A Questão Kalley numa perspectiva política e a importância de esclarecer equívocos (1838-1846) (2014)

Share Embed


Descrição do Produto

A Questão Kalley numa perspectiva política e a importância de esclarecer equívocos (1838-1846): uma primeira abordagem Paulo Miguel Rodrigues Universidade da Madeira Faculdade de Artes e Humanidades Centro de Investigação em Estudos Regionais e Locais [email protected]

Ponto prévio Impõe-se esclarecer que a minha área de especialidade é a História Política e Institucional, com algumas incursões pelas relações externas, em particular naquilo que diz respeito às ligações anglo-madeirenses. Não sou, portanto, especialista em História da Igreja, da Religião ou História Religiosa. Entenda-se, portanto, este texto - na fase em que ainda se encontra a nossa investigação - como um conjunto de notas e observações, uma primeira abordagem que se pretende que seja mais um contributo para o estudo e reflexão sobre a chamada Questão Kalley1. Creio ser importante este breve esclarecimento, para que se tenha sempre presente que, por um lado, a História, como qualquer outro campo do saber, tem áreas de especialidade, tem especialistas em determinadas áreas (que não são donos delas); e que, por outro, não existem temas acabados, cuja investigação se possa considerar esgotada. Trata-se de uma afirmação trivial, mas cujo alcance por vezes se esquece no estudo da História, um campo do saber onde (ao contrário do que sucede em outras áreas) é por demais usual - senão mesmo de uma banalidade atroz - assistirmos à publicação de textos assinados por supostos “investigadores”, sem qualquer formação na área. O que aqui vamos fazer, portanto, a respeito da presença de Kalley na Madeira, é apenas uma análise que coloca a tónica na perspectiva da História Política2, sabendo que estamos perante um tema da História da Madeira do século XIX que se deve inserir num quadro mais complexo e que se trata de uma questão com algumas aproximações no âmbito geral da História e, em particular, da História da religião, do pensamento religioso,

É conveniente esclarecer que optámos por não mencionar neste texto a produção bibliográfica coeva e sobre aos acontecimentos, em particular aquela que foi produzida ainda em vida de Kalley. Fazê-lo seria tornar desnecessariamente extenso o aparato. A sua análise e discussão seria suficiente para outra texto. 2 Cf. René Rémond (1996), Rui Ramos (1991, pp. 27-47), Maria de Fátima Bonifácio (1999, pp. 17-129; 2007, pp. 209-218 e 219-239) 1

1

da Igreja, do protestantismo e/ou, inclusive, da cultura, das mentalidades e da análise sociológica3. O que pretendemos, a partir da perspectiva adoptada, é lançar alguns alertas, chamar a atenção para aspectos desconhecidos e para algumas questões que consideramos pertinentes e indevidamente analisadas, mal ou insuficientemente explicadas, se não mesmo, em certos casos, equivocadamente historiadas. Aliás, este será um dos maiores aliciantes da História e da sua escrita: a sua constante actualização; a emergência de novas fontes; a revisão, actualização e correcção do que já foi escrito e feito. Sem receios da crítica e sempre com o intuito de combater visões maniqueístas. É verdade também que se correm riscos, nestas intervenções, que para além do seu teor, estão sempre limitadas pelo espaço disponível. Como se sabe, já existem vários textos sobre o assunto, alguns dos quais só a propaganda e as lógicas editoriais permitem ter a repercussão pública que manifestamente o seu conteúdo não justifica. O espírito desta comunicação é também, portanto, tentar evitar que algumas afirmações, resultado de observações superficiais, pouco sustentadas nos factos e sem o necessário espírito crítico e académico, por serem ditas muitas vezes, se transformem em verdades. 1. Prolegómenos O nosso ponto de partida é simples: a análise das actividades do médico e pastor protestante Robert Reid Kalley4 na Madeira sofre de vários problemas, sendo evidente que quem procura analisar o assunto e tudo aquilo que o envolveu, entre 12 de Outubro de 1838 e 10 de Agosto de 1846, período em que esteve na Madeira (ou, no extremo, até 1853, pela vertente judicial que lhe está associada) - em particular quem o procura fazer pela

Cf. Michael P. Testa (1963, 1964ab, 1977), Fernando Castelo Branco (1989), Desmond Gregory (1988), William B. Forsyth (1988 e 2006), Mary Noel de Menezes (1988ab), Jo-Anne Ferreira (1996), Maria Zina Abreu (2001 e 2013), Joyce B. Every-Clayton (2002), Alderi Souza de Matos (2003), Lyndon Santos et al (2012). 4 A propósito de Kalley (1808-1888), impõe-se um breve apontamento biográfico, introdutório: chegou ao Funchal a 12 Outubro de 1838, com a sua primeira mulher, Margaret Crawford (após a morte desta, em Setembro de 1851, casou com Sarah Poulton Wilson, em Dezembro de 1852). A 17 de Junho de 1839 ficou habilitado para exercer medicina nos territórios de Portugal, depois de ter sido examinado na Escola MédicoCirúrgica de Lisboa. Seguiu depois para a GB, onde manteve contactos com a London Missionary Society, à qual pedira para ser ordenado pastor e nomeado agente na Madeira. A Sociedade aprovou a sua ordenação, mas não o aceitou como agente. Apesar de não ter realizado estudos formais de teologia, sendo aparentemente um autodidacta, foi aprovado nos exames e ordenado, por seis ministros presbiterianos ligados à LMS, a 8 de Julho de 1839. Estes, contudo, não agiram em nome de qualquer denominação. Em Outubro de 1839 regressou à Madeira. Cf. Testa (1963) e Matos (2003). 3

2

perspectiva da História política - se debate com quatro problemas imediatos, que podem ser tipificados da seguinte forma: - os que estão relacionados com a natureza das fontes e da bibliografia; - os associados à pouca ou nenhuma relevância concedida ao quadro jurídico existente à época dos acontecimentos; - os que resultam da dificuldade em compreender os quadros mentais prevalecentes no Portugal e, em particular, na Madeira de meados do século XIX, daqui decorrendo a propensão para analisar e tentar compreender o passado a partir de valores e ideais de hoje; - por último, a marginalização e o relativo desinteresse revelados pelo(s) poder(es) central(ais) em relação às coisas do arquipélago, então pensado através de uma fórmula algo artificial, expressa nesse conceito dúbio de Ilhas Adjacentes. Um conceito que seria formalmente registado pelo primeira vez na Constituição de 1822, mas que persistiria até 1974/76, sinalizando uma circunstância político-administrativa que entendemos ter também contribuído para potenciar os acontecimentos e as relações entre os diversos poderes envolvidos na questão5. 2. No que à produção bibliográfica diz respeito, poderemos começar por considerar que esta é relativamente extensa. Ainda assim, é pertinente salientar dois factos: por um lado, um número considerável de textos é coevo (ou quase) aos acontecimentos e, entre eles, predominam as perspectivas daqueles que se consideraram atingidos pela acção punitiva das diversas autoridades portugueses intervenientes (locais, insulares ou nacionais, civis, militares ou religiosas). Ora, esta circunstância impõe que os aceitemos mais enquanto fontes do que estudos. Por outro lado, mesmo no que aos estudos diz respeito, grande parte destes aceita os relatos existentes e, a partir deles, tem por objecto principal a saga migratória e diaspórica dos madeirenses protestantes. No que às fontes primárias stricto sensu diz respeito, raramente (ou nunca) é tida em consideração - por razões que aqui não interessa desenvolver - a documentação dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros de Portugal e do Reino Unido, isto para nem sequer convocar os seus homólogos do Brasil e da França. Como se deduz, é exactamente a partir

5

Paulo Miguel Rodrigues (2011).

3

desta documentação, que se encontra nos National Archives (Kew, Londres), na Torre do Tombo e no Arquivo Regional da Madeira, que assentamos a nossa análise. Quanto ao quadro jurídico, convém não esquecer - tendo aqui apenas em conta, pelo espaço disponível, as Leis Fundamentais em vigor durante a passagem de Kalley pela Madeira, nomeadamente a Constituição de 1838 e a Carta Constitucional de 1826, reposta em Fevereiro de 1842, - que ambas declaravam a religião Católica Apostólica Romana como religião do Estado. A este respeito, acrescente-se que até a Constituição de 1822, considerada progressista, o fazia no seu art.º 25º; a Carta (de 1826) declarava-o no art.º 6º e a Constituição de 1838 no 3º6. A única distinção verificava-se no modo de aceitar a manifestação da religiosidade dos indivíduos: a Constituição de 1822, para além de começar com a invocação da Santíssima Trindade, considerava que entre os deveres dos cidadãos estava o de “venerar a Religião” (art.º 19º), admitindo a censura pelos Bispos dos escritos públicos sobre dogma e moral (art.º 8º) e deixando claro que só aos estrangeiros era permitido o exercício - e o “exercício particular” - dos respectivos cultos não católicos (art.º 25º); Apesar do progressismo declarado e reconhecido na Constituição vintista, a verdade é que a este respeito tanto a Carta, como a Constituição de 1838 iam mais longe, estabelecendo que ninguém poderia ser perseguido por motivo da sua religião, embora em ambas com a importante ressalva de “uma vez que respeite o Estado” (respectivamente art.ºs 145º e 11º). Mais: na Carta (restaurada em 1842, recorde-se) continuavam a ser apenas os estrangeiros a ter garantido o exercício de outros cultos, e isto apenas “em casas para isso destinadas, [mas] sem forma alguma exterior de Templo” (art.º 6º). Na verdade, o conteúdo da Carta revelou e até agravou algumas incoerências e contradições a respeito da diversidade religiosa. Isto permitiu que fosse invocada como argumento legitimador tanto daqueles que defendiam o respeito pela religião do Estado, como daqueles que patrocinavam a liberdade religiosa e, em particular, do cristianismo reformado ou evangélico. A resposta a estas contradições concretizou-se na adopção de métodos diversos, nomeadamente nas práticas judicial, social e cultural7. Ainda neste âmbito, também nos interessa o Tratado de Comércio e Navegação entre Portugal e a Grã-Bretanha, assinado em Julho de 1842, porque contemplou, para além do seu cerne, disposições a respeito dos direitos e privilégios no campo religioso. Nele ficou consignado aos súbditos de cada uma das partes o “livre uso e exercício da sua Jorge Miranda (2013). Para o desenvolvimento destas questões vejam-se Rita Mendonça Leite (2009, pp. 19-26) e Luís Aguiar Santos (2002 e 2012, pp. 21-67) 6 7

4

religião, sem por forma alguma serem inquietados pelas suas opiniões religiosas”, reforçando-se também o espírito da Carta, quando se afirma que os fiéis poderão reunir-se em espaços próprios, sem que “sofram o menor embaraço ou interrupção”8. Não é despiciendo acrescentar que, de acordo com o Código Administrativo de 1842 (na linha do dec.º de 16 de Maio de 1832), os governadores civis estavam incumbidos de vigiar o exercício da autoridade eclesiástica (tornando-se por isso superiores hierárquicos dos párocos, em concorrência com as reduzidas competências pastorais dos bispos) e de superintender todos os estabelecimentos de piedade e de beneficência (o que incluía confrarias, Misericórdias e respectivos hospitais)9. Será, portanto, em termos gerais, nesta plataforma legislativa que se irão mover e de que farão uso todos os intervenientes na questão Kalley. Para o caso madeirense, impõe-se, contudo, um breve (mas significativo) parêntesis: não é de somenos destacar que desde 1822 existia no Funchal a chamada Igreja Britânica, edificada depois de um longo processo de instituição, que se iniciara durante as ocupações britânicas, no quadro das Guerras Napoleónicas, mas que ainda assim precisou de mais de uma década para se concluir, só concretizando com o advento do liberalismo e o vintismo. Um espaço que, não por acaso, adoptou a referida designação (de britânica), revelando também o cuidado arquitectónico que a lei portuguesa impunha. Isto foi, aliás, algo que sempre tratou de destacar um dos seus principais mentores, o cônsul Henry Veitch, que por diversas vezes (re)lembrou ao Foreign Office que no dia em que tal fórmula abrangente não fosse seguida, graves problemas poderiam emergir, quer no seio da comunidade britânica (então maioritariamente escocesa), quer no quadro das relações anglo-madeirenses. Na verdade, enquanto foi cônsul, com a prudência que quase sempre caracterizou o seu exercício, Veitch nunca teve de enfrentar qualquer problema relevante a respeito das questões religiosas, que ele sabia latentes, mas cujos episódios sempre conseguiu controlar, evitando que afectassem a estabilidade geral da comunidade. Não por acaso, assim que foi afastado das suas funções, em meados da década de 30 do século XIX, com a gradual desintegração da Igreja britânica, começou a verificar-se exactamente aquilo que ele temera10. Por outro lado, embora ainda neste âmbito, seria interessante comparar o quadro legal britânico (inglês, escocês, irlandês ou imperial) e o português então vigentes e aferir

Sobre a conjuntura política que levou ao Tratado e para a sua análise no quadro das relações luso-britânicas, vide Maria de Fátima Bonifácio (1991). Para as disposições de específicas quanto aos direitos e privilégios dos súbditos dos dois países, vide Rita Mendonça Leite (2009, pp. 24-26). 9 Cf. Luís Aguiar Santos (2012). 10 Para as relações anglo-madeirenses durante a primeira metade do século XIX vide Paulo Miguel Rodrigues (1999 e 2008). 8

