A QUESTÃO ÉTICA NA CULTURA ORGANIZACIONAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE FLORIANÓPOLIS

July 1, 2017 | Autor: H. Telles Dos San... | Categoria: Saúde Publica, Ética (Filosofia), Ética Aplicada, Etica, Modelo de Atenção em Saúde
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1 A QUESTÃO ÉTICA NA CULTURA ORGANIZACIONAL DA SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE FLORIANÓPOLIS

THE ETHICS MATTER IN THE ORGANIZATIONAL CULTURE OF FLORIANÓPOLIS HEALTH MUNICIPAL SECRETARIAT Helman Telles dos Santos Reis∗

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar a importância da ética na gestão dos profissionais que atuam ao nível de Atenção Primária na Secretaria de Saúde de Florianópolis. Fundamentando-se na revisão da literatura, como antecedente, o mesmo busca, por meio do método dedutivo, avaliar características culturais específicas que, conseqüentemente, influenciam o panorama atual em que se encontra o sistema público de saúde, projetando-se, também, sobre essa organização. Conclui-se por uma estreita relação entre a cultura organizacional, predominante nos serviços públicos de saúde e o entendimento ético, bem como necessidade de mudanças de postura na gestão.

ABSTRACT

The present article has as objective analyzes the importance of the ethics in the administration of the professionals that work at the level of Primary Attention in the General office of Health of Florianópolis. Being based in the revision of the literature, as antecedent, it looks for through the deductive method, to evaluate specific cultural characteristics that, consequently, influence the current panorama in that is the public system of health, being projected, also, about that organization. Was concluded by a narrow relationship among the organizational culture, predominant in the public services of health and the ethical understanding, as well as need of posture changes in the administration.



Cirurgião Dentista. Bacharel em Filosofia, MS Filosofia.

2 PALAVRAS CHAVE: Cultura organizacional, ética, gestão, princípios, valores.

KEYS WORDS: Ethic, goodness, management, organizational culture, principle,

1 INTRODUÇÃO

“Cultura” de modo geral, é definida como um conjunto de formas de comportamento adquiridas por certo grupo, transmitidas por processos formais e informais de educação e “interiorizadas” ao longo da vida, englobando crenças, valores, rituais, regras; e moldando os componentes do grupo social. Cada cultura desenvolve e incorpora, de modo próprio, cada um desses elementos. Analogamente, a cultura de uma organização será fixada a partir de um conjunto de características tais que a individualizarão perante qualquer outra. Diferentes sociedades podem estabelecer distintas autoridades invocadas para presidir uma boa conduta: a vontade de uma divindade, o modelo da natureza ou o domínio da razão. Do último modelo se ocupa a ética secular moderna, que surgiu a partir da Reforma Protestante. Nesta, a responsabilidade individual passou a ser considerada mais importante do que a obediência à autoridade ou à tradição.1 Afirma Brown que “as decisões tomadas no âmbito da estrutura de uma organização não afetam somente a sua vida, mas também as de todos os seus participantes: trabalhadores, consumidores, investidores e cidadãos” (BROWN 1993 apud ZOBOLI, 2004b, p 24) e Pagés “observa que um sistema social se constitui em um parâmetro de mediações entre organizações, numa visão mais ampla do contexto ambiental e, qualquer mudança em um deles, afeta, necessariamente, o outro” (1993 apud PRÉVE, 2012, p 110). Assim, conforme Martínez (2012), “a ética empresarial tem um caráter sistêmico e não pode reduzir-se a um receituário para solucionar problemas conjunturais de imoralidade das empresas. (...). Partindo da análise da empresa dentro de um sistema econômico, se deve examinar as exigências de sentido ou de valores éticos para que a conduta coletiva e individual, própria das empresas, esteja de acordo com a dignidade humana dos sujeitos”. Por isso, a compreensão sobre processos em uma organização, 1

Minami, citando La Taille, alerta para o número crescente de regras que recai sobre as instituições sociais. Para ele, o efeito pode ser o oposto do previsto - ao invés de prevenir a transgressão, cria incentivos a ela por barrar o desenvolvimento da autonomia nos indivíduos. "O resultado é a infantilização moral” (LA TAILLE apud MINAMI, 2012).

3 pela análise organizacional, tem “como ponto de partida os agentes, seus vínculos sociais e o sistema cultural adotado, entre outros fatores que constroem uma estrutura associada a valores e normas” (ENRIQUEZ 1997 apud PRÉVE, 2012, p. 111). Para Matos (2008), ser ético no meio organizacional “tem sido muito complicado porque não há razoável conscientização para o conceito e a dimensão da ética. Ética implica responsabilidade e comprometimento (...)”. Conforme alerta Zoboli (2004b, p 25), há administradores que (...) não se preocupam com a ética. Transferem a atenção dos dilemas éticos para os problemas da administração, esquecendo-se de que, muitas vezes, a tomada de decisão exige a análise de uma série de fatores que vai além dos números, por mais precisos que sejam.2

Identificando a influência de conceitos e valores, que vigoram na cultura das organizações que prestam serviço público de saúde, este artigo procura evidenciar a importância deste aspecto na administração moderna, mormente na gestão da saúde pública e, mais especificamente, no que se refere à gestão dos recursos humanos (RH) que integram a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), em Florianópolis.3 Considerando possíveis distorções, o artigo busca explorar como o agir ético dos diversos especialistas, é orientado por tais valores e até que ponto sua valorização mescla-se à prática cotidiana do agir multidisciplinar que se sabe interdependente.

2 CULTURA E ÉTICA

2.1 Cultura

O conceito tem comportado diversas acepções e desdobramentos teóricos.

Laraia

(2001, p 7) considera esse tema inesgotável. Tylor (apud LARAIA 2001, p 30), procurou demonstrar que a cultura pode ser objeto de estudo sistemático, entendendo-o como um fenômeno natural a partir de causas e apresentando regularidade. É dele uma das primeiras e mais conhecidas definições, onde cultura é: “todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e 2

O administrador de serviços de saúde, não deve, nunca, esquecer da advertência de Clotet: “o profissional de saúde faz juízos prognósticos, juízos diagnósticos, juízos terapêuticos e não pode também se eximir de fazer juízos morais. Os problemas humanos não são nunca exclusivamente biológicos, mas também morais” (CLOTET, 2006). 3 Tais conceitos e valores são aqueles propostos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e outros, defendidos pelos colaboradores bem como os que vigoram, de forma geral, na cultura organizacional de Unidades Locais de Saúde (ULS), ao nível de Atenção Primária à Saúde (APS).

