A Reabertura dos Cassinos no Brasil: uma Cuba de paralelos e paradoxos

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A Reabertura dos Cassinos no Brasil: uma Cuba de paralelos e paradoxos Victor Targino de Araujo1

Com a reaproximação histórica entre EUA e Cuba, chancelada pela reabertura do escritório de Washington em Havana (e vice-versa), o Presidente Raúl Castro sinalizou uma mudança paradoxal, porém economicamente necessária, no plano político-ideológico da ilha mais famosa do Caribe. Paradoxos, todavia, são comuns na sociedade cubana. Outrora um dos maiores rivais do Rio de Janeiro, em termos de turismo, Cuba, paraíso de belezas naturais, já foi fonte de muito luxo e entretenimento, com seus moderníssimos hotéis-cassinos, onde milhares de norte-americanos buscavam refúgio (e faziam negócios). Hoje, parafraseando o Professor I. Nelson Rose, em sua última coluna, Cuba "aparenta ser um país parado em 1959", ano da Revolução Comunista, que derrubou a Ditadura do bon vivant Fulgêncio Batista.

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Atualmente, advogado no Sport Club Corinthians Paulista e pós-graduando em Direito Desportivo pela PUC-SP. Autor da dissertação científica: “Considerações para a Regulamentação dos Cassinos no Brasil”, apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie em 2012, posteriormente publicada na Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas, jan/fev 2013 e do artigo “O Direito à Cultura, ao Lazer e ao Entretenimento e sua Relação com os Jogos de Azar Proibidos no Brasil”, publicado no livro Direitos Humanos: perspectivas e reflexões para o Século XXI, Ed. Ltr, 2014.

Ditadura esta,

de tão corrupta, oligárquica e discriminatória,

simbolizada no luxo dos hotéis cassino, os quais eram inacessíveis ao povo (que mal podia comer e, ao mesmo tempo, via tantos dolares girarem na roleta), que, quando da Revolução, a população invadiu e destruiu alguns hoteis-cassino completamente. Os Castro, por sua vez, ao assumirem o poder, decretaram o fechamento imediato dos cassinos remanescentes, como forma de dissociarem sua imagem daquilo que simbolizava o regime derrubado. Curiosamente, entretanto, a Revolução de 1959, apesar de política, econômica e ideologicamente oposta ao regime derrubado, ergueu uma nova ditadura, igualmente luxuosa, oligárquica e contrastante com a maior parte da população cubana. A diferença entre os regimes, basicamente, era que (i) a Ditadura de Batista sobrevivia dos dólares norte-americanos, enquanto a Ditadura de Castro buscava subsistência nos rublos soviéticos, novos aliados; e (ii) as zonas turísticas, que continuavam inacessíveis ao povo em geral (reservadas aos estrangeiros e aos membros da alta sociedade cubana), não mais permitiam os jogos de azar. Todavia, com o declínio do socialismo-comunista, chancelado pelo colapso da União Soviética e somado ao injusto embargo imposto pelos Estados Unidos, Cuba mergulhou em uma profunda crise econômica nos anos 90. Simplificadamente, os irmãos Castro e a cúpula governista, sem o dinheiro Soviético para sustentar os luxos próprios e os setores considerados, pela mídia, como de excelência (saúde e educação),

acabaram, paulatinamente, rendendo-se ao regime diametralmente oposto, capitalista, abrindo as portas à iniciativa privada, à exemplo do que fez a China, no início dos anos 90, com as Zonas Econômicas Especiais. Ao fazê-lo, rendem-se à quebra de paradigmas, de simbolismos que, atualmente, não têm qualquer sentido lógico. Ora, a Cuba de hoje, como em 1959, continua extremamente dependente da exportação de charutos e do turismo. Para que a exportação se expanda, necessário o levantamento do embargo econômico imposto pelos EUA (daí a necessidade de reaproximação). E vice-versa, já que os EUA encontram em Cuba um grande potencial mercado

