A reforma necessária: porque e como superar o presidencialismo de coalizão

May 29, 2017 | Autor: L. Mafaldo Oliveira | Categoria: Institutional Economics, Public Choice, Electoral Systems, Governance Reforms
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A reforma necessária: porque e como superar o presidencialismo de coalizão

Lucas Mafaldo Oliveira Postdoctoral Fellow University of Ottawa September 21, 2016

1 Introdução

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2 Resumo da proposta

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3 Proposta de Emenda Constitucional

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4 Justificativa

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4.1

A questão partidária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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4.2

O sistema eleitoral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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4.3

O presidencialismo de coalizão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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4.4

Construindo a alternativa: o parlamentarismo distrital misto . . . . .

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Nota aos leitores Desejo esclarecer que esse é documento para ampla divulgação. Justamente por isso, não há aqui as provas meticulosas que precisariam acompanhar uma publicação acadêmica, mas apenas uma visão de conjunto de uma proposta que, não obstante sua praticidade, possui fortes fundamentos teóricos que poderão ser percebidos nas entrelinhas. Como estamos entrando em mais um ciclo de reforma política, decidi escrever esse documento para contribuir com a discussão. Elaborei tanto um diagnóstico sobre as falhas institucionais do nosso sistema como uma proposta de reforma especificamente planejada para ser efetiva e politicamente viável. Embora pareça ambiciosa, esta reforma apenas reune ideias que já estão em circulação e que, se combinadas, poderiam gerar um impacto extremamente positivo Devo ainda dizer que não tenho mérito exclusivo pelas ideias expostas nesse texto. Elas evoluíram ao longo de mais de um ano de discussão com colegas, amigos e ilustres desconhecidos na internet. Esclareço também que esse é um trabalho em andamento – escolhi o Leanpub como plataforma justamente pela facilidade em atualizá-lo. Quem tiver baixado o documento pelo site poderá receber as atualizações futuras por email imediatamente. Quem quiser entrar em contato para conversar ou acessar mais material sobre esse assunto poderá me encontrar facilmente nesses endereços: https://www.facebook.com/lucasmafaldo https://ca.linkedin.com/in/lucasmafaldo https://medium.com/@lucasmafaldo/ https://www.lucasmafaldo.com

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Introdução

Esse documento apresenta um diagnóstico de alguns dos principais problemas institucionais do sistema político brasileiro e propõe três reformas simples que melhorariam significativamente a política nacional. O nosso alvo é o chamado presidencialismo de coalizão. As regras do jogo político brasileiro geram profundas fragilidades na dinâmica política. Nossas instituições limitam a capacidade de pressão democrática, aumentam o custo da governabilidade e não oferecem mecanismos eficientes para a resolução de conflitos. Essas regras criam um conjunto de recompensas e punições que empurram a coordenação política em uma direção prejudicial. Conhecer os efeitos desse sistema – e corrigí-lo – é uma tarefa de suma importância. O centro do problema está em um sistema eleitoral que nega aos cidadãos um mecanismo eficiente de sanção da classe política. A ausência desse mecanismo é a verdadeira causa dos problemas de governabilidade. O presidencialismo serve como âncora temporária para essa dispersão, mas também pode se tornar um fator de instabilidade em caso de perda brusca da popularidade. O sistema possui duas marchas: paralisia ou “acordões” nos bastidores – ambas indesejáveis para o funcionamento eficiente e justo da administração pública. Com base nesse diagnóstico, elaboramos uma proposta de emenda constitucional especificamente voltada para a resolução desse problema. O conjunto das propostas supera os vícios profundos do nosso presidencialismo e devolve ao povo a capacidade da ação democrática efetiva. Note-se, ainda, que as reformas aqui descritas são extremamente pragmáticas, tendo sido planejada especificamente para serem admissível aos mais diversos grupos políticos, podendo ser aprovadas no curtíssimo prazo. 3

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Resumo da proposta 1. Reforma eleitoral: adoção do voto distrital misto. (a) O sistema eleitoral atual quebra o vínculo agente-principal entre representante e representado. A ausência desse vínculo é a razão última da falta de governabilidade, da judicialização da política e da perda progressiva de legitimidade da classe política. Basta restaurá-lo para corrigirmos as distorções que o sistema eleitoral atualmente espalha pelo sistema. (b) Existem três motivos por optarmos especificamente pelo distrital misto: i. É um sistema amplamente testado em diversos países desenvolvidos, nas mais diversas culturas (Japão, Alemanha, Nova Zelândia) e tem rapidamente se tornado a opção preferida em reformas eleitorais recentes. ii. É um sistema extremamente democrático, pois permite que a população sancione tanto os candidatos individualmente como as bancadas parlamentares. iii. É uma opção extremamente pragmática, pois, ao criar duas vias paralelas para o parlamento, ele permite que todos os políticos atuais migrem para o novo status quo – o que torna a aprovação parlamentar mais viável. 2. Reforma partidária: candidaturas independentes e redução das barreiras de entrada. (a) Fala-se muito em fragmentação política, mas o diagnóstico está equivocado: o problema real é a desvinculação agente-principal que será 4