4 aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (TYLOR, 1871 apud MARCONI e PRESSOTO, 1989). Com esta definição Tylor abrangia “todas as possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o caráter de aprendizado da cultura em oposição à idéia de aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos” (LARAIA, 2001, p 25).4

2.2 Organizações

Ensina Milani (2008) que “a correta percepção dos conceitos de ‘organização e cultura’, é sem dúvida um dos fundamentos necessários para uma boa compreensão dos assuntos associados à Administração de Empresas e ciências afins”. Maximiano (1992) define organização como “uma combinação de esforços individuais que tem por finalidade realizar propósitos coletivos”. Ainda que o conceito de organização possa ser entendido como a estrutura ou modo que bem determine um conjunto de procedimentos, divididos e seqüenciados, necessários à realização de um trabalho, Robbins (1990) o vê como “uma entidade social conscientemente coordenada, com uma fronteira relativamente identificável, que funciona numa base relativamente contínua para alcançar um objetivo ou objetivos comuns”. Lacombe e Heilborn enfatizam o conceito de organização como “um sistema de comportamentos sociais interligados por agentes participantes de uma organização” (2003 apud PRÉVE, 2012, p 13) e, do mesmo modo, Daft defende que organizações “são entidades socialmente construídas e dirigidas por metas; desenhadas como sistemas de atividades e ligadas ao ambiente externo” (2002, apud PREVÉ, 2012, p 13). Por isso, destaca Préve (2012, p 13) que “as organizações criam ambientes que interferem na vida de todos nós e em nossos comportamentos”. Guedes (2008) alerta para a importância de se observar a diferença entre Organização e Estrutura Organizacional. “A primeira é a união de pessoas, idéias, ideologias e recursos para atingir objetivos. A segunda trata da forma como essa organização será racionalizada, seus métodos e estruturação para agir”. E Bernardes (1993 apud MILANI, 2008) diferencia organização de instituição. Esta caracteriza-se por “ter uma função que é a de atender a certa necessidade social básica; uma estrutura formada por pessoas que possuem um conjunto de crenças, valores e 4

Para Chu e Wood Jr. (2008), “um dos grandes desafios para pesquisadores de gestão internacional é compreender a diversidade institucional e cultural dos ambientes de negócios nacionais”, precisamente devido ao fato de que os “traços culturais constituem variáveis dinâmicas, que sofrem influências do meio sócio-institucional e, por sua vez, interferem nos processos de gestão das empresas”.

5 comportamentos comuns e relações de acordo com normas e procedimentos”. Já uma organização “é uma associação de pessoas caracterizadas por ter a função de produzir bens, prestar serviços à sociedade e atender necessidades de seus próprios participantes; possuir uma estrutura formada por pessoas que se relacionam colaborando e dividindo o trabalho para transformar insumos em bens e serviços e ser perene no tempo”.

2.3 Cultura Organizacional Quando tratamos de organizações e suas relações, temos um universo de possibilidades que deve ser considerado devido à interdependência que estabelece, por uma condição natural do papel dessas organizações, em toda a sociedade e na sobrevivência no plano complementar que entre si se fortalece (PRÈVE 2012, p 09)5

Schein definiu cultura organizacional como “modelo dos pressupostos básicos, que um dado grupo inventou, descobriu ou desenvolveu no processo de aprendizagem, para lidar com os problemas de adaptação externa e integração interna” (1985 apud FREITAS, 1991). Assim, admitimos que a cultura de uma organização incorpora valores nos quais se baseiam os comportamentos e atitudes dos seus membros, e que estão relacionados com a história da mesma.6 Chu e Wood Jr. (2008) após revisarem diversos estudos acerca de traços culturais nacionais que caracterizam a forma como as organizações são geridas no país, apontam seis traços da cultura organizacional brasileira, resumidos a seguir: a) jeitinho: visa à harmonização das regras e determinações universais da vida com as necessidades diárias do cidadão, buscando a realização de objetivos a despeito de determinações legais. Tanto pode significar uma postura conformista de convivência com o status quo como ser visto como uma forma de sobrevivência; b) desigualdade de poder e hierarquia: sistema que vigorou nas relações entre senhor e escravo no Brasil colonial. Marcou profundamente a cultura brasileira7 e organizacional e revela-se na força da hierarquia nas relações entre as 5

Fica assim evidenciada a estreita ligação entre a cultura local e a da organização nela inserida. Uma das maneiras de se chegar a estes valores é utilizando a análise de práticas organizacionais e dos elementos simbólicos visíveis tais como o comportamento das pessoas, as formas de comunicação, os rituais organizacionais, as formas de recompensas, o significado do trabalho, as relações de poder, as relações com o ambiente, etc. (FLEURY, 1996 apud ARRUDA, 2006) Destacam-se duas linhas de pesquisa, distinguidas por Smircich (1983 apud FLEURY, 1987): uma enfoca a cultura como uma variável que a organização tem; outra, a concebe como raiz da própria organização, algo que a organização é. Na primeira concepção há quem entenda que a cultura é trazida para o interior da organização por seus membros; outros defendem ser a cultura organizacional uma variável interna, onde, par da produção de bens e serviços, desenvolvem-se, também, um conjunto de valores. 7 Como nos regimes autoritários que nos governaram. Tais regimes postularam o princípio da autoridade em detrimento da liberdade individual. As reações “instintivas” a tais formas de opressão não ficaram 6

6 pessoas e a importância dada ao status individual e à autoridade; c) flexibilidade: permeia os comportamentos nas organizações no país e traduz-se na capacidade de adaptação e criatividade das pessoas; d) plasticidade: propensão em adotar, de modo acrítico, práticas, costumes, modelos e conceitos estrangeiros desenvolvidos, portanto, em outros contextos de gestão. Tal assimilação pode ocorrer, em alguns casos, apenas superficialmente; e) personalismo: expressa a importância atribuída às pessoas (amigos e familiares) e aos interesses pessoais (obtenção de privilégios) em detrimento do grupo ou comunidade; f) formalismo: se traduz por meio de comportamentos que buscam por um lado a redução do risco, da ambigüidade e da incerteza e, por outro, aumento de previsibilidade e controle sobre as ações e comportamentos, via grande quantidade de regras, normas e procedimentos.

2.4 Cultura organizacional nas organizações públicas de serviços em saúde

“Esse tipo de estudo ainda não foi totalmente difundido nas organizações públicas brasileiras” (RODRIGO; DIAS, 2011). Nelas a cultura se destaca, de modo geral, pelo “autoritarismo centralizado, o paternalismo, a descontinuidade e a ingerência política” (PIRES; MACEDO, 2006). Bem como, nepotismo, excesso de burocracia e ausência de planos de carreira ou cargos e salários, política de incentivos, estímulo e valorização profissional. Melo (2010) destaca ainda: “desconfiança, desvios de caráter e fofocas (...). Há um excessivo número de funções comissionadas, muitas vezes preenchidas para atender a interesses políticos, sem levar em conta, a competência técnica e a capacidade de gestão (...)". Essas características interferem no modo como os trabalhadores atuam (...), observando-se o apego às regras e rotinas, a supervalorização da hierarquia, o paternalismo nas relações e o apego ao poder. Isso é importante na definição dos processos internos, na relação com inovações e mudança, na formação dos valores e crenças organizacionais e nas políticas de recursos humanos (PIRES; MACÊDO, 2006).

Acrescentam-se, ainda: bajulações, assédio moral, frustração, medo e desmotivação, agregando-se à cultura organizacional do setor público com igual força com que se

imunes a distorções éticas, ao favorecer vitórias ou sucessos coletivos ou individuais, independentemente dos meios utilizados para isso. Um exemplo é a “Lei de Gérson”. Tal expressão originou-se em uma propaganda de 1976 criada pela Caio Domingues & Associados, que havia sido contratada pela proprietária da marca de Vila Rica de cigarros, para a divulgação do produto. O sentido de tal “lei”, que assim foi designada pela interpretação popular, é a orientação não ética de se aproveitar de todas as situações em benefício próprio.

