A rasura impossível: homens infames, estórias sem quartel. Notas para um percurso à margem de alguns contos de Eça de Queiroz

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A RASURA IMPOSSÍVEL: HOMENS INFAMES, ESTÓRIAS SEM QUARTEL. Notas para um percurso à margem de alguns contos de Eça.1

Pedro Lopes de Almeida Faculdade de Letras da Universidade do Porto – CITCEM/Aparg

Vemos a tarde perder-se na direcção do molhe o mundo é aquilo que nos separa do mundo José Tolentino Mendonça, O Viajante sem Sono

e o conto é esta leve flor de arte que se cultiva cantando. Eça de Queiroz, do prefácio a Azulejos do Conde de Arnoso

1. Talvez nunca a literatura nos possa dizer mais do que ela mesma, numa oscilação sibilina entre o real e a indeterminação, feita de uma alienação de múltiplas presenças que se cruzam e intersectam no espaço da memória subjectiva de cada leitor, numa fulguração de olhares únicos, suspensos por um instante, anunciando o mundo no hiato da nomeação. Como Orpheu, lançar um olhar oblíquo ao coração da noite, a outra noite, que existe somente no momento em que se dissipa a sua aparição fugaz 2. Talvez todo o silêncio que possamos conhecer seja o dessa fractura, uma forma de ferida, «singular, diferente para cada qual, escondida ou visível, que todos os homens guardam 1

O presente ensaio resulta da investigação e das reflexões que me motivou a Universidade de Verão da Universidade do Porto – 2010, curso “Contar Eça pelos Contos”, dirigido pela Professora Doutora Isabel Pires de Lima. Pela sua partilha de saberes e pela intervenção sempre estimulante, aqui fica o meu agradecimento, sob a forma deste trabalho. 2 Cf. BLANCHOT, 1955: 225.

dentro de si, preservada, e onde se refugiam ao pretenderem trocar o mundo por uma solidão temporária mas profunda» (GENET, 1999 [1958]: 18). Creio encontrar na obra de Eça de Queiroz uma demorada meditação sobre essa estranha forma de silêncio, ou de ausência dele, que é o ruído, enquanto convulsão da narrativa histórica escrita a partir do ritmo de uma nova temporalidade, numa tessitura dissonante de valores e imagens, retratando uma geração que sente agudamente a tensão de uma realidade que, como observa Eduardo Lourenço, oferece a particularidade de nos parecer a todos e ao mesmo tempo tão simples, tão desarmante e aproblemática, a ponto de corresponder à ideia idílica da vida e da sociedade portuguesa (...); e tão labiríntica e complexa apesar ou por causa dessa rasura impossível, mas tão bem sucedida, de uma ausência de tragédia, ressentida a cada geração como a mais refinada e incomunicável das tragédias. (LOURENÇO, 1992 [1978]:13)

A grande inovação de Eça consiste precisamente em convidar, mordazmente, a uma visitação irónica dessa ferida, como um passeio por entre espectros donde emerge a presença cristalina de um olhar crítico, promessa continuamente renovada de uma forma de inscrição no real, que resiste indeterminadamente a actualizar-se, e nesse gesto perpétuo se reinventa, ao estilhaçar-se em incontáveis pedaços de espírito. Aquele que escreve deve procurar a sombra íntima escondida no quotidiano, interpelando-a, deslocando-a, tornando-a inactual (e in-actual) para a tornar visível3. É esse exercício que preside à poética do conto em Eça de Queiroz. É graças à habilidade com que recorta as suas personagens contra um pano de fundo, habilidade com que constrói tipologias singulares dando a impressão de as estar a desconstruir, que na sua narrativa breve se esboça, fulgurante, uma interpretação da sociedade contemporânea, que Eça, aliás, faz corresponder à racionalidade contemporânea, e, fracturando-a, explora a labilidade do conto como possibilidade estética 4. Este movimento criativo inaugura uma zona de experimentação que transcende e supera o “excesso de positivismo” 3

Cf. AGAMBEN, 2008: 11 e 24-25, respectivamente: «La contemporanéité est donc une singulière relation avec son propre temps, auquel on adhere tout en pregnant ses distances; elle est très précisément la relation au temps qui adhere à lui par le déphasage et l’anachronisme. (...) Percevoir dans l’obscurité du présent cette lumière qui cherche à nous rejoindre et ne le peut pas, c’est cela, être contemporains. C’est bien pourquoi les contemporains sont rares. C’est également pourquoi être contemporains est, avant tout, une affaire de courage: parce que cela signifie être capable non seulement de fixer le regard sur l’obscurité de l’époque, mais aussi de percevoir dans cette obscurité une lumière qui, dirigée vers nous, s’éloigne infiniment. Ou encore: être ponctuels à un rendez-vouz qu’on ne peut que manquer.” 4 Cf. JOLLES, 1972 [1930]: 185: « (...) dans le conte, qui fait ouvertement face à l’univers et absorbe cet univers, l’univers conserve au contraire, malgré cette transformation, sa mobilité, sa généralité et son caractère qui est d’être chaque fois nouveau, sa ‘pluricité’.»

