A QUESTÃO DOS REFUGIADOS E DOS IMIGRANTES NO BRASIL E OS DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO DA ONU

October 2, 2017 | Autor: Fernando Xavier | Categoria: Immigration Law, Refugees, Millennium Development Goals
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A QUESTÃO DOS REFUGIADOS E DOS IMIGRANTES NO BRASIL E OS DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO DA ONU THE ISSUE OF REFUGEES AND IMMIGRANTS IN BRAZIL AND MILLENIUM DEVELOPMENT GOALS OF UN Fernando César Costa Xavier* Nayara Mota Costa** Resumo: Dados recentes do IBGE e do CONARE indicam que, na última década, o Brasil tornou-se um destino bastante atrativo para trabalhadores migrantes e os refugiados. Embora a imigração internacional tenha crescido exponencialmente, aponta-se que o Estado não estaria sabendo gerir a contento a crise humanitária decorrente do aumento dos fluxos migratórios, tendo o Brasil, inclusive, sido denunciado no Conselho de Direitos Humanos da ONU e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA em face da sua negligência. Não bastasse isso, o Itamaraty afirma que o país está “absolutamente comprometido com o alcance dos ODM [Objetivos do Desenvolvimento do Milênio]”, os quais, dentre suas metas, pretende “Adotar medidas para garantir o respeito e a proteção dos direitos humanos dos migrantes” (V, 25) e “ajudar todos os refugiados e pessoas deslocadas a regressar voluntariamente às suas terras em condições de segurança e de dignidade” (VI, 26). Embora a migração internacional não seja uma questão intrínseca no escopo original dos ODM’s, tem-se claro hoje que os temas da migração e do desenvolvimento têm uma relação cada vez mais estreita entre si. Este artigo pretende analisar mais detidamente essa relação, a fim de refletir sobre até que ponto a ausência de políticas migratórias inclusivas no Brasil compromete o seu compromisso de cumprimento dos ODM’s. Palavras-Chaves: Migrações internacionais. Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Organização das Nações Unidas. Abstract: Recent data of IBGE and CONARE addressing, in last decade, Brazil has become a mostly attractive destination to migration workers and refugees. Although international migration has raised exponentially, points up that state would not be the satisfaction knowing manage the humanitarian crisis resulting from the increase in immigration, with Brazil even been denounced in the Human Rights Council of the UN and the Inter-American Commission on Human Rights of the OAS in the face of his negligence. Not only that, Brazilian Foreign Ministry says the country is “absolutely committed to achieving the MDGs [Millennium Development Goals]”, which, among its goals, aims to “take measures to ensure the respect and protection of human rights migrants” (V, 25) and “help all refugees and displaced persons to return voluntarily to their homes in safety and dignity” (VI, 26). While international migration is not an inherent issue in the original scope of the MDGs, is clear today that the themes of migration and development have an increasingly close relationship among them. This article aims to examine this relationship more closely, in order to reflect on the extent to which the absence of inclusive immigration policies in Brazil undermines its commitment to achieving the MDGs. Keywords: International migrations. Millenium Development Goals. United Nations.

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Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal de Roraima. Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Roraima

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1 Introdução Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicados em 2012, referentes a levantamentos feitos em 2010, indicam que o Brasil tem se tornado um destino cada vez mais atrativo para imigrantes internacionais1. Entre a década de 2000-2010, estimase que o número de imigrantes vindos de outros países, residindo no Brasil há pelo menos cinco anos e com residência fixa, aumentou de 143.644 (Censo de 2000) para 286.468 pessoas. A partir desses dados, o país teria recebido em 2010 260,5 mil imigrantes internacionais, 86,7% a mais do que em 20002. Esse novo contingente chegou ao país nos últimos anos da década, quando se intensificaram os fluxos migratórios, inclusive os clandestinos. O aumento dos deslocamentos em escala global se relaciona com diversas contingências no cenário internacional, como o acirramento das tensões geopolíticas e dos conflitos sociais internos – sobretudo no Oriente Médio e em países africanos –, o agravamento da pobreza e da opressão nos países de origem e a atratividade exercida pelas economias dos países em desenvolvimento etc. (DE HAAS, 2008), e legislações menos draconianas e órgãos de controle menos rigorosos nos locais de origem (CASTLES et alli, 2012). Tais contingências ajudam a explicar em grande medida o porquê de o Brasil receber um número cada vez mais significativo de estrangeiros vindos de diferentes procedências (sobretudo países africanos e asiáticos), os quais buscam no país oportunidades de emprego e investimento, bem como segurança e estabilidade política A par dos fluxos de trabalhadores migrantes, são diagnosticados também os deslocamentos de refugiados. De acordo com o relatório “Refúgio no Brasil: Uma Análise Estatística (2010-2013)”, elaborado pelo Comitê Nacional de Refugiados (CONARE) e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), entre os anos 2010 e 2013, o número total de pedidos anuais de refúgio mais que triplicou no país. Passou de 566 em