7 inserem mitos e heróis.8 A rigidez burocrática produz “desajustes, fontes de conflitos potenciais entre o público e o funcionário, já que os objetivos formais se tornariam dogmas imutáveis, pois derivam da norma burocrática, e esta enrijece qualquer tentativa de reformulação” (CARBONE, 1995, apud SARAIVA, 2002). Tais características somadas a outros componentes da cultura nacional, como: personalismo; dificuldade para o cooperativismo e coesão social; jeitinho; desigualdade de poder e hierarquia, formalismo, erudição não-prática; individualismo não-criativo, mal atendimento, corrupção e outros adjetivos menos louváveis, encontrados por pesquisadores renomados9, ajudam a traçar o perfil da organização pública nacional, marcada por muitas décadas por tais características e tidas como sinônimo de ineficácia. Contudo, Kliksberg entende que “a nova administração pública procura identificar o cidadão, prestar-lhe contas e ajustar-se às suas reais necessidades” (1994 apud SARAIVA, 2002). Neto (2012) idem, vê, no âmbito do Governo, diversas ações com o objetivo de ajustar as estruturas e os processos de gestão às demandas da sociedade civil obtendo eficiência operacional e efetividade organizacional de maneira simultânea.10 Além dos aspectos antropológicos e técnico-administrativos, abordados até aqui, destaca-se a política que, no Brasil, influenciada pela cultura e, ao mesmo tempo, lhe sublinhando certos traços, deixou marcas profundas na psique coletiva, pelo exercício do autoritarismo em anos de regime ditatorial. Com a democratização, que se tornou o grande fenômeno político dos anos 80, populações tornam-se mais conscientes dos seus direitos e passam a exigi-los. Entre esses direitos encontram-se os chamados “direitos fundamentais”.11 Assim embasado, o Movimento da Reforma Sanitária (MRS) contou 8

Mais do que um conjunto de regras, hábitos e de artefatos, a cultura significa um conjunto complexo de tudo o que constitui a vida em um grupo social, onde ocorre a construção de significados com um referencial histórico e psicológico partilhados pelas pessoas pertencentes à mesma organização, a partir das experiências individuais de cada um. “No Brasil, a multiplicidade de valores insinua- se nas mais diversas situações sociais, o que torna uma tarefa bastante extensa e de difícil compreensão entendê-la a partir de um único ponto de vista” (PIRES: MACÊDO, 2006). 9 Ver: HOLLANDA, 1989; AZEVEDO, 1958; MOOG, 1981 apud PIRES; MACÊDO, 2006. 10 A perspectiva gerencialista aplicada à da administração pública, acabou por trazer contribuições em termos de eficiência operacional e nos processos de profissionalização dos quadros. Contudo, sob a perspectiva social, “não foi suficiente para alargar a inclusão social, mitigar crises sociais históricas, particularmente, em países periféricos ao sistema capitalista e, acima de tudo, para ampliar a cidadania social e deliberativa nas mais distintas dimensões da vida associada” (NETO, 2012). 11 Para Mendes (apud OLIVO, 2012, p 14), a conceituação dos direitos fundamentais reveste-se de certa dificuldade, “uma vez que cada um deles é relativo a um aspecto da vida humana, tornando-se complexo conceber um conceito que consiga abarcar todos”. Contudo, conforme ensina o autor, os direitos de segunda geração implicam em ações estatais que visam garantir um patamar mínimo para a vida digna, que “deve ser garantida pelos direitos fundamentais pertencentes à primeira geração” (FRANCA, 2009). Assim, ainda que possa haver alguma vida com pouca saúde, haverá mais e melhor vida com plena saúde: uma vida mais digna, posto que, biologicamente garantida, tem seus “horizontes” ampliados, permitindo ao indivíduo, que a detém, elaborar um “projeto de vida” mais elaborado. Ou seja: a saúde, enquanto

8 com o massivo apoio estudantil, de profissionais da saúde, centros de estudos sanitários, associações, conselhos, sindicatos e parlamentares, entre outros segmentos da sociedade, associando a luta política (Ver RODRIGUES NETO, 2003 apud PAIM, 2007) com propostas técnicas.12 As discussões da VIII Conferência Nacional da Saúde, (...) resultaram na formalização das propostas, ensejando mudanças baseadas no direito universal à saúde, acesso igualitário, descentralização acelerada e ampla participação da sociedade. As bases do (...) SUS foram dadas por esta conferência (...) e produziu um relatório que subsidiou decisivamente a Constituição Federal de 1988 nos assuntos de Saúde (CORDONI JÚNIOR; PAULUS JÚNIOR, 2006, p. 17 apud OLIVO, 2012).13

Desse modo, o Estado foi contestado como lugar onde o poder das elites teriam exclusividade e ofereceu-se forte resistência a isso, buscando-se resgatar o “lugar público”, onde a preocupação com o direito integre a agenda do governo e do próprio Estado. Orientado por essa ótica, o controle social – a “publicização” do Estado - pode ser compreendido e exercido a partir do contexto da saúde e, principalmente, por meio dela. É nessa complexidade cultural que deve ser compreendido o comportamento do profissional de saúde das organizações públicas, reforçados por valores de séculos, que lhes são incutidos academicamente e cobrados pela população.

2.4 Bioética e seus fundamentos

Ainda não existe uma definição canônica de ética ou acordo unânime sobre sua natureza, seu objeto ou sua metodologia, devendo esta ser compreendida a partir de uma complexa problemática. Existem pensamentos como o de Morin (2005), para quem “a ética se manifesta em nós de maneira imperativa, como exigência moral”, originando-se “de três fontes interligadas entre si: uma fonte interior ao indivíduo, que se manifesta como um dever; outra externa, constituída pela cultura, e que tem a ver com a regulação direito fundamental, sustenta um direito que lhe precede - a vida – e dá condição para o melhor usufruto de outros direitos (ver BOBBIO, 1992 apud, MENDES, 2006 apud OLIVO, 2012). 12 O MRS propunha medidas como: “[...] a universalização do acesso; a concepção de saúde como direito social e dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema Unificado de Saúde [...], a descentralização do processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde” (BRAVO 2005, p. 9 apud OLIVO, 2012). 13 Quando a Assembléia Constituinte deliberou sobre como seria a posição do Estado quanto à saúde, houve intensa disputa entre interesses públicos e privados representados, respectivamente, pelo MRS e pelos grupos empresariais liderados pela Federação Brasileira de Hospitais e pela Associação de Indústrias Farmacêuticas. O MRS saiu vitorioso desse embate por ter grande parte dos seus posicionamentos atendidos pela Assembléia em detrimento dos interesses empresariais (ver BRAVO, 2005 apud OLIVO, 2012).

