A Reforma Gregoriana e o Bispado de Santiago de Compostela segundo a Historia Compostelana

May 29, 2017 | Autor: A. Frazão da Silva | Categoria: Santiago de Compostela, História da Idade Média, Concilios
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Anuario brasile€o de estudios hisp•nicos

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www.consedu-espanha.org.br

Anuario brasile€o de estudios hisp•nicos, n.1 - 1990 ‚ Madrid,1990 ‚ n. 22,5cm

1. Cultura hisp‚nica - Peri„dicos I. Embajada de Espa€a en Brasil. Consejer…a de Educaci„n y Ciencia, ed. CDU 009(460)(058)=60=690(81)(05) ISSN 0103-8893

MINISTERIO DE EDUCACIÄN, CULTURAY DEPORTE Å EDITA: SECRETAR‚A GENERAL TƒCNICA. SUBDIRECCI„N GENERAL DE INFORMACI„N Y PUBLICACIONES EMBAJADA DE ESPA…A EN BRASIL – CONSEJER‚A DE EDUCACI„N Y CIENCIA NIPO: 176-01-049-0 ISSN: 0103-8893 Impresi‡n: THESAURUS EDITORA DE BRAS‚LIA

CONSEJO EDITORIAL Cˆsar Alba Embajador de Espa€a en Brasil Mar‰a de la Concepci‡n Mart‰nez-Simancas Consejera de Educaci•n y Ciencia de la Embajada de Espa€a

CONSEJO DE REDACCIÄN Ana Lucia Esteves dos Santos UFMG - Univ. Federal de Minas Gerais Antonio Roberto Esteves UNESP - Univ. Estadual Paulista Carmen Rojas Gordillo Consejer‚a de Educaci•n Josˆ Antonio Pˆrez Gutiˆrrez Consejer‚a de Educaci•n Manuel Calder‡n Calder‡n Consejer‚a de Educaci•n Manuel Morillo Caballero Consejer‚a de Educaci•n Mar‰a C. Parˆs Grahit Consejer‚a de Educaci•n Mariluci da Cunha Guberman APEERJ – As. de Prof. de Espa€ol de Rio de Janeiro Mario Miguel Gonz•lez USP - Univ. de S„o Paulo Pedro CŠncio da Silva Faculdades Integradas Ritter dos Reis Sagrario Ruiz Elizalde Consejer‚a de Educaci•n Silvia C•rcamo de Arcuri UFRJ - Univ. Federal de Rio de Janeiro Vicente Masip Viciano Centro Cultural Brasil-Espa€a Secretaria de RedacciÇn Mar‰a Cibele Gonz•lez Pellizzari Alonso Colegio Miguel de Cervantes Director Francisco J. Moreno Fern•ndez Director del Instituto Cervantes de S„o Paulo

ÉNDICE

ESTUDIOS LING‹‚STICOS Comparaci‡n fonol‡gica del espa€ol y del portuguˆs de Brasil ............................ Adauto F…lix da Hora Descripci‡n axiol‡gica de la terminolog‰a financiera del espa€ol y su equivalencia en portuguˆs ................................................................................................. †ngel Felices Lago Lengua y naci‡n en la Gram‡tica de Bello ............................................................ Luizete Guimar„es Barros La unificaci‡n e identidad de la lengua espa€ola a travˆs de la Gram‡tica de Elio Antonio de Nebrija .................................................................................................. Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold

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ESTUDIOS LITERARIOS Renascimento na Espanha: a poesia na ˆpoca de D. Juan II de Castela e a obra de MarquŒs de Santillana ............................................................................................. Alexandre Soares Carneiro Dos obras granadinas en el universo poˆtico lorquiano: Do€a Rosita, la soltera y Mariana Pineda ................................................................................................... Ana Cristina dos Santos A sorridente m•scara do horror: Texto hist‡rico e discurso ficcional em El mundo alucinante ................................................................................................................ Cl‡udia Helosisa I. Luna F. Silva A intrusa expiat‡ria ................................................................................................. Daisi Irmgard Vogel An•lisis de un fragmento de Como agua para chocolate – una propuesta ........... Edna Parra Cˆndido La novela enga€osa de Cela ................................................................................... Erwin Torralgo Gimenez Sobre G‡ngora y el 27: recapitulaci‡n ................................................................... Francisco Javier D‚ez de Revenga La perspectiva narrativa en Nubosidad variable. Homenaje a Carmen Mart‰n Gaite (1925-2000) .................................................................................................. Lola Josa Ocho novelistas latinoamericanas de la primera mitad del siglo XX: reflexiones acerca una nueva estˆtica narrativa ......................................................................... Luz Mar‚a P. da Silva El retablo de t‰teres: un teatro de vanguardia en Espa€a (1909-1937) .................. Manuel Calder•n Calder•n

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El tema de los viajeros en la literatura Argentina desde la Conquista hasta principios del siglo XX ..................................................................................................... Ricardo Szmetan

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HISTORIA Y CIENCIA A Reforma Gregoriana e o Bispado de Santiago de Compostela segundo a Historia Compostelana .......................................................................................................... Andr…ia Cristina Lopes Fraz„o da Silva Noticias de otros mundos: Historia y est‡rias en la metaficci‡n historiogr•fica ... Denise Pini Rosalem da Fonseca Romance, mulher e pol‰tica na Espanha de p‡s-guerra. ......................................... Valeria De Marco

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ESPEJO EN BRASIL Tr‰s anjos bons e um engano, de Rafael Alberti, por ocasi•o do primeiro anivers•rio de sua ausŒncia .................................................................................................. SeleŽ•o e traduŽ•o de Antonio R. Esteves Os sete pecados capitais e as sete notas musicais: Silvina Ocampo e Rubˆn Dar‰o .... TraduŽ•o de Lara D`Onofrio Longo

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HISPANISMO EN BRASIL Tesis de doctorado defendidas ................................................................................ Tesis de doctorado en elaboraci‡n .......................................................................... Tesinas de maestr‰a defendidas ............................................................................... Tesinas de maestr‰a en elaboraci‡n ......................................................................... Proyectos individuales de investigaci‡n cient‰fica ................................................ Cursos de posgrado ................................................................................................. Cursos de extensi‡n ................................................................................................ Publicaciones .......................................................................................................... Eventos .................................................................................................................... Escenificaci‡n ......................................................................................................... Actas ........................................................................................................................ Otras informaciones .................................................................................................