consumidor,

esbarrando,

contudo,

em

um

embargo

totalmente sem sentido para os padrões globais atuais. Ao turismo, idem. O desejo de crescimento do setor leva, naturalmente, à reabertura dos cassinos cubanos, marco de seus "tempos de ouro". A reabertura é essencial, inclusive, para que se possa rivalizar com Las Vegas, cidade que, após 1959, veio a substituir Havana. Não há como se justificar, hoje, o fechamento, tão somente com base na ideologia de uma Revolução que desejava se desvencilhar dos símbolos do regime que derrubara. E o Brasil? O que tem a ver com isso? Simples. À exemplo de Cuba, na época em que Havana e Rio rivalizavam no top 5do turismo mundial, por volta dos anos 1930, 40, o atrativo

natural

da

cidade

maravilhosa

era

perfeitamente

complementado ao entretenimento (e aos luxuosos cassinos) que seus hoteis ofereciam. O setor hoteleiro era tão forte, impulsionado pelos jogos de azar e pelos shows ocorridos nos moderníssimos hoteis-cassino, que São Lourenço, em Minas Gerais, já na década de 30, tinha um aeroporto particular, com rotas diárias ligando-a a São Paulo e Rio, em razão do Cassino do Lago (situado em Lambari, cidade próxima). O saudosismo hoje, à exemplo de Cuba, é tão grande, que o setor hoteleiro/turístico considera tal período como a "bélle-époque", sendo imprescindível a reabertura para que se possa concorrer com Punta del Este (Uruguay), por exemplo. Aliás, é impressionante como o Conrad (principal cassino de Punta del Este) consegue atrair um número de visitantes tão expressivo quanto o Rio de Janeiro, mesmo tendo a região praias bem mais frias e paisagens bem menos generosas (em números relativos; o Uruguay, em 2013, tinha uma população total de 3,2 milhões de habitantes e recebeu cerca de 3,2 milhões de turistas por ano - REVISTA EXAME 2013). E, à exemplo de Cuba, a proibição dos cassinos, no Brasil, se deu, unicamente, por cunho ideológico, a fim de simbolizar um regime que ascendia. No caso brasileiro, a Revolução também foi "democrática" e também derrubou uma Ditadura (caía o Estado Novo, de Getúlio).

Entre paralelos e paradoxos, Dutra, General do Exército, assumia o poder deixado por um Tenente, do Exército (Getúlio). Castro, por sua vez, era líder estudantil, mas também liderava um exército (rebelde, porém exército), assumiria o posto de Batista, General do Exército. Em suma: subia um General aqui, caía um General

lá, mas

derrubavam-se ditaduras em ambos os lugares. Ideologicamente, invés de laços estreitos com a União Soviética, Dutra era extremamente ligado à Igreja, no caso, Católica. Aliás, sua esposa, que de tão religiosa, era conhecida como Dona Santinha, lhe fez três pedidos ao assumir a Presidência, sendo que um deles foi a extinção do Partido Comunista do Brasil, formalmente realizada em 1947. Ponto para o paradoxo. O segundo? Fácil, a construção de uma capela no Palácio Presidencial (Palácio da Guanabara).E o terceiro? O fechamento de todos os cassinos. A Igreja sempre foi contra os jogos de azar. Os cassinos eram a menina dos olhos de Getúlio. O apogeu do setor foi durante o Estado Novo (19371945). Fechá-los, representaria o dissenso com o simbolismo do regime derrubado. Ponto para o paralelo Cuba-Brasil. Assim, em 30 de maio de 1946, decretava-se a extinção de todos os cassinos em território nacional, proibição persistente (e injustificável) até os dias de hoje. Nesse mar de paralelos e paradoxos, o azar é dos cassinos. E do povo, que ao ser assolado por inúmeros regimes diferentes, muitos deles totalitários, extremistas, ideologicamente opostos, em tão pouco

tempo, esquece-se da enorme quantidade de postos de trabalho, tributos e desenvolvimento que os cassinos podem trazer, não só ao turismo ou ao setor hoteleiro, mas, também, em todo aspecto sócioeconômico de uma região. Enquanto isso, continuemos a ver países de incomparável beleza natural, como Brasil e Cuba, contemplarem a nostalgia de tempos dourados, pois hoje, em números relativos, perdem grande quantidade de turistas (e de dinheiro) para cidades como Las Vegas (construída no deserto) e Punta del Este (situada no coração da ventania gelada austral).

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