corrigida pelo sistema eleitoral. O problema realmente grave não é o número de partidos, mas a falta de legitimidade que possuem diante da população. Certamente o fato de repetidamente ficarem em último nas pesquisas de confiança popular se deve ao complexo jogo de coligações que precisam fazer para se manter competitivos. É preciso inserir mecanismos que permitam aos partidos e políticos se reencontrarem com a sociedade civil. (b) Para isso, o caminho correto é o contrário do que tem sido feito atualmente. As últimas medidas têm visado restringir a entrada de agentes políticos (seja por cláusula de desempenho, seja tornando mais difícil a abertura de novos partidos), enquanto seria preferível abaixar as barreiras de entrada para estimular a dinâmica inter-partidária: liberar candidaturas sem partido, facilitar a criação e fusão de partidos e liberar as coligações. (c) Essas medidas são especialmente relevantes quando combinadas com as mudanças no sistema eleitoral. As coligações atuais são feitas em vista das regras eleitorais atuais. Portanto, com a reforma anterior, os partidos precisarão passar por um período de re-ajuste. A flexibilização das barreiras partidárias será extremamente útil nesse processo, permitindo novas fusões e dissidências. (d) Não é preciso, aliás, se preocupar com o número de partidos nem com fidelidade partidária. O distrital misto invariavelmente resolve esses problemas ao criar novos incentivos no topo da estrutura política – e isso é feito a um custo político mais baixo, pois não envolve a exclusão de nenhum agente ou projeto específico. 5

3. Reforma política: parlamentarismo. (a) O presidencialismo é necessário no nosso quadro institucional atual, pois o voto majoritário insere alguma previsibilidade prejudicial em meio ao caos das eleições para o legislativo (e esse é o erro profundo da PEC 09/2016: ela aumenta o poder do órgão que atualmente possui um sistema eleitoral particularmente problemático). (b) Porém, em si mesmo, o presidencialismo simplesmente não é uma boa opção de sistema de governo. Se o sistema eleitoral do legislativo estiver corrigido pelas reformas anteriores, podemos também migrar para o parlamentarismo e nos livrar das seguintes desvantagens: i. As campanhas presidenciais são caras, midiáticas e personalistas. ii. O regime de mandato fixo é rígido demais. Ele força todo o sistema político a operar em vista dos próximos ciclos eleitorais. iii. Ele exige que o único modo de remover um governante sem capacidade de continuar governando seja pelo lento e litigioso processo de impeachment. iv. Ao contrário do legislativo e executivo se fiscalizarem adequadamente, frequentemente surgem dinâmicas perversas, como paralisia durante as “crises de governabilidade” ou negociatas de bastidores durante os “acordões”. (c) Além de nos livrarmos dos problemas anteriores, o parlamentarismo traz vantagens adicionais: i. A aproximação entre executivo e legislativo naturalmente dissolve as crises de governabilidade que têm caracterizado o presidencialismo de coalizão. 6

ii. O parlamentarismo evita que o voto distrital se torne excessivamente determinado por fatores locais, já que cada representante passa a ser escolhido em vista do primeiro-ministro que irá apoiar. iii. O parlamentarismo torna evidente o movimento das bancadas parlamentares, criando a possibilidade dos eleitores sancionarem diretamente os seus blocos ideológicos preferidos. iv. As eleições se tornam muito mais programáticas, baratas, transparentes, democráticas – é, afinal, muito mais fácil criar bases locais de ativistas do que coordenar campanhas multi-milionárias em torno de um único pleito. (d) Principalmente, o parlamentarismo nos permite utilizar o mecanismo da dissolução do parlamento – uma solução muito mais democrática e rápida do que o impeachmente. Como os dois poderes são eleitos em conjunto, fica mais fácil dissolvê-los em conjunto e devolver o arbítrio da crise diretamente à população.