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RESE…AS Romero, Elena, El libro del buen retajar; textos judeoespa€oles de circuncisi•n .. Al…xia Teles Duchowny Barei, Silvia N., Borges y la Cr‚tica Literaria ..................................................... Andr…a Cesco Scavarelli Rojo, Gr‰nor, Dir‡n que est‡ en la gloria... (Mistral) ............................................. Graciela Ravetti

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C•rcamo, Silvia Inˆs (org.), Mitos espa€oles – Imaginaci•n y cultura ............. Antonio Roberto Esteves Bethencourt, Francisco, Historia das InquisiŠ‹es. Portugal, Espanha e It‡lia. S…culos XV-XIX ....................................................................................................... Magn•lia Brasil Barbosa do Nascimento Casta€eda Castro, Alejandro, Aspectos cognitivos en el aprendizaje de una lengua extranjera .................................................................................................... Leonor Novoa Gil Cortˆs Moreno, Maximiliano, Gu‚a del profesor de idiomas. Did‡ctica del espa€ol y segundas lenguas ................................................................................................... Jos… Antonio P…rez Guti…rrez Silva, Cecilia Fonseca da y Silva, Luz Mar‰a Pires da, Espa€ol para brasile€os. Estudio contrastivo basado en textos ..................................................................... Ana Isabel Briones Masip, Vicente, Fon…tica espanhola para brasileiros .......................................... Luizete Guimar„es Barros Pereira, Helena B.C. y Signer, Rena, Dicion‡rio Michaelis: espanhol-portugu‰s/ portugu‰s-espanhol ................................................................................................. F…lix Bugue€o Miranda

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Historia y Ciencia

Anuario brasile€o de estudios hisp‡nicos, 10 (2000), 217-232. ISSN 008103-8893

A Reforma Gregoriana e o Bispado de Santiago de Compostela segundo a Historia Compostelana

Andrˆia Cristina Lopes Fraz•o da Silva

IntroduÑÖo

O

objetivo do presente trabalho ˆ discutir, • luz das particularidades locais, as repercuss•es da Reforma Gregoriana no bispado compostelano. Para tanto, faremos uma an•lise da Hist•ria Compostelana, tomando como eixo condutor os cŠnones do Lateranense I.1 Os estudos sobre a chamada Reforma Gregoriana tŒm suscitado polŒmicas. Como aponta Faci, “...este enfrentamiento de posiciones no siempre ha contribuido a la honesta busca de la verdad, sino que, en muchas ocasiones, ha sido consecuencia de apasionamentos solamente basados en posiciones ideol‡gicas” (1982: 26). Os trabalhos sobre o alcance do movimento reformista papal na Igreja HispŠnica tŒm sido desenvolvidos, ainda que com car•ter mais geral, desde a dˆcada de 70. Alguns historiadores, como S•nchez Herrero (1984: 215), Peter Linehan (1975: 10) e Fern•ndez

1 N•o utilizaremos os cŠnones do II Conc‰lio de Latr•o porque esta assemblˆia foi realizada em 1139, somente um ano antes da morte de Diego II. Logo, n•o poder‰amos discutir os alcances desta legislaŽ•o em Compostela ainda durante o seu bispado. Para o estudo do I Conc‰lio de Latr•o, utilizaremos a ediŽ•o cr‰tica completa dos cŠnones elaborada por Raimunda Foreville. Foreville, Raimunda (ed.), 1972, Lateranense I, II, III, Vitoria, ESET.

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Conde (1982: 352), dedicados ao estudo da Igreja Ibˆrica, afirmam que a reforma eclesi•stica, sob a direŽ•o do papa, s‡ foi efetiva nas dioceses castelhanas, incluindo a de Santiago de Compostela, ap‡s o sˆculo XIV. Mesmo estudos mais recentes, voltados para aspectos mais espec‰ficos da Reforma Gregoriana, como o n‰vel intelectual do clero, insistem nesta hip‡tese. 2 Este tema, porˆm, ainda carece de abordagens espec‰fi- cas e aprofundadas. Acreditamos, portanto, que a revis•o historiogr•fica sobre esta quest•o imp•e-se como necess•ria atravˆs de estudos microanal‰ticos e da releitura das fontes, a partir da formulaŽ•o de novos problemas e o emprego de pressupostos conceituais inovadores. Neste sentido, optamos por um microrecorte: a diocese compostelana durante o governo de Diego II. Trata-se, portanto, de um trabalho qualitativo, n•o s‡ porque se detˆm no estudo de uma “nica diocese em um per‰odo delimitado, mas porque vamos refletir sobre as estratˆgias acionadas por Roma e Santiago de Compostela, bem como pelas racionalizaŽ•es elaboradas na Hist•ria Compostelana sobre o relacionamento entre estas sedes episcopais. Considerando a importŠncia que o conceito de cultura assume em nossa an•lise, torna-se, fundamental, demarc•-lo. Partimos do conceito de cultura enquanto o conjunto dinŠmico de pr•ticas e representaŽ•es que d•o organizaŽ•o e sentido ao mundo social. Utilizaremos, em nossas reflex•es, o conceito de apropriaŠ„o cultural criativa, proposto por Roger Chartier (1992: 231). Ao aplicarmos tal conceito, queremos ressaltar que a recepŽ•o das pr•ticas e representaŽ•es culturais —em nosso caso, a Reforma Gregoriana— por um determinado grupo social n•o ˆ um processo passivo, j• que ˆ poss‰vel, valendo-se dos mesmos elementos, a elaboraŽ•o de representaŽ•es e pr•ticas culturais diferenciadas, proporcionando, assim, espaŽo fecundo para a invenŽ•o. Partilhamos, desta forma, da postura de Roger Chartier ao afirmar que ˆ tarefa do historiador, hoje, identificar a pluralidade das pr•ticas e representaŽ•es e estar atento aos emprˆstimos e intercŠmbios culturais presentes no seio das sociedades (1992: 231).

A Reforma Gregoriana A Igreja Crist• Ocidental, durante a Alta Idade Mˆdia (V-VIII), sofreu muitas mudanŽas, adaptando-se •s novas condiŽ•es hist‡ricas. As comunidades crist•s ruralizaram-se, perderam o seu car•ter comunit•rio, tornaram-se alvo da influŒncia da aristocracia laica e dos poderes seculares. A Igreja tornou-se uma “federaŽ•o” de episcopados e mosteiros,3 nos quais as pr•ticas simon‰acas e o nicola‰smo eram constantes e o reconhecimento da primazia romana era unicamente te‡rico.

2 Como, por exemplo, Soto R•banos (1996). 3 Nem todos os autores partilham deste car•ter federalista da Igreja Altomedieval, cuja unidade seria garantida pela rede de comunicaŽ•es episcopais. Alguns autores, como Lubac e Y. Congar, apontam para o car•ter orgŠnico e m‰stico da unidade da Igreja. Sobre esta quest•o ver Mitre Fern•ndez (1997). 197-215.

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A Reforma Gregoriana e o Bispado de Santiago de Compostela...