9 das regras coletivas; e, por fim, uma fonte anterior, originária da organização viva e transmitida geneticamente”.14 Contudo, o entendimento comum é que o objeto material da ética - e mais precisamente da ética instrumental da qual aqui nos ocupamos – é o agir humano e sua formalização se dá, principalmente, por meio de princípios. Para nós, existe enorme diferença entre um agir previamente fixado por determinismo, entre ser obrigado a praticar certo ato, entre seguir o que dizem ser certo ou errado e entre, por si só, saber o que seja uma e outra coisa, fazendo da razão e da vontade ferramentas para o exercício do livre arbítrio onde a responsabilidade, imputável ao autor da ação, é assumida pelo sujeito como própria extensão de si. Essa faculdade de governar a si mesmo significa autonomia, do grego auto e nomos, e implica, portanto, no poder e atividade de dar a si um regramento, definindo os próprios interesses e relações. Aceitando-se que as organizações, dentro da sociedade, desenvolvem uma cultura específica, faz sentido examinar se suas exigências de orientação ou de valores éticos estão de acordo com a dignidade humana dos sujeitos que nelas atuam.15 Quer tratada pela razão teórica ou instrumental, a ética surge como uma ferramenta que, ao analisar o agir humano e suas finalidades, estuda seus conflitos e buscando diferenciar ações justificáveis das que não podem assim ser consideradas, organiza ou deduz princípios que, via de regra, incorporam valores já socialmente aceitos, ou seja: “busca questionar as razões para que haja moral ou bem denunciar que elas não existem” (CORTINA, 2001, p. 164 apud DEJEANNE, 2011). Neste viés, Rachels (2007), esclarece que um agente moral consciencioso é alguém que considera imparcialmente os interesses de todos afetados por aquilo que ele ou ela faz; aquele que analisa cuidadosamente os fatos e examina suas implicações; aquele que aceita princípios de conduta somente depois de ter certeza de que eles são sólidos; aquele que está disposto para ‘escutar as razões’ mesmo quando suas convicções prévias podem ser revisadas; e, aquele que, finalmente, está disposto a agir de acordo com os resultados desta deliberação.16

14

A existência de um componente “genético” que influencia a postura de cada pessoa é algo que se discute desde o tempo de Aristóteles (SOUZA, 2009, p 5). Não é nosso propósito incluir esta abordagem no presente texto, devido à relação entre ética e biologia representar um ponto de forte controvérsia: a ética é normativa ao passo que a biologia é descritiva. Assim, existe resistência em derivar valores ou princípios a partir de premissas puramente empíricas, resistência essa da qual compartilhamos. 15 Conforme Cortina, “a empresa é compreendida como um motor para a renovação social e todas as organizações e os que nelas trabalham devem buscar aprender da ética empresarial o modo de atuação exigido a fim de que possam sobreviver, crescer e superar-se, evitando os defeitos anteriores e propondo valores adequados a essa reconstituição proposta (CORTINA e col., 1996 apud ZOBOLI, 2004b). 16 Para Gutiérrez (2000, p 59), “o que faz racional a eleição entre alternativas é a capacidade que possui o agente de maximizar uma função objetivamente definida e relacionada a variáveis bem determinadas”. Segue, destacando que “como toda a teoria científica, a teoria da eleição racional se propõe como objetivo oferecer uma explicação de alcance universal da conduta humana”.

10 Há várias teorias éticas e modelos de análise teórica que podem orientar tanto a nossa forma de ser como a de agir profissionalmente. Na área da saúde, vem se consagrando as prescrições da Ética Principialista, preconizada por Beauchamp e Childress (2002) e um dos principais embasamentos da bioética. Para Zoboli (2004b, p 58), “a definição de bioética abraça este processo de confronto entre os fatos biológicos, mormente os decorrentes dos avanços da tecnociência, e os valores humanos na tomada de decisões envolvendo os problemas práticos em diferentes áreas da vida, como na assistência médico-sanitária”. O principialismo propõe quatro princípios como orientadores referenciais da ação. Tais preceitos não são absolutos e tampouco guardam disposição hierárquica, sendo válidos prima facie, ou seja: “à primeira vista”. Assim, o principialismo mostra-se atrativo para a prática da atenção médicosanitária por proporcionar aos profissionais da saúde uma linguagem simples, objetiva e que possibilita a verbalização de percepções e sentimentos éticos, permitindo uma abordagem sistematizada dos problemas práticos do cotidiano (PESSINI e DE BARCHIFONTAINE, 1998; SCHRAMM, 1999, apud ZOBOLI, 2004b, p 60).

São os seguintes os princípios preconizados por Beauchamp e Childress17:

I- Autonomia: Refere-se à possibilidade do paciente influenciar nas decisões médicas a partir da opinião que sustenta sobre si mesmo e suas necessidades.18 “Para opinar de forma responsável, em área de tamanha complexidade técnica, o mesmo deve estar bem esclarecido a respeito de suas condições de saúde, em termos de diagnóstico, conceituação, descrição, prognóstico e alternativas terapêuticas” (REIS, 2006).19 II- Não-Maleficência: Diz respeito à obrigação de evitar causar danos e prejuízos. Tal princípio é aplicável mesmo na comunicação médico-paciente, onde “é a ponte entre os procedimentos e as explicações, evitando acrescentar danos aos da doença em si. (...)” (GRINBERG, 2012).20. Numa abordagem prático-jurídica, é considerado segundo a devida assistência. A avaliação de seu descumprimento passa pelos seguintes pontos: a) 17

Estes consideram pouco provável que uma única teoria moral possa dar conta de todas as demandas da sociedade contemporânea. Seus preceitos resumem-se ao que eles consideram o melhor de outras éticas, tendo em vista servir como “guias práticos” para decisões e solução de no cotidiano da prática biomédica. 18 Tal consideração revolucionária se deve ao gradual acatamento do princípio da autonomia. Refere-se à necessidade de respeitar a capacidade que têm as pessoas autônomas para tomar as suas próprias decisões. 19 No Brasil, a partir dos anos 80, este princípio foi incorporado em uma série de códigos deontológicos das profissões da área da saúde, onde costuma expressar-se mediante o princípio do consentimento esclarecido: sem ampla informação o paciente não tem como tomar uma decisão, exercer sua autonomia (MUÑOZ; FORTES, 1998, p. 53-70). 20 Primum non nocere, “antes de tudo, não causar dano” é a máxima clássica, no mundo da medicina, da qual deriva o princípio de não-maleficência.

11 o profissional tem que infringir esse dever (querer causar dano); b) a parte afetada tem que sofrer um dano (passível de ser mensurado); c) o dano tem que ter sido causado pela falha no cumprimento do dever (negligência, imperícia ou imprudência). III- Beneficência: Refere-se à ação realizada em benefício de outros e benevolência refere-se a um traço de caráter ou virtude ligada à disposição de agir em benefício de outros. Assim, o princípio refere-se à obrigação moral de agir em benefício de outros. Não raro, acreditando ser fiel ao princípio de beneficência, o profissional de saúde decide o que é o “melhor” para o paciente. Nessa situação, (...) examina e decide sobre “as obrigações de conceder benefícios, de prevenir e reparar danos e de pesar e ponderar os possíveis benefícios contra os custos e possíveis danos causados por uma ação” (Beauchamp e Childress 2002, p.282).21 Beauchamp e Childress enumeram para este princípio um conjunto de regras básicas: a) proteger e defender o direito dos outros; b) evitar que outros sofram danos; c) eliminar as condições que causarão danos a outros; d) ajudar pessoas inaptas; e) socorrer as pessoas que estão em perigo. IV- Justiça: Um dos temas de maior complexidade para filósofos, juristas, sociólogos, profissionais do direito e das ciências da saúde. Os conflitos que surgem da convivência de distintos grupos sócio-econômicos e culturais, numa mesma comunidade, levantam questões tais que inserem, nesse contexto, a problematicidade dos valores. Além disso, as novas situações criadas pelo desenvolvimento técnico-científico trouxeram, por um lado, diversos ganhos e, por outro, deixaram alguns prejuízos, como a desigualdade de acesso a bens de consumo, principalmente em países em desenvolvimento. Considerando-se a saúde um bem, promovê-la e sustentá-la requer acessibilidade a diversos outros meios e bens, implicando, desde a possibilidade de usufruir as conquistas dos progressos nas ciências, até ter acesso aos avanços sociais e à renda digna que permitam a manutenção desse status. Dado a multiplicidade de interesses, cabe ao Estado e profissionais eticamente conscientes promover a justa distribuição das benesses, tendo em vista, principalmente, aqueles menos favorecidos, por conta das distorções dos sistemas sócio-político-econômicos que controlam a sociedade (REIS, 2002).