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Proposta de Emenda Constitucional 1. O sistema de governo do país passa a ser o parlamentarismo, com o Chefe de Governo dos três níveis da administração pública passando a ser escolhido por suas respectivas câmaras proporcionais, isto é, pelo Congresso Nacional, pelas Assembléias Estaduais e pelas Câmaras Municipais. (a) O Chefe de Governo será escolhido na primeira sessão parlamentar, entre os líderes parlamentares que obtiverem a maior pluralidade de votos entre seus pares. (b) As câmaras continuam operando em mandatos de 4 anos, mas podem ser dissolvidas previamente em caso uma moção de desconfiança, entregando seus respectivos mandatos em conjunto com o Chefe de Governo, e com convocação imediata de novas eleições. (c) Na primeira sessão de cada mandato, cabe à câmara escolher um de seus membros como Chefe de Governo, assim como substituí-lo em caso de renúncia ou impedimento por força maior. 2. O Senado Federal não participará da eleição do Chefe de Governo para que a Câmara Alta adquira um papel estabilizador, não sendo passível de dissolução pela moção de desconfiança. 3. Cada câmara proporcional passa a funcionar segundo o sistema distrital misto, adaptado de acordo com os seguintes critérias: (a) Todas as câmaras, exceto os municípios com menos de 160 mil habitantes, passam a possuir dois tipos de representantes, divididos na seguinte proporção: os representantes distritais terão 2/3 das vagas e os representantes proporcionais terão 1/3 das vagas. 8

(b) Os municípios com menos de 160 mil habitantes terão apenas representantes distritais, para evitar eleições proporcionais com margens irregulares. (c) As câmaras com dois tipos de representantes passam a ter um novo piso de 33 representantes, pelo mesmo motivo da regra anterior, e devem adotar um número divisível por três para manter a mesma proporção entre vagas distritais e proporcionais. (d) Cada eleitor possui o direito a dois votos, realizados em sequência, que são avaliados de modo inteiramente independente: o primeiro vai para a vaga distrital; o segundo, para as vagas proporcionais. (e) Os representantes distritais são escolhidos pelo voto majoritário em turno único, com um representante por distrito. A vaga é pessoal e intransferível, de modo que, em caso de impedimento, o distrito em questão terá uma nova eleição para complemento do mandato. (f) Os representantes proporcionais são escolhidos por voto em lista fechada, unificada para o pleito em questão, com o líder de cada legenda ocupando o topo de sua lista. A vaga é da legenda e, em caso de impedimento, é transferida para o membro seguinte da lista. (g) Os partidos mantêm os direitos de auto-organização e de fazer coligações. Porém, caso seja feita uma coligação para determinado pleito, eles precisam criar uma lista ordenada única para cada disputa eleitoral. (h) Os políticos podem se candidatar simultaneamente aos dois tipos de cargos. Caso sejam eleitos para a vaga distrital, devem abrir mão do seu lugar na lista proporcional. (i) Cada lista proporcional deve conter um número de candidatos que não 9

estejam também disputando cargos distritais equivalente a 120% das vagas em disputa para que haja um número suficiente de suplentes e para que esses possam ser facilmente reconhecidos pelos eleitores. (j) Candidatos sem partidos podem se candidatar a qualquer cargo – tanto isoladamente nos distritos, como criando uma legenda própria –, mas não terão acessos aos recursos públicos disponibilizados aos candidatos partidários. (k) O caso do Congresso Nacional requer uma redistribuição das cadeiras, já que a casa passará a ter um peso maior na determinação do executivo. Recomenda-se o novo conjunto de regras: i. Para impedir o surgimento de bancadas contraditórias e barreiras matemáticas distintas, as vagas proporcionais deixarão de ser distribuídas por estado e passarão a ser disputadas nacionalmente. Portanto, 171 cadeiras passarão a ser ocupados pelo sistema do voto em legenda com lista fechada. ii. As demais 342 serão periodicamente redistribuídas de acordo com a população de cada estado, com um representante por distrito eleitoral. iii. Como o número total de vagas distritais será menor, o número mínimo de vagas por estado também será reduzido, passando a um mínimo de seis distritos eleitorais. iv. Complementarmente, o teto de vagas será abolido, posto que São Paulo atualmente é o único estado afetado pela medida. v. Embora essa divisão não gere uma perfeita proporcionalidade, ela gera um equilíbrio maior do que o atual e poderá ser aprimorada 10

posteriormente. 4. A moção de desconfiança (a) Ao contrário do impeachment, a moção de desconfiança não remove apenas o Chefe do Executivo, mas convoca também novas eleições gerais para todo o parlamento em questão. (b) Em caso de uma moção de desconfiança, cabe ao senado indicar um líder interino que fique no máximo dois meses no cargo enquanto as novas eleições são convocadas. Durante esse período, o líder provisório deve ter poderes limitados e circunscritos pelo Senado. (c) Esse procedimento pode ser ativado a qualquer momento, sem necessidade de justificativa judicial. i. Por 2/3 dos votos da câmara em questão. ii. Por requisição do próprio Chefe de Governo. iii. Por um plebiscito de destituição. iv. Por impasse definitivo em aprovar orçamento ou legislação crítica.

