A QUESTÃO DOS IMIGRANTES E DOS REFUGIADOS

June 5, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Sociology, Political Science, Cultural Identity, War and Peace, Refugees, Immigrants
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A QUESTÃO DOS IMIGRANTES E DOS REFUGIADOS Fernando Alcoforado* Imigrante é aquele que entra em um país estrangeiro com o objetivo de residir ou trabalhar. O imigrante é visto pela perspectiva do país que o acolhe como o indivíduo que veio do exterior. Stuart Hall (Hall, S. The question of cultural identity, Cambridge, 1992) identifica duas possíveis respostas adaptativas por parte de imigrantes: tradução e tradição. Tradução é uma resposta baseada no sincretismo em que imigrantes que convivem com uma nova cultura buscam desenvolver novas formas de expressão que são inteiramente divorciadas de suas origens. Tradução é, portanto, o resultado da integração dos imigrantes na sociedade que os recepciona. Tradição significa fundamentalismo étnico e/ou religioso voltado para a redescoberta de suas origens pelos imigrantes. A tradição envolve a busca das certezas do passado. Tradição é, portanto, o resultado da falta de integração dos imigrantes na sociedade que os recepciona. Segundo Schaetti (SCHAETTI, B. Phoenix rising: a question of cultural identity, Transition Dynamics, 1999), um dos efeitos do processo migratório é o que tem a denominação de marginalidade cultural que descreve uma experiência típica aos imigrantes que estão expostos a duas ou mais tradições culturais. Tais povos não tendem a se posicionar confortavelmente em qualquer das culturas em que estão expostos, mas sim se colocando à margem delas. Esta é situação dos imigrantes e, também, dos filhos de imigrantes na Europa e nos Estados Unidos. Os filhos de imigrantes nascidos e educados no país de acolhimento enfrentam maiores dificuldades do que os filhos dos nativos e sentem-se mais discriminados do que os próprios imigrantes, alerta a OCDE (Ver o artigo Filhos de imigrantes nascidos no país de acolhimento sentem-se mais discriminados do que os estrangeiros disponível no website ). No artigo acima citado que aborda a questão dos imigrantes, a OCDE destaca as "persistentes desvantagens que os filhos de imigrantes nascidos, criados e educados no país enfrentam quando comparados com os filhos de, pelo menos, um progenitor nativo". Os filhos de imigrantes nascidos no país de acolhimento representavam, em 2008, 5,4% das pessoas com idades entre 15 e 34 anos, enquanto 14,4% da mesma faixa etária eram estrangeiras nos países da OCDE. As dificuldades são notadas no acesso ao mercado de trabalho e na qualidade dos empregos que os filhos dos imigrantes encontram. Na média dos 34 países da OCDE, a taxa de desemprego dos filhos de imigrantes nascidos no país de acolhimento é 13,8%, sete pontos percentuais acima da taxa de desemprego dos descendentes de nativos. Também a taxa de jovens filhos de imigrantes entre os 15 e os 34 anos que não estão a trabalhar nem a estudar (17%) é cinco pontos percentuais mais alto do que a dos nativos. Além disso, os filhos dos imigrantes têm menos probabilidades de encontrar emprego no setor público, apesar de terem a nacionalidade do país onde residem. Em todos os países da OCDE, o sentimento de pertencer a um grupo discriminado é mais frequente entre os filhos dos imigrantes (23%) do que entre pessoas que nasceram no estrangeiro (14%), acrescenta a organização. Outro efeito das imigrações populacionais é, segundo Schaetti (1999), a marginalidade encapsulada que corresponde à situação de imigrantes que se sentem inseguros no novo ambiente. Eles se sentem frequentemente alienados, enfraquecidos, insatisfeitos e com a 1

