A questão urbanísticas das janelas

July 27, 2017 | Autor: A. Marcondes | Categoria: Direito, Arquitetura e Urbanismo
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Universidade do Estadual Paulista

"Júlio de Mesquita Filho"

Faculdade de Ciência e Tecnologia









Questão urbanística das janelas: direito de vizinhança




Ana Beatriz de souza marcondes







Disciplina: Direito Urbanístico
Prof. Dr. José Roberto Fernandes Castilho


Presidente Prudente – 2015

1 Introdução
A necessidade de se pensar as diversas facetas do uso e a ocupação do solo urbano, no papel da intervenção do Estado e do arquiteto-urbanista são extremamente atuais frente ao processo de urbanização.
Nesse sentido, nos debruçaremos sobre a problemática da vizinhança e das janelas, ou seja, suas relações, impactos e interações. Ressaltamos neste trabalho a importância do direito de vizinhança na regulação de conflitos e do desenvolvimento de projetos.
O trabalho está estruturado da seguinte maneira: primeiramente discorreremos sobre o direito de vizinhança; em seguida o conceito de janela que nos orientamos; discutiremos sobre a questão das janelas e as distâncias; faremos um estudo de caso com o enfoque sobre Presidente Prudente - SP e em Tupã - SP; e finalizaremos este trabalho com as considerações finais.

2 Breve comentário sobre o direito de vizinhança
O assim chamado "direito de vizinhança" integra um corpo maior, os direitos reais (arts. 1277 a 1313 do Código Civil de 2002). O direito de vizinhança trata das relações entre edificação com o entorno imediato, isto é os lotes lindeiros e próximos a edificação e busca prevenir desentendimentos devido à relação de vizinhança e uso nocivo da propriedade. Tema esse que deve ser extremamente caro a arquitetura já que desde Vitrúvio – mais antigo tratadista de arquitetura – já se alerta que a prática do arquiteto deve evitar possibilidades de polêmicas entre vizinhos (CASTILHO, 2013).
O estado não pretende interferir em questões entre vizinhos que pertençam à esfera privada, cabe a eles então que decidam ou se oponham judicialmente as obras que considerarem que lhe prejudicam dentro do prazo legal estabelecido. Neste sentido o direito de vizinhança poderia ser considerado um "direito privado do urbanismo" já que os interesses particulares acabam por influenciar a forma de ocupação (por exemplo, o art. 1301) e até de uso (art. 1277) do solo urbano.
Trataremos então de uma das formas como o direito de vizinhança influencia na forma de ocupação do solo: as aberturas de janelas ficam proibidas a menos de um metro e meio da divisa do lote buscando não impedir a vista do imóvel vizinho, mas de salvaguardar um espaço pessoal mínimo para evitar a sensação de privacidade devassada (Ap. 1.178.662-0/7, rel. Des. Arantes Theodoro apud CASTILHO, 2013). Sabemos que em alguns casos a distância de 1,50 m pode ser diminuída, mas trataremos melhor disto a seguir.

3 Conceito de Janela

Delimitemos agora o objeto abordado, de acordo com Maria Albernaz e Cecília Modesto Lima janela se trata de "abertura em paredes externas destinadas a iluminar e ventilar o interior do edifício, possibilitando ao mesmo tempo a visibilidade externa" (ALBERNAZ, 2000: 317 apud CAMURÇA; CASTILHO, 2014, p.1). Esta definição se mostra completa por abarcar as três funções básicas das janelas: iluminar, ventilar e possibilitar a vista para o meio externo.