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Justificativa

4.1

A questão partidária

1. Há um erro de diagnóstico ao associar fragmentação partidária e governabilidade: (a) Embora o número de partidos possa contribuir marginalmente para a dificuldade de tomada de decisões, ele certamente não é suficiente para explicar as sucessivas crises de governabilidade. Existem inúmeros países com sistemas proporcionais que funcionam com notável estabilidade. O problema está na falta de accountability e não no número de partidos. Como os partidos não correspondem a núcleos programáticos claros, o seu comportamento se torna relativamente imprevisível. Note-se, por exemplo, que as bancadas parlamentares geralmente são transpartidárias e informais, denunciando que o problema não é o número de partido, mas a falta de agência política dos partidos. (b) A ausência de accountability não apenas causa a falta de governabilidade como gera problemas muito mais sérios. A governabilidade é o problema do chefe do executivo – o problema do eleitor é que ele não se sente vinculado ao seus representantes. Os partidos são repetidamente as instituições menos confiadas pelos brasileiros, seguidos de perto pelo próprio legislativo. Essa falta de legitimidade é um grave sinal para qualquer democracia e possível prenúncio de sérias crises constitucionais. (c) Mesmo se aceitarmos a hipótese de que o número atual de partidos é excessivo, precisaríamos compreender as causas que leveram a esse número ao invés de buscar simplesmente restringir o efeito. Portanto, 12

mesmo no nível puramente quantitativo, o diagnóstico de “fragmentação partidária” é fraquíssimo. 2. Precisamos de um modelo que explique o aumento dos partidos antes de tentar restringir artificialmente seu número. E temos modelos desse tipo: é um lei antiga da ciência política que sistemas proporcionais geram a multiplicação de partidos até que esbarrem em algum limite natural – seja matemático, seja em sua base orgânica de apoio social. 3. A combinação entre o número de partidos e o grau de rejeição aos partidos indica que há um problema sistêmico em nosso país: os partidos estão crescendo desconectados de suas bases orgânicas. Precisamos explicar isso pelo lado da oferta (porque os agentes políticos criam partidos) e do lado da demanda (porque os eleitores votam nos novos partidos). 4. O lado da oferta é simples: (a) a autonomia administrativa faz com que os partidos possam ser controlado por cúpulas partidárias, o que significa que é possível “ter” um partido; (b) a impossibilidade de candidaturas sem partido, transformam os partidos em veículos necessários para qualquer projeto político, isto é, se você não “tiver” seu partido, você não terá possibilidade de se candidatar; (c) uma série de ganhos acessórios – fundo partidário, tempo de horário eleitoral – tornam ainda mais vantajoso possuir sua própria “firma política”; 5. Com essa série de incentivos em jogo, devemos esperar que agentes racionais irão criar novos partidos continuamente enquanto houver demanda – votos 13

suficientes eleger candidatos – para tanto. É nesse ponto que hipótese de Duvenger pode ser complementada pela Public Choice: quanto mais proporcional for o sistema, mais segmentada será a demanda e mais partidos serão formados. 6. Porém, o que é curioso no caso brasileiro, é que o sistema não tem gerado partidos que atendem satisfatoriamente às demandas da população – pelo contrário, os eleitores se encontram cada vez mais decepcionados com a política, expressando desejo de renovação. É por isso que o fenômeno que requer explicação é a falta de legitimidade e não o número de partidos. 7. O diagnóstico é simples: o sistema eleitoral brasileiro não funciona. Não é apenas o lado da oferta que determina o número de partidos, mas também o lado da demanda: o voto dos eleitores. Para que o número partidos cresça sem um concomitante crescimento da representatividade, é preciso que o voto tenha deixado de ser um mecanismo eficiente para os eleitores expressarem suas preferências. 8. Note-se ainda que não há motivo teória para um determinado número de partidos quebrar a capacidade de coordenação política. Com um sistema eleitoral que funcionasse, poderíamos ter até duzentos partidos sem problema, pois eles representariam duzentos grupos sociais – duzentas constituencies ou social cleavages – identifáveis. Como eles teriam uma identidade clara, sua dinâmica parlamentar se tornaria previsível o suficiente para minimizar as negociações parlamentares. Sem essa previsibilidade, o número de partidos pode despencar e a as negociações continuarão difíceis. 9. É por isso que não há atalho: o problema partidário se resolve com reforma 14