característico do realismo e do naturalismo, que Antero chegou mesmo a averbar aos primeiros trabalhos de Eça, e rasga um horizonte de confrontação contínua, através do duplo impulso da erosão de valores sugeridos e dos processos de subjectivação enquanto exterioridade íntima, em vez de latência. O resultado deste processo é semelhante a uma exposição de negativos de fotografias: as formas estão lá, o todo e as partes, dispostos fielmente à ordem do real, só que preenchidos por uma ausência essencial, uma subtracção que outorga sentidos a cada retrato, a exigir uma leitura activa, um envolvimento dramático do intérprete para a consumação do quadro, na desmontagem da ontologia do quotidiano 5. É à luz dessa falha que gostaria de pensar aqui o conto Civilização (1892). Talvez a voz oracular e rotunda do fonógrafo persista nos leitores, como sucede comigo, após a última linha. Não será, porventura, porque todo o conto é atravessado por essa forma de ruído, que, ciciante nos interstícios da trajectória de Jacinto, incessante, aponta penetrantemente para um hiato impreenchível aberto no coração da vida moderna? Apesar de o narrador não poupar esforços para salvaguardar o perfeito idílio do Jacinto de Torges, persiste todavia, através dos quadros de bucólico ideal, algo da atmosfera sonolenta da biblioteca do Jasmineiro, como eco invertido de uma força universal e inócua, a mesma que o mantinha refém das redes de fios e utensílios que utilizava para comunicar, e que o trilhavam e feriam. Tudo se passa como se a pura potência-de-ser materializada pela vida de Jacinto em plena civilização (que ganha corpo no inevitável adormecimento que vitimava quem entrasse na Biblioteca; no manancial de gestos e instrumentos que o separam das tarefas quotidianas mais simples, ou no cansaço que lhe sobrevém depois de concluir a rotina de tratamento dos cabelos: «Penteado e cansado, ia purificar as mãos.», QUEIROZ, 2002: 74), se radicalizasse na pura potência negativa com a transferência para a serra: um movimento que adquire forma no vazio que inunda a sua “nova vida”, e se expressa na isotopia da vida monacal que perpassa a descrição do interior do solar: 5

Cf. QUEIROZ, 2000 [1890]: 11-12: «Não sabemos se a mão que vamos abrir está ou não cheia de verdades. Sabemos que está cheia de negativas. Não sabemos, talvez, onde se deve ir; sabemos, decerto, onde se não deve estar. Catão, com Pompeu e com César à vista, sabia de quem havia de fugir, mas não sabia para onde. Temos esta meia ciência de Catão. De onde vimos? Para onde vamos? – Podemos apenas responder: Vimos de onde vós estais, vamos para onde vós não estiverdes. (...) Assim vamos. E na epiderme de cada facto contemporâneo cravaremos uma farpa. Apenas a porção de ferro estritamente indispensável para deixar pendente um sinal (...) Nunca poderão tão ligeiras Farpas ferir a grande artéria social: ficarão à epiderme. Dentro continuará a correr serenamente a matéria vital – sangue azul ou sangue vermelho, dissolução de guano ou extracto de salsaparrilha.” [de Junho de 1871].

Sobre a mesa de pinho, o papel almaço, o candeeiro de azeite, as penas de pato espetadas num tinteiro de frade, pareciam preparadas para um estudo calmo e ditoso das humanidades: e na parede, suspensa de dois pregos, uma estantezinha continha quatro ou cinco livros, folheados e usados, o «D. Quixote», um Virgílio, uma «História de Roma», as «Crónicas» de Froissart. Adiante era certamente o quarto de D. Jacinto, um quarto claro e casto de estudante, com um catre de ferro, um lavatório de ferro, a roupa pendurada de cabides toscos. Tudo resplandecia de asseio e ordem. As janelas cerradas defendiam do sol de Agosto, que escaldava fora os peitorais de pedra. Do soalho, borrifado de água, subia uma fresquidão consoladora. Num velho vaso azul um molho de cravos alegrava e perfumava. Não havia um rumor. Torges dormia no esplendor da sesta. E envolvido naquele repouso de convento remoto (...). (QUEIROZ, 2002: 88)

Trata-se de algo mais conseguido do que a engendração de uma progressão sucessiva através de tese e antítese. Trata-se de uma verdadeira síntese através do contraste de opostos: o segundo Jacinto não é apenas a negação do primeiro, é a sua extremação, e, nesse paroxismo, radica a verdade da civilização moderna. Se a aparente ingenuidade de um narrador que contempla, encantado (e tendencioso, pela sua ligação à província), as transformações operadas pela deslocação no protagonista vela um fundo comum a ambos os jacintos, não é possível negar, após um olhar mais próximo (e menos condicionado) que, enquanto contraconduta6 do Jacinto urbano, o “D. Jacinto” reflui numa experiência invertida de ausência – ele testemunha, de outro modo, a imperfectibilidade da realização humana, de uma maneira que só poderá ser devidamente compreendida após a leitura de A Perfeição (1897): em breve, a oscilação radical de Jacinto entre extremos convalida a conclusão de Ulisses acerca da impossibilidade