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Cf.: CENSO DEMOGRÁFICO 2010: nupcialidade, fecundidade e migração: resultados da amostra. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. CD-ROM. ISSN: 01043145. Disponível em: . Acesso em 03 mai. 2014. 2

Cf. em: . Acesso em: 01 mai. 2014.

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2010 para 5.256 no ano passado3. Isso evidencia um aumento de 800% em comparação ao ano de 2010, em relação ao qual o Secretário Nacional de Justiça Paulo Abrão afirmou: O Brasil virou um espaço de proteção. Ao contrário da Europa, o Brasil está abrindo suas portas para o novo fluxo migratório. Estamos entre as maiores economias do mundo, exercemos liderança internacional e viramos um destino para os que sofrem perseguições dos mais variados tipos, seja religiosa, de raça ou de grupos sociais 4.

Contudo, há informações de que os refugiados, assim como os trabalhadores migrantes, passariam por dificuldades no decorreu de seu processo de integração no Brasil, ficando, por exemplo, descobertos de redes de seguridade social. O próprio rigor para a concessão do status de refugiado, deixando o estrangeiro dependente de regularizações concedidas de forma precária, parece contradizer a afirmação de que o Estado brasileiro é um espaço de proteção e que abriu as portas para os migrantes e refugiados. Desse modo, de um lado, há aquelas informações indicando a imigração internacional (abrangendo migração por trabalho e refúgio) cresceu exponencialmente no Brasil, chegando a criar situações de crise humanitária que o governo não estaria sabendo gerir. De outro, temse que o Ministério de Relações Exteriores registrou em sua página eletrônica que o Brasil está “absolutamente comprometido com o alcance dos ODM [Objetivos do Desenvolvimento do Milênio da ONU]”5. Vale recordar que os ODM’s surgem a partir da Declaração do Milênio da ONU 6, e esta prevê entre suas diretrizes “Adotar medidas para garantir o respeito e a proteção dos direitos humanos dos migrantes, dos trabalhadores migrantes e das suas famílias” (V, 25) e “ajudar todos os refugiados e pessoas deslocadas a regressar voluntariamente às suas terras em condições de segurança e de dignidade” (VI, 26). Em publicação de 2005, a Organização das Nações Unidas registrou que, embora a migração internacional não seja uma questão

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Cf. em: . Acesso em: 25 mai. 2014. 4 Cf. em: . Acesso em: 25 mai. 2014. 5 Cf. em: . Acesso em: 13 mai. 2014. 6 Resolução A/RES/55/2, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas no dia 8 de setembro de 2000.

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intrínseca no escopo original dos ODM's, tem-se claro, hoje, que o tema da migração e o do desenvolvimento tem uma relação cada vez mais estreita entre si (ONU, 2005, p. 8). O presente artigo pretende analisar mais detidamente a relação entre o tema da migração internacional e os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio da ONU, a fim de refletir sobre até que ponto a ausência de políticas migratórias inclusivas no Brasil compromete o próprio compromisso de cumprir os ODM's.