21

O juramento hipocrático, “em aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja”, está – ainda - fortemente incorporado à cultura dos profissionais de saúde. Estes priorizam o bonum facere “sintonia” com o seu saber e a sua razão, “ficando o paciente sempre na condição de receptor passivo do bem que lhe é concedido, cujos critérios da ação escapam do seu conhecimento e possível controle” (DRUMOND, 2000). Tal concepção, muitas vezes, exclui o respeito ao princípio da autonomia, pois confere condições para que se instale o paternalismo, desde a sua forma mais amena até a manifestação mais extremada.

12 3. PROBLEMAS ÉTICOS NA ADMINISTRAÇÃO DE PRINCÍPIOS NA SMS

O Ministério da Saúde (MS) avalia que, em 12 anos de construção do SUS, medidas políticas em curso na reforma do Estado “agridem profundamente as políticas públicas sociais e o desenvolvimento de recursos humanos” para a efetivação dessas políticas. Para o Conselho Nacional de Saúde (CNS), as dificuldades que influenciam as agendas inconclusas incluem, também, a crônica insuficiência de recursos aliada à baixa experiência da gestão pública (BRASIL, 2003). Quase que capitulando diante da complexidade de se identificar as causas das dificuldades em fazer valer os princípios defendidos para o SUS, o MS optou por designá-los, genericamente, de “desafios”.22

3.1 Princípios defendidos pelo SUS

Os Princípios do SUS são determinados pela lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, Art. 7º e de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal. Seguem alguns: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos (BRASIL, MS., 1990).

3.2 Princípios defendidos pela Atenção Primária da SMS

Com o objetivo de, nos próximos anos, oportunizar o acesso de 100% da população, do município, ao sistema público de saúde, sob uma gestão da qualidade total, ordenado pela Estratégia da Saúde da Família (ESF), elaboraram-se os seguintes princípios: I- Comprometimento com o SUS: estimular debate contínuo sobre as políticas de saúde e consolidar os princípios e diretrizes do SUS, 22

Estes são os originais preceitos: Eqüidade, Integralidade, Descentralização e Participação. Para o MS, o SUS é, no contexto descrito, um conjunto de atores sociais e institucionais que “vem se desenvolvendo na contramão dessas políticas controversas” (BRASIL. CNS, 2003).

13 garantindo o vínculo estatal dos servidores; II- Compromisso com a qualidade: aprimorar os servidores com co-responsabilização e participação social; assegurar processos de planejamento, execução, avaliação e reestruturação de serviços; III- Diálogo: criar canais de construção e socialização do conhecimento; criar canais de comunicação efetivos entre os diversos atores do sistema; III- Respeito: valorizar atitudes, opiniões e espaços, tanto individuais como coletivos; entender as diferenças, mantendo a cordialidade; IV- Ética: transparência nas relações com os colaboradores e cidadãos/clientes e nos processos de trabalho; respeito à diversidade (Fonte: Gerência de APS/SMS).

3.3 Problemas éticos na aplicação dos princípios do SUS/SMS e gestão

Os benefícios introduzidos pela tecnologia no campo da saúde são de grande valia à atuação dos profissionais beneficiando, também, o usuário que, passa a contar com recursos que possibilitam diagnósticos mais rápidos e precisos, bem como tratamentos mais resolutivos. Contudo, essa não é a realidade em Saúde Pública, aonde as necessidades e expectativas por tal progresso23, esbarram em limitações orçamentárias, má gestão de programas e insuficiente capacitação de RH (GARCIA; HORTALE, 2004; OLIVEIRA, 2008; BANCO MUNDIAL, 2007).

Muitas vezes é comum o entendimento de que basta se disponibilizar os serviços de saúde que o acesso aos mesmos se dá por conseqüência. “Afirmar-se que ‘quanto mais serviços mais acesso à saúde’ é uma falácia que, provavelmente, não resulta de inspiração má intencionada, mas de um desconhecimento das ‘n’ variáveis que afetam o acesso” (REIS, 2012). Neves (1999) avalia que “a problemática da ‘alocação dos recursos em saúde’ é uma das mais recentes e, simultaneamente, das mais urgentes desenvolvidas no âmbito da bioética”. A questão deve ser analisada em termos de justiça social e de responsabilização ética, fundamentando-se no direito fundamental à saúde. A exigência da intensificação da responsabilidade moral, como contributo para a alocação dos recursos em saúde, fundamenta-se em dois princípios éticos: o da ‘dignidade humana’ e o da ‘participação’. A exigência de promoção da justiça social, como domínio próprio da efetivação do ‘direito à saúde’, obriga a consideração de dois princípios éticos: o da ‘eqüidade’ e o da ‘solidariedade (NEVES, 1999).

É obrigação do Estado garantir a todos o alcance da integralidade aos serviços públicos de saúde, considerando recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis. A

23

Fundamental à resolutividade de uma série de problemas que vão desde o acesso aos serviços – incluindo precisão de diagnóstico ou agilidade em exames e tratamentos à manutenção da vida.

14 integralidade pressupõe o acesso igualitário a tais serviços, algo que, por sua vez, está ligado à idéia de justiça como eqüidade, conforme RAWLS (2008).24 O acesso aos serviços de saúde, no Brasil, “é fortemente influenciado pela condição social das pessoas e pelo local onde residem.(...) Houve alguma diminuição das desigualdades sociais no acesso, mas as desigualdades geográficas aumentaram” (TRAVASSOS et al, 2011).25 Tal situação, além de nos remeter a discussão dos princípios de universalidade

e integralidade, também nos obriga a pensar a questão do usuário, enquanto indivíduo em si e como cidadão.26 Na primeira abordagem, impõe-se o princípio de autonomia que é, igualmente, defendido pelo SUS e Principialismo. Tal princípio contém o respeito à pessoa humana e, aqui, a autonomia dos usuários refere-se ao direito de decidir por si próprio em relação ao próprio corpo, ao seu cuidado, tratamento e como sujeito de pesquisa e de ensino. A partir daí, passa a receber respeito por sua condição de pessoa que não apenas sofre a ação, mas faz parte da tomada de decisão e exerce eficientemente a sua cidadania (SANTOS, 2012).27

“A exigência da intensificação da responsabilidade moral, deve integrar a alocação dos recursos em saúde, precisamente em respeito aos princípios éticos, recém abordados, da “dignidade humana” e o da ‘participação”. Assim, “o princípio da dignidade humana, na exigência de igual respeito por todos os homens, e o princípio da participação, na exigência do esforço de cada um em prol da comunidade, justificam a ampla acepção do direito à saúde e obrigam à responsabilidade” (NEVES, 1999).