4 Classificações de Janelas

De acordo com as classificações enunciadas por Camurça e Castilho (2014) podemos classificar os vários tipos de janela em três modos com maior utilidade prática.
O primeiro diz respeito à vista, já que a remoção da função básica da janela de possibilidade de comunicação visual entre os ambientes não a descaracteriza, o art. 1301, § 2º do Código Civil de 2002 inclusive prevê a existência de aberturas destinadas apenas à iluminação ou ventilação, todavia sem possibilidade de visão, regulando, para tal, as dimensões (20 cm x 10 cm) e altura (2 m de cada lado, a partir do piso).
O segundo diz respeito à posição da janela, que devido aos custos menores e maior aproveitamento do espaço, são mais comumente dispostas ortogonalmente em relação às divisas do lote, paralelas ou perpendiculares (ou com ângulos próximos disso) no mesmo plano das paredes.
Ainda que menos comuns, há ainda as janelas oblíquas em relação às divisas do lote, seguindo a classificação de Camurça e Castilho estas últimas podem ainda ser classificadas em janelas oblíquas externas: quando, independente da angulação, ela se volta para a divisa do lote e em janelas oblíquas internas: quando está voltada para o interior do lote, qualquer que seja sua angulação.

Figura 01: Classificação quanto à linha divisória.

O último modo de classificação organiza os tipos de janelas pelo seu funcionamento, independendo do tipo de vedação, como veneziana, persiana ou apenas um vidro simples. Alguns exemplos podem ser:
A janela guilhotina, que é uma janela de duas ou mais folhas onde ao menos uma é móvel e pode ser deslizada verticalmente sobre a outra. Já a janela de correr, é uma janela cujas folhas deslizam horizontalmente ao longo do seu vão. Janela pivotante é a qual suas folhas giram em seu eixo vertical, que não coincide com as laterais das folhas. Enquanto a janela basculante é aquela cujas folhas (uma ou mais) giram ao longo de um eixo horizontal não coincidente com as extremidades das folhas. Esses são apenas alguns exemplos, sendo que existem muitos mais a disposição no mercado.

5 As janelas e sua distância das divisas do lote

Com as considerações introdutórias em mente, podemos passar para a análise do art. 1301 do CC/02 de modo mais detalhado.
Este dispositivo diz em sua cabeça que: "É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho", como vimos acima, no Acordo do Tribunal de Justiça de São Paulo, esse recuo objetiva-se a resguardar a privacidade de cada morador.
Já no inciso 1º do mesmo artigo diz que: "As janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória, bem como as perpendiculares, não poderão ser abertas a menos de setenta e cinco centímetros". Buscando entender esse abrandamento da regra geral, o efeito de invasão de privacidade parece ser dado pela possibilidade do devassamento, contato visual com o espaço íntimo do vizinho. Ainda
Contudo o inciso 1º poderia ser mais específico quando trata das "janelas cuja visão não incida sobre a linha divisória". Já que inclusive as janelas perpendiculares à divisa, cujo texto traz em destaque, acabam por lançar vistas sobre o limite dos lotes, uma vez que uma janela permite um ângulo de visão próximo a 180°. Existindo a possibilidade de uma janela oblíqua externa com pequena angulação em relação à divisa (por exemplo, 10°) ser legalmente instalada a apenas 75 centímetros da divisa dos lotes, sendo que na prática ela funcionaria – para efeitos de contato visual – como uma janela paralela a divisa, que deveria assim respeitar o metro e meio exposto no caput do artigo para esse caso.
Sabemos, por exemplo, que em Portugal o Código Civil abrange esse problema com as janelas, no artigo 1360º – trata de abertura de janelas, portas, varandas e obras semelhantes – no parágrafo 3, há a designação que se dois prédios forem oblíquos entre si, conta-se, como distância, metro e meio perpendicularmente a abertura. Porém, se a obliquidade entre eles for além de quarenta e cinco graus, não se aplica essa restrição. Obviamente isso se dá devido ao fato que para mais de quarenta e cinco graus a janela lança mais vistas ao lote próprio que ao do vizinho.

Figura 2: Esquema representativo do paragrafo 3º do art. 1360º do Código Civil português, em linha pontilhada representa-se 45° da divisa do lote.

Já Camurça e Castilho, entanto sugerem que essa angulação entre a divisa e a janela seja de no mínimo 60° para que ela seja isenta de deixar o metro e meio constante no caput do art. 1301 do CC de 2002 para se enquadrar no §1º, de deixar apenas setenta e cinco centímetros.