5

como seria recebido no Reino Unido ou no Império um missionário português católico que tivesse o mesmo espírito ecuménico e fizesse exactamente o mesmo que Robert Kalley se propôs e começou a realizar na Madeira11. Note-se que para os poderes judicial e político insulares, ele estaria, por exemplo, a perverter o espirito da Carta Constitucional ao afixar um aviso, na porta da sua residência, informando que apesar de ser esta uma casa particular, todos os seus “verdadeiros amigos” estavam convidados a entrar, pois “pela Constituição não ha[via] quem t[ivesse] direito de proibi-los de entrar sendo convidados”12. Se houve Liberdade ou se foi feita Justiça, estas são outras questões, principalmente se analisarmos o assunto tendo em conta os valores que hoje nos guiam. O que não se deve esquecer é que a função da História é estudar o Homem no tempo e no espaço - num determinado tempo e num determinado espaço. Não é função da História inventar tempos e espaços para satisfazer preconceitos, ideias ou, pior, para criar ou sustentar mensagens que se entendem (hoje) como politicamente correctas. 3. Em meados do século XIX não existia, em Portugal, nas Ilhas Adjacentes e no Império, um Estado - ou pelo menos ainda não existia como hoje o concebemos - porque Vejam-se, por exemplo, aquilo que Francisco Rebelo de Carvalho transmitiu a Sá da Bandeira, em Maio de 1838, acerca de queixas apresentadas por bispos católicos nas possessões britânicas na Índia; vide o confronto crescente entre a Igreja de Inglaterra e a Igreja Católica e o Papado, que levou, por exemplo, ao Ecclesiastical Titles Act (de 1851); em Fevereiro de 1843 (MNE, Lº 547, 25/2/1843) o embaixador Moncorvo lembrava a Gomes de Castro que ainda estava em vigor a lei conhecida no foro britânico pelo nome de ‘Praemunire’, ao abrigo da qual podia ser acusado de alta traição o ministro da Coroa que negociasse ou entrasse em relações políticas com o Papa. Ou seja, se é certo que Moncorvo não deixava de reconhecer o “resguardo observado pelo governo [inglês] em se intrometer em questões que, ou afectam a liberdade dos cultos religiosos que as leis deste reino toleram e regulam, ou dizem respeito às pessoas que exercem os diferentes empregos de Ministros dessas religiões, que existem quer no Reino quer nos seus Domínios”, e de admitir que existiam “inumeráveis seitas ou religiões e suas ramificações” cujo culto era permitido na GB, também não se coagia de destacar o facto de a religião católica apostólica romana ser aquela que “mais excita[va] os ciúmes do governo”, até por ter sido “na destruição e com a perseguição dessa religião que se fundara o que [era a] chamada dominante ou religião do Estado […], a denominada Anglicana Episcopal”. 12 FO 63/570, 31/5/1843, Stoddart para Aberdeen, com cópia do aviso, afixado nos Sábados 22 e 29 de Janeiro e retirados (arrancados na versão de Kalley) pelo oficial de diligências, Francisco Rodrigues da Silva. No referido aviso ainda se acrescentava que “nem há quem os proíba [de entrar e] de ouvir as palavras de Nosso Deus e Salvador, se algum outro entrar se expõe por isso a processo conforme a lei”. Kalley defendia-se afirmando que analisara Carta Constitucional (reposta em Fevereiro de 1842) e o recente Tratado luso-britânico, assinado em Julho de 1842, e que em nenhum encontrara fundamento para a proibição da sua actividade. Considerava, assim, ter o direito de na sua própria casa poder expressar os seus pensamentos livremente, religiosos ou outros, estivessem ou não presentes nativos. Ms. “An Exposition of Facts by R. R. Kalley”, 31/3/1843. Este texto foi impresso pela primeira vez ainda em 1843 (Funchal, Typ d’O Defensor, p. 16) e teve uma 2ª ed. em 1875 (Lisboa, Typ. Luso-britânica de W. T. Wood, p. 31), com o subtítulo Relativos à agressão contra os protestantes na Ilha da Madeira. Em 2006 a versão de 1843 foi reeditada em O catolicismo em perigo na Madeira do século XIX (Lisboa, Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal). 11

6

mesmo que estivesse idealizado e arquitectado, não estava ainda edificado. Falar de Estado em Portugal, naquilo que era o vasto espaço português na primeira metade do século XIX, implicará ter em consideração a existência de vários projectos de Estado, então em discussão. O que existia efectivamente era uma realidade desintegrada. Tudo isto tinha, como se deduz, óbvias repercussões, quer nas relações de poder, quer no exercício concreto da autoridade, cuja existência de jure nem sempre era correspondida de facto. Portugal, inclusive a Madeira, tinha acabado de sair de uma guerra civil (1828-1834), durante a qual, aliás, a Ilha fora invadida pelas forças miguelistas13, mas persistindo, como se sabe, após a Convenção de Évora-Monte e durante as décadas seguintes, um ambiente de conflito latente, que acabou por facilitar escaramuças de vário teor. Para além do período a que se atribuiu o significativo epíteto de devorismo, ocorreram também, apenas para mencionar os momentos mais relevantes, os golpes da chamada Revolução de Setembro (de 1836) - Kalley desembarcou na Madeira um mês depois - e aquele que levou Costa Cabral ao poder, em Fevereiro de 1842, sem esquecer a revolta da Maria da Fonte (Março de 1846) e a instabilidade política, institucional e social que se lhe seguiu: em Abril, as garantias constitucionais são suspensas por dois meses; em Maio, é demitido o governo de Costa Cabral; e nos meses seguintes teremos um governo, onde preponderam os três duques, de Palmela, da Terceira e de Saldanha. Recorde-se que Kalley é obrigado a fugir no início de Agosto, de uma forma algo rocambolesca, aconselhado pelo cônsul britânico, George Stoddart, e protegido pelas autoridades portuguesas14. Depois, como se sabe, a partir de Outubro, a guerra civil da Patuleia (1846-1847) também teve repercussões directas na realidade madeirense, onde, à semelhança do sucedido em vários locais do Reino, se instituiu uma Junta Governativa15. É evidente que esta realidade, de quase-caos político-institucional, de múltiplas resistências aos órgãos de poder, por vezes também potenciada pelo choque que então se verificava entre o Estado liberal e a Igreja católica, teve graves e múltiplas implicações sociais, muitas delas com impacto quotidiano. A este respeito, tendo em conta apenas a questão que aqui nos interessa, desde logo se deve destacar tanto a falta de um regular (no sentido etimológico da palavra) e efectivo exercício da autoridade do Estado, como a Paulo Miguel Rodrigues (2008). A respeito dos acontecimentos no Reino, vide Maria Fátima Bonifácio (1999, pp. 160-181; 2009), Vasco Pulido Valente (2007 e 2009, pp. 7-46), Miriam Halpern Pereira (2010, pp. 75-103 e 137-163), Diego Palacios Cerezales (2011, pp. 21-118). 15 Para as repercussões na Madeira Alberto Sarmento (1932) é o único estudo publicado. A Junta governativa madeirense, formada em Abril de 1847 e fiel à do Porto, durou 76 dias. O governador civil, José Silvestre Ribeiro, na Madeira há apenas alguns meses, foi convidado a aderir mas recusou. Para o Reino vide Maria Fátima Bonifácio (1993). 13 14

7

dificuldade em concretizar a separação dos poderes, expressa constitucionalmente. Como é óbvio, estes constrangimentos tinham consequências no exercício da justiça e no funcionamento dos órgãos de poder político e judicial, assim como reflexos no campo religioso e, em particular, na definição (e aceitação) de uma clara hierarquia eclesiástica na Madeira, como veremos adiante16. Note-se que, de uma forma geral, as autoridades insulares e locais madeirenses revelaram a sua preocupação, o mesmo sucedendo com o Foreign Office, em particular a partir de 1841 e, em definitivo, após 1843, quando a situação de Kalley se agudizou, conduzindo-o à prisão, em Julho, situação em que se manteve até ao fim de Dezembro17. Do lado do governo britânico, a preocupação não era tanto - saliente-se - o problema do desrespeito, das alegadas infracções e transgressões ou, inclusive, dos crimes de que Kalley era acusado ou que cometera, à luz da legislação portuguesa, mas sim a demora e o impasse em que as várias autoridades estavam a permitir que o processo mergulhasse, sem quaisquer perspectivas de julgamento. Sobre isto, aliás, o governo britânico foi claro e o embaixador em Lisboa, Howard de Walden, inequívoco, tanto na mensagem que fez chegar ao MNE, como nas conversas que manteve com Palmela, Costa Cabral e até com Monsenhor Capaccini, Delegado e Internúncio Apostólico em Lisboa, ao afirmar que não podia admitir “that the mere ex

parte statement of any local authority”, civil ou eclesiástica, justificasse a expulsão de um súbdito britânico de território português. Neste sentido, o embaixador acrescentava que, havendo transgressão da lei, o infractor deveria ser punido “of which he may have been proved before a competente tribunal”. Não seria aceitável, portanto, qualquer expulsão arbitrária, sem julgamento, e o embaixador, mesmo reconhecendo, para o FO, que o assunto era muito delicado, lembrava a Gomes de Castro que nem na plenitude do absolutismo algum governo tivera tal atitude18. O ministro dos negócios estrangeiros português não aceitava estes argumentos, que considerava “insustentáveis”, lembrando que, a haver processo, teria de ser aplicada a pena que dele resultasse (qualquer que ela fosse - e podia ser a condenação à morte). Acima de tudo sublinhava que se, de acordo com o direito internacional, um agente diplomático

Cf. Jorge Miranda (1984), Vítor Neto (1998), Luís Dória (2001). Ordem de prisão, 22/7/1843, assinada por Francisco Jerónimo Coelho e Sousa, açoriano e então Juiz de direito da Comarca Ocidental, que acumulava com a Oriental, servindo então interinamente também de Juiz da Conservatória Britânica. 18 MNE cx 496, 11/6/1843, Walden para Gomes de Castro. Seguiu depois cópia para os ministérios do Reino e da Justiça; FO 63/565, 11/6/1843, Walden para Aberdeen, com cópia da Nota que recebera do MNE. 16 17

8

podia ser expulso, provando-se que agia contra o Estado (e existiam vários exemplos), então com muito mais razão poderia ser expulso um simples súbdito19. Neste âmbito, há ainda um outro aspecto a ter em conta: a debilidade (por razões que aqui não interessa desenvolver) que se verificava nos próprios órgãos jurisdicionais instituídos no seio da comunidade britânica. Em Abril/Maio de 1843 (quando se agudizou a questão, como referimos), não havia quem exercesse de uma forma efectiva as funções de juiz conservador britânico, uma figura essencial na gestão destas disputas20. Mais: até o cônsul Stoddart estava ausente21. Recorde-se também que se vivia uma fase de transição nas relações luso-britânicas, que passara pela assinatura do Tratado de 1842 (em Julho), o qual, entre outras coisas, levaria à extinção das jurisdições privativas (Dec. de 12 de Março de 1845, que aboliu as Conservatórias das nações estrangeiras, no Reino, nas Ilhas Adjacentes e nas Províncias Ultramarinas). Ou seja, de acordo com os termos do Tratado, os súbditos britânicos deixariam de gozar do privilégio do juízo da Conservatória, mas continuariam a beneficiar de várias garantias22. O problema é que entre as duas datas supra mencionadas se viveu uma espécie de interim. Por fim, ainda quanto ao quadro jurídico em vigor, convém não esquecer que o proselitismo protestante era proibido por lei. Pode contestar-se a lei (como na verdade se contestou), mas era esta a realidade e não era exclusiva de Portugal. A este respeito, sabendo-se que a pronúncia e a prisão de Kalley se efectuou com base na legislação contra a blasfémia, a heresia e a apostasia (do início do séc. XVII e último quartel do XVIII) nem sequer era necessário remontar a tal legislação, pois para o caso bastava ter presente aquilo que se encontrava expresso na Lei Fundamental então em vigor, como já mencionámos.

MNE cx 136, 19/6/43, Gomes de Castro para Moncorvo, solicitando que expusesse a Aberdeen este “melindroso negócio”, fazendo-lhe ver a “necessidade” em que o governo se achava de proceder à expulsão, “caso ele [Kalley] prossiga no seu criminoso procedimento”. 20 MNE cx 496, 11/5/1843 - Walden a Gomes de Castro, transmitindo-lhe que o cônsul no Funchal o informara de que a função de juiz conservador britânico (JCB) estava vaga há mais de um ano, solicitando que fosse nomeado um magistrado para desempenhar as funções interinamente. Esta alegação não é, todavia, muito clara, uma vez que em Abril de 1845, aquando da extinção da Conservatória, Ortugueira Negrão, o juiz, menciona ter servido por quase 9 anos na Ilha o governo de SMB. Deduz-se, portanto, que no período em causa a função não estaria a ser exercida por algum motivo (ausência da Ilha, o mais provável, ou doença). A verdade é que se deu a nomeação do açoriano Fancisco Jerónimo Coelho e Sousa, juiz da Comarca Ocidental, para desempenhar as funções interinamente, pelo menos até Agosto, mês em que regressou ao exercício José Pereira Leite Pita Ortigueira Negrão, juiz de Direito da Comarca Oriental. 21 Stoddart esteve ausente, na GB, entre a terceira semana de Novembro de 1842 e a última de Abril de 1843. 22 Apud Rita Mendonça Leite (2009, p. 25). Entre as garantias destacam-se: o processo por jurados; não poderem ser presos sem mandato de um magistrado ou sem culpa formada; a admissão de fiança; e o direito a serem julgados como os súbditos portugueses em todas as causas cíveis ou crimes. Na GB os portugueses tinham os mesmos direitos. 19

9

Isto foi algo, aliás, que o próprio Costa Cabral, no início de 1843, enquanto ministro do Reino, já fizera notar ao governador, então administrador-geral do Distrito, Domingos Olavo de Azevedo, acrescentando que este devia “prestar às autoridades eclesiásticas e judiciais todo o auxílio e cooperação para o cabal desempenho suas funções” em tão importante assunto, a respeito do qual se esperava que “obra[ssem] com

tanta firmeza como prudência”23. Como se verá, a tibieza desta fórmula, tendo em conta a realidade madeirense e as forças em contenda, estava longe de agradar às autoridades insulares. 4. Quando a questão Robert Kalley emerge, este já não era, como muitas vezes se ainda considera, um simples pregador da Church of Scotland (Igreja da Escócia), pois rompera, em definitivo após 1842, com os presbiterianos e com a Igreja estabelecida, associando-se à recém-instituída Free Church of Scotland (Igreja Livre da Escócia)24. Ou seja, por um lado, ele próprio representava uma dissensão no seio dos presbiterianos escoceses - e também não será de somenos referir que admitiu, anos mais tarde, sempre se ter considerado livre de vínculos. Por outro lado, é óbvio que a dimensão e projecção que Kalley deu à vivência textual e reflectida da Fé (em vez da vivência devocional e sacramental), ao exigir o contacto com a Bíblia e a sua análise, assim como a componente congregacionalista que lhe era inerente, não podiam passar incólumes na época (e ele sabiao)25.