2. Sobre a distinção conceitual entre refugiado e migrante Os ODM’s, conforme visto, concebem de forma separada a condição de migrante e a de refugiado, embora se saiba que estão ambas relacionadas com fatores convergentes que forçam ou incentivam os deslocamentos internacionais. No geral, a distinção entre as categorias “migrante” e “refugiado” relaciona a primeira mais diretamente com aspectos econômicos, sendo o migrante um “buscador de trabalho”, e a segunda com aspectos políticos, sendo o refugiado um “perseguido no seu país”. Parece plausível a observação de Katharine Derderian e Liesbeth Schockaert (2009) de que essa distinção categorial não consegue contornar algumas obscuridades, “uma vez que pessoas que buscam refúgio provenientes de conflitos e regimes opressivos, também estão em busca de emprego e oportunidades econômicas para assegurar sua sobrevivência”, e os fluxos mais frequentes seriam no geral “mistos” (motivados tanto econômica quanto politicamente). No entanto, como a distinção se mantém em grande parte da literatura e nos instrumentos normativos, convém algumas linhas mais sobre a caracterização do migrante e do refugiado, inclusive nas leis e tratados sobre a matéria. Conforme o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), imigrante é toda a “pessoa que chega a outro Estado com o propósito de nele residir”. Dessa definição se deduz o conceito de trabalhador migrante, que, conforme o CNIg, seria toda “pessoa que realizará, ou realizou uma atividade remunerada em um Estado do qual não seja nacional”7.

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Cf. em: < http://www2.mte.gov.br/politicamigrante/imigracao_proposta.pdf>. Acesso em: 12 mai. 2014.

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No plano internacional, a proteção específica do trabalhador migrante encontrou termo com a Convenção Internacional sobre a Proteção de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias de 1990, da ONU. A propósito, embora esse tratado esteja em vigor desde 2003, ele ainda não foi ratificado pelo Brasil, o que tem merecido incisivas críticas dos autores (FARENA, 2008). De outra parte, o Brasil é signatário da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951, na qual se registra que o refugiado é o indivíduo que em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.

Essa Convenção, adotada em 28 de julho de 1951 e ratificada pelo Brasil em 1997, se refere a acontecimento ocorridos “antes de 51” reportando-se claramente aos efeitos geopolíticos decorrentes da Segunda Guerra Mundial e aprofundados pela Guerra Fria, como a deflagração de processos de independência, principalmente na África e Ásia, e a Guerra da Indochina8. Terminada a Guerra Fria, o total de refugiados no mundo chegava a 11 milhões, e continuo a aumentar no final dos anos 90 e início dos anos 2000, chegando a 22,5 milhões em 2003 (CARNEIRO, 2012, p. 16). Essa Convenção influenciou de forma especial a formulação da definição de refugiado seguida pela Lei brasileira nº 9.474/97 (Estatuto dos Refugiados). No art. 1º, III, dessa legislação, define-se como refugiado todo o indivíduo que “devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”9.

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Em 1967, foi adotado o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, que eliminou as limitações temporais e geográficas fixadas na Convenção, ou seja, o refúgio não mais se restringiria apenas a indivíduos afetados antes de 1º de janeiro de 1951 e em eventos ocorridos na Europa (RAMOS, 2014, p.167). 9

Os incisos I e II do referido artigo também merecem destaque: “Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à

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Em relação aos trabalhadores migrantes, o Brasil ainda não conta com uma legislação específica sobre o assunto. Tramitam no Congresso Nacional projetos de lei para definir a nova condição jurídica do estrangeiro, que abarcam garantias para o migrante trabalhador, mas a aprovação desses projetos ainda não tem data previsível10.

3. Os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM’s) da ONU e o tema da imigração internacional Declaração do Milênio (Resolução A/RES/55/2) foi aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 2000, em reunião de cúpula envolvendo 147 Chefes de Estado e de Governo e representantes de 191 países. Em relação à Declaração, Kofi Annan, então Secretário-Geral da ONU, consignou no seu Prefácio: Esta Declaração foi elaborada ao longo de meses de conversações, em que foram tomadas em consideração as reuniões regionais e o Fórum do Milênio, que permitiram que as vozes das pessoas fossem ouvidas. Apraz-me verificar que muitos dos compromissos e alvos sugeridos no meu Relatório do Milênio foram incluídos nela. A minha intenção, ao propor a realização da Reunião, foi utilizar a força simbólica do Milênio para ir ao encontro das necessidades reais das pessoas de todo o mundo.