vida desprovida de sentido. Os marginalizados encapsulados se isolam. Eles não enxergam um grupo social no país com o qual possa estabelecer uma relação. Um bom exemplo de imigrantes e filhos de imigrantes que apresentam esta característica são os muçulmanos que são vistos como ameaça aos residentes nativos de países da União Europeia, sobretudo, na era atual de terrorismo e de fundamentalismo islâmico. São os imigrantes ou filhos de imigrantes com marginalidade encapsulada de origem muçulmana que se constituem em massa de manobra para ações terroristas pelo Estado Islâmico como as que atingiram Paris e Bruxelas recentemente. Ocorre com os imigrantes e filhos de imigrantes que professam o islamismo o que Stuart Hall (1992) denomina Tradição que é a busca das certezas do passado como resultado da falta de sua integração nas sociedades que os recepcionam. As dificuldades de integração da população imigrante à França, atirada aos subúrbios e submetida ao preconceito, ao desemprego e à falta de apoio do Estado francês contribui para a marginalização (cultural ou encapsulada) dos imigrantes. Assim como nos subúrbios de Paris, a população negra dos bairros periféricos de Londres, em sua maioria advinda das antigas colônias caribenhas, afirmava sofrer com intensa e injustificada repressão policial, além do racismo e do desemprego, combustível para a desesperança. As autoridades públicas, bem como a imprensa classificaram os distúrbios que se seguiram como puros atos de violência e vandalismo, negligenciando os profundos problemas sociais que assolavam a população imigrante. Finalmente, Schaetti (1999) conclui que o terceiro efeito das imigrações populacionais é o da marginalidade construtiva que descreve a situação em que os imigrantes são hábeis para se mover facilmente e poderosamente entre diferentes tradições culturais, agindo apropriadamente, se sentindo em casa e, ao mesmo tempo, mantendo um integrado senso multicultural de si próprio. Os povos marginalizados construtivos tendem a colocar sua experiência multicultural para um bom uso. Globais nômades reconhecem que os conhecimentos e competências que eles adquiriram através de sua mobilidade internacional podem ajudar nas suas metas pessoais e profissionais. Esta é a situação dos judeus e seus descendentes que, além de manterem sua identidade cultural com a comunidade judaica e, em particular, com o Estado de Israel, se integram com os países que os recepcionam. Ocorre com os judeus o que Stuart Hall (1992) denomina Tradução que é o resultado de sua efetiva integração nas sociedades que os recepcionam. É oportuno observar que o refugiado é, também, um imigrante que é forçado a buscar outro país onde viver. O refugiado é toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou político, se refugia fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo, ou devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outros países. Esta é a situação dos milhares de refugiados das guerras do Afeganistão e do Iraque e das intervenções predatórias na Líbia e na Síria lideradas pelos Estados Unidos e pela OTAN que devastaram sociedades inteiras e mataram centenas de milhares de homens, mulheres e crianças. A ascensão do Estado Islâmico (ISIS) e as guerras civis em curso no Iraque e na Síria são o produto da devastação do Iraque pelos Estados Unidos, seguida do apoio norte-americano e de seus aliados às milícias islâmicas na Síria. Bush, Cheney, Rumsfeld, Rice, Powell e outros do governo Bush, que travaram uma guerra de agressão no Iraque com base em mentiras 2

continuam totalmente impunes. O governo Obama é o principal responsável pelas catástrofes que desencadeou na Líbia e na Síria e continua impune. Todos eles são responsáveis pelo que acontece hoje nas fronteiras da Europa, que deve ser visto, mais do que uma tragédia, como um prolongado e contínuo crime de guerra. A questão dos imigrantes, a crise dos refugiados e o aniquilamento do Estado Islâmico são os maiores desafios das potências ocidentais do século 21. A questão dos imigrantes e de seus descendentes só será solucionada com sua integração às sociedades onde residem. A atual crise de refugiados não vai ser resolvida, a não ser com a recepção pelos países europeus e pelos Estados Unidos de todos que aspiram se afastar das áreas de conflito de onde vieram. Os Estados Unidos e a União Europeia que foram responsáveis pela desorganização e devastação dos países dos refugiados têm o dever moral de assisti-los e abrigá-los na atual conjuntura. A ONU tem que sair também de sua passividade e passar a atuar com efetividade para evitar o agravamento desta crise humanitária. Por sua vez, o aniquilamento do Estado Islâmico, que possibilitaria reduzir o fluxo de refugiados, deveria ser acompanhado de um grande esforço na promoção do desenvolvimento econômico e social dos países do Oriente Médio e na construção da paz, especialmente, entre sunitas e xiitas e palestinos e israelenses. *Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: [email protected].

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