AGC Lº 656, 3/3/1843, Costa Cabral para Olavo. Invoca os art.º s 6º e 145 da Carta. Itálico nosso. A Free Church of Sctotland foi criada em 1843, na sequência de uma dissensão no seio da Church of Scotland, que deu origem a um cisma conhecido como a ‘Perturbação de 1843’ (Disruption of 1843). Este movimento evangélico (c. 450 clérigos, de um total de c. 1.200), liderado por Thomas Chalmers, rompeu com a Igreja estabelecida, por considerar que esta estava a ser permissiva à influência do Estado (via grandes proprietários, que pretendiam nomear os ministros locais), defendendo por isso a necessidade de uma purificação e total independência espiritual. O conflito tornou-se político, entre os evangélicos, ditos mais radicais (e, ao mesmo tempo mais próximos de seguirem a vontade popular) e o grupo dos moderados (mais próximo da aristocracia e dos grandes proprietários). Dada a sua dimensão e repercussões, pode considerar-se que este movimento fez com que a Igreja da Escócia se dividisse em duas grandes famílias (que persistiu até aos anos Vinte do século passado). Destaque-se que os dissidentes reuniram fundos financeiros consideráveis, com o qual construíram novas igrejas, escolas e até uma Universidade, em Edimburgo. Cf. Sandy Finlayson (2010), Stewart Mechie (1960). 25 Michael Testa (1963) e William Forsyth (2006). Acrescente-se, para que se perceba o intricado do assunto, que de acordo com a sua segunda mulher, Sarah, citada por Joyce Every-Clayton (2002, p. 123), “at that time [1843], though warmly sympathizing with the movement, he [Kalley] did not join the Free Church, being too much absorbed by the work in Madeira:… and therefore, he really belonged to the Established Church of Scotland to the end”. Esta autora refere que Kalley, para além das ligações à LMS, estudou na Glasgow Theological Academy (calvinista), liderada pelos ministros congregacionistas Ralph Wardlaw e Greville Ewing. Defende também que Kalley nunca foi ordenado ministro da Free Church of Scotland, não aceitando assim o que afirmam os seus coevos William M. Blackburn (c.1860) e Herman Norton (1850) e, 23 24

10

Ainda assim, a respeito do debate e das disputas de carácter religioso que então se verificavam, pensar que se resumiam à questão Kalley é um equívoco. Na verdade, já outros problemas se tinham levantado, num quadro do que se poderá considerar de intolerância, mas convém ter presente que algumas delas se tinham colocado quase exclusivamente no seio da própria comunidade britânica. Já mencionámos os alertas feitos pelo cônsul Veitch, sempre muito prudente e receoso quanto à repercussão na Madeira dos (vários) movimentos de dissidência existentes no seio do protestantismo. Vejam-se, por exemplo, os casos das dissensões ou conflitos no seio dos residentes britânicos, na origem da questão da Becco Chapel, associada ao famoso reverendo Richard Lowe, em 184526; as eventuais influências do Movimento de Oxford (Oxford Movement) daí decorrentes ou, inclusive, a presença e aceitação da Igreja da Escócia (Church of Scotland) e dos irlandeses católicos. Era Kalley um filantropo? Talvez, se tivermos presente apenas o sentido etimológico da palavra. Afinal, aquilo que pretendia também era melhorar a situação dos homens. Outra coisa, porém, é supor que o fazia sem receber qualquer financiamento, como então se acreditava que fizesse. O certo é que até começou por conseguir criar, na Ilha e no Reino, inclusive junto de alguma elite, um ambiente que lhe era favorável ou pelo menos nada hostil. Veja-se, por exemplo, aquilo que em Julho de 1841 a seu respeito escrevia o madeirense José Ferreira Pestana, natural da Ribeira Brava, deputado pela Ilha, um mês e meio depois de ter sido nomeado Ministro da Marinha e do Ultramar27, ao garantir que as informações que recebera da Madeira relativas a Kalley eram abonatórias, tanto como médico, quanto como cidadão, “exemplar em suas acções”, apenas se “entretendo a explicar publicamente a Bíblia, sem outro fim mais que instruir as pessoas que o querem ouvir, nas máximas puras da nossa religião”. Eram indicações, portanto, reveladoras - as palavras são de Ferreira Pestana - de uma vida “toda empregada em fazer bem aos outros (…), espécie de repreensão aos ociosos e interesseiros, que parecem ser os únicos perseguidores deste homem”, cujo procedimento “raro e[ra] admirado por toda a gente sensata e justa e defendido e defendido calorosamente pelas pessoas beneficiadas”. acrescentamos nós, o que também mostra a extensa correspondência diplomática e a diversa epistolografia que consultámos, assim outras fontes secundárias. 26 Para uma primeira abordagem a esta questão vide Cláudia Faria Gouveia (2008, pp. 127 e ss). 27 Militar, professor na U. Coimbra e político liberal, foi nomeado ministro a 9 Junho 1841, no governo liderado por Joaquim António de Aguiar (o conhecido ‘mata-frades’). Chegou a ser condenado à morte, em Abril de 1829 e foi opositor de Costa Cabral. Teve uma intensa vida, de intervenção em vários campos, que aqui não cabe desenvolver. Conselheiro de Estado e general, morreu em Junho de 1885.

11

Assim, rematava o madeirense, então ministro, “se por ventura (sic) um homem desta ordem reflecte algum vexame aos que devendo fazer o que ele faz, o não tem feito até hoje, o que há a fazer é somente empregar meios indirectos para obter os mesmos fins que ele tem em vista, pelos nossos possíveis recursos. Condenar e contrariar de frente o que muitos e muita gente louva, é sumamente perigoso e neste caso sumamente injusto”28. Não podia ser mais claro, portanto, o pensamento de Ferreira Pestana, que assim respondia ao ministro dos negócios estrangeiros, Rodrigo da Fonseca Magalhães, que o inquirira, depois de receber uma Nota de Walden, na sequência das queixas apresentadas por Kalley, após ter sido intimado para deixar de fazer a leitura pública da Bíblia. E, de facto, em Agosto, Rodrigo da Fonseca, baseado nas opiniões que colhera junto de Ferreira Pestana, escreveu ao ministro do Reino, Joaquim António de Aguiar, para que este, de acordo com o ministro da Justiça, então Costa Cabral, tomasse as providências que julgasse “justas e acertadas”29. Hoje já existem estudos suficientes sobre o missionarismo britânico e os seus objectivos políticos para que não nos deixemos enredar em tais argumentos ou para que, pelo menos, interpretemos com mais prudência tais acções e iniciativas. O missionarismo era financeiramente comparticipado (e muito) e melhor ainda protegido e auxiliado pelo governo britânico, por razões óbvias e reconhecidos intuitos de afirmação e expansão do império. Vejam-se os casos da London Missionary Society (fundada em 1795) e da Religious Tract Society (1799), às quais Kalley esteve directamente ligado ou da British and Foreign Bible Society (1804) e, um sentido mais lato, a famosa Royal Geographic Society (fundada em 1830, então como Geographical Society of London, Real desde 1859)30. Numa outra perspectiva, podemos convocar o caso do madeirense João Agostinho de Oliveira, cirurgião, que em Julho de 1841 recorreu ao Conselho de Distrito, pelo facto da Câmara Municipal da Ponta do Sol lhe ter concedido apenas 20$rs/ano, com o encargo de curar expostos e pobres, a quem devia dar remédios de graça, algo com que ele até concordava ser de extrema necessidade, mas para o que pedia um ordenado maior31; ou ter MNE Lº 383, 21/7/1841 - Ferreira Pestana para o Rodrigo da Fonseca, em resposta a ofício de 13/7. Estas informações foram transmitidas ao embaixador britânico, Howard de Walden. Na margem deste registo encontra-se, a lápis: “não faça perseguição a este homem abonando o testemunho de pessoa especialmente dotada da Madeira”. 29 MNE Lº 331, 5/8/1841. 30 A este respeito são essenciais os trabalhos de Andrew Porter (1997), Hilary M. Carey (2011) e Jeffrey Cox (1997 e 2008). A LMS era uma sociedade de carácter interdenominacional, embora os seus fundos e elementos procedessem maioritariamente dos congregacionistas. Cf. Richard Lovett (1899) e Cecil Northcott (1945); para a RTS, William Jones (1850) e para a BFBS, George Browne (1859). 31 AGC Lº 253, 23/7/1841. 28

12

presente a correspondência do embaixador de Portugal em Londres, Barão de Moncorvo, Cristóvão Pedro de Morais Sarmento, para o ministro dos negócios estrangeiros, Gomes de Castro, em particular quando remeteu 43º Relatório Anual da referida Religious Tract Society, destacando o que se escrevia sobre os procedimentos de Kalley e que Moncorvo considerava mais do que suficientes para provar, “na maior evidencia”, como era apenas “o espirito de propagandismo que o faz[ia, a Kalley,] residir na Madeira” e que as quantias gastas na Ilha ou envolvidas nas suas actividades não eram do próprio, “mas sim do cofre de semelhante sociedade”32. Na verdade, aquilo que Kalley realizou na Madeira fazia parte do portfólio e da prática corrente de tais pregadores em todo o mundo, desde a distribuição de Bíblias e de outros instrumentos, até à construção de espaços para a instrução ou para os cuidados de saúde (um “hospital”, com 12 camas, em 1840) - edifícios que devem ser entendidos, no entanto, tendo em conta os parâmetros do século XIX - passando pela distribuição gratuita de medicamentos, e outras iniciativas similares. Foi tudo isto que o levou a ser agraciado pela Câmara do Funchal, em Maio de 1841, “pelos multiplicados actos de filantropia”, e a ser referido de forma elogiosa em várias representações de outros municípios, em particular de Câmara de Lobos, ou de simples grupos de cidadãos, “de reconhecida probidade e representação pública”, solicitando a revogação das ordens dadas contra ele33. Missionários e pregadores, estes, que eram particularmente bem-sucedidos, como nos mostram outros casos, em locais onde as estruturas administrativas e estatais se revelavam incipientes ou periclitantes34. Convém ter presente, no entanto, que em simultâneo a tais representações elogiosas e outros laudémios, começaram também a surgir, a partir de 1841, diversas chamadas de atenção, quase sempre apresentadas por clérigos e reiteradas pelo bispo eleito e vigário capitular do Funchal, Januário Vicente Camacho35. Este, ainda assim, optou por nomear,

MNE Lº 547, 15/7/1843 - Moncorvo para Gomes de Castro (que o deu a conhecer ao ministro da Justiça, Visc. de Algés, José António Maria de Sousa Azevedo, a 1 de Agosto, e só passadas duas semanas ao ministro do Reino, Costa Cabral, ou seja, já depois de Kalley ter sido preso). O embaixador português acrescenta: “Não perdi antes de ontem a ocasião de referir isto mesmo a Aberdeen e de desmascarar esse impostor. Confio que Lord Howard [de Walden] se convencera agora do que é realmente o Dr. Kalley”. Em anexo, enviava o 43º Relatorio Anual da Sociedade das Desertaçoões Religiosas (sic) (43nd Annual Report da referida Religious Tract Society). 33 AGC 656, 16/6/1841 e 19/7/1841; AGC 655, 7/9/1841; Deliberação da CMF, presidida por Alexandre de Oliveira, 22/5/1841. 34 Cf. bibliografia sobre este assunto já indicada. 35 AGC 253, 4/10/41. 32

13

em Maio, uma comissão revisora, constituída por três capitulares, para examinar os exemplares da Bíblia dita da edição inglesa, que estava a ser utilizada36. Daí até à vitimização (Stoddart chegou a sugerir que Kalley se regozijava por se estar a tornar um mártir), foi um curto passo, com o Foreign Office atento, como sempre estava em tais circunstâncias, não devido a casos particulares e muito menos por questões cuja essência era do foro religioso, como era o caso, mas sim pelas repercussões negativas que tais situações, de indecisão, podiam ter sobre a comunidade britânica residente, estivesse esta na Madeira, na Ilha de Stª Catarina ou em Xangai. O que estava em causa, portanto, era um princípio, elementar para a manutenção da segurança e para a defesa dos múltiplos interesses políticos e comerciais britânicos que sendo considerados à escala global, tinham pontos de referência fundamentais, em particular no Atlântico. A Madeira, e em particular o porto do Funchal, era um deles. 5. Nos meios diplomáticos há uma relativa consciência desta realidade, algo que se reflecte na correspondência entre a Legação Portuguesa em Londres e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, assim como entre os representantes britânicos e portugueses e, inclusive, no seio do próprio Foreign Office. O Barão de Moncorvo relata, com minúcia, as diversas reuniões que tem no Foreign Office, primeiro (e com mais frequência) com o subsecretário (under-secretary of State for Foreign Affairs) Charles Canning (Visconde Canning, filho do conhecido G. Canning) e depois com o próprio Lord Aberdeen. Com ambos o assunto é abordado sem rodeios - a expressão é do diplomata português. Pelos seus relatos, percebe-se que a questão tem, acima de tudo, uma vincada dimensão política e que ganha crescente relevo no quadro das relações externas e da diplomacia luso-britânica. Na verdade, a este respeito, entre Londres e Lisboa, mesmo que aqui não tenhamos oportunidade de desenvolver o assunto, mas tendo sempre presente a correspondência existente sobre a questão, só havia desacordo profundo quanto ao procedimento a adoptar para fazer sair Kalley da Madeira: o governo português (fazendo eco das notícias que lhe chegavam do Funchal) defendia que devia ser expulso ou, em alternativa, chamado pelo governo britânico; o ministério britânico não se oponha à retirada, mas para chegar a tal A comissão foi nomeada a 20/5/1841. A este respeito vide adiante, em particular notas 43 e 50. Sobre a alegada ‘amizade’ entre Kalley e Januário Camacho, as únicas informações que existem a esse respeito são da autoria do próprio médico… De resto, nem as palavras ou as atitudes do Bispo-Eleito alguma vez o confirmaram. 36

14

ponto exigia a abertura de um processo judicial. Como óbvio, também não pretendemos desenvolver aqui as implicações políticas e judiciais ou a razoabilidade destas posições37. Neste contexto, o ano de 1843 marcou um ponto de viragem na atitude de todos os intervenientes, no sentido da radicalização de posições. Kalley regressara à Madeira em Novembro de 1842, após uma importante viagem à Escócia, durante a qual se associou à Free Church of Scotland, e logo aumentou a sua notoriedade, em particular nos concelhos do Funchal e de Machico, isto mesmo depois de ter garantido, junto das autoridades insulares, que se manteria discreto e reservado. Por outro lado, o facto de insistir em reunir (ou receber em sua casa) aos Domingos e dias santos só contribuiu para acicatar ainda mais os ânimos. Como então resumiu Domingos Olavo de Azevedo, a questão “começa[va] a tomar o carácter sério”38. As queixas do governador tornaram-se sucessivas, revelando até uma crescente insatisfação, quer com considerandos dúbios de Costa Cabral, quer com a atitude, que considerava “lamentável”, do delegado do Procurador Régio, neste caso da Comarca Ocidental, José Júlio Rodrigues, que afirmara não haver lei que proibisse um cidadão de ir a casa de outro, considerando estar-se perante uma liberdade civil, que não podia ser “coarctada por simples vontade de autoridade”. Daí o governador solicitar “prontas e determinantes providências”, contra um facto “criminoso”, cuja punição, na hipótese de não estar “devidamente prevista nas leis do país”, sugeria que passasse por uma intervenção superior, se necessário da própria Coroa39. O governador manifestava-se assim, juntamente com o poder judicial, impotente para ultrapassar o ardil extremo - a expressão é daquele - que Kalley revelava, apontando que o médico escocês tinha “dinheiro à sua disposição em quantidade não pequena” e que, perante isto e sem a cobertura do poder central, a autoridade superior insular via sucessivamente “baldados todos quantos esforços [tinha] empregado para [o] fazer punir”. Era “indispensável”, portanto, tomar uma medida “extraordinária”: a saída imediata do visado. Esta, porém, só faria sentido se fosse imposta directamente desde Lisboa40. MNE cx 136, 28/8/43, Gomes de Castro a Moncorvo. AGC Lº 643, 4/2, 23 e 24/5/1843; Olavo a Cabral; deste a Gomes de Castro, reservado e urgente, 6/6/1843. Esclareça-se que, perante a pressão das autoridades, Kalley deixou de o fazer, mas passou a reunir com mais frequência nos dias de trabalho. 39 Idem, 10/4 e 6/5/1843, Olavo a Cabral; 1º Auto e Despacho, Funchal Ocidental, 22 e 27/3. Recorde-se que o ministro do Reino sugerira firmeza e prudência. Tendo presente a resposta do ministério público, Coelho e Sousa, juiz de Direito da Comarca Ocidental, considerou (a 27) não haver lugar a procedimento criminal. Olavo lamentava que o delegado “ignora[sse] as excepções ou restrições de semelhante faculdade”, em particular quando estavam em causa reuniões para “fins ilícitos”. 40 Idem. 37 38