A Declaração contém oito eixos, a saber, “Valores e Princípios” (I), para em seguida abordar os seguintes temas: "Paz, Segurança e Desarmamento” (II), “O Desenvolvimento e a Erradicação da Pobreza” (III), a “Proteção do nosso Ambiente Comum” (IV), “Direitos Humanos, Democracia e Boa Governança" (V), “Proteção dos Grupos Vulneráveis” (VI), “Responder às Necessidades Especiais da África” (VII) e “Reforçar as Nações Unidas” (VIII). Desses eixos foram deduzidos os chamados Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, ou, simplesmente, metas do milênio. A relação entre migrações internacionais e desenvolvimentismo (nos termos como este conceito é proposto pelas Nações Unidas nas metas do milênio) parece tão mais estreita proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;”. 10

Destaque para o PLS nº 288/2013 (Lei de Imigração), de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira, e para o PL nº 5655/2009 (Lei do Estrangeiro), proposto pelo Ministério da Justiça

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quando se recorda que o Relatório do Desenvolvimento Humano 2009, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), intitulou-se “Ultrapassar Barreiras: Mobilidade e desenvolvimento humanos”. Nesse relatório, que apontou a existência de 214 milhões de pessoas na condição de imigrantes internacionais, indicou-se que os migrantes oriundos de países pobres e em conflito, a migração geralmente representa melhoria de condições de vida. Não obstante, ela também implique uma série de riscos para os deslocados. Fateh Azzam (2005) parece ter um fundamento humanista para realçar a ligação entre políticas de desenvolvimento e os sujeitos das migrações internacionais: O empenho para implementar os Objetivos do Milênio, que focaliza primordialmente os mais pobres dos pobres em todo o mundo, precisa incluir essas populações marginalizadas [dos migrantes], devido às dificuldades específicas encontradas por elas, como a falta de acesso a certos privilégios concedidos unicamente aos que gozam do status de cidadãos. [...] Permitir que os migrantes forçados sejam excluídos das estatísticas ou dos esforços nacionais e globais de defesa ao se promover e implementar os Objetivos do Milênio seria o mesmo que criar uma mera ilusão de progresso. Além disso, essa inclusão pode muito bem contribuir para melhorar suas condições e as principais causas de sua privação e da migração forçada, nas esferas política, econômica e de segurança (p. 34).

Contudo, a relação não é evidenciada (apenas) por argumentos centrados na ideia de proteção da dignidade do migrante. Em maio de 2010, reunidos em Genebra, delegados que participaram de um simpósio organizado pelo Global Migration Group (GMG), após amplo debate, concluíram que o melhoramento das condições de vida de imigrantes, por meio de políticas migratórias formuladas pelos governos em colaboração com a sociedade civil, costuma ter efeito positivo para o crescimento econômico, sobretudo nos casos em que imigrantes preenchem vagas em postos de trabalho em sociedades nas quais a população economicamente ativa está envelhecendo sem ser recomposta. Em 2013, Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, ao pedir a concentração de esforços para o cumprimento dos ODM’s dentro do prazo fixado, referiu que uma agenda pós-2015 deve incluir, dentre outros assuntos, “o aumento da contribuição positiva dos migrantes”11.

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Cf. em: < http://www.onu.org.br/onu-avalia-progresso-dos-objetivos-do-milenio-e-pede-esforco-pelocumprimento-das-metas-ate-2015/>. Acesso em: 13 mai. 2014.

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Além do componente contributivo para a economia do trabalho, a migração tem uma relação sistêmica com o desenvolvimentismo, uma vez que se liga em variados níveis com muitos temas-chave para o desenvolvimento. O preciso documento da International Organization for Migration (IOM), preparado por Erica Usher e publicado ainda em 200512, consegue sem dificuldades vincular o tema da migração a metas como a erradicação da pobreza e a temas como gênero, saúde, parcerias globais e meio-ambiente. Acerca deste último tema, a propósito, “O impacto das mudanças climáticas tem implicações diretas sobre os esforços da comunidade internacional para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM’s) [...] as principais questões relativas ao impacto incluem o deslocamento de populações [e] a migração forçada” (ORELLANA, 2010). Ainda que a temática migratória não seja destaque na Declaração do Milênio de 2000 e nos Oito Objetivos do Desenvolvimento do Milênio que dela derivam, as interseções entre ela e ditos objetivos são claramente discerníveis. Lembre-se que entre esses objetivos, constam: redução da Pobreza; atingir o ensino básico universal; igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade na infância; melhorar a saúde materna; combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; garantir a sustentabilidade ambiental e estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento. À vista dos Objetivos listados, a ONU registrou que, embora a migração internacional não seja uma questão intrínseca no escopo original dos ODM’s, tem-se claro que o tema da migração e do desenvolvimento tem uma relação cada vez mais direta (ONU, 2005, p. 8). Ainda, deve-se entender que o Objetivo 8 (“estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento”) não se restringe somente as questões econômicas, mas também ao auxílio aos países que recebem refugiados e imigrantes, e aos que enfrentam conflitos e guerras civis, que são circunstâncias frequentemente ligadas à migração internacional. Ademais, a Declaração refere a necessidade de se “adotar medidas para garantir o respeito e a proteção dos direitos humanos dos migrantes, dos trabalhadores migrantes e das suas famílias” (Parte V, 25), além de registrar que se deve