eleitoral. Precisamos de accountability no sistema. Precisamos restaurar o vínculo agente-principal para que os partidos estejam enraízados em bases orgânicas. 10. Algumas tentativas de atalhos que não funcionam: (a) Criar barreiras à criação de novos partidos é tratar o sintoma pela metade e deixar a doença solta. Como qualquer reservar de mercado, a barreira simplesmente aumenta o valor de estar dentro da reserva – com o tempo, surgirão novos participantes dispostos a cobrir o preço da entrada. (b) Uma proposta que ganhou fôlego do debate público é o fim do fundo partidário. Há algum mérito na medida, já que excluiria do jogo os partidos que não conseguem se manter com doações dos seus militantes. Porém, além de ser dificílima de aprovar, ela não eliminaria os vários outros incentivos – tempo de televisão, a possibilidade de costurar coligações locais, a necessidade de ter um partido para atuar na política – que manteriam a fragmentação ocorrendo (embora certamente em ritmo reduzido). (c) Há também quem advogue forçar os partidos a adotar uma maior democracia interna, diminuindo o poder das cúpulas partidárias sobre os partidos. Embora a intenção seja boa, é difícil imaginar como isso poderia ser operacionalizado. Os partidos certamente iriam se opor violentamente a qualquer tentativa de interferência em suas suas dinâmicas internas – o que é bastante compreensível. Em termos de estruturas de incentivos, essa medida é a mais eficiente – por tocar em uma causa-raíz, a “privatização” dos partidos –, mas é exageradamente complicada, pois empurra a democracia para dentro dos partidos ao invés 15

de restaurá-la no processo eleitoral. 11. É fácil perceber como todas essas medidas falham por não tocar no sistema de incentivos que está causando a dispersão partidária: o sistema eleitoral. É aqui que o nexto oferta-demanda da política está desconectado. 12. O que não quer dizer que reformas partidárias não sejam importantes, mas o caminho contrário é preferível: liberalizar os canais de entrada na política. A PEC 06/2015 do Senador Reguffe é uma grande iniciativa: ela permite a candidatura desvinculada de partidos, o que é um excelente mecanismo para facilitar a competição democrática. 13. Em conclusão, o que precisa ser feito para aprimorar o cenário partido é reformar o sistema eleitoral e flexibilizar a formalização de candidaturas e partidos. Com um sistema eleitoral mais racional, a demanda popular se tornará o principal árbitro do tamanho de cada bancada. Resolvido esse problema, é importante que as regras partidárias sejam flexíveis, pois os políticos certamente precisarão refazer suas alianças para lidar com o novo cenário – já que, atualmente, as coligações são principalmente um efeito secundário de um sistema insano. 14. Em resumo, com um sistema eleitoral que permita que o povo sancione diretamente a classe política, o número e o tamanho de partidos irá flutuar diretamente de acordo com as preferências da população – o que é, afinal, a solução mais transparente e democrática ao problema da governabilidade.

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4.2

O sistema eleitoral

1. O principal problema do sistema político brasileiro está nas regras eleitorais para os pleitos proporcionais. Nós adotamos uma combinação extremamente complexa de regras – lista aberta, distritos variáveis, coligações multipardiária, calendário eleitoral justaposto – que quebram o vínculo de accountability entre representante e representado. A quebra desse vínculo gera as distorções que contaminam todo o sistema – o que veremos na seção seguinte – e que causa o problema da fragmentação partidária. Portanto, a restauração eleitoral é o ponto central de qualquer reforma política. 2. Embora os partidos sejam criticados por serem “fisiológicos” e “idologicamente inconsistentes”, é preciso compreender que eles são forçados a serem assim pelas regras do jogo eleitoral. O argumento é simples: os partidos não sobrevivem sem votos; se o sistema eleitoral recompensasse partidos programáticos, estes se tornariam dominantes. 3. Há dois grandes tipos de accountability: pessoal (geralmente mais comum em sistemas majoritários) e ideológica (geralmente mais comum em sistemas proporcionais). Os brasileiros adotaram um nó institucional que não gera nenhum dos tipos de responsabilidade adequadamente. 4. Essa distorção se deve à combinação entre os seguintes elementos: (a) Dependendo do número de vagas por pleito, o sistema eleitoral gera bareiras matemáticas distintas: para deputado federal, é preciso de 2% em estados grandes e 12% em estados pequenos, enquanto cargos majoritários exigem 50%. Essa variação exige estratégias inteiramente distintas (por exemplo: procurar um nicho em um caso, buscar o eleitor 17