15

Acrescente-se, de passagem, que Domingos Olavo afirmava tudo isto ao mesmo tempo que assegurava (a propósito do auto levantado), primeiro junto do vice-cônsul George Hayward, na ausência de Stoddart, e depois também junto deste (na sequência da pronúncia), e já depois de Kalley ter sido preso, que uma vez na alçada do poder judicial, cessara a ingerência do poder executivo no assunto, sustentando esta atitude na separação dos poderes, expressa na Lei Fundamental. Consciente do que estava em causa, não deixava, todavia, nem outra coisa seria de esperar, de reafirmar toda a sua consideração e auxílio aos súbditos britânicos ou a outros estrangeiros, lembrando, não por acaso, que, no exercício das suas funções, sempre se empenhara em conservar “ilesa a imunidade dos tratados, prevenindo quanto depend[ia] da [sua] autoridade qualquer conflito que [pudesse] dar lugar à menor infracção deles”. Isto servia-lhe tanto para recusar qualquer asserção que o associasse aos “perturbadores dos direitos britânicos”, como para considerar que se Kalley quisesse de facto evitar conflitos “ter-se-ia abstido de expender pertinazmente ao povo incauto (…) doutrinas opostas à religião do Estado e que ultraja[avam] os [seus] mais sagrados dogmas”41. Na essência, era em nome da “harmonia social” que Olavo reprovava quer o comportamento daqueles que contribuíam para a “propagação do cisma” (que já havia levado a processos crime), quer a atitude de alguns que o combatiam, mas neste caso apenas por se haverem indignado “ao ponto de ultrapassarem [os] seus deveres, praticando [os] insultos” em que eram fundadas as queixas de Kalley42. Mais: também recordava que um par de anos antes fora um daqueles que fizera chegar ao ministério a informação de que o dito “de maneira alguma ofendia a religião do país nas práticas que publicamente fazia” (isto é, explicar a Bíblia usando a versão do padre António Pereira de Figueiredo editada em Lisboa)43. O problema é que aquilo que garantira, em 1841, já não podia ser defendido em 1843, pelo facto de Kalley ter alterado o seu procedimento, a começar pelos textos que FO 63/570, 17/2 e 2/8/43, Olavo a Hayward e Stoddart. Do que não tinha dúvidas o governador era que nada teria acontecido sem a “precedência da missão [que Kalley] parec[ia] haver-se incumbido em um país estrangeiro […], onde ele foi optimamente acolhido, onde tem sido em geral respeitado, e até mesmo muitíssimo elogiado, enquanto não usou dar às suas práticas uma amplitude que agrava a religião católica apostólica romana”. 42 Idem. 43 AGC Lº 643, 4/2/1843. A questão é complexa mas, à semelhança de outras mencionadas, ultrapassa o objecto deste texto. Na sua versão original a Bíblia do padre António Pereira (editada em 23 vols.), baseada na Vulgata Latina, foi concluída em 1790. Em 1819 ficou concluída uma versão, dita padrão, em 7 vols. Em 1821 foi editada em Lisboa a primeira versão em volume único. Em 1828 foi publicada uma outra, sem os deuterocanónicos. A respeito da(s) versão(ões) e edição(ões) da(s) Bíblia(s) usadas por Kalley, vide o que adiante se acrescenta a propósito da Pastoral de Setembro. 41

16

passara a usar, e que o tinham feito a afastar-se “progressivamente […] das ideias que costumava transmitir aos seus ouvintes, [tendo] já avançado a princípios que, além de erróneos, são perigosíssimos e inadmissíveis”. Ou seja: não teriam sido as autoridades insulares, mas Kalley, a mudar de atitude. É neste contexto que se devem compreender o Edital, de Março, pelo qual o governador alerta todos os infractores às leis e, em particular, o médico, e, depois, a condenação e excomunhão (por apostasia), em Abril, de dois dos seguidores de Kalley44. Do lado britânico, a firmeza, a precaução e a ambiguidade eram proporcionais. Desde Lisboa, Howard de Walden - a quem primeiro o consulado na Madeira recorreu, por intermédio do vice Hayward - recomendou que Kalley “should be careful not to offend the religious prejudices of the people of Madeira, however strongly he may individually feel that he is only acting conscientiously under extraordinary inspirations”45. Ou seja, confirmava aquilo que Hayward já lhe sugerira: os representantes britânicos teriam o assunto em consideração, mas o visado deveria revelar uma efectiva “determination (…) to avoid everything not only that may offend the laws of the country, but hurt the feelings of the bulk of its inhabitants”46. A posição do governo britânico era inequívoca, no sentido de nenhuma das partes pressupor qualquer tipo de interferência, desde que o procedimento das autoridades portuguesas se realizasse “upon the portuguese laws in force within the Island of Madeira”47. Apesar de Moncorvo já ter abordado a questão junto de Aberdeen, no início de 1843, seguindo instruções de Gomes de Castro, só a partir de Junho o tema passou a ser olhado com mais atenção pelo Foreign Office, aparecendo, então, com relativa frequência na correspondência entre Londres, a embaixada em Lisboa e o consulado no Funchal. O embaixador português garantia ter provado, com “bastante evidência”, que o seu governo procedia dentro da legalidade, acrescentando então que Aberdeen ouvira as Idem. Edital de 17/3/1843 e sentença a 7/4/1843. FO 63/570, 26/3/1843, Walden para Hayward. 46 Idem, 18/2/1843, Hayward para Kalley. O vice-cônsul, dando a conhecer a correspondência que trocara com o governador, acrescentava que era evidente que as autoridades (governador, juízes e administrador do concelho do Funchal) não aprovavam a sua conduta “and it is to be concluded that they would not express themselves in the manner they have done, if such conduct were regular an proper”. 47 FO 63/570, 5/8/1843. Nas instruções que faz chegar à Madeira, o FO, por intermédio do Visc. Canning é claro (em resposta ao ofício de Stoddart de 31/5): “it appears to Lord Aberdeen that if the steps hitherto taken by the authorities at Madeira, or the contemplated measure of removing Dr. Kalley from the Island, be conformable to the laws there prevailing, and be carried into execution in the mode prescribed by such laws, Dr. Kalley, however meritorious his intentions may be, has no fist and legal ground of complaint. There is a wide difference between interfering with the freedom of Dr. Kalley own religious worship, and with his attempts to make proselytes of portuguese subjects”. 44 45

17

suas explicações e até parecera “estar plenamente satisfeito com elas”, afiançando-lhe mesmo que não se conformava inteiramente com as opiniões de Walden48. Quando se dá a detenção de Kalley, em Julho, Stoddart pouco mais pode fazer, no imediato e na resposta que deu ao próprio detido (quando este solicitou a sua intervenção), do que recordar as vezes que o tentara desencorajar, sempre sem êxito, “from all interference” junto dos súbditos portugueses, quanto a assuntos religiosos, assim como “the inconvenience that might result to himself and others from the course he was adopting”49. Uma vez mais, a intrincada questão jurídica que emergiu ultrapassa o âmbito deste texto. Será curial acrescentar, todavia, que Walden considerou que todos os documentos e actos eram nulos ou ilegais, da pronúncia ao mandato, por defender que a acusação só seria válida se tivesse sido apresentada e fundamentada perante o juiz conservador britânico, o único magistrado que, segundo ele, de acordo com os tratados em vigor, tinha jurisdição para tal. Entre outras coisas, o embaixador em Lisboa entendia, portanto, estar-se perante uma detenção incompetente, por ter sido decidida por um juiz ordinário (neste caso da Comarca Oriental), sem jurisdição para analisar a querela. Foi esta, aliás, a principal objecção que Stoddart passou a usar junto das autoridades político-executivas e judiciais madeirenses, mesmo quando considerava, para Londres, que se o caso tivesse sido apresentado na Conservatória, ao abrigo do privilégio então concedido aos súbditos britânicos, o desfecho teria sido o mesmo50. MNE, Lº 547, 1/7/1843. As palavras de Moncorvo eram que “o governo de SM procedia o mais legalmente possível, tanto em respeito as leis vigentes em Portugal, como conforme os princípios gerais do Direito das gentes e da prática observada por todas as nações civilizadas, em casos extraordinários como estes”, recordando, inclusive, o que se fizera em Inglaterra com o madeirense José Anselmo Correia Henriques, expulso, sem processo, nem culpa formada, no início do século, na sequência de artigos publicados em Londres. A respeito das alegações de parcialidade (feitas por Walden), Moncorvo foi irónico: por um lado, lembrou que as autoridades instituídas na Ilha eram as únicas a quem se podiam solicitar informações; por outro, quanto à linguagem de Januário Camacho (vide adiante, ponto 6), apesar de reconhecer que tinha sido “forte”, considerou-a perfeitamente aceitável, não só por provir de um eclesiástico católico que se sentia ofendido, mas também por ser “extremamente moderada, quando a comparamos com a linguagem com que as autoridades protestantes de contínuo insultam aqui os católicos”. As palavras de Moncorvo tiveram a total aprovação do MNE, que as considerou “muito sensatas”, o mesmo sucedendo com a crítica em relação ao comportamento de Walden. A questão, como se percebe, tinha tudo para se tornar explosiva. 49 FO 63/570, 28/7 e 5/8/1843, Stoddart para Visc. Canning; Kalley para Stoddart (escrita na prisão, 26/7); 50 Extintos em Abril de 1835, os juízes ordinários tinham sido restabelecidos pela Nova Reforma Judiciária de 1837. O Dr. Bernardo Francisco Lobato Machado foi o juiz ordinário que, a 11/7, assinou o despacho de Pronúncia. Kalley era suspeito do crime de blasfémia e cúmplice nos de heresia e apostasia, proibidos e qualificados nas Ordenações Filipinas (Lº 5º Titº 1º e 2º), de 1603, assim como no Alv.ª de 15 de Março de 1646 e na Lei de 12 de Junho de 1779. Foi passado um mandato de busca, com a assistência do cônsul, imposto o segredo de justiça e negada qualquer fiança. Kalley ainda requereu, sem êxito, a prisão domiciliária. Esclareçase que foi neste breve ínterim que o juiz de Direito Coelho e Sousa deixou de desempenhar a função de interino na Conservatória (nessa qualidade sancionara a prisão, já depois de ter sido eleito deputado, em Junho, pelos Açores) e se deu a entrada de Ortigueira Negrão, que assim acumulou aquela função com o Juízo da Comarca Oriental. As críticas de Walden, que se serviu das consultas ao juiz conservador de Lisboa, 48

18

Neste sentido, ele próprio reconhecia que, para além do formalismo jurídico acima apontado, a questão era política, sendo estas as únicas vias para evitar a prisão, uma vez que já ninguém tinha dúvidas de que, tendo em conta a legislação portuguesa, o crime existira de facto. Ficava assim reservado ao Foreign Office e a Aberdeen em particular, considerar se Kalley deveria tirar benefício da irregularidade cometida pelo Ministério Público e pelas respectivas autoridades judiciais, “as well with the view to afford him the protection to which he is entitled, as to repress any further attempt to deprive british subjects of

the Conservatorial Court privileges”51. Na verdade, em Junho do ano seguinte, a Relação de Lisboa acabaria por invalidar a pronúncia, exactamente pelo facto de o réu não o ter sido pelo Juiz de Direito respectivo. Isto significa que a restituição da liberdade, concedida em Dezembro de 1843, se ficou a dever, desde logo, a um vício de forma, algo, aliás, que o Procurador-Geral da Coroa deixou claro, ao explicar, em Junho de 1844, que o processo não estava encerrado (e muito menos que Kalley se podia considerar absolvido, como fazia crer), tanto por se achar ainda pendente o agravo interposto pelo Ministério Público, ao despacho da não pronúncia, como pela circunstância de o médico ainda poder ser competentemente pronunciado no processo que lhe havia sido instaurado52. Note-se que até Walden, depois de tudo o que afirmou e dos argumentos que apresentou, admitia internamente que Kalley “has certainly rendered himself amenable Roque Francisco Furtado de Mello, eram dirigidas aos dois primeiros e mais tarde também ao delegado do procurador régio da Comarca Oriental, Reis Mascarenhas. Abstemo-nos de analisar aqui a extensa documentação jurídica e a vasta correspondência a respeito do processo e tudo o que se seguiu, inclusive o breve regresso de Coelho e Sousa à Conservatória, depois de Negrão ter alegado razões de saúde para se ausentar durante algum tempo. De resto, Moncorvo considerava que se vigorassem as doutrinas e os princípios com que Walden argumentava, em Portugal um súbdito britânico teria uma imunidade inédita, sem igual em outra parte do mundo civilizado. 51 Idem, 18/8 e 4/9/1843, Stoddart para Aberdeen; para Ortigueira Negrão e resposta deste (14 e 15/8). No Funchal o cônsul pediu uma opinião (não propriamente um parecer) ao advogado e jurisconsulto Dr. João José Victorino Duarte e Silva, então uma da mais prestigiadas personalidades na área, que respondeu (a 1/9), num sentido que nem terá contribuído para serenar Stoddart: primeiro, afirmando que “ não e[ra] respeitar a religião do Estado empregar-se qualquer em procurar sem rebuço criar prosélitos contra ela, ensinar aos que a seguem o desprezá-la, e escarnecê-la e perturbá-los no seu exercício, induzindo-os a não crerem, e mofarem em seus dogmas, para abraçarem os de outra […], comprometendo ou pondo em risco juntamente por seu chamamento, prédica, palestras e ajuntamentos a tranquilidade pública de qualquer possessão portuguesa”; depois, lembrando que de acordo com a reforma judiciária de 21 de Maio de 1841, tratando da competência dos feitos crimes e “dando for especial a diversas pessoas, não o deu aos estrangeiros” (o contrário fizera a respeito das causas cíveis). Ora, daqui podia nascer “fundamento

para se julgar competentemente processado o processo crime de qualquer britânico que correu fora do Juízo da Conservatória, se se não tiver pela forma estabelecida nas leis pátrias oferecido a excepção de incompetência”. Duarte e Silva sugeriu que Stoddart consultasse a Sociedade dos Advogados, estabelecida em Lisboa (referia-se à Associação dos Advogados de Lisboa, constituída em 1838, remota precursora da Ordem dos Advogados). Na verdade, a Novíssima Reforma Judiciária, no seu Tit. VI, art.º 178, atribuíra aos juízes de 1.ª instância dos locais onde os réus fossem domiciliados a competência para julgar as causas dos estrangeiros que tinham juízes conservadores. No Funchal o domicílio de Kalley, no caminho do Monte, em Santa Luzia, colocava-o sob a alçada da Comarca Oriental. Itálico nosso. 52 FO 63/566, 10 e 15/8/1843, Walden para Aberdeen e para Gomes de Castro.