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Cf.em:. Acesso em: 13 mai. 2014.

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intensificar a cooperação internacional, designadamente a partilha do fardo que recai sobre os países que recebem refugiados e a coordenação da assistência humanitária prestada a esses países; e ajudar todos os refugiados e pessoas deslocadas a regressar voluntariamente às suas terras em condições de segurança e de dignidade, e a reintegrarem-se sem dificuldade nas suas respectivas sociedades (Parte VI, 26).

À vista desses diretrizes formuladas pelas Nações Unidas e aceitas como compromissos por diversos países, considerando que elas apontam para a construção de uma rede colaborativa de proteção de trabalhadores migrantes e refugiados, importa saber se, à vista dos dados disponíveis, o Brasil as estaria implementando a contento.

5. A imigração internacional no Brasil hoje: cenário de um subdesenvolvimentismo? Segundo o Atlas Temático do Observatório das Migrações em São Paulo, bolivianos, coreanos, senegaleses e haitianos estão entre os grupos mais numerosos do novo perfil de imigrante no Estado de São Paulo13. No caso dos refugiados, conforme dados do CONARE, o país abrigaria atualmente cerca de 5.208 refugiados, dos quais a metade seria de colombianos e angolanos14. Nos últimos anos, a questão dos haitianos surgiu como um desafio destacado. Em 2013, registrou-se um crescimento significativo da rota de imigração ilegal vinda do Haiti para o Brasil, com entrada pelo Estado do Acre e outros Estados da Amazônia. Desde janeiro de 2010, o Conselho Nacional de Imigração (CNIg) havia autorizado a permanência de 9.938 haitianos no Brasil. Entretanto, em junho de 2013, o órgão já começava a demonstrar preocupação com possíveis rotas do tráfico de imigrantes15. O fluxo intensificou-se a tal ponto que, neste primeiro semestre de 2014, triplicou o número de entradas pelas fronteiras do Acre. Muitos desses haitianos que chegam ao Brasil não possuem visto de entrada, optando pelo pedido de refúgio para regularizar, ainda que a título precário, a sua permanência no país. 13

Cf.em:< http://projetopontesedes.blogspot.com.br/>. Acesso em: 03 mai. 2014.

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Cf. em: < http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/04/brasil-tem-hoje-52-mil-refugiados-de-79nacionalidades-diferentes.html>. Acesso em: 24 abri. 2014. 15

Cf. IMIGRAÇÃO ILEGAL AO BRASIL MOVIMENTA ECONOMIA HAITIANA PÓS TERREMOTO. G1 Mundo. Disponível em: . Acesso em: 03 mai. 2014.