A partir do sˆculo IX, face •s transformaŽ•es que se iniciavam no Ocidente, foram surgindo projetos, desenvolvidos por diversos setores da sociedade medieval, visando a reforma da Igreja. Tais propostas de reorganizaŽ•o do corpo eclesi•stico pautavamse em diferentes eclesiologias e teorias pol‰ticas, possuindo, muitas vezes, objetivos divergentes; influenciaram-se, porˆm, mutuamente e, no tocante • determinadas quest•es, partilhavam de um discurso semelhante. Dentre esses projetos de reforma, podemos sublinhar, primeiramente, os de iniciativa dos poderes seculares. A levada a cabo pelos carol‰ngios, calcada na Teoria do Monismo Teocr•tico, segundo a qual “... el sacerdocio se subordina inequ‰vocamente a la monarqu‰a” (Frank, 1988: 83), visou, dentre outros fatores, a unidade lit“rgica, a uniformizaŽ•o do monacato atravˆs da observŠncia da Regra Beneditina e a luta contra o abuso das Igrejas Pr‡prias. Ou, ainda, baseando-se no Dualismo Teocr•tico, tal como delineara Ot•o III, que reconhecendo a existŒncia de dois poderes —o regnum e o sacerdotium— prop•em um projeto de sociedade no qual “... al poder regio le correspond‰a un car•cter sagrado, el sacerdocio pod‰a participar del poder real” (Frank, 1988: 87). Em segundo lugar, os de origem mon•stica, tais como os projetos nascidos em Cluny, Gorze, Metz, Brogne, etc. A luta contra a intervenŽ•o laica, a busca por uma renovaŽ•o dos costumes e pela unidade lit“rgica foram alguns dos princ‰pios destas proposiŽ•es de reforma, que se expandiu por v•rias regi•es da Europa, atravˆs da fundaŽ•o ou reformulaŽ•o de diversos mosteiros. As reformas de car•ter popular, assim denominadas porque arregimentavam grandes parcelas da populaŽ•o, tambˆm n•o podem ser ignoradas, ainda que classificadas como heresias pela grande maioria dos historiadores. Neste sentido destaca-se a Pataria Milanesa, que utilizando inclusive a forŽa, propunha uma transformaŽ•o radical das estruturas sociais e a eliminaŽ•o dos clˆrigos considerados indignos. De todos os projetos de reforma eclesi•stica surgidos na Europa Ocidental Medieval, o que nos interessa especialmente ˆ o proposto pelos bispos de Roma, conhecido como Reforma Gregoriana. Como esta express•o n•o possui precis•o cient‰fica, embora seja empregada universalmente (Garc‰a-Guijarro Ramos, 1995: 20-21), acreditamos ser fundamental assinalarmos como compreendemos esse conceito. Denominamos Reforma Gregoriana ao longo e complexo movimento de reformulaŽ•o da Igreja, promovido pelos pont‰fices romanos, entre os sˆculos XI ao XIII. Desenvolvida a partir dos projetos de reforma de iniciativa secular e mon•stica, tornouse independente e resultou no nascimento da Igreja Romana enquanto uma instituiŽ•o jur‰dico-can•nica, na qual a C“ria Papal exercia a direŽ•o. Os pontos principais desta reforma foram: a organizaŽ•o de toda a hierarquia clerical tendo na lideranŽa o bispo de Roma; a luta contra a intervenŽ•o laica nas quest•es eclesiais; a moralizaŽ•o do clero e a catolicalizaŽ•o da sociedade. Esta aŽ•o reformista do papado processou-se em etapas. Em cada uma delas um aspecto, dentre os acima apontados, recebeu maior Œnfase. Na primeira, que se estendeu

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por toda a segunda metade do sˆculo XI, privilegiou-se a luta contra a investidura laica. 4 A organizaŽ•o interna da Igreja, tendo como elemento centralizador a Sede Apost‡lica ou o papado, e a moralizaŽ•o do clero foram o alvo principal na segunda etapa da reforma, que se iniciou j• nas “ltimas dˆcadas do sˆculo XI e se prolongou por todo o sˆculo XII. 5 A Œnfase no cuidado pastoral dos fiˆis, que marcou o sˆculo XIII, foi a preocupaŽ•o central da terceira etapa. 6 Este projeto de reforma, cujo embasamento ideol‡gico foi se constituindo durante sˆculos, fundamentou-se na autonomia e superioridade do sacerdotium frente ao regnum et imperium e no poder jurisdicional do papa, calcado no princ‚pio petrino apost•lico. Ou seja, o poder reivindicado era de car•ter universal, respaldado na hierarquia eclesi•stica. Ao afirmar-se como portador de toda auctoritas sacra, o papado vŒ o seu papel como o grande l‰der entre todos os outros poderes, seculares ou n•o. Delimitar as esferas de aŽ•o dos leigos no seio da Igreja; moralizar, organizar e centralizar todo o corpo eclesi•stico tendo como ponto central a C“ria Papal tinham como escopo o fortalecimento e a independŒncia da Igreja. Quanto • Œnfase na cura das almas, objetivava-se a presenŽa constante da Igreja na vida do leigo, estendendo a sua autoridade no seio da sociedade. A fim de propagar e introduzir os princ‰pios de seu projeto de reforma, o Papado, desde o sˆculo XI, lanŽou m•o de alguns instrumentos: regulamentou a escolha do papa atravˆs do Colˆgio de Cardeais; passou a confirmar a eleiŽ•o dos arcebispos; fundou cortes eclesi•sticas para tratar n•o somente de problemas eclesiais, mas tambˆm os de car•ter moral, casamentos e heranŽas; preocupou-se com a educaŽ•o dos clˆrigos e leigos; ampliou e reformulou o Direito Can•nico; imp•s o uso da liturgia romana para toda cristandade ocidental; organizou a corte papal; instituiu e enviou legados como seus representantes diretos para introduzir a reforma em diversas regi•es e passou a convocar conc‰lios universais. – apreens•o de todo este processo torna-se imprescind‰vel o estudo das atas e dos cŠnones dos conc‰lios universais, convocados e dirigidos pelo Papa e realizados entre os sˆculos XI e XIII. Atravˆs destes documentos, de car•ter jur‰dico-can•nico, pode-se reconstruir as linhas gerais do projeto papal para a reformulaŽ•o da Igreja e as estratˆgias para a sua implantaŽ•o, j• que apresentam uma s‰ntese dos esforŽos reformadores impulsionados por Roma.

4 Em 1059, Nicolau II institui que os papas deveriam ser eleitos pelos cardeais; neste ano tambˆm ˆ estabelecida a proibiŽ•o de aceitar uma igreja dada por um leigo, tanto com remuneraŽ•o como gratuita- mente. Nos s‰nodos de 1074 e 1075, novamente se pro‰be a transmiss•o de um ministˆrio eclesi•stico por um leigo; em 1122 ˆ instaurada a Concordata de Worms. 5 Neste sentido, nos s‰nodos de 1074 e 1075 s•o feitas sanŽ•es contra os clˆrigos simon‰acos e incon- tinentes, disposiŽ•es reinteiradas em 1078, 1089, 1095 e em todos os conc‰lios lateranenes dos sˆculos XII e XIII. 6 Como cuidado pastoral devem ser entendidas as iniciativas que visavam a catequese dos fiˆis, a instituiŽ• o de festas universalmente celebradas, como o Corpus Cristi, e o incentivo • pr•tica sacramental.