24

“As noções de universalidade, equidade e integralidade têm estado presentes em documentos doutrinários e técnicos da área de saúde divulgados nos últimos sessenta anos” (PAIM; SILVA, 2011). Isso não autoriza desatenção para com o “princípio de justiça” e cabível interpretação de que este “pode ser traduzido em igualdade no acesso entre indivíduos socialmente distintos” (TRAVASSOS et al, 2011). 25 Sabidamente, existem diversos desafios e dificuldades que têm impedido um atendimento mais justo às necessidades em saúde da população. O acesso é uma dessas questões, estando fortemente vinculado a problemas econômicos e geográficos, querendo estes últimos significar não somente dificuldades topográficas naturais como, também, a distância entre o domicílio e o local onde serviços de saúde são disponibilizados. Agregam-se, aqui, a oferta de transportes, em suas diversas opções e horários, bem como custos e tempo de viagem (REIS, 2012). O acesso deve, ainda, ser considerado sob outras abordagens, tais como: “a geográfica, a cultural, a econômica e a funcional” (UNGLERT et al, 2011). 26 Como afirmam Beauchamp e Childress (2002, p.351), “desigualdades no acesso à assistência à saúde e aos seguros saúde, juntamente com aumentos dramáticos nos custos dos serviços de saúde, alimentam debates a respeito da justiça social”. 27 A cidadania de um indivíduo está intrinsecamente ligada à definição de Ser humano que, mais do que “Ser biológico” é, também, “pessoa” (conceito jurídico) portadora de direitos e deveres, que precisa ser atendida por um sistema de saúde que dê resposta precisa e ética a ambos os aspectos citados. Isso implica não só o acesso às diversas ações em saúde: promoção, prevenção, recuperação e reabilitação, mas a devida articulação entre estas e a participação do usuário em sua administração. Ação possível a partir do devido esclarecimento, oriundo da informação que cabe diretamente ao profissional de saúde fornecer e que é mais um princípio que integra o SUS, juntamente com o princípio de participação.

15 Visando responder a tais lacunas o MS por meio do “Pacto pela Saúde” 28, contempla o compromisso firmado entre as três instâncias federativas de gestão do SUS, e estabelece como prioridades o Pacto Pela Vida, o Pacto em Defesa do SUS e o Pacto de Gestão do SUS. O Pacto pela Saúde, além de reforçar o SUS como uma política de Estado, com princípios garantidos na Constituição, é um compromisso entre os gestores do SUS para a efetivação de iniciativas que ampliem a mobilização social e promovam a cidadania, favorecendo tanto o acesso como a maior qualidade aos serviços de saúde.29

3.3.1 Problemas éticos envolvendo os usuários dos serviços

O usuário tem com as equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) um contato muito mais estreito do que aquele caracterizado pela imediatidade e dramaticidade (quando não precariedade) de situações de emergência. Na APS, os objetivos a longo prazo determinam uma maior oportunidade para relações éticas, dado a pluralidade de situações, programas e ações próprios desse nível de cuidados em saúde, onde Zoboli (2004a) enumerou alguns problemas éticos na relação entre os profissionais de saúde e os usuários: a) Relação propriamente dita: dificuldade em estabelecer os limites da relação profissional/usuário; limites da interferência da equipe no estilo de vida das famílias ou usuários; prejulgamento ou desrespeito dos usuários por parte da equipe; atitude do médico frente aos valores religiosos próprios e dos usuários. b) Projeto terapêutico: indicações clínicas imprecisas; prescrição de medicamentos caros - que o usuário não poderá comprar - com eficácia igual a dos mais baratos; solicitação de procedimentos por menores de idade sem autorização ou conhecimento dos pais. c) Informação: recusa do usuário às indicações médicas; como informar o usuário para conseguir sua adesão ao tratamento; omissão de informações ao usuário; acesso dos profissionais a informações relativas à intimidade da vida familiar e conjugal. d) Privacidade e confidencialidade: discussão de detalhes da situação clínica do usuário na sua frente; dificuldades para manter a privacidade nos atendimentos domiciliários; dificuldades para o agente comunitário de saúde preservar o segredo 28

Divulgado pela Portaria nº 399, de 22 de fevereiro de 2006 (BRASIL, 2006b). Uma das prioridades do Pacto em Defesa do SUS foi a elaboração e a divulgação da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, publicada na Portaria nº 675 (BRASIL, 2006c). O MS entende como fundamental disseminar as informações relativas a esses direitos junto às instâncias gestoras, aos segmentos profissionais do setor e aos movimentos sociais. Em um país marcado pela desigualdade, autoritarismo e corrupção, devemos destacar o descompromisso e negligência para com os princípios antes destacados, posto que, a nosso ver, acentuando ou ignorando a desigualdade social, se produzirá outras ocorrências danosas, em “efeito dominó” sobre diversos preceitos do SUS e da Ética Principialista. 29

16 profissional; compartilhamento das informações sobre um dos membros da família com os demais; não solicitação de consentimento da família para relatar sua história em publicação científica. Além desses destaques, acrescentamos aspectos relativos à biossegurança. Esta depende de vários fatores, que vão desde físicos (características do local); características do material utilizado; equipamentos; informação e capacitação de pessoal. Do ponto de vista ético e de gestão, estes itens, mais do que se referirem ao trabalhador da saúde, podem por despreparo técnico ou ético implicar em graves conseqüências a estes e a terceiros: atingindo seus familiares, colegas de trabalho e parentes ou, principalmente, pacientes e respectivas famílias.30 Estudos demonstram que, não raro, profissionais negligenciam o correto uso de EPIs. Batistoni constatou, em estudo qualiquantitativo, que 50% dos profissionais entrevistados relataram que às vezes deixam de fazer uso do EPI durante os procedimentos realizados (BATISTONI et al, 2011). A imprensa nacional relata exemplos de profissionais que saem à rua com uniformes, contribuindo tanto para levar microrganismos de unidades de saúde para o exterior (lanchonetes, veículos), como do exterior para o interior dos locais de trabalho (VIEIRA, 2009). Buscando coibir tal prática, o Estado de São Paulo proibiu, por lei, o uso de jaleco fora de hospitais e ambientes de trabalho de saúde (SÃO PAULO, 2011). Iniciativa que, no entanto, já é regulamentada pela Norma Regulamentadora NR 32, aprovada pela Portaria n.° 485 (BRASIL, 2005).

3.3.2 Problemas éticos envolvendo outros colaboradores

Conforme lembra Barros Filho (2011), quando interagimos, somos afetados pela ação do outro ou pela interpretação que dela fazemos. E, ao agir, afetamos também. Nossa ação produz efeitos sobre os outros. (...) E, como esses outros nos importam – por princípio moral, por amor, por compaixão ou por qualquer outro motivo -, concluímos que nossa conduta, que vai afetá-los, também nos importa.

