhos de solução além do seu próprio viés de pensamento, transformarão essa disposição num caminho menos trabalhoso e mais frutífero no que tange a questão da sua nota de avaliação.

A partir do quinto semestre, ou seja, do terceiro ano de curso, disciplinas como interiores, paisagismo, plástica, conforto ambiental, acessibilidade e restauro, começam a ser inseridas na grade curricular e cobradas nas soluções projetuais, que passam a ter programas mais complexos. Novamente usando como base os deste autor: 5º Semestre – Agência de Publicidade (ênfase em interiores) 6º

Semestre



Centro

Cultural

+

Sede

Administrativa

(ênfase

em

acessibilidade) 7º Semestre – Mirante (ênfase em estrutura) 30

8º Semestre – Recuperação de prédio histórico – Centro Cultural (ênfase em restauro e patrimônio)

É também a partir do 3º ano, que as disciplinas projetuais são aumentadas, pois passam a envolver os projetos de urbanismo e legislação urbana. De fato, a partir desse momento, as disciplinas se dividirão em dois núcleos, as de núcleo arquitetônico e as de núcleo urbano.

Com o aumento das disciplinas de projeto e, consequentemente, da quantidade de material a ser produzido, os alunos acabam ainda mais a acatar as decisões de partido de projeto que seus orientadores lhe indicam, pois devem cumprir prazos e esses normalmente não permitem muito espaço para experimentação.

Experimentar implica em muitas vezes se valer de soluções que a princípio podem parecer inovadoras, porém normalmente acabam por serem falhas, é um processo repetitivo que tomará tempo e demandará retrabalho, porém, é de grande valia para o estudante, mas num universo em que a maioria dos estudantes não tem tempo suficiente para desenvolver seus afazeres acaba-se optando pelo conhecido e já familiar método adquirido nos primeiros semestres do curso, uma vez que ele garantirá também uma reação satisfatória do orientador.

Durante todo o curso as referências arquitetônicas de revistas e periódicos serão muito utilizadas como material de pesquisa para soluções, normalmente sem uma vivência prática dos espaços pesquisados. Muitas vezes a reprodução de soluções adequadas para uma realidade, será utilizada completamente fora de contexto, normalmente porque tais soluções agregam de alguma forma algum valor estético visual que agrada ao aluno, sem uma reflexão mais profunda se aquela seria realmente a melhor solução para aquele espaço sugerido.

Por conta disso, e como já discutimos no capítulo anterior, se instigará o sentimento de competição nas disciplinas de projetos, perpetuando o estilo de arquiteto gênio, que poderá resolver qualquer problemática espacial, apenas com o gesto da escolha de um partido arquitetônico. 31

No 9º semestre as disciplinas de projeto, tanto urbano quanto de arquitetura, trabalharam em formar uma síntese de todo o conhecimento adquirido pelo estudante nos semestres anteriores. Nesse semestre disciplinas de legislação e de projeto para o trabalho final de graduação, doravante TFG, serão lecionadas.

Por fim no 10º semestre o estudante deverá escolher uma área com uma problemática de seu interesse e desenvolver um projeto que atenta as questões apresentadas em sua problematização. No meu caso, estudei uma área de encontro de cidades, São Paulo-Guarulhos, com um viés de requalificação urbana. Nesse semestre final o aluno não cursará nenhuma disciplina além da sua orientação de TFG a ser feita por um professor normalmente da escolha do aluno. O TFG é então instituído como a “obra prima” do estudante. Uma vez que ele será sua primeira produção 100% autoral. Ele também invocará uma forte necessidade de apelo visual, uma vez que muitos concursos existem pelo país para premiar os melhores trabalhos de alunos. No geral o que se experimenta nessa fase, é a dificuldade do aluno em experimentar novas práticas, agora livre das demandas enunciadas pelos professores em semestres anteriores, e desenvolver um projeto com qualidade e espacialidade baseadas em vivências próprias dos alunos.