de

obtenção

de

felicidade

através

da

voragem de

ideal,

independentemente da natureza de que venha a revestir-se esse ideal. E isto deve-se, em Jacinto, à suspensão da consciência do real que resulta da amputação do carácter propriamente contingente da experiência: com efeito, Jacinto sublima a sua nova condição, como havia sublimado a sua vivência imersa nos dispositivos da civilização. Ele mesmo denuncia esse defeito de perspectiva, quando instigado por Zé Fernandes (facto curioso). Fá-lo, porém, num eloquente non sequitur: Eu citei, com discreta malícia, Schopenhauer e o «Ecclesiastes»... Mas Jacinto ergueu os ombros, com seguro desdém. A sua confiança nesses dois sombrios explicadores da vida desaparecera, e 6

Considero este termo à luz da caracterização que lhe é emprestada por Michel Foucault: enquanto uma forma de exaltação exasperada e contravertida de uma conduta, a contraconduta é um esgotamento até à negação dos procedimentos de uma conduta hegemónica, o que implica necessariamente uma «correlação imediata e fundadora entre a conduta e a contraconduta». Na verdade, estão sempre ligadas, pois uma só adquire significação à luz do código de valores da outra. V. g. «Aula de 1.º de Março de 1978» no Collège de France, in FOUCAULT, 2008: 253-303.

irremediavelmente, sem poder mais voltar, como uma névoa que o sol espalha. Tremenda tolice! Afirmar que a vida se compõe, meramente, de uma longa ilusão – é erguer um aparatoso sistema sobre um ponto especial e estreito da vida, deixando fora do sistema toda a vida restante, como uma contradição permanente e soberba. Era como se ele, Jacinto, apontando para uma urtiga, crescida naquele pátio, declarasse, triunfalmente: «Aqui está uma urtiga! Toda a quinta de Torges, portanto, é uma massa de urtigas.» - Mas bastaria que o hóspede erguesse os olhos, para ver as searas, os pomares e os vinhedos! (QUEIROZ, 2002: 98-99)

Extraordinário é o facto de também ele se entregar, de novo, voluntariamente, a essa forma de inconsciência, apenas erguendo o seu sistema num pátio ao lado... Mas esta forma de retorno, trazendo a imagem do suplício de Sísifo, salienta a condição hermética do contemporâneo: por ser um lugar fechado sobre si mesmo, ele agencia o esquecimento como plataforma de perpétua reescrita do presente, configurando, nesta estrutura de certo modo autofágica, aquilo que Izabel Margato designou «tiranias da modernidade», e que não são, afinal, outra coisa que não a «impossibilidade de pertencer plenamente a essa nova realidade emergente, hegemônica e, ao mesmo tempo, excludente» (MARGATO, 2008: 11). Vale a pena pensar que não seria difícil imaginar Jacinto, anos depois, mergulhado no tédio da vida campestre, e suspirando pelas comodidades da urbe... A curto trecho, é o próprio valor específico e singular que perde o pé num quadro axiológico movido pela vertigem do excesso, pela constante transformação que garante a perpetuação de um paradigma de centro ausente, onde os pólos positivo e negativo se permutam e alternam. É esse o diagnóstico de Paul Ricoeur, ao procurar pensar a condição da modernidade: Le discours de la modernité change une nouvelle fois de régime lorsque, perdant de vue le paradoxe attaché à la prétention de caractériser notre époque par sa différence à l’égard de toute autre, il porte sur les valeurs que notre modernité est censée défendre et ilustrer. Faute d’une réflexion préalable sur les conditions d’une telle évaluation, la louange et le blame sont condamnés à alterner dans une controverse proprement interminable. (RICOEUR, 2001: 409)

Eça de Queiroz cede o próprio corpo do conto a esse drama, permitindo-o entranhar-se na progressão psicológica das personagens como uma sempre renovada forma de excesso. Ele mesmo se confessa uma vítima dessa forma de dilaceramento inefável, quando assume, num artigo do Distrito de Évora: Li. O quê? O que todo o mundo lê hoje. A Viagem à Itália, Os Cheiros de Paris, O Filho, os livros modernos enfim. Porque, devem saber, hoje não se lê, folheia-se; antigamente a ciência era um

pequeno campo que se percorria num instante, levemente, gastando pouco o olhar sem atenção, com um doce estouvamento, e no fim saía-se letrado, sábio, homem de letras, entendedor, crítico, etc. Hoje, que tudo é imenso e exagerado, nesta vida moderna, cujo verdadeiro nome é paroxismo, pouco se pode ler; os livros sucedem-se: poemas, histórias, romances, poesias, críticas, ciências, dicionários, tudo nasce, passa, voa, é lido, estudado, esquecido e lançado ao monturo. Para colher uma ideia, para saber um facto, para escolher uma opinião, é necessário ir duns a outros, sem cessar, correndo, ler uma página, relancear a vista por um índice, colher na passagem o título dum capítulo. Hoje há mais coisas a saber: o mais pequeno sábio não pode ter a sua pequena consciência satisfeita sem ter lido mil livros, aberto crédito a mil sistemas. Quem sabe onde nos levará este abuso de espírito? (QUEIROZ, 1988: 18)