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I ConcÜlio de LatrÖo O I Conc‰lio de Latr•o foi realizado em 1123, em um momento crucial para o papado. Ap‡s dˆcadas de conflitos com o Imperador, finalmente chegara-se ao Concordata de Worms no ano anterior. Assim, com o fim da chamada “querela das investiduras”, Roma passou a preocupar-se, prioritariamente, com os assuntos internos da hierarquia eclesi•stica. Visando consolidar a independŒncia da Igreja perante os poderes laicos, o objetivo maior, neste momento, era, como j• assinalamos no item anterior, a reorganizaŽ•o e centralizaŽ•o de todo o corpo eclesi•stico, tendo como figura central o Papa (J—rgen Miethke, 1993: 71). Durante o conc‰lio, diversos assuntos mereceram destaque. Conforme nos informam os documentos, nesta assemblˆia, ratificou-se o acordo de Worms; discutiu-se a jurisdiŽ•o metropolitana de alguns bispados como o de Bremen-Hamburgo e o de Ravena; foram apresentadas queixas contra os mosteiros isentos da jurisdiŽ•o episcopal, bem como a usurpaŽ•o, pelos monges, de funŽ•es eclesi•sticas (Raimunda Foreville, 1973: 62-73). Entretanto, o aspecto mais importante, relacionado diretamente ao projeto de reforma papal, foi a aprovaŽ•o de dezessete decretos reformadores. Insistindo na eliminaŽ•o da intervenŽ•o dos leigos nos assuntos eclesi•sticos, quatro decretos trataram da quest•o: o cŠnone VIII (1972: 226) aponta que os leigos n•o deveriam dispor dos bens eclesi•sticos; no cŠnone XII (1972: 227) os leigos s•o proibidos de recolher as oferendas dedicadas aos santos, bem como fortificar as igrejas ou reduzi-las • servid•o; o cŠnone XVII (1972: 228) impede que qualquer pessoa armada venha a invadir ou assediar, pela forŽa, a cidade de Beneveto, “a cidade de S•o Pedro”, buscando, assim, garantir a seguranŽa f‰sica do papa e sua corte e reafirmar a soberania da Sede Apost‡lica; e o cŠnone V (1972: 225), que declara nulas as ordenaŽ•es feitas por Burdino, qualificado como herˆtico por ter sido escolhido papa, em 1118, pelo imperador Enrique V. Este “ltimo cŠnone possui relaŽ•o direta com a quest•o compostelana, j• que Burdino era proveniente da diocese bracarense, sede rival de Santiago de Compostela na luta pela metr‡pole. Aspectos da vida secular tambˆm n•o foram ignorados. Legislou-se sobre casamentos, proibindo-o entre consang—‰neos (1972: 226). Preocupou-se com a seguranŽa dos leigos, especialmente dos cruzados e romeiros: o cŠnone X (1972: 226) concede indulgŒncia aos cruzados e toma, sob a proteŽ•o papal, todos os seus bens e fam‰lia;7 o cŠnone XIV (1972: 227) institui castigos para os que ferissem ou roubassem romeiros; o cŠnone XV (1972: 227) reafirma constituiŽ•es anteriores relativas • paz, • trˆgua de Deus, aos incŒndios e • seguranŽa dos caminhos p“blicos. Os decretos reformadores tambˆm preocuparam-se com heranŽas (cŠnone XI, 1972: 227) e trataram de quest•es econ•micas. Neste sentido, o cŠnone XIII (1972: 227) condena os que fabricavam e propagavam moedas falsas e o cŠnone XIV (1972: 227) institui castigos para todos que cobrassem novos tributos aos mercadores.

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Este cŠnone tambˆm prevŒ puniŽ•es para cruzados e peregrinos desertores.

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Todos esses cŠnones, alˆm de consolidar a liberdade da Igreja perante os leigos, procuravam ampliar os poderes dos clˆrigos sobre diversos aspectos da vida dos fiˆis e comeŽavam a delinear o perfil do verdadeiro cat‡lico romano. 8 Porˆm, o n“mero de cŠnones dedicados unicamente ao corpo clerical demonstra que, neste momento, o principal alvo dos reformadores romanos era a moral dos clˆrigos e a reorganizaŽ•o da hierarquia eclesi•stica. Desta forma, a legislaŽ•o conciliar buscou combater a simonia e o nepotismo, prevendo puniŽ•es. O cŠnone I (1972: 225) pro‰be a promoŽ•o de qualquer pessoa, no seio da Igreja, por dinheiro, decreto que ˆ complementado pelo cŠnone III (1972: 225), que institui a consagraŽ•o episcopal para os eleitos canonicamente. No cŠnone VI (1972: 226), nega-se a ordenaŽ•o para preboste, arcipreste ou de•o para os que n•o eram sacerdotes e de arcediago para os que ainda n•o eram di•conos. A moral sexual dos clˆrigos foi um dos principais alvos da aŽ•o reformadora e, portanto, tema de um dos decretos do Lateranense I. O cŠnone VII (1972: 226) ˆ totalmente dedicado a esta quest•o. Nele, os sacerdotes, di•conos e subdi•conos s•o proibidos de viver com concubinas, esposas ou qualquer outra mulher com exceŽ•o daquelas que n•o levantassem suspeitas justificadas, como m•es, irm•s ou tias. Dentre todos os decretos dedicados especialmente aos clˆrigos, destacam-se os que ampliaram as funŽ•es e a autoridade dos bispos, mesmo perante o monacato. Na busca pela unidade e fortalecimento da hierarquia eclesi•stica, os bispos tornam-se o grande elo entre a Igreja de Roma e as diversas par‡quias dispersas por toda a Europa Ocidental. Desta forma, o cŠnone II (1972: 225) pro‰be aos clˆrigos receber, em comunh•o, todos os que foram excomungados por seu pr‡prio bispo; o cŠnone IV (1972: 225) estabelece que toda a aŽ•o pastoral ou administrativa de uma dada diocese deveria estar sujeita ao ju‰zo e poder do prelado9 e o cŠnone XVI (1972: 227-228) ordena que os monges estejam submetidos ao poder episcopal. Os decretos do I Conc‰lio de Latr•o representam, ao mesmo tempo, uma s‰ntese do projeto papal em sua primeira etapa, marcada pela luta contra a intervenŽ•o dos leigos em quest•es eclesi•sticas, bem como sinalizam as novas preocupaŽ•es do bispado romano, voltadas, fundamentalmente, para a reorganizaŽ•o interna de toda a Igreja, objetivo da segunda etapa da aŽ•o reformadora do papado. Neste sentido, alguns desses decretos j• haviam figurado em atas conciliares anteriores10 e, por tratarem de temas polŒmicos, tambˆm foram reiterados em assemblˆias universais posteriores.

8 Segundo Moore, este processo, que buscava definir quem era o verdadeiro leigo cat‡lico, chegou a seu ponto culminante no sˆculo XIII, com os decretos do IV Conc‰lio de Latr•o (Moore, 1989: 15). 9 Este decreto ˆ reiterado no cŠnone VIII que ordena que todos os assuntos eclesi•sticos e sua administraŽ•o sejam de responsabilidade do bispo. 10 Cf. notas 4 e 5

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A Reforma Gregoriana e o Bispado de Santiago de Compostela...