O que mais se pode observar é o retorno às edificações de arquitetura de exclusão, museus, parques, teatros. Poucas são as propostas que se distanciam muito desses temas, e normalmente quando se distanciam, são vistas com maus olhos pelos orientadores, uma vez que suas próprias limitações com novas experimentações de partidos e linguagem acabam por limitar sua vontade de encabeçar tal empreitada.

3.2 As vivências do profissional

Nessa seção irei dispor de algumas experiências profissionais desenvolvidas durante e após minha graduação.

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Durante o curso, como vimos, as disciplinas de projeto tomam grande parte do currículo e as demais matérias têm uma quantidade menor de tempo dedicada a elas. Porém, grande parte dos arquitetos irá trabalhar o projeto em diversas áreas, pois, obviamente, ele é o produto primeiro da produção do arquiteto. Mas, além disso, haverá também o acompanhamento de obras, a administração de orçamentos de obra, desenvolvimento de sistemas construtivos (apesar de essa última atividade normalmente ser mais comum para engenheiros), decoração e design de interiores, restauro e ainda trabalhos como técnicos de prefeitura, consultores de legislação edilícia etc.

Há ainda a possibilidade de o profissional enveredar pela carreira acadêmica, seja em pesquisa e lecionando em universidades ou lecionando em escolas de segundo grau, normalmente disciplinas relacionadas às artes.

Há também muitos arquitetos que tendo se formado se dispõem a abrir seu próprio escritório, o que muitas vezes com o decorrer do tempo o acabe transformando em um empresário/empreendedor muito mais que um arquiteto em si.

Durante meu período de aula tive a felicidade de poder estagiar em três empresas que trabalhavam em ramos completamente diferentes dentro da área de construção civil, e que puderam me dar uma boa visão, ainda que limitada dessas áreas, do mercado e como ele se relacionava à formação acadêmica que vínhamos recebendo.

Meu primeiro estágio aconteceu enquanto eu cursava do terceiro para o quarto semestre de curso, portanto no segundo ano. Fui contratado por um escritório de engenharia do Rio de Janeiro, que ganhara concorrência para prestar serviços de

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“as built”2 do IPEN – Instituto de Pesquisa em Energia Nuclear, na Universidade de São Paulo.

Primeiro, por se tratar de um escritório de engenharia que ficava no Rio de Janeiro, e os trabalhos serem definidos por entregas de edificações, eram por volta de 30 no total, tínhamos um horário de trabalho bastante relaxado, baseado nas entregas mensais referentes às medições de contratos fixados com a direção da faculdade, em última instância, portanto, com o governo do Estado de São Paulo.

Durante esse período tive um grande aprendizado com relação a esquemas construtivos e técnicas construtivas, uma vez que as plantas dos projetos daqueles edifícios poucas vezes refletiam os prédios construídos, e por diversas vezes tínhamos que adivinhar que tipo de viga ou que altura de forro existia em determinados lugares, porque muitas vezes alguns espaços eram impossíveis de serem acessado para serem medidos a trena.

Obviamente nesse caso em específico tive um grande acréscimo cultural também na questão das ciências físicas, uma vez que os pesquisadores nos edifícios se alternavam entre curiosos e com vontade de explicar as questões nucleares e cautelosos pelas muitas edificações em que existiam o real risco de contaminação por material radiativo.

Trabalhei nesse escritório e nessa empreitada por aproximadamente um ano, quando por fim terminaram as edificações a desenhar e, portanto, com o fim do contrato, o escritório do Rio, não tendo novos projetos em São Paulo, acabou por nos dispensar.

“As built” – ou “como construído”, esse é o desenho que é produzido da edificação pronta, existente, de forma a apresentar uma representação fiel da edificação construída. 2

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Depois dessa experiência, um tanto quanto incomum, estagiei em um renomado escritório de arquitetura, que muitos chamariam de “escritório de arquitetura de mercado”, e aqui tive a experiência com a qual boa parte, senão a maioria dos arquitetos tem que trabalhar ou esbarrar em suas vidas profissionais, que são as grandes construtoras e o mercado imobiliário.

Esse sem dúvida foi o lugar em que mais aprendi sobre projetos e projetar, muito mais que na faculdade. Aqui tínhamos prazos ainda mais curtos que os da faculdade, com imposições de prazos de obras, orçamentos, aproveitamento máximo de cada m² do terreno, e de fazer valer os m² cada centavo que o mercado pedia.