A grande denúncia que veicula a crítica de Eça é a de uma modernidade que serviu de pretexto para a deposição da temporalidade enquanto tal, isto é, enquanto inscrição: substituída por uma conflagração superficial de simultaneidades, sem qualquer pretensão de consequências, ela é o rosto do excesso, da ferida narcísica que se renova continuamente, extraindo da imperfectibilidade a base de legitimação, para se permitir pensar enquanto incessante absoluto-momentâneo num aqui e agora iterativo, obsessivo, febril. Desde este ponto de vista, é a própria mundividência da modernidade que, desde a sua raiz, congrega uma forma de tautologia infinita, pressentida esteticamente em Eça como um reenvio obsidiante ao hiato inexaurível entre o cogito e o sum, que se resolve precisamente ao não resolver-se. Talvez seja revelador perspectivar essa forma de aporia como uma imperfeita resposta ao drama vivido pela Geração de 70. Notando, contudo, tratar-se de uma sintomatologia que, atravessando a crise dos “vencidos da vida” e relevando do “progresso da decadência” que Eça atesta na primeira farpa, se projecta num horizonte mais abrangende, no quadro de uma possível epistemologia da modernidade, sem excluir a persistência de muitos desses factores até à contemporaneidade. A análise de Eduardo Lourenço coloca em evidência as contradições internas na origem de uma tal configuração: A situação era tão absurda e tão inextricável ao mesmo tempo (e o drama cultural da Geração de 70 é simultaneamente o produto e o espelho ampliado deste relacionamento esquizofrénico com o nosso passado e o presente europeu) que esta tentativa de nos salvar europeizando-nos, se no plano material era meio pleonástica, pois nem nós nem ninguém podia fugir às consequências dos progressos materiais do século, no campo propriamente espiritual a

Europa a que chegávamos atravessava uma crise cultural que era a da própria civilização e de que nunca mais sairíamos. Só que a Europa vivia-a dentro de uma história, de um processo, de uma contradição, cujo código lhe era familiar e totalmente imanente. (...) Nós entramos em cena, como no célebre Helzzappopin, vindos de outro filme, mesmo o mais à vontade nele, Eça de Queirós. Estávamos no palco europeu, íamos visitar timidamente Michelet ou Zola, mas a cena era-nos alheia. O reflexo é que era, brilhante ou dolorosamente, nosso. (LOURENÇO, 1999: 54-55)

É na demanda do reflexo, ou ruído, que Eça erige a sua poética, ao traduzir a condição de um infinito étrangement pela impossibilidade de pertença a categorias estáveis, como se apenas fosse possível às suas personagens habitar uma forma de limbo, uma transitoriedade perpétua que se corporiza no conto como uma concreção de sentido. Nessa temporalidade castrada de diferença, encontramos Macário, de Singularidades de uma Rapariga Loura (1874), enredado (ou, com mais propriedade: entalado) no que é uma trajectória iniciática pusilânime, boçal, grotesca, e, afinal, frustre. O seu engano de alma, ledo e cego é uma dupla paródia, ao universo amoroso pretensamente civilizado e a uma sociedade urbana burguesa que crê encontrar na consagração à vida comercial a via para o sucesso e o reconhecimento. A desconstrução deste paradigma selecciona, como dispositivo retórico de indução discursiva, cortes bruscos no registo narrativo, capazes de fazer ruir subitamente o que se afigurava uma “promessa de ideal”: Era uma rapariga de vinte anos, talvez – fina, fresca, loura como uma vinheta inglesa: a brancura da pele tinha alguma coisa da transparência das velhas porcelanas, e havia no seu perfil uma linha pura, como de uma medalha antiga, e os velhos poetas pitorescos ter-lhe-iam chamado – pomba, arminho, neve e ouro. Macário disse consigo: - É filha.

(QUEIROZ, 2002: 12-13)

E a loura ergueu para ele o seu olhar azul e foi como se Macário se sentisse envolvido na doçura de um céu. Mas quando ele ia dizer-lhe uma palavra reveladora e veemente, apareceu ao fundo do armazém o tio Francisco, com o seu comprido casaco cor de pinhão, de botões amarelos. (QUEIROZ, 2002: 14-15)

Os jogos de contrastes violentos são reproduzidos na própria estrutura articulatória do conto, como ilustra a súbita e desengonçada declaração de intenções de casamento («Enfim, meu amigo, para encurtarmos razões resolvi-me casar com ela. –Mas a peça? – Não pensei mais nisso! Pensava eu lá na peça! Resolvi-me casar com ela!», QUEIROZ,