As repercussáes do I ConcÜlio de LatrÖo no bispado de Compostela segundo a HistÄria Compostelana As primeiras tentativas de reforma eclesi•stica na Pen‰nsula Ibˆrica foram patrocinadas pelos reis11 e tiveram como marco fundador a realizaŽ•o do Conc‰lio de Coyanza, em 1055.12 Tal reforma, de car•ter regional, porque s‡ inclu‰a os bispados dos reinos hispanocrist•os, inspirou-se nas antigas tradiŽ•es da Igreja visig‡tica. Neste sentido, foram restauradas ou fundadas novas dioceses, os bispados organizaram-se internamente; introduziuse a Regra Beneditina e buscou-se limitar a influŒncia laica nas quest•es eclesiais, dentre outras medidas. A Igreja Ibˆrica tambˆm foi, neste momento, alvo do projeto de reformulaŽ•o protagonizado pelo papado. Assim, a partir do pontificado de Greg‡rio VII, foram ampliadas as relaŽ•es entre esta Igreja e o papado por meio de um incremento do intercŠmbio epistolar e do envio constante de legados.13 A introduŽ•o da Reforma Gregoriana na Igreja HispŠnica visou, neste primeiro momento, a aboliŽ•o da liturgia moŽ•rabe e a introduŽ•o da liturgia romana; o reconhecimento da soberania do papa sobre os territ‡rios reconquistados; a reorganizaŽ•o episcopal e o fortalecimento da hierarquia eclesi•stica sob a hegemonia do pont‰fice,14 sem, contudo, alcanŽar pleno sucesso. Assim, diversos aspectos da vida eclesial hispŠnica ainda suscitavam as preocupaŽ•es do papado no sˆculo XII. No que se refere ao bispado de Santiago de Compostela, que nos interessa especificamente neste artigo, as primeiras dˆcadas do sˆculo XII foram marcadas pela presenŽa de Diego Gelm‰rez • lideranŽa deste episcopado. Para a reconstruŽ•o deste per‰odo, contamos com a Historia Compostelana, 15 tambˆm conhecida como Registrum Veneralibis Compostellanae Ecclesiae Pontificis Didaci Secundi, redigida por ordem do pr‡prio Gelm‰rez com o objetivo de registrar toda a sua atividade episcopal. Esta obra foi transmitida por dezoito manuscritos e ˆ, sem d“vida, a fonte mais importante para o estudo da Igreja compostelana nas primeiras quatro dˆcadas do sˆculo XII. Foi

11 Faz-se importante ressaltar que os reis hispano-crist•os medievais eram considerados os chefes da Igreja em seus reinos (Rucquoi, 1992: 55-100). 12 Sobre esta quest•o ver Orlandis, J., 1976, La Iglesia en La Espa€a Visig•tica y Medieval, Pamplona, Universidad de Navarra. 13 A Pen‰nsula Ibˆrica, em raz•o da presenŽa dos muŽulmanos e a luta de reconquista crist• cont‰nua, era uma •rea estrategicamente importante dentro dos planos do papado. Sobre esta quest•o ver: Llorca (1976: 553-569). 14 Como ˆ poss‰vel perceber, em alguns aspectos houve uma confluŒncia de objetivos, comuns aos projetos de reforma papal e dos reis hispano-crist•os. 15 Utilizaremos a ediŽ•o cr‰tica desta obra preparada por Ema Falque Rey e publicada em 1994. Empregaremos a sigla HC, a partir deste ponto do trabalho, para nos referirmos a obra Historia Compostelana. O n“mero em algarismo romano, que segue a sigla, designa o livro e o em ar•bico, o cap‰tulo. O que figura ap‡s a v‰rgula indica uma subdivis•o do cap‰tulo.

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composta em etapas, entre 1107 a 1149, por diversos autores, todos pessoas pr‡ximas e aliadas de Gelm‰rez.16 Como esta obra apresenta a Igreja Romana e as relaŽ•es do Bispo Gelm‰rez com o papado? H• ecos da Reforma Gregoriana ou, mais especificamente, do Lateranense I nos decretos episcopais compostelanos, recolhidos pela HC? A HC permite-nos reconstruir algum projeto de reforma eclesi•stica implantada em Santiago de Compostela em harmonia com o proposto pela Igreja Romana? Segundo a HC, os “ltimos anos do sˆculo XI e as primeiras dˆcadas do sˆculo XII foram um momento vital para o bispado compostelano. Em 1095, a sede episcopal fora trasladada de Iria para Compostela (HC I 5, 2). Nessa mesma ocasi•o, este bispado tornou-se isento da metr‡pole de Braga (HC I 5, 2). Assim, apesar dos diversos problemas vividos pela Galiza neste momento, tais como a guerra civil que assolou a regi•o durante o reinado de Urraca (HC I 83; 88; 101, 3; 114), a rebeli•o dos habitantes da cidade de Santiago (HC I 79) e o perigo almor•vida (HC I 103; II 24; 78), o bispado compostelano foi se consolidando graŽas, sobretudo, • aŽ•o de Diego Gelm‰rez e seus aliados. Em 1104, Gelm‰rez recebeu o privilˆgio do Palio (HC I 17, 1). A diocese compostelana tornou-se, assim, um arcebispado, mesmo sem possuir sufragŠneas (HC I 17, 1). Em 1120, este bispo tambˆm foi institu‰do legado papal nas metr‡poles de Braga e Mˆrida (HC II 18,1; 60; 63). O ponto culminante deste processo de consolidaŽ•o deu-se em 1124, quando a metr‡pole de Mˆrida, ent•o sob dom‰nio muŽulmano, foi trasladada definitivamente para Compostela (HC II 64).17 Como ˆ poss‰vel inferir pela an•lise da HC, todas estas conquistas est•o relacionadas ao fato de que, ao assumir o cargo episcopal, Gelm‰rez procurou manter boas relaŽ•es com as autoridades pol‰ticas hispŠnicas (HC I 16, 1; 27; 28; 107 e ss.), a Ordem de Cluny (HC I 16, 5) e, claro, o pr‡prio papado (HC I 7, 3; 9, 2-3; 10, 1-3; 16, 6; 17, 1; 26, 1). Desta forma, mesmo enfrentando a oposiŽ•o do ent•o nascente reino de Portugal e das metr‡poles de Braga e Toledo, o bispo compostelano foi o principal arquiteto de uma pol‰tica de reformulaŽ•o e engrandecimento de sua diocese. A HC tem como objetivo principal, como j• assinalamos, apresentar as aŽ•es de Diego Gelm‰rez, narradas e interpretadas sempre sob uma ‡tica favor•vel e justificadas pelo fato de que essas aŽ•es tinham como meta o engrandecimento do bispado de Santiago de Compostela. Desta forma, o relacionamento entre as sˆs compostelana e romana figura como um dado a mais para demonstrar a importŠncia de Diego II para o crescimento do poder e prest‰gio de sua diocese. Logo, mesmo sem ser o protagonista, o papado ˆ, sem d“vida, um importante personagem da HC. A HC reconhece a autoridade e a preeminŒncia do papado nas quest•es eclesiais. Encontramos algumas passagens, nesta obra, que enaltecem o poder da Igreja Romana

16 Sobre o processo de composiŽ•o, autoria, dataŽ•o e transmiss•o da Hist•ria Compostelana ver Falque Rey (1994): “Introducci‡n”. 17 Em 1120, esta trasladaŽ•o j• ocorrera, porˆm, em car•ter provis‡rio. Com esta transferŒncia, a sˆ compostelana incorporou as dioceses de Salamanca, ˜vila, Coria e Lisboa.