Figura 3: Esquema representativo da proposta de Camurça e Castilho para aperfeiçoamento da legislação, em linha pontilhada representa-se 60° da divisa do lote.
6 Estudo de Casos

Para que possamos entender melhor o efeito do tema no espaço urbano, analisamos dois casos, um em Presidente Prudente - SP e outro em Tupã - SP. Os dois casos tratam de janelas paralelas à divisa do lote.
O primeiro caso se refere a uma casa térrea nos arredores do Parque do Povo, em Presidente Prudente. A janela, de pequenas dimensões e de correr, está a menos de 1,5m da divisa do lote. A edificação vizinha ergue um muro grande na divisa, não devassando portando, visualmente, a privacidade dos moradores. Todavia, com trata Pontes Miranda, o funcionamento do direito fenestral diz respeito também existência de luz entre as casas e não espaços estreitos e úmidos entre os prédios, resguardando a tão buscada salubridade.

Figura 4: Irregularidade notada, as edificações pareciam muito próximas.


Figura 5: Confirmamos a irregularidade por medições no Google Earth.


Figura 6: Foto do local.


Figura 7 e Figura 8: Maquete volumétrica da edificação, com a cota distância entre o plano das janelas e a divisa do lote.

Nesta situação o proprietário prejudicado não poderia entrar na justiça para exigir a solução desta ilegalidade, já que o fato está consolidado, ocorreu a mais de um ano – prazo legal dado no CC de 2002 no art. 1302 para ações judiciais sobre este tipo de situação. Todavia, se assim desejar, o proprietário poderá erigir um contramuro na divisa, ainda que prejudique as condições de isolação e ventilação na janela, e foi isto que ocorreu.
Contudo também devemos nos lembrar de que a situação de não haver a privacidade invadida é decorrente da forma e uso da ocupação, como se trata de um edifício qualquer – sem nenhuma impossibilidade de ser demolido e o terreno ocupado por outra edificação. Podemos considerar que há sim alguma possibilidade dessa situação terminar por prejudicar a relação entre vizinhos. Que é a situação que trazemos em nosso segundo estudo de caso.
Exemplificando uma situação onde os usos do terreno mudaram significativamente, trouxemos um exemplo de irregularidade em Tupã. Duas janelas do lote 2 abrem-se na divisa de fundo com o lote 1, a situação é bastante antiga e vem desde a época que o lote 1 era ocupado por um estacionamento de ônibus, contudo os usos mudam, e hoje o lote 1 tem uso residencial, ficando mais evidentes os problemas com a privacidade, principalmente porque as janelas são tão próximas que se pode ouvir qualquer conversa no lote vizinho.

Figura 9: Croqui com a localização das janelas irregulares.

Nessa situação há a possibilidade de o proprietário do lote 1 construa um contramuro, tapando a janela, já que a muito venceu o prazo anual já comentado.

7 Conclusão

Entendemos a preocupação com direito de vizinhança e direito fenestral como fundamentalmente importante para a arquitetura, sendo a legislação que impede o devassamento da propriedade vizinha inquestionável, pelo bem da dignidade humana, mas também da saúde, evitando na cidade os corredores estreitos e úmidos onde não entra a luz do sol.
Concluímos que as aberturas das edificações devem sempre ser pensadas em suas relações no entorno, além da iluminação e ventilação para dentro do cômodo, seguindo até mesmo Vitrúvio, em sua recomendação de que a obra de arquitetura não deve criar indisposições entre vizinhos, e para tal, os conhecimentos de direitos poderão nos ajudar a executar uma arquitetura mais eficiente.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMURÇA, Murilo Bruno; CASTILHO, José Roberto Fernandes. Disciplina das janelas em face da relação de vizinhança. In: Encontro Regional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo. 2014, São Carlos. Anais... São Carlos: Federação dos e das Estudantes de Arquitetura e Urbanismo, 2014.
CASTILHO, José Roberto Fernandes. A atuação do poder público no espaço urbano: os "direitos da cidade". Vitruvius, ano 13, mai. 2013. Disponível em:

PORTUGAL. Código Civil Português, Actualizado até à Lei 59/99, de 30/06. Disponível em: . Acesso em: 11 de mar. 2015.

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