2002: 21). Tudo isto concorre para um ambiente caracterizado pela boçalidade. Porém, não seria correcto afirmar que o conto descreve a boçalidade. Esta atmosfera é talvez uma consequência da própria indefinição que parece presidir ao destino comum das personagens, um certo anátema que as faz pervagar entre “melodrama ou farsa”, como intui sugestivamente o interlocutor de Macário, e narrador (Cf. QUEIROZ, 2002: 9). Na sua incapacidade de agir (durante todo o conto, ele limita-se a reagir a estímulos exteriores, nunca tomando para si a iniciativa sobre o que quer que seja), Macário personifica, apesar de toda a sua carga picaresca, a angústia do mal du siècle: manietado por um excesso que atrofia e sufoca a sua dimensão subjectiva, o indivíduo moderno é, paradoxalmente, a negação da individualidade. O seu desamparo corresponde à impossibiliodade de fazer coincidir vontade e acção, e, quando procura palavras para expressar algum lastro de sentimentalidade, tudo o que lhe ocorre são comparações desajeitadas que se servem da gíria dos comerciantes da baixa lisboeta... Dificilmente um ser humano poderia ver-se mais radicalmente expurgado da sua subjectividade. Qual novo Job, ele sofre um fatal e inelutável esvaziamento, não lhe restando senão uma espécie de acção negativa. Só que, desta vez, o mártir dessa vontade tirânica (o amor, a rapariga loura, ou a própria modernidade?) nem ao riso do leitor é poupado. Nessa démarche, Eça esgrime um virulento ataque ao conceito de “ideal”. Se o conto apresenta uma tessitura entrecortada, concatenando melancólicas considerações sobre a mulher divinizada com apontamentos da vida prática burguesa, num projecto de desmontagem da imagem do modelo romântico do qual o desenlace é o impiedoso golpe fatal, devemos sublinhar que esse desiderato veicula também a escalpelização de um desfasamento do plano artístico relativamente ao plano do real, deixando a exposto, finalmente, uma fractura ética motivadora das condutas da sociedade finissecular.

2. Mas talvez seja em José Matias (1897) que este filão encontra o seu acumen. A história das venturas e desventuras de um dândi apaixonado, incapaz de consumar os seus sentimentos numa relação com a mulher que venera, conduz o leitor através de uma experiência limite, enquanto experiência do limbo: a fixação na espera, agudizada

pela incapacidade de agir de um protagonista que resiste a entregar-se à progressão linear da intriga e se refugia num renovado aquém do facto, suscita-nos uma reflexão acerca das ideias aristotélicas de potência e actualização. Do ponto de vista conceptual, as Variações Goldberg (BWV 988, 1741) articulam-se ao longo de trinta variações, todas em sol maior (com excepção das 15, 21 e 25), organizadas em dez grupos de três, em cada um dos quais a uma dança ou peça de um determinado género (como a fughetta) se segue um movimento ao estilo de arabesco, e a este um cânone (criado a intervalos de escala cada vez maiores). As variações são encimadas por uma Aria, que se repete no final, como Aria da capo. É notável que cada uma das séries de três, em si, não crie ou retire tensão à peça 7. Na verdade, o fascínio que esta composição exerce deve-se, em larga medida, ao poder inventivo que nela de desdobra, e que é o de começar de novo a cada novo ciclo: tal como para os antigos retóricos o exordium interno, nelas desnuda-se, em cada andamento, o deleite da inocência que só experimentamos na desfloração da Aria inicial – o deleite da inocência dos sentidos, reinventado sucessivamente. Nisso a variação difere do ostinato: ela não é mera repetição, mas uma reinvenção sucessiva do mesmo. Esse milagre (ou jogo de espelhos) só é possível porque, no fundo, nós nunca saímos daquele primeiro andamento: a linha de baixo contínuo e a fórmula de progressão dos acordes garantem a uniformidade do tema, e é como se cada nova variação, reescrevendo a Aria, a abra sobre si mesma, numa afirmação radical e nostálgica de si. Aqui, não creio que deva resistir a evocar algumas das palavras que Jorge de Sena, no seu magistral Arte de Música (1968), dedica às Variações Goldberg: (...) se tudo repercute como em cânones cada vez mais complexos que não desenvolvem um raciocínio mas o transformam de um si mesmo em si; (...). (SENA, 2001: 128)

Penso ser justamente a variação a forma que melhor descreve a propriedade intrínseca da potência. Como uma anamorfose na pintura, ela reveste-se de uma aparência de mudança, quando a sua dinâmica é, essencialmente, manter-se imutável, enquanto nós, espectadores em trânsito, nos movemos, descobrindo-lhe novas

7

Cf. WILLIAMS, 2003 [2001]: 40: «The thirty variations are built up from a series of these threes which do not, of themselves, either create or remove tension: some are herder to play than others, but the gentlest might be some of the most intricate from a contrapunctual point of view.»