19

to the law in some way, by persisting in the line of conduct he has been pursuing”, reconhecendo também que o poder executivo não tinha qualquer vontade em interferir nas decisões da magistratura. Ainda assim, o embaixador procurava fazer transitar a questão para a esfera política, pois ao pressupor que se haviam cometido violações, da lei e dos privilégios dos súbditos britânicos, e ao apresentar as queixas daí decorrentes, contra a (in)acção do juiz de direito e a acção incompetente do juiz ordinário, tentava pelo menos conseguir a libertação imediata de Kalley, a qual, neste quadro, só seria possível com a intervenção do governo53. Esta não seria, no entanto, uma tarefa fácil, não só pela reiterada manifestação do executivo no sentido de não intervir, mas também pela resistência de certos sectores políticos. A este respeito, o embaixador não tinha dúvidas que Gomes de Castro (negócios estrangeiros) e o Visconde de Algés (justiça) eram flexíveis aos seus argumentos, mas o mesmo já não se verifica em relação ao Duque da Terceira (presidente do Conselho) ou mesmo a respeito de Palmela, que, apesar de não estar então no ministério, mantinha uma influência reconhecida54. Em Londres, por esta altura (Setembro de 1843), Moncorvo garantia já ter demonstrado a Aberdeen que nada havia de extraordinário em todo o processo. Antes pelo contrário, ter-se-iam cumprido “rigorosamente todas as formalidades prescritas pela lei”, como aconteceria a qualquer português julgado no comumente conhecido Old Bailey (Central Criminal Court)55. É neste quadro - para o qual também contribuíam o MNE, a sugerir que o FO enviasse “ordens positivas [a Walden] para se não intrometer mais neste negócio”; as renovadas declarações do executivo português, recusando imiscuir-se no processo; a circunstância do antigo cônsul, Henry Veitch, ter passado a dar aconselhamento e assistência a Kalley; a solicitação de várias associações religiosas, sediadas na Escócia, onde a prisão provocara “grande sensação”, pedindo intervenção do governo britânico; ou até a atenção redobrada de Monsenhor Capaccini e do Patriraca de Lisboa, D. Frei Francisco de S. Luis, o popular Cardeal Saraiva56, - é num contexto muito denso, portanto, que se devem FO 63/566, 19/8/43, Walden para Aberdeen e para Stoddart (15/8). O embaixador em Lisboa reconhecia, no entanto, que a sua demanda poderia ser demorada, pelo que ficaria satisfeito se ao menos conseguisse a libertação sob fiança, sugerindo que Kalley começasse a preparar uma petição de recurso bem fundamentada. 54 FO 63/567, 24/9/43, Walden a Aberdeen, confidencial. 55 MNE Lº 547, 27/9/43, Moncorvo a Gomes de Castro. 56 FO 63/570, 562 e 567, 4/9, 27/9 e 5/10/43; MNE Lº 547, 27/8/1843. Havia notícia de reuniões de apoio a Kalley nas cidades de Edimburgo, Glasgow, Aberdeen e Paisley, entre outras. A título de curiosidade, refirase que D. Francisco, liberal e maçon, com um passado de intensa intervenção política, tinha visto o seu título 53

20

entender a atitude e as palavras do escocês Lord Aberdeen. Primeiro, ao afirmar, no final de Agosto de 1843, que o governo de SMB, apesar de reconhecer a muita imprudência de Kalley (em não desistir da sua missão), “cannot but regard this affair in serious light”, razão pela qual “confidently expect” que o governo de SMF remeteria ordens às autoridades madeirenses para que o caso fosse apresentado ao juiz conservador britânico e Kalley libertado, sob fiança57. Depois, em Novembro, quando deu a entender que, por causa da questão, “bem podia seguir-se uma interrupção da boa inteligência (…) entre a Inglaterra e Portugal”, a qual, garantia, tanto se esforçava por manter, acrescentando que até seria “um testemunho de atenção e obséquio pessoal tudo quanto se fizesse a bem do dito [Kalley]”58. Por último, em Dezembro, quando afirmou, de um modo peremptório, sem esconder até alguma fúria, que “bem pouco lhe importava se em Portugal [o] enforcassem, provando-se que ele cometera um crime que tivesse essa pena; mas que era impossível que o governo britânico consentisse que um súbdito desta nação, com pouca saúde e com uma constituição débil, jazesse meses encarcerado, e lentamente acabasse os seus dias”, tudo isto por “belo

prazer [a expressão é de Moncorvo] de algumas autoridades subalternas da (…) Madeira, que nenhum caso faziam das ordens superiores mandadas da Metrópole”59. Moncorvo ainda tentou replicar, mas Aberdeen foi peremptório ao afirmar que evitara servir-se de “linguagem e de meios violentos”, mas não podia permitir que se tomassem medidas “tão iníquas” contra súbditos britânicos, pelo que seria “impossível” continuar a tolerar tais procedimentos. Ao embaixador não restou outra alternativa senão expressar o “muito sentimento” que lhe causava tal modo de pensar, definitivamente convencido de que aquele tinha sido o ponto final, quanto a mais dilações, ulteriores explicações ou justificações60. Por outro lado, destaque-se, ainda assim, o que tais declarações também nos revelam sobre a dimensão concreta das relações entre os poderes insular e central. De facto, uma das coisas que Walden aponta, na sequência das suas movimentações junto do confirmado em Abril e havia sido elevado ao cardinalato em Junho. Até à sua morte (em 1845), foi um dos principais condutores do processo de reatamento das relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé. 57 FO 63/562, 30/8/43, Aberdeen a Walden. 58 MNE cx 768, 15/11/43, Moncorvo a Gomes de Castro, reservado. A reunião com Aberdeen teve lugar a 11, com este a solicitar ao menos a concessão de uma fiança. Um par de dias mais tarde, em casa do embaixador da França, Louis-Clair de Beaupoil, Conde de Saint-Aulaire, tornou a recomendar a Moncorvo “que escrevesse sem falta” para Lisboa a respeito do assunto. 59 MNE cx 136 e 768, 28/8 e 13/12/43, Gomes de Castro a Moncorvo. Em Dezembro Moncorvo dá a conhecer a conferência que tivera com Aberdeen, a 9 (itálico nosso). 60 MNE cx 768, 13/12/43, Moncorvo a Gomes de Castro, reservados.

21

governo de Lisboa, é a resistência do delegado do Procurador Régio, Reis Mascarenhas, que não cumprira a portaria do ministro da Justiça (de 6 de Setembro), nem o requerimento do governador ao ministério público da Comarca Oriental (a 27), no sentido do processo ser transferido para a Conservatória Britânica, nem dera seguimento à decisão (de 30 de Outubro) do juiz de Direito da Comarca Ocidental, Coelho e Sousa, que estabelecera uma fiança61. Acrescente-se que também a este respeito as declarações de Lord Aberdeen sempre foram determinantes, aceitando a legitimidade das autoridades portuguesas quererem desencorajar o proselitismo, mas considerando inaceitável que um residente britânico, devendo respeitar a legislação em vigor, fosse vitima de decisões que considerava arbitrárias e injustas no campo jurídico. Era isto - apenas isto - que levava o seu governo a ter de usar “all the means at their disposal in order to obtain for Dr. Kalley ample redress and compensation for any injuries which may have been thus illegaly and injustly inflicted upon him”, e a exigir, ao mesmo tempo, a demissão do delegado do Procurador Régio62. Por outras palavras, segundo o Foreign Office, o que estava em causa era o exercício formal da justiça e o funcionamento dos seus órgãos. Isto é: o funcionamento do Estado, de acordo com os direitos definidos e adquiridos. Analisada a questão a partir da GrãBretanha, era expectável que tal exercício se devia verificar sem escolhos. Esta era quase a única coisa que o governo britânico exigia. Ou seja, aceitava a condenação, se se chegasse à conclusão que as leis do país a impunham, desde que se cumprissem com todos os formalismos e se fizesse com celeridade, porque a delonga ou o impasse a todos comprometia. Não deixava de defender, todavia, uma (a sua) interpretação da lei, no sentido de pugnar pela manutenção de um quadro jurídico de privilégio para os seus súbditos. Em 1843, no entanto, como já referimos, a conjuntura política era de actualização e ajuste nas relações luso-britânicas e são nítidos os entraves que estas circunstâncias provocam em todo o processo. Numa coisa, porém, todos concordavam: o impasse, a manter-se, multiplicava o sentimento geral de impunidade, tanto daquele(s) que, segundo as autoridades portuguesas tinha(m) cometido um crime, como dos que, na perspectiva do governo britânico, tinham FO 63/568, 28/11/1843, Walden para Aberdeen; 27/11, para Gomes de Castro; Decisão de Coelho e Sousa (30/11), estabelecendo fiança de 100 mil rs; 62 FO 63/562, 29/11 e 13/12/43, Aberdeen a Walden. Acrescentava até que a rapidez na demissão do dito funcionário serviria não apenas para comprovar a sinceridade das declarações do governo português quanto ao exercício da justiça no caso Kalley, como também transmitiria às autoridades judiciais madeirenses a noção de que não lhes seria permitido violar impunemente as leis em vigor em Portugal e os privilégios dos súbditos britânicos. Itálico nosso. 61

22

decidido sem competência ou a coberto do exercício das suas funções, indevidamente, retinham ou perseguiam um súbdito britânico. Era este o cerne da questão, inaceitável, tendo em conta os contornos que estava a adquirir, pelas repercussões que se temiam no seio da comunidade britânica, nas relações desta com as autoridades insulares e, por consequência, no quadro geral das relações lusobritânicas. O problema central não era, portanto, o envolvido chamar-se Robert Kalley, nem aquilo de que era acusado. Em Londres, gostavam tanto dele como o vigário do Paúl do Mar, que, em Outubro de 1841, alertara o Bispo para as actividades do médico-pregador. Para o governo britânico, o problema era a forma de agir das autoridades portuguesas e o impasse jurídico em torno da questão, podendo ambos potenciar atitudes semelhantes, em outras áreas, que prejudicassem os interesses da comunidade e dos comerciantes britânicos. Não é despiciendo acrescentar que as autoridades civis e militares madeirenses tinham consciência disto, mas ao mesmo tempo também se manifestavam impotentes, quer para controlar a situação, quer para manifestar, junto do governo de Lisboa, o quanto consideravam necessário dar uma maior atenção e prioridade à resolução do assunto. 6. Ainda neste quadro, até para que se perceba a dimensão do problema, convém esclarecer que em 1838 não havia um Bispo no Funchal, persistindo depois, a partir de 1840, uma situação dúbia, sempre no âmbito do chamado “cisma” entre o Estado liberal e a Igreja Católica. Neste caso, a questão girava em torno da nomeação do vigário capitular Januário Vicente Camacho para governador da Diocese do Funchal, depois proposto para Bispo, mas nunca aceite pela Santa Sé63. Destaque-se, portanto, que também na hierarquia da Igreja madeirense se vivia um período de transição, que, neste caso, até se pode considerar dupla: não só pelas razões que acima apontámos, mas também pela circunstância de, no início de 1843, estar um governador interino à frente do bispado. Foi este que, em Janeiro, por participação feita ao ministério dos negócios eclesiásticos, considerou Kalley “um desses fanáticos, que saem O bispado estava vago desde 1838. O madeirense Januário Vicente Camacho, antigo exilado e maçon, foi nomeado governador da Diocese do Funchal em Fevereiro de 1840, eleito vigário capitular no mês seguinte e proposto para Bispo em Julho. Nos documentos oficiais usou, deste o tempo de D. Pedro IV, o título de Dom, de bispo eleito de Castelo Branco, apesar de não ter sido confirmado pela Santa Sé, razão pela qual não chegou a receber a sagração episcopal. Esteve sempre muito ligado aos liberais (cartistas). Membro da maçonaria desde 1823 (Loja Fidelidade). Durante a regência liberal de Angra tinha sido nomeado governador temporal deste bispado. 63

23

de Inglaterra com o projecto de dilatar a Igreja Protestante” e que chamando “abertamente” o povo para a sua casa, pregando-lhe “contra a conceição (sic)”, declamando “contra o sacramento da Eucaristia (…), acusando a religião do Estado contra [estes] chamados abusos” e increpando-a de idolatria, conseguira reunir, fazendo uso de uma “linguagem hipócrita”, algum séquito64. Saliente-se, no entanto, que, apesar do teor severo das acusações, o governador interino do bispado também colocava a tónica no carácter jurídico da infração e até, de um modo sub-reptício, nas suas eventuais repercussões políticas, ao reconhecer que apesar de a Carta não permitir que se perseguisse alguém pelas suas opiniões religiosas, nem ela, ou outra lei, autorizava que “das opiniões se passasse aos factos”. Nesta perspectiva, se os homens iludidos e “vítimas do seu erro” teriam Deus por juiz, não se podia consentir que a religião do Estado fosse acusada de impostora e, por isso, ofendida. O certo é que em Setembro foi já D. Januário quem, por Pastoral, sustentando-se na análise da comissão que nomeara em 1841, julgou e condenou, como anátema, a Bíblia dita de edição inglesa, encontrada na casa de Kalley, por a considerar “adulterada, errada e maliciosamente alterada”. Confirmava assim as dúvidas e a atitude já adoptadas desde 1841 e contrariava, inclusive, a alegada amizade que aquele insinuara junto das autoridades britânicas65. FO 63/563, “Extracto da participação feita ao MN Eclesiásticos pelo governador interino do bispado do Funchal”, 29/1/1843. Embora sem identificar o autor, deduzimos que esta participação não foi feita por Januário Camacho (JC), tendo em conta o seguinte: à data já era (desde 1840) governador do bispado; o autor começa por referir que se encontra “no fim da carreira da [sua] vida” (JC faleceu em 1852); acima de tudo por se afirmar que Kalley “sufocou as bens pensadas apreensões do vigário capitular bispo eleito, que por isso julgou dever suspender as providências do governo de SM, então iludido até com o testemunho de muitos eclesiásticos e da Câmara Municipal [em 1841], que não se aperceberam da malicia daquele fanático sedutor”. Verifica-se, portanto, que o autor da participação se está a referir a um outro individuo. Quanto à substância das acusações apresentadas contra Kalley, não cabe aqui desenvolver o seu teor. 65 AGC Lºs 656 e 643, 28/6, 9/11 e 28/12/1843. Na sequência da Pastoral de 26/9, o governador mandou apreender todos os exemplares da Bíblia. Kalley respondeu de imediato, com o folheto Aos Madeirenses, impresso na tipografia d’O Defensor. A respeito da(s) Bíblia(s) usada(s), importa esclarecer o seguinte, para além do que atrás já ficou referido na nota 42: a versão (em livro único) do padre António Pereira não só teve várias edições, como também pelo menos dois locais de edição (Lisboa e Londres). Sabe-se que Kalley teve acesso e distribuiu exemplares das edições de Lisboa (dita lisbonense) e de Londres (dita inglesa). É o próprio que o refere. A British and Foreign Bible Society (BFBS) editou as versões de 1821 e de 1828 (sem os deuterocanónicos, considerados apócrifos) e tudo indica (pelas referências feitas no Aos Madeirenses) que era a versão de 1828 que Vicente Camacho considerava adulterada. Acrescente-se ainda que a Sociedade Bíblica de Portugal, fundada em 1835, distribuiu não só a versão completa de António Pereira (de 1821), como também a de João Ferreira de Almeida, cuja versão do Novo Testamento teve três edições (1681, 1693 e 1711) e várias impressões durante o séc. XIX. A BFBS também editou e distribuiu a versão de Almeida. Em 1843 Kalley usava o Novo Testamento do Padre Almeida, reeimpresso no Porto em 1840, cujos exemplares havia sido autorizado a despachar na alfândega. No folheto que publicou naquele ano, afirma ter consultado (por empréstimo) a 2ª ed. da Bíblia traduzida e anotada pelo padre António Pereira, impressa em Lisboa em 1805, pedindo então que lhe emprestassem exemplares das 1ª e 3ª edições do dito, para “as confrontar todas as três com a edição inglesa”. Como é óbvio, é pouco verosímil que, como afirmou, não possuísse nem um exemplar das duas edições referidas, com o argumento de já os ter dado todos. 64