mediano no outro). (b) A justaposição dos pleitos estaduais e nacionais forçam os partidos a lidar também com contradições políticas (a base orgânica – constituency – municipal de um partido pode apoiar um projeto político diferente do que a direção nacional pretende fazer). (c) O sistema de lista aberta também recompensa partidos sem identidade ideológica. Ao lançar candidatos inconsistentes, o partido tem acesso a eleitores com diferentes ideologias, enquanto o “partido puro sangue” constrange a própria base de apoio a uma parcela menor do eleitorado. (d) Essas tensões contraditórias explicam porque os partidos se apegam tanto ao mecanismo da coligação: embora seja confuso para os eleitores, esse mecanismo é a única maneira de lidar com tantas contradições. Paradoxalmente, as coligações até ajudam os partidos a manter sua identidade, pois eles podem empurrar as incoerências para dentro da coligação, mantendo uma consistência interna razoável. Acabar com as coligações e manter as forças dispersivas anteriores apenas empurrarão as distorções para dentro dos partidos. (e) Porém, o mecanismo das coligações também é negativo para os próprios partidos no longo prazo. Os partidos são constrangidos a diluir a própria identidade, pulverizar o impacto dos votos da sua base e assumir um “ônus de reputação” por ter que se aliar constantemente com opositores. (f) Essa combinação de incentivos impede que esse jogo seja alterado eleitoralmente: os partidos que não entram no jogo sofrem perdas eleitorais significativas e se tornam minoritários. Nenhum novo partido poderá resolver esse problema, porque a incoerência ideológica é um 18

efeito do sistema e não uma decisão dos próprios agentes. 5. Há uma tensão entre accountability (sanção pessoal) e representatividade (diversidade ideológica). Nosso sistema eleitoral consegue falhar nas duas frentes. 6. Por que a responsabilidade pessoal não funciona? (a) Nossa combinação de regras tornam as legendas tão opacas que o eleitor “personaliza” o voto (“esse é meu vereador”). Porém, a personalização subjetiva do voto não muda o fato de que ele continua objetivamente sendo um voto em legenda – e em uma legenda que não foi conscientemente analisada pelo próprio eleitor, inserindo um elemente de imprevisibilidade em cada pleito. (b) Há um argumento de que o voto em lista aberta (onde a ordem é definida pela quantidade pessoais de votos) “aproveitaria” essa personalização do voto. Mas esse possível efeito benéfico depende inteiramente da quantidade de vagas em disputa. Se as listas fossem relativamente curtas, haveria a possibilidade do eleitor examinar pessoalmente os candidatos. Porém, o nosso sistema gera listas com dezenas de candidatos mesmo nos estados pequenos, chegando facilmente a centenas de candidatos por lista nos estados grandes. O volume torna a barreira cognitiva tão elevada que não há possibilidade dos eleitores seriamente considerarem o efeito do seu voto mesmo no nível puramente pessoal – portanto, sem nem mesmo entar em questões como o conhecimento de policy ou de posições ideológicas. (c) A combinação entre lista aberta, coligações e distritos gigantescos 19

tornam as margens de vitória minúsculas. Esses margens pequenas efetivamente impedem o voto de funcionar como sanção negativa, isto é, não adianta tentar “votar contra”, porque o oponente precisa apenas de uma fração de apoio para vencer as eleições. (d) Como as margens são muito pequenas, o sistema seleciona por fatores indesejáveis: exposição midiática, “name recognition” e apoio de nichos fiéis e radicais. Tanto os candidatos moderados como os candidatos que representam grandes blocos ideológicos são prejudicados. (e) Em resumo, perdemos a vantagem do sistema majoritário (sanção pessoal que possa aumentar a qualidade individual dos membros da classe política) e terminamos com um corpo político repleto de candidatos de nicho. 7. Por que a representatividade não funciona? (a) Embora o sistema proporcional não seja eficiente em gerar sanções pessoais, ele supostamente deveria gerar sanções ideológicas ou partidárias fortes, isto é, o parlamento deveria ser compostos de blocos ideológicos cujo poder relativo flutaria de acordo com as eleições. Esses blocos ideológicos, por sua vez, teriam consistência suficiente para excluir os candidatos pessoalmente indesejáveis por conta própria para manter a consistência do bloco. Portanto, são duas vias distintas de accountability teoricamente possíveis (b) A combinação de regras discutida anteriormente também impede que isso ocorra nas eleições brasileiras. A difusão ideológica das coligações é tão grande – e necessária com esse conjunto de regras – que os eleitores não podem pressionar diretamente os blocos ideológicos. 20