conformações (e confirmações). Não é o tecto de uma igreja barroca que se transforma, mas o nosso olhar que, percorrendo-o, num trompe l’oeil reinterpreta a visão que dele recebe. Assim também José Matias. A sua fixação na divina Elisa permanece constante, volteando sobre si mesma como variações sobre um mesmo tema, ela é uma forma radical de potência, capaz de afrontar as piores privações para conservar a pureza desse eterno transcendente: ele abandona o domínio humano das imperfeições, lançando-se numa busca da perfeição ideal que reside (apenas) nas coisas desejadas. E não receia sequer a perda da dignidade, ao habitar o limiar da humanidade – andrajoso e alcoólico, ele mantém-se fiel a esse culto da potência, tal como o fora quando, paramentando-se para a contemplar da janela, num quadro impregnado de sagrado, de litúrgico e mesmo de místico, é, ele próprio, prefiguração de um oficiante, numa relação impossível com a divindade infinitamente distante. Somos nós, leitores (uma vez mais, guiados pelas sugestões de um narrador perspicaz, professor de filosofia, que inflexiona a interpretação

numa

direcção

bastante

precisa),

que,

verdadeiramente,

nos

transformamos ao longo da leitura, por delegação de um horizonte de expectativas que vemos sucessivamente frustrado. Não José Matias. O seu rigoroso equilíbrio na estreita zona do limbo é o resultado de uma ilimitada tensão entre o princípio do prazer e o princípio da realidade, cujo saldo será sempre, inevitavelmente, nulo. Adivinha o meu amigo como esse desgraçado consumia os seus estéreis dias? Com os olhos, e a memória, e a alma, e todo o ser cravados no terraço, nas janelas, nos jardins da Parreira! (...) E note agora a complicada subtileza desta paixão. O José Matias permanecia devotadamente crente de que Elisa, na profundidade da sua alma, nesse sagrado fundo espiritual onde não entram as imposições das conveniências, nem as decisões da razão pura, nem os ímpetos do orgulho, nem as emoções da carne – o amava, a ele, unicamente a ele, e com um amor que não deperecera, não se alterara, floria em todo o seu viço, mesmo sem ser regado ou tratado, como a antiga Rosa Mística! (QUEIROZ, 2002: 211)

O ascetismo de José Matias vai sendo revelado ao leitor enquanto experiência dos limites da passividade como forma de subjectivação. É a própria raiz de uma convicção que se firma em profundidade na alma de um romântico, conduzindo-o a um encontro fatal (poderia ser de outra maneira?) com a verdade do Ideal, tão próxima, afinal, da própria experiência artística enquanto experiência estética de um transcendente imanente8. Uma verdade que, ele sabe-o, só pode ser encontrada na ténue fronteira entre 8

Cf. REYNAUD, 2003: 141-142: «Elisa, cuja paixão por José Matias se sublimou numa piedosa protectora e quase maternal, não é para ele mais do que uma imagem a que ele presta culto: a imagem

a pertença e a singularidade do evento, numa existência fugaz que vota o próprio nomos a um naufrágio inelutável. É esse, também, o drama de Bartleby (1853), o escrivão que sabe que, para se conservar enquanto tal, deve resistir a toda a forma de actualização, projectando-se no espaço vazio do exemplo sem estar ligado a nenhuma identidade, a fim de, tal como José Matias, se expatriar na impropriedade – uma substituição sem lugar próprio que aponta o ser do ser, na individuação do amante indiferente a qualquer manifestação concreta da sua essência. Bartleby, «uma sentinela perpétua no seu canto» (MELVILLE, 2010 [1853]: 32) de um escritório em Wall Street, reinventa o seu ofício através da resistência com que declina, gradualmente, as tarefas periféricas que lhe vão sendo propostas – «- I would prefer not to.» - , até recusar mesmo escrever seja o que for, e, finalmente, recusar sair do escritório, do prédio... Como José Matias, ele é o rosto invisível de uma modernidade excludente, movida a um ritmo de torpor e furor que não lida bem com a persistência das coisas que perseveram. O narrador de Herman Melville, o advogado e funcionário judicial que é também proprietário do escritório onde Bartleby se emprega, declara: Não há nada que irrite mais uma pessoa enérgica do que a resistência passiva. Se aquele que é posto à prova não possui têmpera inumana, e se o que resiste é alguém completamente inofensivo, então o primeiro procurará, com a sua melhor boa vontade, explicar pelo recurso à imaginação o que se mostra incapaz de ser resolvido pela razão. Mesmo assim, eu respeitava em grande parte Bartleby e a sua maneira de ser. Pobre criatura! – pensava eu, não tem qualquer intenção de fazer mal, e é evidente que não quer ser insolente; pelo seu aspecto se vê perfeitamente que as suas excentricidades são involuntárias. (...) Havia uma coisa fulcral: é que ele estava sempre lá – o primeiro logo de manhã, o dia todo sucessivamente, e por fim à noite. (MELVILLE, 2010 [1853]: 33 e 38, respectivamente)

É graças a esta potência de não ser, que inaugura a possibilidade de todo o ser e mesmo do ser na própria plenitude do Ideal, que Bartleby e José Matias reencontram o Absoluto na «delícia das coisas imperfeitas» (QUEIROZ, 2002: 224). É também graças a esse acto perfeito de imperfectibilidade que o pensamento se pode voltar contra si próprio, numa derradeira consumação do sujeito na sua subjectividade: Bartleby ou José

desmaterializada do Amor, ou a encarnação de uma pura beleza que, por ser «um dom dos deuses», é sublime. Contudo, poderíamos ir mais longe na leitura do conto e ver nele uma alegoria da própria arte. Ou, talvez, do sentimento estético ou do enamoramento estético, que transfigura as imagens perceptivas na substância da verdadeira arte, a qual só sobrevive na irradiação da forma.»