Zoboli (2004a), enumera os seguintes problemas: desrespeito, falta de compromisso, companheirismo e colaboração entre integrantes e equipes do PSF; despreparo dos profissionais para atuar no PSF; dificuldades para delimitar as especificidades e 30

Normas de biossegurança abordam procedimentos e comportamentos adequados, tais como: devida lavagem de instrumental, embalagem, acondicionamento em autoclave, correto uso deste aparelho, adequado armazenamento, observância a prazos de validade, uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), uniforme, cabelos, sapatos, etc.

17 responsabilidades de cada um; questionamento da prescrição médica por colega da Unidade Local de Saúde (ULS); omissão dos profissionais frente à indicação clínica imprecisa; compartilhamento das informações relativas ao usuário/família no âmbito da equipe do PSF; quebra do sigilo médico por outros membros da equipe ao publicarem relatos de casos; não solicitação de consentimento da equipe para relatar caso em publicação científica. Há ainda que se ressaltar o caráter conservador da cultura sobre saúde e tratamento de doenças, voltado prioritariamente para o médico. Este modelo, medicocêntrico, costuma hierarquizar a posição deste profissional em detrimento de outros, causando severos constrangimentos na equipe, na qual outros profissionais se vêem preteridos na tomada de decisões, participação na gestão e cuidados com os usuários, pois a ação terapêutica é baseada em clássicos procedimentos alopáticos e deixando pouco ou nenhum espaço a ação de outros profissionais bem como terapias alternativas. Este último aspecto, já foi observado pelo

MS,

que pela implementação

das

Práticas

Integrativas

e

Complementares (PIC), já possibilita modificações culturais e práticas neste aspecto. Tais práticas foram regulamentadas, em 2006, pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, cuja implementação envolve, segundo o MS, justificativas de natureza política, técnica, econômica, social e cultural.31

3.3.3 Problemas éticos envolvendo a instituição

Por falta de adequada estrutura na ULS: dificuldades para preservar privacidade do paciente, tanto em consultas como procedimentos de rotina e atendimentos de urgência; falta de apoio estrutural para discutir e resolver os problemas éticos.; falta de transparência da direção da ULS na resolução de problemas com os profissionais; excesso de famílias adscritas para cada equipe; restrição do acesso dos usuários aos serviços; demérito dos encaminhamentos feitos pelos médicos do PSF; dificuldades no acesso a exames complementares; dificuldades quanto ao retorno e confiabilidade dos resultados de exames laboratoriais ( ver ZOBOLI, 2004a). 31

Tal política atende, à necessidade de se conhecer, apoiar, incorporar e implementar experiências que já vêm sendo desenvolvidas na rede pública de muitos municípios e estados, entre as quais destacam-se aquelas no âmbito da Medicina Tradicional Chinesa, Acupuntura, da Homeopatia, da Fitoterapia, da Medicina Antroposófica e do Termalismo-Crenoterapia., tendo em conta também a crescente legitimação destas por parte da sociedade. Um reflexo desse processo é a demanda pela sua efetiva incorporação ao SUS, a qual enfatizou a necessidade de acesso aos medicamentos fitoterápicos e homeopáticos; e da 2ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde, realizada em 2004 (BRASIL, 2006a).

18 4 COMENTÁRIOS FINAIS

Estudamos a influência da Ética Principialista, tanto na formulação dos princípios do SUS32 como base orientadora, principal, para formulação de códigos deontológicos e o agir cotidiano dos profissionais em saúde. Após, defrontamo-nos com algumas questões fundamentais: o relacionamento entre os profissionais de saúde; entre estes e os pacientes; bem como a administração dos cuidados em saúde, o que inclui não apenas insumos mas, principalmente, os colaboradores. Destacamos a relevância de se priorizar o cumprimento de alguns princípios éticos, como o “princípio de justiça”, na gestão dos serviços de saúde, por exemplo: facilitar-se o acesso, em consonância com os princípios de universalidade e integralidade. Por outro lado, identificamos a preservação, na cultura dos profissionais de saúde, da tradição de alívio à dor do próximo, o que incorpora os preceitos da beneficência e não-maleficência, presentes de maneira consistente no convívio entre aqueles que prestam serviços em saúde e aqueles que os utilizam. É necessário conciliar a estes princípios o respeito à autonomia do paciente e não ingressar nos efeitos deletérios do paternalismo. Concluímos que a pluralidade de princípios proposta por Beauchamp e Childress está profundamente inserida na prática dos profissionais de saúde – ainda que disso nem todos possam estar conscientes tornando aplicável a proposta principialista aos serviços da SMS. Contudo, a adoção, apresentação, esclarecimento e incorporação desses princípios à cultura organizacional, deve ser uma medida administrativa, que inclua a devida capacitação ética e a efetivação de mecanismos de controle para desvios éticos. A consciência ética individual dos diversos especialistas é orientada parcialmente pelos valores e princípios, antes mencionados. A SMS necessita desenvolver mecanismos que permitam avaliar até que ponto a valorização cognitiva dos valores predominantes na organização mescla-se à prática cotidiana do agir multidisciplinar, que se sabe interdependente no contexto da APS. 33 32

Para Zoboli (2004a), o SUS, “por representar um processo de mudança na prática da atenção à saúde que exige dos profissionais, gestores e usuários transformações atitudinais e culturais, requer uma reviravolta ética. Assim, para fazer frente ao desafio da sua concretização, faz-se necessário lidar com as questões de ordem ética vivenciadas nos serviços de saúde, especialmente na atenção básica”. 33 Sugerimos a aplicação de questionário, junto aos colaboradores, para que, em um estudo de caso, possa ser avaliado o quanto se desconhece acerca do significado de ética, dos valores defendidos pelo SUS e pela SMS, bem como da importância desse saber no cotidiano multidisciplinar daqueles que atuam nas ULS da SMS. O preciso dimensionamento dessa questão poderia melhor orientar a gestão em relação a um componente relevante da capacitação dos seus recursos humanos (RH), o que favoreceria o estabelecimento de uma cultura organizacional que, por conhecimento e consenso em relação ao conjunto de princípios inseridos ou desenvolvidos na organização, facultaria, por incorporação dos mesmos, a

19 “O estudo da força de trabalho em saúde ganhou destaque uma vez que a relação direta entre gestão de RH e efetividade dos sistemas de saúde tornou-se cada vez mais evidente” (HENNINGTON, 2008), requerendo não somente o desenvolvimento, assimilação e prática de saberes e técnicas como, também, de princípios. “Todavia, apesar do papel fundamental desta força de trabalho, ainda muito pouco é conhecido sobre sua composição, treinamento e desempenho” (BEAGLEHOLE, R. Dal Poz, 2003 apud HENNINGTON, 2008). Por exemplo, o “sentimento de responsabilidade” é algo que pode e deve ser desenvolvido a partir da educação. Ensina Préve (2012) que as organizações só aprendem por meio de agentes que aprendem e que “o domínio pessoal é, portanto, a base espiritual, já que por meio dele aprendemos a esclarecer e a aprofundar o objetivo pessoal”. Evidentemente, tudo isso só é possível a partir de um agir individual sincronizado ao todo.34 Por isso, não obstante a grandeza do desafio de se buscar implantar cultura ética nas empresas e a despeito da complexidade de se buscar uniformizar procedimentos e comportamentos humanos, não se pode subestimar a importância de ações estruturadas na busca de alterar percepções e comportamentos (SOUZA, 2009).