Do ponto de vista “artístico” as obras desse tipo de arquitetura invariavelmente acabam prejudicadas, muitas soluções inclusive se baseiam mais em questões de facilidade construtiva, tipificação de plantas, de forma a construírem produtos que possam ser mais bem vendidos e transformados em produtos a serem explorados por campanhas de marketing etc.

Porém é esse o ambiente que boa parte dos arquitetos, senão a maioria, irá enfrentar e nesse momento é difícil bater o pé e impor suas vontades e desígnios enquanto arquiteto, primeiro porque as questões de mercado muitas vezes se impõem e segundo porque, como citamos, os arquitetos estão acostumados a receber ideias “de cima”, seja do chefe ou do professor, desde sua formação primeira.

Nesta fase fiquei nesse escritório também por um ano. Depois disso parti para uma área bastante diferente, fui estagiar em uma empresa de comunicação visual, que atendia principalmente obras do metrô.

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Durante mais um ano, trabalhei na instalação de comunicação visual em estações de toda a linha amarela e principalmente da estação da Vila Prudente, da linha verde.

Essa foi uma experiência que exigia de mim diferentes atributos da profissão do arquiteto. Nesse momento, ainda que estagiário, eu era chefe de uma equipe de trabalhadores, eu deveria ser responsável por garantir que o material fosse produzido corretamente em nossa empresa, estivesse entregue na obra, fosse aprovado pelo departamento de qualidade do Metropolitano e depois fazer as corretas leituras de plantas para instalações e coordenar os trabalhos de execução em obra junto à equipe.

Foi um trabalho bastante cansativo, porém muito gratificante, especialmente por questão das escalas de obras. Poucos alunos nessa fase terão o benefício de um estágio que envolve obras de grande porte onde dez equipes diferentes estejam trabalhando em um mesmo ambiente com projetos diferenciados, de complexidades diversas, e todos devem se coordenar e trabalhar em sincronia e harmonia de forma a coexistirem produtivamente.

Tive essa experiência por aproximadamente um ano, ou onze meses, quando fui convidado a retornar ao escritório anterior que trabalhava com mercado imobiliário. Estava no ano final da minha graduação e com a possibilidade de um substancial incremento salarial, voltei a trabalhar naquele escritório onde permaneço já há quase seis anos, na data em que escrevo este trabalho.

Durante esses seis anos trabalhando nesse escritório, e depois de formado, tive a oportunidade de me aperfeiçoar como profissional e também a chance de observar novos estagiários e estudantes de arquitetura e verificar como a educação que recebemos na graduação é bastante distante da realidade do dia a dia do mercado, que a maioria desses profissionais em formação irá encontrar, seja 36

trabalhando para o mercado imobiliário e todas as mazelas filosóficas e econômicas que isso causa ou pode causar nos princípios de cada profissional, ou no mercado profissional fora do mercado imobiliário das grandes construtoras.

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Considerações Finais

As vivências são, sem dúvida, momentos de nossas vidas carregados de grande valor sentimental, experimental e também prático. Em subsequência poderão vir a se tornar as experiências importantes que definem nossas atitudes com relação ao nosso convívio social e à nossa produção em sociedade.

O que vivenciamos demarca o impacto que recebemos do nosso meio, de nossa relação interpessoal com os demais indivíduos da sociedade e como devolvemos esse impacto sofrido e alteramos as relações por conta disso.

Neste trabalho focamos entender o ensino da arquitetura e urbanismo, a importância desse fator no processo de ensino-aprendizagem e como ele limita ou amplia a capacidade do aluno e do professor para produzir um processo que realmente tenha significância para ambos, enquanto forma um profissional tecnicamente apto e capaz de pensamento crítico em relação a sua produção e como essa sua produção impacta o meio ambiente e as pessoas que vem a ser por ela servidas.