Matias não podem sobreviver a si mesmos, porque eles próprios são irredutíveis a um subjectum filosófico, a uma forma objectivada de conhecimento: E mais do que qualquer outra coisa, recordava-me de certo ar, inconsciente, de pálida – como lhe hei-de chamar? –, de pálida altivez, digamos, de uma austera reserva a seu respeito, que positivamente me atemorizava, levando-me a acatar docilmente as suas excentricidades, receando pedir-lhe a mais insignificante coisa que fosse, embora eu soubesse perfeitamente, pela sua longa e contínua imobilidade por detrás do biombo, que ele deveria estar num desses seus devaneios diante do muro cego (...) mas à medida que o desamparo de Bartleby crescia e se desenvolvia na minha imaginação, essa mesma melancolia transformou-se em medo, aquela piedade em repulsa. Tão verdadeiro ele é, e tão terrível também, que até certo ponto o pensamento ou o espectáculo da miséria ganha o melhor dos nossos sentimentos; (...). (MELVILLE, 2010 [1853]: 45)

«Tão verdadeiro ele é». Essa consistência equivale a uma ferida no espaço epistemológico da modernidade, um hiato em ethos, inassimilável, portanto. É essa a conclusão que encerra o conto queirosiano, plasmada estruturalmente na respectiva circularidade, a indicar a única consequência possível desta radical atitude – a tautologia infinita e o eterno regresso ao vazio, pela saturação da matéria no espírito: É que sempre a Matéria, mesmo sem o compreender, sem dele tirar a sua felicidade, adorará o Espírito, e sempre a si própria, através dos gozos que de si recebe, se tratará com brutalidade e desdém! (QUEIROZ, 2002: 222)

Assim, somos levados a intuir uma forma de magnanimidade naquele infame José Matias. Porque, tal como o movimento dos astros, ou o movimento (virtualmente) infinito das variações em cascatas de notas sobre as teclas do cravo, o seu motivo, sendo pura potência, é ser-em-acto. Valho-me das palavras de Giorgio Agamben, reflectindo sobre este tópico aristotélico: Só uma potência que tanto pode a potência como a impotência é, então, a potência suprema. Se toda a potência é simultaneamente potência de ser e potência de não ser, a passagem ao acto só pode acontecer transportando (Aristóteles diz «salvando») no acto a própria potência de não ser. Isto significa necessariamente que, se é próprio de todo o pianista tocar e não tocar, Glenn Gould é, no entanto, o único que pode não não-tocar, e, aplicando a sua potência não apenas ao acto, mas à sua própria impotência, toca, por assim dizer, com a sua potência de não tocar. Face à habilidade, que simplesmente nega e abandona a própria potência de não tocar, a mestria conserva e exerce no acto não a sua potência de tocar (é esta a posição da ironia, que afirma a superioridade da potência positiva sobre o acto), mas a de não tocar. (AGAMBEN, 1993 [1990]: 34)

Podemos, então, dizer de Bartleby e de José Matias o que Agamben diz dos anjos, habitantes do limbo por toda a eternidade: A pena maior – a ausência da visão de Deus – transforma-se assim em natural alegria: irremediavelmente perdidos, permanecem sem dor no abandono divino. Não é Deus que os esqueceu, são eles que o esqueceram desde sempre, e contra o seu esquecimento é impotente o esquecimento divino. Como cartas sem destinatário, estes ressuscitados ficaram sem destino. Nem bem-aventurados como os eleitos, nem desesperados como os condenados, eles estão cheios de uma alegria que não pode chegar ao fim. (AGAMBEN, 1993 [1990]: 14)

3. (ou Aria da capo) Talvez seja chegada a hora de avançar, por fim, com um argumento que tenho estado a reter há algum tempo. Trata-se de um juízo crítico sobre a obra de Eça que Agostinho da Silva insere na sua Reflexão à margem da literatura portuguesa, e cujo tom se oferece instigante: É a admirável literatura de um escritor que viu Portugal nas suas férias de cônsul; que se divertia com a caricatura dos homens da sua roda e inclusive dele mesmo; para o qual era muito mais fácil fazer graça do que análise; que, incapaz de apreender as molas mais íntimas do ser, faz depender, tanto a vida de seu país como a vida de seus romances, de meros episódios acidentais; que, praticamente, nada tomou a sério senão a construção do seu estilo e que era capaz de fazer jovens confiantes jurar, sobre dicionários de francês, o que deveriam jurar sobre a Bíblia; para o qual, numa palavra, Portugal, em lugar de ser uma inesgotável mina de problemas e de inspirações, era um alvo perfeito para seus ditos de espírito; de muito espírito. De tanto espírito que até muitos dos modelos mais atingidos ficaram encantados e vieram, nessas mesmas ou noutras encarnações, prestar culto ao seu caricaturista. Mas, do Portugal que sofria, quase nem uma palavra. (...) Não entendeu Portugal na sua história. (SILVA, 1996 [1957]: 120-121)