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sobre as outras igrejas, tais como: “... la iglesia romana es cabeza y modelo de todas las iglesias... (HC I 16, 6); “...siempre h• estado permitido a la sede apost‡lica desunir lo unido, unir lo desunido, cambiar las sedes a otras sedes...” (HC I 5, 2); “la iglesia romana, madre de todos los cat‡licos” (HC I 7, 3). Segundo a HC, o papado encontrava-se inteirado das quest•es hispŠnicas (HC I 39; 46; 79; 101,3; 105, 2) e, especialmente, do que ocorria no bispado compostelano (HC I 43, 3; 44; 45; 69). Assim, transcreve diversas cartas que demonstram a preocupaŽ•o de sucessivos papas quanto aos problemas da Pen‰nsula Ibˆrica (HC I 7; III 10, 2; 22, 1-3); narra as visitas de legados papais (HC I 16, 6); relata as viagens de autoridades eclesi•sticas hispŠnicas • Roma (HC I 17) e, sobretudo, procura ressaltar a harmonia existente entre o papa e os soberanos hispano-crist•os (HC I 9, 4; 16, 1; II 1). As relaŽ•es entre o bispado de Santiago de Compostela e o papado estariam, segundo a obra em estudo, baseadas em dois importantes elementos interligados, que explicariam os privilˆgios concedidos a Diego Gelm‰rez e a sua Igreja, j• assinalados. Em primeiro lugar, o perigo iminente que a sˆ compostelana representava para o projeto de centralizaŽ•o e fortalecimento de toda a igreja sob o dom‰nio do bispo de Roma. E, em segundo lugar, a humildade, fidelidade e disposiŽ•o demonstrada pelo bispo Diego II em submeter-se • autoridade de Roma (HC I 17,3). Para a HC, Diego Gelm‰rez teria buscado ampliar os poderes de sua diocese, junto a Sede Apost‡lica, baseando-se no fato de que em todo o lugar em que descansava o corpo de algum ap‡stolo existia ou o pr‡prio papado ou um patriarcado ou, ao menos, um arcebispado, o que n•o ocorria em Santiago de Compostela (HC II 3, 1).Conforme assinala a HC, para o bispo compostelano, o fato de sua diocese n•o deter dignidades eclesi•sticas “ le parec‰a casi ultrajante e injurioso, principalmente porque Santiago hab‰a sido pariente del Se€or, uno de sus m•s familiares y predilectos disc‰pulos” (HC II 3, 2). 18 Porˆm, assinala a HC, o papado negava-se a conceder privilˆgios ao bispado compostelano, com medo de que este, por abrigar o t“mulo de um dos disc‰pulos de Cristo, e, portanto, ser t•o apost‡lico quanto o de Roma, buscasse suplantar a sua autoridade junto •s igrejas ocidentais: La iglesia romana tem‰a, en efecto, que la iglesia compostelana, apoyada en tan gran ap‡stol y tras obtener los derechos de la dignidad eclesi•stica, asumiera la cumbre y el privilegio del se€orio entre las iglesias occidentales y, como la iglesia de Roma

18 O Novo Testamento menciona trŒs Tiagos: Tiago, o filho de Zebedeu, um dos doze disc‰pulos de Jesus (Mateus 4:21, 17:1ss; Marcos 5:37, 10:35s; Atos 12:2); Tiago, filho de Alfeu, tambˆm um dos doze e que ficou conhecido como Tiago Menor (Mt. 10:3; Marcos 15:40; Atos 1:13) e o Tiago, conhecido como Tiago Maior, um dos irm•os de Cristo que n•o se encontrava entre os doze, mas foi um dos dirigentes da comunidade crist• de Jerusalˆm (Mateus 13:55; Atos 12:17; I Cor‰ntios 15; Gal•tas 1:18-19, 2: 9). O corpo que se encontra em Santiago de Compostela, segundo a tradiŽ•o, ˆ deste “ltimo. Tiago Maior, portanto, assim como Paulo, n•o era um dos doze, porˆm, como este, tambˆm acabou sendo aceito pela Igreja como ap‡stolo, tal como ˆ poss‰vel inferir pelo pr‡prio texto da HC. Neste sentido, o argumento da apostolicidade do episcopado compostelano, levantado por Gelm‰rez, ganha ainda mais forŽa com a argumentaŽ•o que, alˆm de disc‰pulo, Tiago era “parente do Senhor”.

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presid‰a y dominava a las otras iglesias por causa de un ap‡stol, as‰ tambiˆn la iglesia de Compostela presidise y dominase a las otras iglesias por causa de su ap‡stol (HC II 3,3).

Este dado n•o ˆ, certamente, uma criaŽ•o do redator da HC, j• que, durante o sˆculo XI, as relaŽ•es entre Roma e Compostela foram tensas.19 Segundo a HC, a atitude de Roma perante o bispado compostelano s‡ mudou no momento em que Diego Gelm‰rez jurou fidelidade ao papado. Entretanto, j• sob o governo do bispo Dalm•cio, ex-monge cluniascense, as relaŽ•es entre Roma e Compostela j• estavam em processo de pacificaŽ•o. Assim, durante o governo de tal prelado, no S‰nodo de Clermont, de 1095, esta diocese tornou-se isenta de Braga (HC I 16,6; II,1). Hasta ahora la iglesia compostelana ha sido una iglesia soberbia y arrogante, ... ha visto a la iglesia romana no como a su se€ora, sino como a una igual y estuvo a su servicio en contra de su voluntad. Sin embargo, puesto que este obispo nos muestra tanta humildad y tanta sumisi•n, ya que la humildad todo lo vence, si perseverase en su humildad y en su sumisi‡n, en adelante podr• alcanzar su deseo com nuestro consentimiento (HC II 3,3). (grifo meu)

O bispado romano deu, ent•o, seu apoio ao compostelano, dotando-lhe de privilˆgios, porˆm, n•o sem fazer exigŒncias. Vejamos, como exemplo, as recomendaŽ•es presentes em uma carta do Papa Calixto enviada a Gelm‰rez por ocasi•o da ordenaŽ•o deste como legado papal em Mˆrida e Braga, transcrita na HC: Los hechos p“blicos manifestan con cu•nta gracia de caridad rodeamos a tu persona y a la iglesia a ti encomendada. Pues te hemos encomendado nuestra representaci‡n sobre las provincias de Mˆrida y de Braga y hemos honrado a la iglesia de Santiago con la gloria de la dignidad metropolitana. Y as‰ rogamos a tu fraternidad y te recomendamos en el Se€or, te advertimos que reconozcas el favor de la iglesia romana y que procures, con la ayuda de Dios, cumplir la obediencia a ti impuesta de manera que mires saludablemente por el bien de aquellos cuyo cuidado te ha sido encomendado, y siem- pre puedas merecer el favor de San Pedro (HC II 18, 2).

Acreditamos que Diego Gelm‰rez n•o aspirava o dom‰nio reivindicado por Roma para a sua diocese, mas sim, ampliar os seus poderes, principalmente, sobre as metr‡poles de Braga e Toledo. Ou seja, seu objetivo era tornar o bispado de Santiago de Compostela o mais importante da Igreja Ibˆrica. Desta forma, a fim de fortalecer a sua Igreja, este prelado submeteu-se e aliou-se a Roma, prometendo obediŒncia total ao papa:

19 Em 1049, o ent•o bispo de Santiago foi excomungado por utilizar o t‰tulo de Bispo da Sˆ apost‡lica e um legado papal, que esteve na diocese entre 1065-1068, foi mal recebido (Singul, 1999).

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Desde esta hora y para siempre serˆ fiel a San Pedro y a la santa, apost‡lica y romana iglesia y al papa Pascual y a sus sucesores que hayan de ser nombrados can‡nicamente... Ayudarˆ a mantener y defender al Papado romano y las regalias de San Pedro... (HC I 17, 3).