24

A situação ambígua no seio da Igreja madeirense ainda se manteve até meados de 1844, ano em que se deu a ordenação do novo Bispo, D. José Xavier de Cerveira e Sousa, depois confirmado pela Santa Sé, e que assim herdou e teve de lidar com o problema do proselitismo evangélico-presbiteriano na sua última fase. Interessa-nos destacar, portanto, que não foi alheio ao ambiente favorável que Kalley começou por encontrar na Madeira a circunstância de então também se estar a viver um sério problema religioso entre Portugal e a Santa Sé. Esta questão - ou cisma - que já tivera notória expressão na extinção e expropriação das ordens religiosas, no corte das relações diplomáticas (em 1833) e no subsequente conflito de competências jurisdicionais em matéria de política e de administração religiosas, só começou a ser ultrapassada com o reatamento das relações (em 1841, note-se a data, exactamente quando a Igreja madeirense aumentou o tom das suas críticas) e com o estabelecimento da Concordata de 184866. Em simultâneo, daqui também se pode deduzir que aos poderes político e judicial não interessava fomentar (novos) focos de conflito com a hierarquia eclesiástica - em particular a partir do momento em que se deu a pronúncia e a prisão - por se temerem os efeitos que um retrocesso perante o comportamento de Kalley poderia ter entre a população, instigada pelos eclesiásticos. Isto, num momento de (re)aproximação e normalização das relações com a Santa Sé. Na verdade, foi por ter todos estes elementos (exógenos e endógenos) em consideração, assim como as suas mais temidas repercussões, que o governo português (que também não era um exemplo de unanimidade, num momento de afirmação da figura de Costa Cabral) acabou por não ter alternativa senão intervir, de uma forma cautelosa e procurando não ofender as partes, os poderes e/ou as instituições envolvidas. É isto que se se reflecte nas respostas dadas ao Foreign Office quando, no final de 1843, aumentou a intensidade da pressão britânica, assumindo então o MNE, em relativa consonância com os ministérios da Justiça e do Reino, ter dado prioridade à resolução do caso67. Na prática isto significava que o governo tinha “tomado as suas medidas”, não só para que o apelo de Kalley para a Relação saísse da ordem cronológica, como também para que tivesse “um bom resultado”, tendo presente o “comprometimento pessoal em Cf. Manuel Braga da Cruz (1982) FO 63/568, 29/11/43, Walden a Aberdeen, confidencial. O embaixador transmite a sua crescente desconfiança quanto às verdadeiras intenções de Gomes de Castro (MNE) e do Visconde de Algés (Justiça), referindo, inclusive, que o primeiro lhe havia transmitido uma ideia a respeito do carácter de Costa Cabral e, em particular, sobre aquilo que o ministro do Reino pensava sobre o caso Kalley, que ele agora entendia não corresponder à verdade. Acrescenta também que já tinha falado com alguma regularidade sobre a questão com o madeirense Barão do Tojal, João Gualberto de Oliveira, ministro da Fazenda, “who entirely disapproves of the proceedings of his colleagues in this case”. 66 67

25

que se acha[va] Lord Aberdeen e [o] seu empenho” em receber uma “notícia satisfatória”68. Convém ter presente, no entanto, que, perante as atitudes de Kalley, até a paciência de Stoddart se estava a esgotar, revelando-se cada vez mais insatisfeito por aquele ignorar, de um modo recorrente, as recomendações e os conselhos que lhe eram transmitidos (pelo consulado e pela embaixada). Kalley insistia em pelejar, desenvolver uma proximidade a Veitch e ter passado a enviar correspondência fechada para Lord Aberdeen, impedindo assim o cônsul de estar integralmente informado sobre o caso69. Nesta irritação, o cônsul não estava sozinho. De facto, quando em meados de Dezembro de 1843, em vésperas da libertação de Kalley, Stoddart remeteu para Londres um Memorando, subscrito por mais de meia centena de súbditos britânicos residentes ou de passagem pela Ilha, julgou ser seu dever esclarecer que o fazia apenas a pedido dos subscritores, que o documento nada de novo acrescentava ao que já se sabia e, acima de tudo, que “few of the old established permanent british residents here have signed [it]”, insinuação esta de sentido tão óbvio que a justificação - de que o não tinham feito “probably from a conviction that they had better abstain from interfering in all such

controversies”, por acreditarem que o governo de SMB “will duly protect their interests when unjustly and unlawfully assailed” - na verdade apenas servia para inferir o verdadeiro teor da mensagem que pretendia transmitir70. Kalley foi libertado, sob fiança, a 1 de Janeiro de 1844, em conformidade com a decisão da Relação de Lisboa, que neste caso - recorde-se - apenas se limitou a dar provimento ao primeiro agravo (de dois) que aquele interpusera, devendo assim o processo continuar a decorrer sob a alçada da Conservatória Britânica71. Foi isto que também deixou de ter lugar quando, a 22 de Dezembro, o mesmo Tribunal se pronunciou sobre o segundo agravo, decidindo novamente a favor do médico, no sentido de se anularem todos os MNE cx 768, 15/11/43. Apontamento ms. nas margens. FO 63/570, 16/11/43, Stoddart to Bidwell, private (e resposta deste, 1/12). 70 FO 63/570, 11/12/43, Stoddart a Aberdeen. Uns dias mais tarde o cônsul remeteu o que intitulou de “Commentary on Memorial signed by a number of the British Residents in favor of dr. Kalley”, onde desenvolveu e aprofundou a sua opinião sobre o documento em causa. A respeito daqueles que se podiam considerar a elite da comunidade britânica vide Paulo Miguel Rodrigues (2008). 71 FO 63/591, 4/1/44, Stoddart a Bidwell; Kalley a Syoddart, 2/1/44; MNE cx 136, 13/12/43, Gomes de Castro a Moncorvo, reservado. Para que se tenha a noção do tempo que por vezes era necessário para se proceder à troca de correspondência, um factor condicionante que nem sempre é tido em consideração nestes casos, basta referir-se que quando o cônsul deu a conhecer pela primeira vez para Londres a libertação, fê-lo para responder a um despacho do FO de 1/12. A decisão do Tribunal de Lisboa, de 12/12, chegou na tarde do dia 1 e Kalley foi libertado à noite. Walden (FO 63/568, 17/12) garantia ter sido informado de que a libertação se ficara a dever à intercessão de uma irmã do Barão do Tojal, que o solicitara pouco antes de falecer. 68 69

26

procedimentos que contra ele existissem, fundando a sua decisão em vícios de forma, mas anuindo que o juiz conservador britânico procedesse competentemente nos termos legais do processo72. Foi este quem, por fim, por sentença de 24 de Fevereiro de 1845, declarou improcedente a querela contra o médico, decisão da qual o delegado do Procurador Régio recorreu para a Relação73. Stoddart não escondeu o seu espanto, lembrando que, em Agosto do ano anterior, fora Ortigueira Negrão quem recusara a fiança, por considerar que o réu era acusado de ofensas punidas com a morte. Era agora esse mesmo juiz que afirmava não haver lei que punisse a ofensa cometida74. Kalley, como é óbvio, tendo em conta todos estes desenvolvimentos e, inclusive, uma sugestão do subsecretário Visconde Canning, tratou de requerer uma indemnização de £ 2836, quantia que o cônsul e Aberdeen consideraram um exagero75. Em Lisboa, Gomes de Castro nem sequer admitiu discutir o assunto, apontando o reiterado “proceder criminoso” e a “incorregibilidade” (sic) do médico “herético”, que se estava a tornar “intolerável”, quando ainda tinha um processo pendente. O ministro português não tinha qualquer reserva em referir que só pelo pedido de Lord Howard de Walden e o eficaz empenho de alguns membros do governo, “com os seus amigos”, é que tinha sido possível obter da Relação o estabelecimento de uma fiança, sendo por isso inqualificável que Kalley tentasse daí tirar partido, exigindo indemnizações76. A questão só

Acórdão da Relação proferido no Agravo do Dr. Kalley, Lisboa, 22/12/43. Ainda assim, é relevante referir que dos 5 juízes, 2 votaram vencidos. O delegado do Procurador Régio recorreu desta decisão. 73 Sentença do juiz conservador, Ortigueira Negrão, Funchal Oriental, 24/2/44 (publicada a 4/3). Afirma que após tomar conhecimento das provas produzidas e por elas decidir sobre a criminalidade imputada ao querelado e examinados os depoimentos das testemunhas, combinados com a legislação em vigor, concluía que apesar de Kalley ter perturbado a ordem pública, com a pregação de doutrinas contrárias à religião da Ilha e sendo esta prática um delito, “não pode contudo ser susceptível de pena […] visto não existir lei que na pessoa do querelado puna o facto de que é arguido”. 74 FO 63/570, 11/3/43, Stoddart a Bidwell, private. 75 FO 63/591, 20/3/44, idem, private; 1 e 14/5/44, Canning a Stoddart e resposta deste; Stoddart para Bidwell, private. Ao câmbio de 4$500rs/libra seriam 12.717$000 rs !!! (as exclamações colocou-as o próprio cônsul no ofício). O FO começou por instruir Walden para reclamar £ 1000. Entretanto Stoddart também foi consultado para apurar um valor que reflectisse os prejuízos por Kalley não ter exercido a actividade durante as 22 semanas que estivera preso. O cônsul informou que, na melhor das hipóteses, os rendimentos anuais rondariam as 700 libras, razão pela qual considerava que o número de semanas em causa representaria cerca de 300 libras. Acrescentou, no entanto, que para além das condições de excepção em que Kalley vivera na prisão (adiante referidas), um médico português recebia pouco mais de metade do que era pago a um seu homólogo britânico (Stoddart afirmava que naquele momento qualquer um dos mais eminentes médicos na Ilha não receberia mais que 500 libras/ano). Em privado, neste caso a Bidwell, o cônsul considerava que Kalley não tinha direito a reclamar qualquer quantia, não só pelo seu comportamento no passado recente, como pela imprudência que continuava a revelar. Mais: chegou a afirmar que tendo em conta a pobreza daqueles a quem ele dava assistência (que dificilmente o poderiam pagar) o rendimento efectivamente perdido talvez nem chegasse às 100 libras. 76 MNE Lº 137, 19/6/44, Gomes de Castro a Moncorvo. Itálico nosso. 72

27

acabou por se resolver no início de 1845, quando a Relação julgou improcedente o pedido, algo que, aliás, levou Kalley a deslocar-se a Lisboa77. Acrescente-se que em meados deste ano, sem surpresa, tendo em conta as ligações e pressões políticas que se desenvolveram, o caso chegou às Câmaras dos Comuns e dos Lords. Naquela, Aberdeen pouco acrescentou; na segunda até o escocês Lord Brougham, que também não era propriamente um exemplo de apoio a Portugal - Moncorvo chegou a referir que era um dos que não perdia ocasião “de mostrar sempre a sua má vontade aos portugueses” - opinou em sentido favorável aos argumentos do governo de Lisboa78. Mas voltemos atrás. Na verdade, logo em Fevereiro do ano anterior, quando saiu a sentença de Ortigueira Negrão, já se estava a verificar exactamente aquilo que pretendiam evitar os governos britânico e português e temiam o embaixador e o cônsul. Depois de perceberem que Kalley não tinha qualquer intenção de sair da Ilha, Walden e Stoddart mostraram de imediato o quanto estavam apreensivos, justificando-se, aliás, com as declarações do visado, que os fez comungar do conselho (que nem era inédito), de que aquele deveria adoptar uma atitude de muito maior prudência, embora também admitissem, ambos, que isso seria difícil de suceder. Logo em Janeiro de 1844 o cônsul alertou para o facto de não lhe parecer prudente e até consentâneo com a lei e os termos das decisões judiciais já tomadas, que Kalley tivesse regressado à leitura e explicação das Escrituras na sua casa, aos Domingos, algo que por contar com a presença de muitos portugueses não era difícil deduzir em que língua se fazia. Concretizada a libertação e a anulação do processo, Stoddart receou que Kalley interiorizasse um suposto estatuto de impunidade, persistindo nas práticas prosélitas, por acreditar que o governo britânico o iria proteger. O cônsul, sabendo que este era um pensamento equívoco, até sugeriu que Aberdeen o desfizesse, pois conhecendo o carácter do médico e antevendo o que poderia suceder, sentiu-se à vontade para lembrar ao Foreign Office o que nos meses anteriores apenas tinha pensado: “the treaties certainly provide for the free exercise or our own religious worship in our own houses and churches, nor has there ever been any attempt, that I know of, to obstruct it, as seems to have