É certo que esta sentença, porventura mais emocional do que racional (o que explica o acinte que se sente em cada palavra de Agostinho), traz consigo uma boa dose de injustiça. Com efeito, ninguém negará a Eça a mestria na análise de caracteres, ou o poder de radiografia com que olha para o panorama nacional. Julgo que o que há de mais perturbador nestas frases de Agostinho da Silva é o facto de exprimirem o desconforto quase ontológico que não podemos deixar de experimentar quando encaramos de frente as personagens queirozianas. Desconforto que emerge da incapacidade de assimilar plenamente a fractura que elas transportam e fazem reflectir, já que não nos concedem o alívio fácil de uma fórmula acabada e polida que

consigamos encaixar sem esforço numa tipologia preparada de antemão. Quando olhadas nos olhos, as personagens de Eça deixam-nos sem saber bem o que pensar, fazem-nos ir ao encontro dessa reacção desconcertante que Susan Sontag identifica com a verdadeira arte (SONTAG, 2004 [1966]: 24). Ontem, como hoje, não fomos heróis de uma narrativa de feitos e prodígios. Talvez nunca, em lugar algum, o homem, na sua realidade de ser situado e contingente, tenha sido figura do mito, sofrendo sob o peso de cada letra de uma história épica. Provavelmente, nunca existiu tal homem, como não houve, também, o homem que Diógenes em vão procurou, lanterna em punho, nas ruas de Atenas. O mais certo é sermos, ontem como hoje, variações em torno de um mesmo tema, esse tema que Eça perseguiu com uma tenacidade não menor do que a ironia, porque sabendo que só aí, onde o trivial é sublimado e o transcendente estanca a sua marcha, nessa encruzilhada sem chão, o rosto humano fulgura, momentaneamente, na sua imperfeição e, contudo, estranha beleza. Aí, onde, por momentos, nos reconhecemos ao espelho, na espera eterna do «mais subtil dos homens»9 que sempre encontramos na distância impossível do desejo. Qual novo Colombo, Eça parece ter encontrado um indivíduo humano, demasiado humano, quando procurava desmontar os vícios de uma sociedade decadente finissecular. Será, porventura, a força emergente dessa contingência que nos faz hoje admirar as suas personagens, enquanto respondemos com um sempre renovado riso à zurzidela que nos retrata, na opacidade e ambiguidade que em nós vivem10. Talvez seja esse o modo como Eça reinventa a moral naïve do conto11, enquanto faculdade de responder a uma volição intrínseca de suspensão da imoralidade do real, substituída pelo prodígio da ficção. Uma ficção tecida de signos tão hesitantes e perecíveis quanto nós mesmos, não de mármore, mas de esperas e cintilações, nessa forma de ruído amniótico da narrativa, que é, por fim, «o silêncio do que se não pode referenciar» (LIMA, 2005: 157).

9 Cf. LIMA, 2005: 166 e ss. 10

Cf. LIMA, 1984: 47: «Esta uniformidade, que parece ser causa e consequência da opacidade da «miséria portuguesa», articula-se estreitamente com a ambiguidade que emana da situação e do próprio conceito queirosiano de ‘miséria portuguesa’». 11 Cf. JOLLES, 1972 [1930]: 188 e ss.

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Abstract Departing from the reading of the short stories Singularidades de uma Rapariga Loura (1874), Civilização (1892), and José Matias (1897), this paper seeks to characterize the aesthetic reaction of Eça de Queiroz to the major social and idiosyncratic changes of the second half of the nineteenth century. In order to do this, we propose to take as a starting point the author's position towards the implications of successive technological shocks felt at the time, and how this perception led him to reconsider the place of the intellectual amidst society: what did it meant for the characters of Eça to be "people of their time"? How to define the contemporary in Eça de Queiroz? What elements should be considered in the interplay of forces and (dis)stresses that shape and inform the set of values where characters play their lives? Advancing as an experimental hypothesis the hermetic nature of contemporary in modern aesthetics, we propose to explore some places of frequent revisiting of criticism in the light of new assumptions. Maybe the typological dialectics in Eça are nothing but a mask for an homogeneity of characters from which no one can get rid? Can the critique of existing social models hide a veiled apology for the sameness, or maybe it just conveys the inability to structure an alternative thought? And finally: how to write short stories, in the century of the novel? Perhaps, to a greater extent than we might expect, it is possible to understand the characters of Eça in the light of current philosophical thought. The contribution of Giorgio Agamben to a contemporary (re)reading of this trends shall be called, and we believe that it will then be possible to test a renewed understanding of the aesthetic and literary options of Eça de Queiroz.

Keywords: Eça de Queiroz; short stories; 19th century; modernism; aesthetics; Giorgio Agamben; negative potency; sameness and void; Goldberg Variations; Bartleby.

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