O papado, objetivando manter sob o seu controle toda a Igreja, concedeu as dignidades eclesi•sticas almejadas por Gelm‰rez e sua Sˆ, transformando-o em um importante aliado para a propagaŽ•o de seu projeto de reforma eclesi•stica nos reinos hispano-crist•os. Em contrapartida, conforme demonstra a HC, este bispo, fortalecido pelas promoŽ•es recebidas pelo papado que o elevaram a uma das mais importantes autoridades eclesiais da Pen‰nsula Ibˆrica, acabou por tornar-se um propagador da Reforma Gregoriana nesta regi•o. Desta forma, a HC posiciona-se, explicitamente, como favor•vel a introduŽ•o da Reforma Gregoriana na Pen‰nsula Ibˆrica. Para esta obra, a Igreja Ibˆrica vivera dois grandes momentos: o da ignorŠncia, quando era seguida a lei toledana, e o da obediŒncia, quando foi adotado o rito romano. Lemos na HC: ... siendo casi toda Espa€a ruda e ignorante, pues ning“n obispo de los hispanos rend‰a entonces alg“n servicio u obediencia a nuestra madre la santa iglesia romana. Espa€a segu‰a la ley toledana, no la romana, pero despuˆs que Alfonso, rey de buena memoria, entreg‡ a los hispanos la ley romana y las costumbres romanas, desde entonces, borradas por completo las tinieblas de la ignorancia, empezaron a desarrollarse entre los hispanos las fuerzas de la Santa Iglesia (HC II 1).

Para ressaltar o car•ter reformador das aŽ•es de Diego Gelm‰rez, a HC, ainda que brevemente, apresenta a situaŽ•o ca‡tica do bispado compostelano antes da consagraŽ•o deste bispo. Assim, ap‡s narrar o traslado de Tiago e o descobrimento de seu corpo na Galiza (HC I 1, 2), bem como listar os bispos de Teodomiro a Gudesteo (HC I 2), a HC detŒm-se em apresentar os prelados compostelanos contemporŠneos do rei Afonso VI. O primeiro ˆ Diego Pel•ez. Segundo a HC, este “...vivi‡ hasta tal punto entregado a las preocupaciones del mundo que no adapt‡, como era su deber, su vida interior a la norma del h•bito eclesi•stico” (HC II 1 e HC I 2, 12). Seu sucessor, Pedro, governou o bispado por dois anos. Ap‡s a sua morte, a sede ficou vaga por um certo per‰odo, durante o qual leigos passaram a administrar o bispado. Primeiramente, Pedro Vimara que era, segundo a HC, cruel e ladr•o (HC I 3, 2). Depois Airas D‰az, caracterizado pela HC como “... una persona cruel, llevado por sus ardientes deseos...” (HC I 3, 2). Sua administraŽ•o teria, como aponta a HC, assolado o bispado compostelano: Los can‡nigos de esta iglesia, que deb‰an ser los administradores de la dignidad eclesi•stica, llegaron en aquel momento a tal grado de indigencia que obligados por la pobreza en la misma can‡nica pidieron limosna de todas las maneras para com-

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prar alimentos para su sustento. Y lo que es totalmente indigno y ha de lamentarse hasta las l•grimas: vestidos incluso com ropas vil‰simas y diversas, sin seguir las costumbres dictadas por la doctrina eclesi•stica, cantaban de forma desordenada en el coro las alabanzas a Dios (HC I 3, 2).

Mas tudo comeŽa a mudar quando Diego Gelm‰rez, antes mesmo de ser ordenado bispo, ingressa na administraŽ•o episcopal (HC I 4). O bispado de Compostela, segundo afirma a HC, conquista, ent•o, sua liberdade, elevando-se a sede episcopal e tornando-se isenta de Braga, ficando, assim, subordinada diretamente ao bispo de Roma (HC I 5, 1-2). Neste sentido, para a HC, Gelm‰rez fora o homem escolhido por Deus para reformar a sˆ compostelana: Don Diego, iluminado por recta intenci‡n y ayudado por el prudente consejo de nobles varones, empez‡ com gran esfuerzo a restaurar lo destruido, conservar lo restaurado y mejorar lo conservado (HC I 4).

Esta idˆia ˆ t•o fundamental no conjunto da obra que ˆ reiterada em outra passagem, quando, segundo a narrativa, o bispo j• havia sido consagrado com o t‰tulo de Diego II. Assim, a HC procura reforŽar a idˆia de que o ‰mpeto reformador de Gelm‰rez manteve-se mesmo ap‡s a eleiŽ•o e consagraŽ•o episcopal: Despuˆs de su consagraci‡n, el mismo obispo, como dice el profeta Ezequiel, restaur‡ lo que supo que hab‰a sido despreciado por el reba€o que se le hab‰a encomendado, y arregl‡ lo mejor que pudo aquello que encontr‡ roto y trabaj‡ com cuidadosa diligencia para que su iglesia llegara a la cima de la m•s digna libertad (HC I 11).

A HC faz quest•o de sempre apresentar as aŽ•es do bispo em conformidade com o programa de reforma eclesi•stica do papado. Neste sentido, afirma que a eleiŽ•o e consagraŽ•o deste prelado processou-se dentro das regras can•nicas (HC 9; 10) e ressalta que Gelm‰rez j• era clˆrigo, ordenado em Roma, ao ser alŽado bispo, tal como recomendavam os decretos do Lateranense I.20 Segundo a HC, Gelm‰rez procurou, durante o seu episcopado, reformar a sua diocese, tendo como principais metas a restauraŽ•o espiritual e material de sua Igreja. Assim, procurou elevar a situaŽ•o moral e econ•mica dos clˆrigos (HC I 20, 3,7); prestigiou o cabido (HC I 23); impulsionou as construŽ•es da catedral, do pal•cio e de templos paroquias (HC I 18; 19; 20; 21; 22; 32; 33, II 23; 25; 55; 57 e III 1); intensificou a atividade conciliar provincial (HC II 26; 52; 71; 78). Cabe ressaltar que a reforma da