(c) Esse elemento – e não o número de partidos – explica a dificuldade de garantir a governabilidade: como as bancadas parlamentares deixam de surgir diretamente das urnas, elas perdem a responsabilidade diante dos eleitores. A accountability dos sistemas proporcionais – onde o voto não pode ser usado como veto como nos sistemas majoritários – surge principalmente do fato de que os partidos precisariam agir de modo consistente com suas bancadas ideológicas. Entre as eleições, duas coisas ocorrem: os blocos de preferência da população se movem e as bancadas são julgadas pela fidelidade ao bloco que as elegeram. Na eleição seguinte, supostamente com um processo eleitoral com um bom Índice de Gallagher (que mede se as bancadas possuem um número de cadeiras próximo do número real de votos), o tamanho de cada banca varia de acordo com seu apoio real na cultura. Essa perspectiva futura de sanção eleitoral retroage no comportamento presente dos parlamentares e instaura racionalidade na coordenação política. Trata-se também de uma dinâmica benéfica ao debate público, pois há blocos programáticos bem delimitados que são julgados de acordo com o movimento da opinião pública. (d) A mera descrição da lógica proporcional deve ter convencido o leitor de que isso é impossível no sistema brasileiro: os eleitores não tem a oportunidade de votar em bancadas ideológicas claras, pois nem os partidos e nem as coligações correspondem a esses blocos. As bancadas parlamentares – os agentes efetivos da política – são formadas informalmente e depois das eleições. Essa conexão simplesmente não existe.

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8. Em suma, não temos nem a vantagem do sistema proporcional, nem a vantagem do sistema majoritário. O sistema eleitoral força a diluição ideológica, selecionas candidatos de nicho e sem propostas globais, não consegue selecionar por qualidade individual e fragiliza o vínculo entre representante e representado. 4.3

O presidencialismo de coalizão

1. A opção pelo presidencialismo vem com o ônus típico do sistema: (a) A campanha direta – majoritária e em dois turnos – provoca uma forte personalização do pleito: o carisma do candidato se torna quase tão importante quanto o partido ou as propostas. (b) Essa relativa personalização tende a gerar uma estabilidade excessiva: políticos de cargos majoritários tendem a ser reeleitos (a vantagem do incumbente), o que pode esticar um projeto político além da sua base real de apoio na sociedade. (c) O mesmo fator opera na direção contrária: a mesma personalização da campanha majoritária que faz alguém ser apoiado pela maioria da população, também faz o nível de rejeição se aproximar da outra metade dos eleitores. Essa dependência individual – somado à choques externos à política, como uma queda brusca da atividade econômica – gera súbitos períodos de instabilidade excessiva, onde projetos políticos que poderiam contar com apoio suficiente da população podem ser descontinuados pela queda de um líder em particular. (d) No caso do Brasil, um país com dimensões continentais e um mercado de mídia relativamente fechado, o presidencialismo torna o aspecto 22

midiático e financeiro das campanhas fortíssimos. (e) Há, contudo, uma grande vantagem no sistema: as eleições majoritárias são, por natureza, as mais transparentes possíveis (todos sabem quem é o candidato que estão efetivamente votando). Além disso, a opção em dois turnos facilita com que candidatos de partidos menores possam desafiar as grandes estruturas partidárias. É possível que o parlamentarismo tenha sido rejeitado até então porque – com todos os defeitos do presidencialismo – os eleitores não querem abrir mão da única parte do sistema onde há uma grande dose de previsibilidade entre suas decisões e os resultados políticos – e, por isso, seria criminoso adotar o parlamentarismo sem paralelamente ajeitar também o mecanismo eleitoral. 2. Em meio a todas essas desvantagens, há quem ainda se apague ao pesidencialismo por julgar importante existir um mecanismo de “pesos e contrapesos” para conter a expansão estatal. Porém, esse argumento também é frágil: há uma distância enorme entre a ideia e a execução da tripartição de poderes. (a) A justificativa mais comum para o presidencialismo é que uma seperação rígida entre os poderes permitiria que eles se fiscalizassem mutuamente. Porém, mais importante do que a capacidade de sanção entre poderes é a capacidade da população fiscalizar o estado como um todo – o que o sistema eleitoral brasileiro impede que ocorra com eficiência nas eleições proporcionais, gerando efeitos globais negativos no sistema. (b) Além disso, mesmo a noção de “pesos e contrapesos” depende mais de mecanismos específicos embutidos no sistema do que da mera declaração 23