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O entendimento que sobrevêm do CONARE, no entanto, é de que eles não preencheriam as condições previstas nas leis e nos tratados para serem reconhecidos como refugiados. A partir da primeira leva de imigrantes haitianos, repetindo-se nas subsequentes, a análise do CONARE concluiu que não havia fundamentos para conceder aos haitianos status de refugiados. Após a intensificação dos fluxos, porém, o Conselho Nacional de Imigração propôs que, em substituição, fosse dado a eles um tipo especial de visto, o chamado visto humanitário (Resolução Normativa n° 97/2012-CNI)16, com o qual se pretendia beneficiar pessoas vidas de um país em dificuldades, e que o Brasil, oficialmente, comprometeu-se a amparar (XAVIER, 2012, p. 102). Como se sabe, o refúgio constitui um direito de estrangeiros garantido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados. No caso dos haitianos, eles não sofriam perseguições de cunho político, religioso, social, nacional ou ideológico. Tecnicamente, portanto, não podem ser considerados refugiados. Algumas análises mais benevolentes ressaltaram a gravidade do terremoto ocorrido no Haiti para com isso tentar enquadrar os haitianos na condição possível (mas controvertida) de “refugiados ambientais”, de vez que eles teria fugido de um desastre natural de larga escala. Poderiam então ser considerados “indivíduos [...] que precisam abandonar temporária ou definitivamente seus locais de origem ou residência pressionados por causas ambientais” (RAMOS, 2011, p. 8). Essa condição de refugiado “ambiental”, no entanto, não é admitida pelas normas brasileiras, tampouco na Convenção da ONU e nas diretivas da ACNUR. De todo modo, é evidente tratar-se de pessoas que, tendo sofrido com a desestruturação de seu país por conta do caos político que aumentou com o terremoto de 2010, estão hoje em busca de oportunidades de inclusão no mercado de trabalho. Segundo declaração do Secretário de Justiça Nacional, [...] as solicitações de haitianos são encaminhadas ao Conselho Nacional de Imigração, órgão do governo federal que concede ao grupo, desde 2010, um visto

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A Resolução Normativa nº 97, de 12 de janeiro de 2012, do Conselho Nacional de Imigração, em seu art. 1º, prescreve que “Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto permanente previsto no art. 16 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, por razões humanitárias, condicionado ao prazo de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 18 da mesma Lei, circunstância que constará da Cédula de Identidade do Estrangeiro”.

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especial humanitário que dá a eles proteção internacional e os mesmos direitos garantidos aos refugiados”17.

Recorde-se que o Estatuto dos Refugiados possui uma disposição elementar referente à autorização de residência provisória, do art. 21, § 1º, que dispõe que “o protocolo permitirá ao Ministério do Trabalho expedir carteira de trabalho provisória, para o exercício de atividade remunerada no País”. Todavia, muitos órgãos da imprensa nacional informam que os haitianos que chegam ao Brasil permanecem, em sua maioria, em estado de miséria. A “questão haitiana”, inclusive, recebeu atenção de organizações não-governamentais de direitos humanos, que a levaram ao conhecimento das instâncias internacionais. No início do ano de 2014, ONG’s levaram o caso ao Conselho de Direitos Humanos da ONU18. Em outubro de 2013, a ONG Conectas já havia levado o caso até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, pedindo a responsabilização do Estado brasileiro por violações cometidas contra os imigrantes que vêm ao Brasil, e aqui permanecem. Há uma preocupação compreensível com a exploração dos haitianos e de outros estrangeiros em trabalhos degradantes e análogos à condição de escravo, visto que a demora na emissão da carteira de trabalho os torna alvo fácil para aliciadores. Das dificuldades para arranjarem emprego minimamente bem remunerado vão decorrer as dificuldades para obterem moradia condigna. Em relação aos alojamentos com que podem contar, há, por exemplo, em São Paulo, o Centro Pastoral e de Mediação dos Migrantes, lugar destinado a abrigar imigrantes desde 1939. Os relatos das condições dessa Pastoral – que recebia cerca de 400 haitianos por dia, desde o fechamento do abrigo em Brasileia, no Acre – parece exemplificar de modo emblemático ambiente insalubre com que tem que se contentar os migrantes irregulares. Não seria exagero dizer que são condições que se assemelham às de cadeias públicas e penitenciárias, o que permitiria dizer

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Cf. em: < https://soundcloud.com/acnur-brasil/coletiva-dados-de-refugio-no-brasil>. Acesso em: 25 mai. 2014.

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Cf. NO AUGE DA CRISE, CONECTAS LEVA CASO DE HAITIANOS À ONU: Galpão projetado para 300 pessoas no Acre atende a mais de 2,3 mil. Conectas Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 03 mai. 2014.