Do ponto de vista ético e de gestão, importa aqui destacar que mais do que a existência de normas e do saber técnico, importa o agir correto e consciente, por parte dos profissionais de saúde. Por exemplo, de pouco ou nada adianta se investir em capacitações técnicas e o profissional ser negligente na aplicação de seus conhecimentos.35 Reforça Fortes (2006) que as pessoas devem estar fundamentadas na noção de cidadão, de sujeito de direitos, e não somente na de consumidor, criando instrumentos que protejam a sua saúde. Deve ser solidária com pessoas consideradas como iguais em seus direitos, mesmo quando tenham diferentes posições ou valores socioculturais. obtenção de melhores resultados, não somente a nível técnico, mas, também ético, exigidos pela natureza peculiar do serviço. A revisão de literatura neste artigo, reforça o entendimento da importância da ética, tanto na construção dos princípios norteadores do SUS e da SMS, como nos os serviços oferecidos à população. Importância cujo significado estende-se ao bom relacionamento entre os profissionais, no ambiente multidisciplinar em que estão inseridos, e os benefícios para a organização. 34 “A ética no campo da saúde, (...), tem tido uma abordagem multidisciplinar e multiprofissional, observada dentro de uma perspectiva intercultural e humanista. (...) visa à interioridade do ser humano, solicita convicções próprias do indivíduo, aceitação livre e consciente das normas, mas, (...), é necessário salientar que a discussão e prática ética têm também uma ampla significação socioeconômica e política” (Fortes, 2006). 35 Cito, por exemplo, o uso da autoclave: o profissional sabe como tem que lavar, embalar e acondicionar o instrumental a ser esterilizado. Existe um protocolo para isso, com registro da data do procedimento e nome do responsável. Contudo negligenciando diversos desses passos, possibilita drásticas conseqüências para usuários e mesmos colegas de trabalho e danos à imagem da organização. Essa negligência oriunda de características de caráter intrínsecas ao sujeito é, muitas vezes, reforçada por ausência de protocolos mais rígidos e mecanismos de cobrança mais severos, consumando-se em uma falta ética.

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Deve, também, fundamentar-se em ações antecipatórias, baseadas em uma ética de prevenção que deve sobrepujar a freqüente prática de agir a posteriori, quando o prejuízo já foi causado, lembrando sempre do trágico e notório caso das hemodiálises na cidade de Caruaru36, acontecido há poucos anos. Tendo em conta a complexidade dos problemas que demandam a rede de atenção primária37 e a necessidade de se buscar continuamente formas de ampliar a oferta e a qualidade dos serviços prestados, “pensamos ser recomendável a organização, o desenvolvimento e a administração de ações baseadas em considerações que levem em conta argumentos eticamente defensáveis” (REIS, 2006).38 Também, defendemos veementemente a idéia de que o profissional de saúde pública tem que possuir um dever para com a parte afetada onde se impõem, mais do que o imperativo categórico ou o princípio de utilidade e dos traços de caráter, a força dos contratos (algo nem sempre muito claro aos profissionais deste tipo de organização). Isso implica, portanto, em um problema de gestão, pois o “contrato” é entre o usuário e a organização e não firmado, privadamente, com o profissional que, temporariamente, o atende na ULS. Considerando que as pessoas agem sob a influência das próprias experiências, e que muitas dessas pessoas não tiveram acesso a informações adequadas sobre regras morais e conduta ética, é possível afirmar que (..) a empresa tem o dever de disseminar as questões relativas à ética (SOUZA, 2009).

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O acidente ocorrido no Instituto de Doenças Renais (IDR) em Caruaru, PE, durante o mês de fevereiro de 1996 transformou a história e a prática clínica da hemodiálise. A contaminação da água utilizada para hemodiálise com microcistina, uma toxina de cianobactéria, causando a morte de 65 pacientes trouxe várias lições a comunidade médica e a sociedade civil. Outros exemplos trágicos ocorridos por negligência, desinteresse, desatenção e desrespeito à pessoa despontam em diversas unidades de saúde no território nacional, como o caso da aposentada de 75 anos que morreu após receber na veia glicerina, ao invés de soro, no Hospital Geral de Missão Velha (a 506 km de Fortaleza), em julho de 2011, ou de outra idosa (88 anos), que morreu após receber sopa na veia, quando deveria ter recebido soro, na Santa Casa de Barra Mansa, RJ, em setembro deste ano. Erros similares, já ocorreram em ULS da SMS, felizmente sem conseqüências tão drásticas. 37

A realidade na qual se inclui as unidades prestadoras de serviços em APS, na SMS de Florianópolis - ainda que única - segue, em linhas gerais, aquela que foi documentada, pelos estudiosos aqui destacados, para a maioria das organizações públicas nacionais. A cultura da cidade e do Estado não são tão díspares em relação à cultura do país em que se inserem. Analogamente, o modo de se exercer gestão e política não difere tão agudamente das demais unidades da Federação, além de ter que submeter-se a diversas diretrizes ditadas pelo governo da União, o que implica para o gestor um “horizonte” rico em desafios na temática abordada.

38

O MS, através da “Política de Humanização da Atenção e da Gestão (PNH), tem por objetivo qualificar práticas de gestão e de atenção em saúde. (...), isso corresponde à produção de novas atitudes por parte de trabalhadores, gestores e usuários, de novas éticas no campo do trabalho, incluindo aí o campo da gestão e das práticas de saúde, superando problemas e desafios do cotidiano do trabalho” (BRASIL, 2010).

21 Concluindo, se a moral, a ética e as leis são construções humanas, históricas e culturais, com o objetivo de regular o convívio dessa espécie na sua relação com a natureza e sociedade, pensamos que seja essencial produzirem-se oportunidades de aprendizagem de condutas adequadas, tendo por escopo, mais do que a minimização de conflitos, evitar-se prejuízos mensuráveis. Em caso de erros ou falhas éticas, mais do que punições, faz-se pertinente falar em aprendizagens. Nossas conclusões principais, a partir dessa revisão de literatura, são: a necessidade do pleno conhecimento, por parte do gestor, da cultura organizacional; de se elaborar um “Código de Ética Multidisciplinar”; e uma “política”, clara, de conseqüências para faltas éticas, o que inclui a elaboração de precisas medidas disciplinares, sua divulgação e maior valorização dos comitês de ética. Que se frise: medidas disciplinares não são propriamente punitivas e sim iniciativas pedagógicas que visam a propiciar a aprendizagem acerca de condutas mais adequadas por meio de capacitações continuadas. Evidentemente, poderão ocorrer casos passíveis de punição e isso pode ser um bom dispositivo disciplinar para os demais colaboradores, pelo poder da “exemplaridade”. O procedimento simplório de transferência de ULS, não educa o profissional, não o responsabiliza devidamente e, tampouco, resgata a “dívida” com o usuário, demais colegas ou organização, estando longe de constituir-se em um “modelo de exemplaridade”.39

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Assim, essa medida administrativa longe de trazer benefícios, implica em prejuízos, por “transferência” do problema e por eximir-se da devida parcela de responsabilidade, por falta de investimentos em capacitação ética e correta aplicação de medidas disciplinares ou punitivas. Isso porque, a nosso ver, as condutas éticas inaceitáveis e suas conseqüências, além de estarem previamente determinadas em documento institucional, devem continuamente ser revistas e lembradas.

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