FO 63/608, 8/2/45, Stoddart a Bidwell, private. Kalley seguiu para Lisboa em meados de Janeiro de 1845. Embora sem ter certeza quanto ao procedimento que aquele iria adoptar perante a decisão desfavorável, o cônsul afirmava que ele pretendia tratar pessoalmente do caso em Lisboa, não afastando a hipótese de que também tivesse a intenção de se deslocar a Inglaterra, se as circunstâncias o induzissem a tal. 78 MNE Lº 547, 26/6/45, Moncorvo a Gomes de Castro. O representante português afirma mesmo que a opinião de Brougham era “justamente a mesma que [ele] havia dado a Aberdeen [em 1844], […] quase que pelas mesmas palavras”. 77

28

been asserted by Dr. Kalley and his friends in England. They thus seem to wish to make a very erroneous impression on the public mind”79. Até Moncorvo, desde Londres, se pronunciou, recordando uma conversa que tivera com Palmela sobre o assunto e de como este considerara útil apresentar nas Cortes um projecto de lei (que então Gomes de Castro reconheceu estar a preparar-se) pelo qual “clara e distintamente” fosse proibido a qualquer estrangeiro assumir uma missão semelhante à de Kalley, impondo-se “penas adequadas às ideias do século” (princípio que não deixa de ser algo paradoxal, tendo em conta o objectivo) a quem não cumprisse a legislação, ou seja, negando-se a pena de morte, mas impondo-se como pena principal a expulsão do Reino e das suas províncias ultramarinas80. Destaque-se que até a este respeito Aberdeen manifestava concordância, afirmando que seria importante que tal legislação se publicasse, porque também ele “não aprovava a carreira em que o Dr. Kalley entrara”, embora nunca deixando de renovar a afirmação de que era seu dever “punir pelos interesses dos súbditos britânicos, toda a vez que contra eles se procedesse ilegalmente”81. O tempo passado na cadeia não afectou os intentos e a energia de Kalley. Pelo contrário, pareceu tê-los renovado e revigorado, reforçando nele a ideia de missão. É certo que as condições excepcionais de que usufruiu enquanto esteve detido (pois esteve longe de se poder considerar um preso comum, recebendo pacientes e, na fase final, ele próprio autorizado a deslocar-se à casa de alguns deles) tê-lo-ão ajudado a manter, senão mesmo a desenvolver, as relações que criara nos anos anteriores. Foi também na sua cela que, a 15 de Dezembro de 1843, teve lugar a nomeação do reverendo Julius Wood como ministro da Igreja da Escócia na Madeira, o que, aliás, levou Stoddart a considerar que a referida cerimónia de algum modo explicava “the nature of the Presbyterian church here as well as shew its connection with the Free Church of Scotland”82. Depois, uma vez liberto o mentor, não foi preciso esperar muito para que a questão (res)surgisse. Em Maio de 1844, com estrondo, é publicada a sentença dada a Maria FO 63/591, 23/1 e 2/3/44, Stoddart a Visc. Canning e a Bidwell, private. Itálico nosso. MNE Lº 547 e Lº 137, 31/1/44, Moncorvo a Gomes de Castro e resposta deste. O embaixador remeteu um exemplar do Times para mostrar como quanto “providente [tinha sido] a comissão encarregada do projecto de Constituição para o Reino da Grécia, pois que bem expressamente declarada se acha que o proselitismo é proibido”. 81 MNE cx 770, 30/10/1844, Moncorvo a Gomes de Castro, reservado. O ministro britânico faz mesmo referência a uma carta que recebera do seu irmão, Wiliam Gordon, então Fourth Naval Lord and Chief of Naval Supplies, que passara na Madeira a bordo da fragata ‘America’, de onde lhe escrevera expressando-se em termos poucos lisonjeiros acerca de Kalley. 82 FO 63/570, 22/12/43, Stoddart a Aberdeen. 79 80

29

Joaquina Alves, condenada à morte por heresia e blasfémia (pena comutada em prisão e multa no ano seguinte) e ocorrem os primeiros confrontos entre alguns dos madeirenses presbiterianos convertidos - chamados kallistas ou calvinistas - e outros que se lhes opunham, ao ponto de ser necessária a intervenção policial. Era, portanto, uma questão de tempo até que se voltasse a verificar um choque com as autoridades insulares, num quadro em que Stoddart já qualificava Kalley de “unpleasant subject”83 e o delegado do procurador régio, Francisco Reis Mascarenhas, vincava a necessidade de se promover a saída de um homem “pernicioso”, defendendo que esta seria a única forma da Ilha ficar tranquila, regressando assim à “unidade nos princípios religiosos” que tornava “o Estado mais sólido, e mais conducente à sua prosperidade”84. O carácter inopinado daquela sentença provocou, como seria de esperar, muito brado, antes de mais na Grã-Bretanha, obrigando Moncorvo a repelir, “com toda a energia”, as insinuações de intolerância, perante a ideia, “absurda e ridícula”, de que em Portugal ainda se executaria a pena de morte por motivos religiosos. Perante as explicações e a relativização do problema (o embaixador chegou a referir que, da sentença à sua execução, ia “uma distância sem fim”), Aberdeen (re)confirmou que “não lhe importaria [que os infractores] fossem devidamente punidos se o merecessem”, lamentando contudo que, uma vez mais, o governo português se colocasse numa posição débil, perdendo o “bom Direito e as boas razões que lhe podiam assistir”, pelo modo, esclarecia, “vergonhoso e relaxado, com que as autoridades subalternas procediam”. Na sua opinião, e não se cansava de repetir, era aqui que estava o problema e dele resultavam inevitáveis consequências políticas, neste caso devido ao (alegado) incumprimento de leis e tratados, que forçava o governo britânico a intervir e a pedir indemnizações - note-se - “a favor de indivíduos que talvez fossem com justiça

punidos” se as formalidades legais não tivessem sido “tão atrozmente pervertidas”85. O certo é que, durante os meses seguintes, a questão Maria Joaquina alimentou, acima de tudo na GB, a propaganda dos presbiterianos, os quais, no Funchal, em meados Idem, 14/5/44, Stoddart a Bidwell, private. A sentença, dada pelo juiz Ortigueira Negrão, a 2 de Maio, é publicada n’O Defensor, a 4/5/1844. A pena foi comutada pela Relação, em Fevereiro de 1845, em 90 dias de prisão e 6$000rs de multa. 84 MNE Lº 137, 24/5/44, Mascarenhas, da Comarca Oriental, ao Procurador Régio da Relação de Lisboa. Usou inclusive a expressão: “cortada a árvore, os frutos hão[-de] secar”. 85 MNE cx 770, 12/6/44, Moncorvo a Gomes de Castro, reservado. “Popery at Madeira” era então um título frequente nos periódicos britânicos. O embaixador não escondeu a sua forte irritação por aquilo que entendia ser um aproveitamento “intempestivo” do caso, considerando totalmente “fora de propósito os receios desses escoceses”, remetentes de representações ao FO, que apenas serviam “para a propaganda do Dr. Kalley”. Depois tratou de recordar a História das relações de Portugal com a Inglaterra, desde início do século XVIII, destacando que mesmo antes da abolição do Tribunal do Santo Oficio e da Inquisição se passara quase um século em que não se executara em Portugal qualquer réu por crimes conexos com a diferença de opiniões religiosas entre católicos e protestantes. Itálico nosso. 83

30

de 1844, também contaram com o apoio do Duque de Manchester, George Montagu, um “acérrimo metodista” e também, segundo então asseverou Aberdeen, um dos “grandes protectores” de Kalley. O intenso debate que depois se levantou decorreu e coincidiu com a mudança e a instalação dos kallistas no Santo da Serra, tudo sempre nutrido, quer pelas diversas representações, reclamações e memorandos, que foram chegando ao Foreign Office, em defesa dos perseguidos e do médico, quer pela publicação de relatos ou cartas (pagos), em forma de notícias, no relevante e influente The Times86. A extinção das Conservatórias estrangeiras em 1845, com a consequente abolição da Conservatória Britânica na Madeira (a 28 de Abril), transmitiu, desde logo, a ideia de que a questão poderia transitar para um novo plano87. Não por acaso, do lado britânico, a tónica que existira, na exigência de que o caso fosse transferido para alçada do juízo privativo (como na verdade sucedeu e nele se resolveu), passou a colocar-se no destaque dado aos termos e ao espírito do Tratado de 1842. Nos meses seguintes, pouco se alterou, com Kalley a fazer do Funchal e/ou do Santo da Serra, os epicentros da sua actividade. Ainda assim não deixa de ser interessante verificar que em 1846, há semelhança do que sucedera em 1842, é depois de mais uma viagem à GB, que a sua actividade se torna mais intensa88. O que depois sucedeu em Agosto de 1846, num Domingo, convém ter presente, deve inserir-se, portanto, num quadro de incremento das iniciativas dos kallistas e de radicalização das posições das partes envolvidas, que levou à precipitação de uma fuga que até já se estava a prever, tendo em conta as informações e relatórios (de actividades da populaça), que foram chegando às

Entre estes documentos, particulares ou colectivos, individuais ou enviados por associações ou instituições, podem destacar-se o “Memorial of the United Associate Presbytery of Edinburgh” e o “Memorial of the Session of the United Associate Congregation of Rose Street in the City of Edinburgh”; representações das administrações cidades de Edimburgo, Glasgow e Stirling . Entre as personalidades, pode destacar-se o Rev. John Duncan, teólogo e ministro da Free Church od Scotland, que Stoddart considerava muito determinado e proeminente nos meios políticos escoceses e com ligações ao Parlamento britânico. A todos (mais de 14) Moncorvo foi respondendo, transmitindo-lhes aquilo que já transmitira a Aberdeen. Provém de Moncorvo a informação de que o relato feito por Kalley tinha sido publicado no The Times (de 29/10), “como qualquer outro anúncio pelo qual a folha é paga”. Também existem referências a notícias no Morning Chronicle (de Londres) e no escocês The Witness (Edimburgo). O 6º Duque de Manchester, conhecido por Visconde de Mandeville até 1843, era membro do Tories nos Comuns. 87 FO 63/608, 29/4/45, Stoddart to Aberdeen; 28/4/45, Negrão a Stoddart. 88 Cf. Desmond Gregory (1998, p. 95). Esta deslocação tivera início em Junho de 1845, a convite da Assembleia Geral da Free Church of Scotland, à qual ele próprio compareceu, em Agosto. Nesta ocasião a Assembleia não só renovou as suas expressões de simpatia por Kalley e pelos seus “fellow sufferers”, como também solicitou que o Comité Colonial da Igreja o auxiliasse. 86

31

diversas autoridades administrativas insulares e locais, as quais, mais uma vez, também se deve salientar, viviam uma fase de transição conflituosa89. Muito do que depois se seguiu, apesar de ter uma evidente componente política, a começar pela chega à Ilha de António José de Ávila, o futuro duque de Ávila e Bolama, como comissário régio, com poderes discricionários, acompanhado por José Silvestre Ribeiro, o futuro governador, para realizarem uma sindicância aos acontecimentos, já é, porém, uma outra história, que está para além do limite cronológico a que nos impusemos.

7. Não podemos terminar sem duas referências inevitáveis, embora algo desfasadas do cerne deste texto, que, por isso, serão muito breves: primeiro, a incontornável referência à questão da migração, tão inconsistentemente associada a Kalley e, concomitante a ela, à suposta adesão em massa dos habitantes à sua mensagem; depois, a indeminização paga pelo governo português, em 1853. Quanto à emigração, estamos perante um manifesto exagero, sem qualquer elemento de prova que, sequer, se possa considerar suficiente para demonstrar a validade dos valores apresentados ou, por vezes, apenas sugeridos90. Seria interessante, aliás, tentar estudar o envolvimento e a intensa actividade dos engajadores, exactamente durante o período em que a perseguição (que foi, para todos os efeitos, um facto inegável) se acentuou91. Não há, contudo, qualquer suporte documental isento que nos permita afirmar que na residência de Kalley chegaram a assistir 600 ou mais pessoas ou para garantir que ultrapassaram o milhar aqueles que chegaram a ouvir as suas leituras e explicações, ou ainda que eram às centenas aqueles que, quase de uma só vez, fugiram, emigrando, por motivos religiosos. É certo, sabemo-lo porque existem provas documentais, que isto sucedeu, mas nunca atingindo os valores precipitadamente avançados por alguns autores.

FO 63/628, 8/8 e 18/8/46, Stoddart a Valentim de Freitas Leal (governador civil interino, entre Junho e Setembro) e a Palmerston. 90 Os números variam entre os 12 casais presentes na primeira celebração, passando pelos 61 convertidos, até aos vários milhares, com referências múltiplas, intermédias, que vão desde os 200 residentes aos 300 a 500 embarcados, passando pelo milhar que se afirma ter fugido para a Ilha de Trindade. 91 Um exemplo, meramente especulativo: sabe-se que Bernardo Lobato Machado foi o juiz ordinário que, a 11/7/43, assinou o despacho de Pronúncia contra Kalley, que o conduziu à prisão. Ora, o dito bacharel é mencionado, num texto publicado em 1859, Notícia sobre os selvagens do Mucuri, de Teófilo Otoni, que remete para correspondência trocada, em 1855, entre ele e o referido bacharel, a propósito do envio de 28 famílias (153 pessoas) da Madeira para a colónia militar do Urucu (Brasil), entretanto constituída por ordem de D. Pedro II e exigência do próprio Otoni, que era Senador e director da Companhia Mucuri. 89

32

Saíram, de facto, centenas, vários milhares até, mas fizeram-no por razões muito mais simples e triviais, como o comprovam múltiplos documentos diplomáticos: não tinham trabalho, tinham fome ou queriam sair, na procura de uma vida melhor. Não é por acaso que as principais vagas migratórias, ao longo de todo o século XIX (e depois no XX) coincidem com as principais crises políticas e económico-financeiras. Basta, aliás, apontar um exemplo, comprovado pela documentação diplomática e pelos relatórios consultados. Sabe-se que foram muitos (milhares) os emigrantes que partiram com destino a vários pontos da América Central (Guiana, Ilha Trindade e outros). Ora, é relevante acrescentar que o que de lá mais se pedia eram exactamente padres, mas católicos92. Quanto à indeminização, o pagamento realizado pelo Estado em 1853 (no valor de 7.084$631rs, equivalente a £ 1574), representa apenas a quantia referente a algo que as autoridades e os tribunais portugueses já haviam reconhecido como um acto criminoso: o saque, pilhagem e destruição de bens e propriedade privada, algo que efectivamente tivera lugar na casa de Kalley, a 9 de Agosto de 1846, e era punido pelas leis vigentes93. O que o governo britânico exigiu que se cumprisse e depois a diplomacia arranjou maneira de se fazer foi apenas isto. Nada mais. 8 A respeito da Questão Kalley devem assim, em síntese, definir-se quatro fases: 18381841, de instalação, aceitação e até promoção; 1842-1843, de tensão e conflito; 1844-1846, de intenso incremento da acção prosélita, de transição e expansão para novos polos (Santo da Serra) e de confronto; 1846-1853, de debate, contestação e litígio jurídicos. Não será de colocar de lado, em particular durante a segunda e terceiras fases atrás referidas, o objectivo de tentar concretizar na Ilha (na relativa dimensão da Madeira, como é óbvio), aquilo, que pela mesma altura (1843-48), já se fazia no sul da Nova Zelândia, onde o que começara por ser o estabelecimento de uma colónia escocesa (visando a fundação de uma Nova Edimburgo), se transformou, alterando o plano inicial, num estabelecimento dominado pela Free Church of Scotland, que preponderou na região de Otago e teve por base a cidade de Dunedin94. MNE Lº 548, 16/4/49, Moncorvo a Viscd. Castro; Carta de J. Taggart (cônsul de Portugal em Demerara) a Moncorvo, 7/3/49. 93 MNE, 20/6/53, Visc. Atouguia, apud Elucidário Madeirense (vol. 2, 1998, p. 209). 94 A Otago Association foi fundada em 1845, por membros da Free Church of Scotland, com a intenção de estabelecer uma colónia na referida região. Como é evidente, aquilo que se pretendia era enviar emigrantes escoceses para o sul da Nova Zelândia, o que difere daquilo que estava a decorrer na Madeira. Na verdade, na 92