20 A HC tampouco esquece de apontar o papel do rei na escolha de Gelm‰rez para o cargo episcopal. Cf. HC I 8, 1; 16, 1.

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diocese era s‡ um aspecto do projeto de Gelm‰rez, que tambˆm foi respons•vel por construŽ•es de albergues para os peregrinos (HC I, 30) e de um aqueduto (HC II, 54); restaurou portos da Galiza (HC I, 103); formou uma frota naval para resistir aos ataques muŽulmanos (HC II, 75 e III, 28); etc. Quando analisamos a legislaŽ•o episcopal compostelana do per‰odo, encontramos diversos elementos preconizados pelo papado e, portanto, tambˆm presentes nos decretos do I Conc‰lio de Latr•o. Assim, por exemplo, dentre a legislaŽ•o estabelecida por Diego Gelm‰rez para a sua diocese, durante os primeiros anos de seu governo, encontramos decretos que proibiam os leigos de entrar violentamente ou tomar bens das igrejas, sem a licenŽa do vic•rio do bispo (HC 96, 1); que institu‰am, na sˆ compostelana, a paz e a trˆgua de Deus (HC 96, 12-17) e que visavam a proteŽ•o f‰sica e material (bens) de mercadores, romeiros e peregrinos (HC 96, 22-23), dentre outros. 21 N•o h• uma identidade total e completa entre a legislaŽ•o e os atos de Gelm‰rez e os cŠnones do Lateranense I; isto n•o significa, porˆm, que n•o houve, durante o seu episcopado, uma preocupaŽ•o por introduzir a Reforma Gregoriana nesta diocese, mas sim, que foram selecionados aqueles elementos que, de alguma forma, estavam relacionados • realidade social vivida pelo bispado compostelano. Desta forma, tanto nos atos de Diego Gelm‰rez como em sua legislaŽ•o, encontramos uma clara preocupaŽ•o em seguir as regras can•nicas quanto a diversos aspectos: a consagraŽ•o sacerdotal; a elevaŽ•o a situaŽ•o moral e material dos clˆrigos; a ampliaŽ•o dos poderes episcopais; a eliminaŽ•o da influŒncia laica nas quest•es eclesi•sticas, a busca pela seguranŽa f‰sica e material dos leigos. N•o consideramos que a incorporaŽ•o do projeto de reforma papal pela sˆ compostelana tenha se dado de forma autom•tica e servil, ou ainda, somente em virtude dos interesses pessoais de Diego II. Incontestavelmente, a conjuntura era favor•vel: Calixto II, o papa que dirigiu o I Conc‰lio de Latr•o e concedeu privilˆgios a Sˆ Compostelana, era tio de Alfonso VII e possu‰a um especial interesse pelas quest•es hispanas e Burdino, bispo bracarense, conforme j• assinalamos, fora condenado no Conc‰lio de 1123. Entretanto, tal como ˆ poss‰vel inferir pelos documentos, a situaŽ•o do clero e dos fiˆis compostelanos carecia de uma reformulaŽ•o. A Reforma Gregoriana, independente das pretens•es pol‰ticas papais, efetivamente apresentava um modelo de Igreja que, em alguns pontos, vinha ao encontro das necessidades dos diversos bispados dispersos por toda a cristandade. Acreditamos, portanto, que houve uma apropriaŽ•o criativa, por parte da Igreja compostelana, dos preceitos ditados por Roma. Neste sentido, durante o episcopado de Diego Gelm‰rez, seguindo o modelo de Igreja proposto por Roma, no bispado compostelano a autoridade do bispo foi ampliada, apoiandose em um corpo eclesi•stico fortalecido mediante a sua restauraŽ•o moral, econ•mica e 21 Os decretos de Gelm‰rez tambˆm insistem na separaŽ•o entre leigos e clˆrigos; preocupam-se com os bens dos cativos, isto ˆ, daqueles crist•os que se encontravam como prisioneiros dos mouros; legislam sobre quest•es financeiras, como heranŽas, tributos; tratam de quest•es jur‰dicas; protegem os pobres, etc. Cf. HC 96, 2-4; 6; 8-9; 11; 20; 22; 24.

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intelectual e na luta contra os poderes laicos. Alˆm disso, como grande parte do poderio de Compostela provinha do fato desta cidade ser um centro de peregrinaŽ•o, tambˆm foram incorporados os decretos que zelavam pelos romeiros e comerciantes e institu‰am a paz e a trˆgua de Deus. Diego II, portanto, ao reformular sua Igreja, ainda que visando, fundamentalmente, o crescimento e fortalecimento da sˆ compostelana, pautou-se no programa de Reforma Gregoriana e comportou-se como o bispo idealizado pelos can•nes lateranenses de 1123, apresentados na primeira parte deste artigo.

ConclusÖo O estudo do alcance do movimento reformista na Igreja hispŠnica ainda carece de abordagens espec‰ficas e aprofundadas, especialmente no tocante as repercuss•es da Reforma Gregoriana, entre os sˆculos XI ao XIII. Este projeto de reforma, promovido pelos pont‰fices romanos, operou-se em etapas, culminando com a institucionalizaŽ•o e centralizaŽ•o de todo o corpo eclesi•stico sob a lideranŽa do papa e a definiŽ•o dos requisitos que tornariam um leigo em um fiel. ƒ principalmente atravˆs do estudo das atas e dos cŠnones dos conc‰lios realizados durante os sˆculos XI e XIII, sobretudo os lateranenses, que ˆ poss‰vel reconstruir o projeto papal para a reformulaŽ•o da Igreja e as estratˆgias para a sua implantaŽ•o. Ou seja, um conjunto de pr•ticas e representaŽ•es que visavam n•o s‡ dar sentido e legitimidade • autoridade da Igreja Romana, como tambˆm efetiv•-la no seio da hierarquia eclesial e da sociedade crist• medieval. Os decretos do I Conc‰lio de Latr•o, estudados neste artigo, representam uma s‰ntese do projeto papal em suas primeiras etapas, cujos principais pontos eram consolidar a liberdade da Igreja, eliminando a interferŒncia leiga nos assuntos eclesi•sticos; a ampliaŽ•o dos poderes dos clˆrigos sobre diversos aspectos da vida dos fiˆis; a luta contra o despotismo, a simonia e o nicola‰smo e a reorganizaŽ•o da hierarquia eclesi•stica, ampliando o poder dos bispos. Para o estudo das repercuss•es da Reforma Gregoriana no bispado compostelano nas primeiras dˆcadas do sˆculo XII, objeto de nosso estudo, empregamos a obra Hist•ria Compostelana, que n•o s‡ nos apresenta dados sobre o per‰odo, mas os interpreta sob a ‡tica oficial, visto que foi composto sob a direŽ•o do bispo Diego Gelm‰rez. A partir da an•lise da HC, constatamos que se a submiss•o de Diego Gelm‰rez • Reforma Gregoriana foi, por um lado, uma estratˆgia para o crescimento e fortalecimento da sˆ compostelana face aos outros bispados hispŠnicos, por outro, representou a apreens•o e adaptaŽ•o de um projeto eclesiol‡gico aplic•vel para a restruturaŽ•o de sua diocese. Assim, Diego Gelm‰rez ˆ apresentado na HC como um verdadeiro partid•rio da Reforma Gregoriana, instaurando, durante o seu episcopado, o modelo de Igreja proposto pelo papado.

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A Reforma Gregoriana e o Bispado de Santiago de Compostela...

Conclu‰mos, portanto, que a Reforma Gregoriana teve repercuss•es na sˆ compostelana durante o episcopado de Diego Gelm‰rez. Este bispo e seus aliados fizeram uma apropriaŽ•o criativa do projeto de reforma papal para a sua Igreja. Selecionaram e incorporaram aqueles elementos que estavam em harmonia com as necessidades vividas pelos leigos e clˆrigos de sua diocese, ao mesmo tempo em que garantiam o bom relacionamento com o papado e, fundamentalmente, ampliavam o poder do bispado de Santiago de Compostela. Logo, a repercuss•o da Reforma Gregoriana na Igreja Hispana deve ser estudada como um complexo fen•meno, no qual as representaŽ•es e pr•ticas dialogam e se interagem, levando a emprˆstimos, intercŠmbios, apropriaŽ•es e adaptaŽ•es culturais entre os diversos grupos sociais.

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Andr…ia Cristina Lopes Fraz„o da Silva

Anuario brasile€o de estudios hisp‡nicos, 10

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Andrˆia Cristina Lopes Fraz•o da Silva Hist•ria/Universidade Federal do Rio de Janeiro

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