Procuramos descobrir da breve vida de um curso que envolve a criação de um profissional generalista, numa época em que mais e mais se valoriza a compartimentação e especialização de mão de obra, já pudemos observar questões sérias que se refletem em currículos baseados em necessidades mercadológicas e de uma casta de professores e instrutores que tem pouca ou nenhuma formação pedagógica; por consequência proporão um ensino baseado em práticas profissionais nem sempre adequadas ao ensino acadêmico, contaminado dos vícios e expectativas de um mundo de trabalho profissional, muitas vezes pouco compatível com o espaço acadêmico.

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Uma formação generalista que envolve muitos fatores técnicos, artísticos, de criação e criatividade, que tem que balancear um currículo extenso e preparar o aluno para refletir em suas criações uma contemporaneidade em uma sociedade que cada vez mais muda em velocidade assombrosa.

Tudo isso num período curto de cinco anos, o que acaba por criar profissionais tecnicamente capazes, pois a proficiência técnica, o domínio do desenho, da pintura e da produção artística podem ser garantidos, ainda que não magistralmente, num nível que permitirá que esse aluno se torne um profissional capaz de exercer de maneira basilar suas funções de arquiteto.

Porém o que esse trabalho quer apontar é que, durante esse processo, pouca ou nenhuma atenção é dada à importância das vivências espaciais, para aplicação das teorias e soluções.

É a importância de perceber que ainda que tecnicamente um aluno seja capaz de produzir espaços tecnicamente corretos lhes faltarão a inspiração de um espaço vivenciado.

Exemplifico, poderia um profissional estudar as técnicas e metodologias, por exemplo, da arquitetura gótica e aplicá-las em uma edificação contemporânea neogótica, sem nunca efetivamente ter o arquiteto pisado em uma catedral construída sob essa influência.

Porém, nesse caso faltariam duas questões fundamentais a essa obra, a sua aura, do ponto de vista do filósofo Walter Benjamin (2012) e outra, a capacidade de ser plenamente vivenciada na intenção inicial de uma construção verdadeiramente gótica.

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Sem dúvida uma pessoa que tenha vivenciado uma experiência em uma verdadeira edificação gótica, ao compará-la à experiência de adentrar essa nova edificação, ainda que teoricamente idêntica em seus detalhes construtivos e técnicas utilizadas, lhe faltará a capacidade de sentir a mesma vivência, de relacionar instintivamente esses dois espaços.

O autor desse espaço jamais poderia lhe prover dessa capacidade de criar tal experiência, pois o autor desconhece essa vivência, não a experimentou e, portanto, seria incapaz de lhe impregnar com essa virtude. Porém, durante toda a sua formação esse profissional vai ser inspirado por estudos de outros espaços que muitas vezes ele não conhece vivencialmente, mas conhece sua leitura técnica, sua construção e detalhes, uma vez que essa leitura pode ser feita e deve ser uma capacidade adquirida por esse profissional em formação e vai ter enredado em seu método de produção dos espaços esse hábito.

Experimentar nesse momento se tornará ainda mais difícil, porque envolverá riscos que muitas vezes questões financeiras ou até mesmo de marketing de mercado não permitirão. E uma vez acostumado, agora formado arquiteto e urbanista, perpetuará o método produtivo estabelecido.

Entendemos que com este estudo conseguimos demonstrar a necessidade de que o processo de ensino-aprendizagem do curso de arquitetura e urbanismo na forma de atelier tem vantagens e características pedagógicas excelentes que poderiam e deveriam ser melhor exploradas; por outro lado, analisamos que é necessário melhorar a capacidade de fazer os estudantes entenderem que as vivências espaciais são parte fundamental de uma produção de qualidade e de impacto na sociedade.

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS - Imagens

Plano Piloto – Brasil por Lúcio Costa. Disponível em: http://www.jobim.org/lucio/bitstream/handle/2010.3/1102/III%20B%2002-00757%20L.jpg?sequence=3. Acesso

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Vencedor do Concurso Internacional para o empreendimento Busan Borth Porth, Coreia do Sul. Disponível em: http://img1.adsttc.com/media/images/5465/02ec/e58e/ceb7/1f00/0181/large_jpg/Image01_Materplan.jpg?141590 5996. Acesso em mar. 2015.

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