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que a “condenação” dos imigrantes indocumentados no Brasil é algo mais que uma força de expressão. O visível descumprimento de regras de direitos humanos contidas em tratados internacionais da ONU por parte do Brasil parece aumentar o ceticismo de que ele tem cumprido ou conseguirá cumprir os ODM’s delineados pelas Nações Unidas. O modo como o país deve responder a essa fluxo de imigrantes em busca de melhores condições de vida não foi definitivamente estabelecido pelo Estado, tampouco se verifica que esteja sendo pensado em consonâncias com as metas do milênio. 6 Considerações Finais Devido ao aumento do fluxo migratório no Brasil, como demonstram os dados oficiais, o Estado brasileiro hoje enfrenta o desafio de elaborar uma política migratória que seja não apenas eficaz, mas compatível com os ODM’s da ONU. O país muito provavelmente não conseguirá cumprir o proposto pelas metas do milênio até 2015, e não somente devido à falta de políticas públicas, mas também pela sua omissão ante a necessidade de estabelecer um plano nacional de imigração eficaz e inclusivo. O não cumprimento dos ODM’s, em certo sentido, parece repetir o sistemático o descumprimento de tratados internacionais da ONU sobre refugiados e migrantes – a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias. Essa constatação refuta a assertiva do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, de que o país “tem se destacado internacionalmente não apenas pelo compromisso em atingir os ODM, mas também pelo seu empenho em apoiar outros países nesse esforço”. Um visível o contraste entre o discurso e a realidade. É válido lembrar que um dos valores e princípios regentes da Declaração do Milênio é a solidariedade: “os problemas mundiais devem ser enfrentados de modo a que os custos e as responsabilidades sejam distribuídos com justiça, de acordo com os princípios fundamentais da equidade e da justiça social”. 12

REFERÊNCIAS ACNUR. Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951). Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/fileadmin/scripts/doc.php?file=t3/fileadmin/Documentos/portugues/BDL/ Convencao_relativa_ao_Estatuto_dos_Refugiados>. Acesso em: 01 mai. 2014. ACNUR. Declaração de Cartagena de 1984. Disponível em: < http://www.acnur.org/t3/portugues/recursos/documentos/?tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bmode%5 D=1&tx_danpdocumentdirs_pi2%5Bfolder%5D=181>. Acesso em: 01 mai. 2014. AZZAM, Fateh. Reflections on human rights approaches to implementing the Millennium Development Goals. Sur, Revista internacional de direitos humanos. Vol. 2, n. 2, 2005, pp. 22-35. BRASIL. Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em: 27 abri. 2014. CARNEIRO, Wellington Pereira. A Declaração de Cartagena de 1984 e os desafios da proteção internacional dos refugiados, 20 anos depois. In: SILVA, César Augusto S. da (Org.). Direitos humanos e refugiados. Dourados: Ed. UFGD, 2012. CASTLES, Stphen; CUBAS, Magdalena Arias; KIM, Chulhyo; OZKUL, Derya. Irregular migration: causes, patters, and strategies. In: OMELANIUK, Irena (ed.). Global perspectives on migration and development: GFMD Puerto Vallarta and beyond. New York; London, Springer; Dordrecht; Heidelberg, 2012. DE HAAS, Hein. The complex role of migration in shifting rural livelihoods: a Moroccan case study. In: VAN NAERSSEN, Ton; SPAAN, Ernst; ZOOMERS, Annelies (eds.). Global Migration and development. New York: Routledge, 2008. DERDERIAN, Katharine and SCHOCKAERT, Liesbeth. Respostas a fluxos migratórios mistos: uma perspectiva humanitária. Sur, Revista internacional de direitos humanos. Vol. 6, n. 10, 2009, pp. 116-119. FARENA, Maritza N. F. C. Algumas notas sobre direitos humanos e migrantes. In: Rocha, J. C. de C.; Henriques Filho, T. H. P.; Cazetta, U. (coords). Direitos Humanos: desafios humanitários contemporâneos: 10 anos do Estatuto dos Refugiados (Lei n. 9.474 de 22 de julho de 1997). Belo Horizonte: Del Rey, 2008. ONU. Convenção Internacional sobre a Proteção de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias. Disponível em: Acesso em: 25 mai. 2014. ONU. Declaração do Milênio. Disponível . Acesso em: 11 mai. 2014.

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