33

À Madeira, Kalley chegou logo após a chamada Revolução de Setembro, num período de transição política e de preparação de uma nova Constituição, e numa fase de relações muitas tensas entre o Estado e a Igreja e entre Portugal e a Santa Sé. Aproveitou esta instabilidade política e religiosa e, depois, conviveu bem e até viu, pode parecer paradoxal, uma oportunidade no liberalismo autoritário, de Costa Cabral, sustentado na Carta e mais interessado e envolvido em proceder a outras reformas no Reino, que afastavam o seu olhar da Ilha. Acabou, no entanto, por sofrer as consequências da turba que o anticabralismo, que também tinha, como se sabe, uma vertente religiosa, que na Madeira se fez sentir e movimentar com particular incidência ao longo do primeiro semestre de 1846. Neste quadro, o Estado liberal português e as suas instituições (no Reino e nas Ilhas adjacentes), as quais se estavam a construir num ambiente de violência (que quando não era evidente e persistente, pelo menos era latente), não se encontravam ainda devidamente alicerçadas, sólidas e instruídas para conseguirem lidar, de uma forma pacífica e equilibrada, com mudanças súbditas. Até porque, tendo autoridade de jure, faltava-lhes, em muitos casos, a autoridade de facto. A isto vieram juntar-se sucessivos governos do Reino, embrenhados em múltiplas preocupações, afastados e desconhecedores da realidade política e social madeirense. Na perspectiva política, está aqui um dos aspectos preponderantes da questão: o carácter incipiente e a debilidade das instituições políticas; a fragilidade de alguns poderes e a deficiente ligação entre os seus órgãos, senão mesmo a sua incomunicabilidade (pelo menos em tempo útil); e, claro, o carácter, a pusilanimidade e/ou até a rivalidade (política ou outra) entre alguns dos seus elementos constituintes. Veja-se, por exemplo, o choque de jurisdições, que se verificou entre as Comarcas Ocidental e Oriental. Tudo isto se irá mesclar e amalgamar com os interesses à escala global do Reino Unido, que tinha no Atlântico um espaço essencial para garantir o pulsar do seu império e que entrava então numa nova fase de afirmação e expansão, não admitindo, por isso, qualquer tipo de interferência que pudesse contribuir, directa ou indirectamente, para colocar em causa ou em risco todo esse processo, no qual era essencial a manter a força política e financeira, mas também a influência social das comunidades residentes no império informal95.

Ilha portuguesa já existiam os escoceses, que nos anos 40 do século XIX, aliás, começaram a ser suplantados, a vários níveis, pelos ingleses. 95 Para uma perspectiva geral sobre estes assuntos vide Jeremy Black (2004), P. J. Cain et al. (2001), Linda Colley (2003), Sarah E. Stockwell (2007)

34

Não há dúvida que a questão Kalley teve influência na sistematização legislativa que constituiu a plataforma legal que depois se desenvolveu até 1911. Na verdade, se os artigos estabelecidos na Carta e no Tratado de Comércio e Navegação permitiam a diversificação de interpretações, a respeito do entendimento da confessionalidade e da liberdade religiosa, a legislação penal promulgada nos anos seguintes tendeu a reforçar a posição daqueles que defendiam a aproximação entre nacionalidade e confessionalidade, com a manutenção das restrições à liberdade religiosa96. Apesar de tudo, também consideramos que estas disposições penais devem ser entendidas como sobrevivências meramente formais da instituição do catolicismo como religião civil, já que a prática administrativa e a jurisprudência foram claramente no sentido da tolerância. De uma forma geral, portanto, às disposições penais sobrepôs-se a garantia do artº. 145.º da Carta de que “ninguém pode ser perseguido por motivo de religião”97. Talvez as mentalidades fossem restritas e circunscritas, tendo em conta aquilo que já era, na época, o pensamento liberal por outras paragens, em particular no Reino Unido. Todavia, para as compreender será mais próprio ter em conta o que eram no espaço insular madeirense nas décadas anteriores e não compará-las com o pensamento e as doutrinas que então existiam nas ruas de Londres ou Edimburgo. Convém não esquecer que mesmo na Grã-Bretanha, a este respeito, a reforma legislativa foi gradual, o processo de emancipação católica era então relativamente recente (1829) e, em boa verdade, também nunca foi totalmente pacífico98. Bibliografia citada Geral Bonifácio (Maria Fátima), Apologia da História Política. Estudos sobre o século XIX português, Lisboa, Quetzal Editores, 1999. ------- Estudos de História Contemporânea de Portugal, Lisboa, ICS, 2007. ------- Uma História de Violência Política - Portugal de 1834 a 1851, Lisboa, Tribuna da História, 2009. ------- História da Guerra Civil da Patuleia (1846-1847), Lisboa, Estampa, 1993. Rita Mendonça Leite (2009, p. 26 e ss). Pelos decretos de 10/12/1845 e 8/8/1850 constituiu-se uma comissão encarregue da redacção daquele que seria o Código Penal de 1852. A jurisdição sobre o culto público ficou consignada no Tit.º I do Lº II, que tratavam “Dos crimes contra a religião do Reino, e dos cometidos por abuso de funções religiosas”. Estes iam desde o desrespeito pela religião católica, apostólica e romana (com diferentes penalizações, consoante a gravidade) até quaisquer actividades prosélitas ou tentativas de conversão. Para estes crimes, a pena maior era a expulsão do território português. 97 Cf. Luís Aguiar Santos (2012). 98 Roman Catholic Relief Act de 1829. Acrescente-se que só em 1850 foi (re)estabelecida a hierarquia eclesiástica católica em Inglaterra, pelo Papa Pio IX, mas à qual se seguiu um recrudescer dos sentimentos anticatólicos na GB. 96

35

------- Seis estudos sobre o liberalismo português, Lisboa, Estampa, 1991. BROWNE (George), The History of the British and Foreign Bible Society: from its institution in 1804, to the close of its jubilee in 1854, 2 vols., London, 1859. Black (Jeremy), The British Seaborne Empire, Yale, YUP, 2004 Cain (P. J.) e Hopkins (A.G.), British Imperialism, 1688-2000, 2ª ed., Londres, Routledge, 2001. Carey (Hilary M.), God's Empire: Religion and Colonialism in the British World, c.1801–1908, Cambridge, CUP, 2011. Colley (Linda), Captives: Britain, Empire, and the World, 1600-1850, Londres, Pimlico, 2003. Cox (Jeffrey), The British Missionary Enterprise since 1700, London, Routledge, 2008. ------- “Religion and Imperial Power in Nineteenth Century Britain”, Freedom and Religion in the Nineteenth Century (Richard Helmstadter, ed.), Stanford, SUP, 1997, pp. 339-372. Finlayson (Sandy), Unity and diversity: the founders of the Free Church of Scotland, Fearn, Christian Focus, 2010. Cerezales (Diego Palacios), Portugal à coronhada. Protesto popular e ordem pública nos séculos XIX e XX, Lisboa, Tinta da China Edições, 2011. Cruz (Manuel Braga da), “As relações entre a Igreja e o Estado liberal: do «Cisma» à Concordata (1832-1848)”, O Liberalismo na Península Ibérca na Primeira Metade do Século XIX, 1º Vol., Lisboa, Sá da Costa Editora, 1982, pp. 223-235. Dória (Luís), Do Cisma ao Convénio: Estado e Igreja de 1831 a 1848, Lisboa, ICS, 2001. Gregory (Desmond), The Beneficent Usurpers: A History of the British in Madeira, Fairleigh Dickinson U. P., 1988, p. 160. Gouveia (Cláudia Faria), Phelps - Percursos de uma família britânica na Madeira de Oitocentos, Funchal, Funchal500Anos, 2008. Jones (William), The Jubilee Memorial of the Religious Tract Society, London, The Religious Tract Society, 1850. Leite (Rita Mendonça), Representações do Protestantismo na Sociedade Portuguesa Contemporânea. Da exclusão à liberdade de culto (1852-1911), Lisboa, CEHR/UCP, 2009. Lovett (Richard), History of the London Missionary Society 1795-1895, London, Henry Frowde, 1899. Miranda (Jorge), As Constituições Portuguesas, 6ª ed., Coimbra, Almedina, 2013. ------- “Liberdade Religiosa, Igrejas e Estado em Portugal”, Análise Social, 1984, pp. 118136. Neto (Vitor), O Estado, a Igreja e a Sociedade em Portugal: 1832-1911, Lisboa, INCM, 1998. 36

Northcott (Cecil), Glorious company: 150 years life and work of the London missionary society, 17951945, Londres, Livingstone Press, 1945. Pereira (Miriam Halpern), O gosto pela História. Percursos de História Contemporânea, Lisboa, ICS, 2010. Porter (Andrew), " 'Cultural Imperialism' and protestant missionary enterprise, 1780-1914", Journal of Imperial and Commonwealth History, vol. XXV, nº 3, 1997, pp. 367-391. Ramos (Rui), “A causa da História do ponto de vista político”, Penélope, nº 5, 1991, pp. 2747. Rémond (René) (dir.), Pour une histoire politique, 2ª ed., Paris, Seuil, 1996. Rodrigues (Paulo Miguel), A Madeira entre 1820 e 1842: relações de poder e influência britânica, Funchal, Funchal500Anos, 2008. ------- A política e as questões militares na Madeira – O período das guerras napoleónicas, Funchal, DRAC, 1999. ------- “A Madeira durante o primeiro triénio liberal (1820-1823): autonomia, adjacência ou independência?”, Actas - IX Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas (2008),vol. II, Porto, Edições Afrontamento, 2011, pp. 451-463. Santos (Luís Aguiar), “As condições jurídico-políticas da construção do campo religioso português: uma contextualização histórica”, Alfredo Teixeira (org.), Identidades Religiosas em Portugal: Ensaio Interdisciplinar, Lisboa, Paulinas Editora, 2012, pp. 21-67. ------- "Pluralidade Religiosa. Correntes cristãs e não-cristãs no universo religioso português", História Religiosa de Portugal (Dir. Carlos Moreira de Azevedo), vol. 3. Lisboa, C.L., 2002, p. 399-501. Sarmento (Alberto Artur), Ecos da "Maria da Fonte" na Madeira, Funchal, Tipografia do Diário de Notícias, 1932. Stockwell, Sarah E. (ed.), The British Empire: Themes and Perspectives, London, Blackwell, 2007. Valente (Vasco Pulido), A Revolução Liberal (1834-1836), Lisboa, Aletheia, 2007. ------- Portugal. Ensaios de História e Política, Lisboa, Aletheia, 2009. Específica Abreu (Maria Zina Gonçalves de), “Implantação da Fé Protestante na Ilha da Madeira. Perspectiva Cultural do Proselitismo de Robert Reid Kalley: 1838 - c. 1846”, Islenha, nº 29, Jul.-Dez. 2001, pp. 79-101. ------- “João Calvino, João Knox e Robert R. Kalley: Projecção das suas Doutrinas na Ilha da Madeira”, Islenha, nº 52, Jan.-Jun. 2013, pp. 71-94. Castelo Branco (Fernando), "Subsídios para a história do protestantismo na Madeira: o caso Kalley", Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira (1986), vol. 2, Funchal, DRAC, 1989, p. 1338-1359. Every-Clayton (Joyce B. Winifred), “The Legacy of Robert Reid Kalley”, International Bulletin of Missionary Research , vol. 26, nº 3, Julho 2002, pp. 123-127. 37

Ferreira (Jo-Anne), “Do Atlântico às Antilhas: o caso Trinidad”, Islenha, nº 19, Jul.-Dez. 1996, pp. 95-107. Forsyth (William B.), Jornada no Império - Vida e obra do Dr. Kalley no Brasil, São José dos Campos, Fiel, 2006. ------- The Wolf from Scotland: The story of Robert Reid Kalley, Pioneer Missionary, Darlington, Evangelical Press, 1988. “Kalley, Robert Reid”, Elucidário Madeirense (fac-similie ed. 1940-1946), vol. 2, Funchal, SRTC/DRAC, 1998, pp. 207-209. Matos (Alderi Souza de), "Robert Reid Kalley: Pioneiro do Protestantismo Missionário na Europa e nas Américas", Fides Reformata, vol. VIII, nº 1, 2003, pp. 9-28. (acesso 12/6/2014) Mechie (Stewart), The church and Scottish social development, 1780–1870, New York, OUP, 1960. Meneses (Mary Noel de), “The madeiran portuguese and the establishment of the catholic church in British Guiana: 1835-98”, After the Crossing. Immigrants and Minorities in Caribbean Creole Society, Londres, Frank Cass & Cº, 1988a, pp. ***-***. ------- “Os portugueses da Madeira e o estabelecimento da Igreja Católica na Guiana Britânica (1835-98)”, Atlântico, nº 15, DRAC, 1988b, pp. 217-218. Santos (Lyndon) e Prates (Sérgio), Robert Reid Kalley. Um missionário-diplomata na gênese do protestantismo brasileiro, Rio de Janeiro, Novos Diálogos, 2012, p. 100. Testa, (Michael Presbyter), O Apóstolo da Madeira, Lisboa, Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, 1963 (2ª edição, 2005). ------- Injuriados e perseguidos. Panorâmica histórica da fé reformada em Portugal, Montijo, [n.pl.], 1977. ------- “The Apostle of Madeira: Dr. Robert Reid Kalley. (Part 1)”, Journal of Presbyterian History, 42, 1964a, pp. 175-197. ------- “The Apostle of Madeira: Dr. Robert Reid Kalley. (Part 2)”, Journal of Presbyterian History, 42, 1964b, pp. 244-271. Valente (David), “A Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal: contributo para a História da sua formação”, Lusitana Sacra, 2ª série, nº 16, 2004, pp. 477-510.

38

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.