A questão turca

June 14, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoria: Turkey, Turquía, Curdos, Curdistão
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A questão turca João Pedro Simões Dias - 2015.10.20

Perde-se na memória dos tempos a primeira iniciativa da Turquia para se aproximar da União Europeia e das Comunidades Europeias. Desde o início, porém, o tema esteve sempre longe de ser pacífico e de concitar a unanimidade da opinião dos diferentes Estados-Membros do bloco comunitário. Esse facto tem sido o principal responsável por que o tema tenha vindo a conhecer oscilações, ora parecendo estar na primeira linha das preocupações europeias, ora parecendo estar em absoluto ausente dessa mesma lista. O problema tem várias dimensões e propicia-se a uma análise segundo diversos prismas. O primeiro e, quiçá, o mais complexo, tem a ver com a questão religiosa. Nem sempre assumido com frontalidade por todos os intervenientes, o facto de a Turquia ser um Estado maioritariamente islâmico tem sido, frequentemente, visto como um impedimento para a adesão da Turquia ao bloco europeu. Sobretudo por aqueles que continuam a ver na Europa da União um “clube cristão” – visão que não é exclusiva dos tempos do renascimento e continua a ser adotada por muitos por essa Europa fora. Em segundo lugar surge-nos, de forma também óbvia, a questão demográfica. Aderindo à União Europeia, a prazo muito curto a Turquia tornar-se-ia o país mais populoso da União Europeia – com as consequências que esse peso demográfico atualmente tem em sede de peso relativo de cada Estado nos votos de que dispõe no Conselho de Ministros da União, ultrapassando o próprio peso da Alemanha nesta instituição. Trata-se, como é evidente, de um panorama que começa

por desagradar a Berlim. O que não é indiferente nos votos e preferências emitidos por vários outros Estados da União. Em terceiro lugar, a questão turca aparece associada a claras questões geopolíticas e geoestratégicas. A eventual adesão da Turquia à União Europeia iria fazer com que, na fronteira externa desta, tivéssemos vizinhança muito pouco recomendável, nomeadamente a Síria e o Iraque que são, apenas, das regiões politicamente mais instáveis do globo no momento presente. Além de serem das mais conflituosas e das que belicamente estão mais ativas. É, obviamente, uma dimensão que não pode ser desprezada nem desconsiderada. O quarto aspeto que deve ser realçado resulta, de certa forma, de todos os motivos anteriormente expostos. Resulta razoavelmente evidente que a presença da Turquia numa organização como a União Europeia impediria esta, por muito tempo, de possuir uma política externa e de segurança comum. A divergência dos interesses em presença seria, por certo, impeditivo de, face aos principais problemas internacionais, a União Europeia adotar uma posição comum face aos múltiplos problemas com que é defrontada, nomeadamente a questão palestiniana e o conflito ou conflitos que se travam no oriente médio. Por este motivo, aliás, a tese da adesão da Turquia à União continua a ser defendida com particular empenho e vigor por aqueles Estados que estão apostados em que a União Europeia nunca venha a possuir uma política externa comum e não passe de um mero bloco comercial, caracterizado pela livre circulação de bens (e eventualmente serviços) mas sem quaisquer laivos de afirmação política. O Reino Unido e os Estados Unidos têm-se destacado na defesa desta posição. Compreende-se bem porquê.

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Mas aqui entra um outro aspeto que não pode deixar de ser levado em linha de conta – é que a Turquia é, hoje, parceiro da esmagadora maioria dos Estados-Membros da UE no quadro da NATO. É, aliás, a única bandeira muçulmana que se ergue entre as bandeiras dos Estados da Aliança. O que tem legitimado a Ancara a interrogação a que Bruxelas tem tido mais dificuldade em responder: se a Turquia serve para ser aliada no quadro da Aliança Atlântica, por que não poderá ser membro da União Europeia? A resposta teria de nos reconduzir para uma dimensão que levasse em consideração a diferença doutrinária entre a UE e a NATO. Aquela pretende-se uma comunidade, esta define-se como uma aliança. A comunidade caracteriza-se por exigir vínculos mais fortes entre os seus membros, a aliança basta-se com vínculos mais ténues, em regra a existência de um adversário ou inimigo comum. Nestes tempos que nos foi dado viver, é provável e possível que a questão da adesão turca à UE se venha a (re)colocar a muito curto prazo. O Conselho Europeu da última semana pode ter contribuído para recolocar a questão na agenda europeia quando assumiu estreitar e reforçar o apoio à Turquia para enfrentar, numa primeira linha, a questão dos migrantes sírios e líbios que têm demandado solo europeu. O Conselho Europeu decidiu – e bem – que a Turquia é elemento essencial na resolução do problema e deve ser ajudada e auxiliada a suportar os encargos com a presença destes migrantes. De qualquer das formas, venha-se a recolocar ou não a questão da adesão de Ancara ao projeto europeu – ou ao que dele resta e sobra – uma condicionalidade deverá ser satisfeita por parte das instâncias europeias: a da clareza e da transparência. Pior do que tomar uma posição, favorável ou contrária a essa adesão, será permanecer na indefinição da falta de decisão e do adiamento do problema. Sabemos que adiar é o método por excelência da União Europeia dos dias que correm. Neste caso, porém, a urgência da situação não se com3

padecerá com mais adiamentos. Sob pena de, em lugar de virmos a ter uma Turquia europeia, podermos vir a ter uma Turquia francamente antieuropeia e atirada para os braços do radicalismo islâmico. Mesmo que preconiza que Ancara não deve aderir à União, como é o caso, e pelas razões anteriormente expostas, não pode deixar de se preocupar com a esta (elevada) probabilidade.

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