normativa de que o sistema deveria funcionar desse modo. No sistema americano, por exemplo, essa característica existe por causa de inúmeros mecanismos de veto embutidos na “engenharia institucional” do país. (c) A ultraproporcionalidade do nosso legislativo é suficiente para impedir que o nosso sistema se assemelhe ao americano. A proliferação inevitável de mini-bancadas torna impossível surgir uma maioria organizada contra o governo. (d) O outro lado da moeda é que as bancadas governistas também não formam maioria sólidas. É essa combinação entre presidencialismo e legislativo pulverizado que gera o presidencialismo de coalizão: o governo é formado após as eleições e não durante o processo eleitoral. (e) Por causa dessas características, ao invés dos dois poderes se fiscalizarem, eles tendem a cooperar em uma operação contínua. Ao invés de termos partes do estado se fiscalizando, temos o estado todo agindo em bloco, em um sistema onde a capacidade de ação dos eleitores é extremamente pulverizada por um sistema eleitoral confuso – assinalando que a tese do Faoro do estamento burocrático permanece tão relevante quanto sempre. 3. A dinâmica da governabilidade brasileira: (a) Embora o governo opere em regime de coalizão, essa não é uma coalizão entre iguais: cada pólo dessa operação possui um conjunto diferente de restrições. (b) O executivo é, de longe, quem controla mais recursos. Por também ser o único poder que pode ser controlado efetivamente por um único grupo, o executivo se torna o ponto focal de onde emergem as negociações

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pós-eleições – ele é o maestro da governabilidade. (c) Por outro lado, embora o legislativo não tenha a mesma consistência enquanto agente unitário (por ser composto de várias bancadas repletas de contradições internas), o poder legislativo é relativamente menos constrangido pela opinião pública. Além do peso da imagem recair mais fortemente no líder do executivo, os legisladores podem se aproveitar do sistema de lista aberta para sobreviverem mesmo com uma fração da opinião pública ao seu lado, após uma eventual “queda em desgraça”. O executivo, por outro lado, precisa ficar de olho na rejeição popular, pois não sobrevive a um novo enfrentamento majoritário caso seu nível de rejeição escape do controle. (d) Essa dinâmica faz com que os partidos com pretensões majoritárias tenham mais poder de empurrar publicamente as políticas, enquanto os que possuem atuação mais forte no parlamento exerçam um tipo de poder mais indireto – mas nem por isso menos influente. (e) Novos projetos políticos – sejam novas candidaturas, sejam novos partidos – não podem mudar a natureza dessa dinâmica. Cada novo operador será apenas mais um elemento desse equilíbrio, ajudando-a a empurrá-lo em determinada diretação. O equilíbrio em si mesmo continuará um complicado jogo de alianças e negociações com pouquíssima sanção direta da população. 4. O processo de impeachment. (a) A combinação entre presidencialismo e fragmentação de bancadas no legislativo torna o impeachment uma constante possibilidade, pois dificilmente o partido que domina a presidência terá sozinho o terço dos 25

votos necessários para bloquear a medida. Note-se que o contrário também não é desejável: um presidencialismo bipartidário significa que nem os presidentes que merecem ser impedidos provavelente o serão. Portanto, o impeachment é um mecanismo inconveniente tanto nos sistemas majoritários quanto proporcionais. (b) Pela sua própria natureza, o processo de impeachment precisar ser lento e estreitamente regulamentado. Como ele remove apenas uma das peças do poder, ele pode ser convertido em arma política, alterando a balança de forças em uma direção contrária às preferências da população. O impeachment não pode ser comparado aos mecanismos que dissolvem o parlamento, porque, neste segundo caso, a classe política inteira é renovada. Logo, as novas eleições podem ser convocadas com maior frequência e com menor exigência jurídica, porque o próprio povo poderá refazer a escolha total em relação ao jogo de forças. O impeachment, por outro lado, é uma alteração nesse esqueme tensional e, portanto, requer um grau consideravelmente mais elevado de proteções jurídicas para realizar o mesmo objetivo de proteger as preferências populares. (c) Essa característica do presidencialismo proporcional é muito problemática: o impeachment é relativamente fácil de ser ativado, mas extremamente desgastante de ser processado. O mecanismo de convocação de novas eleições – o recall – seria realmente muito superior como método de resolução de crises políticas. (d) Porém, não é fácil adotar um sistema de convocação de eleições dentro do presidencialismo. A própria lógica do sistema está estreitamente atrelada ao regime de mandatos fixos: há um calendário unificado 26

nacionalmente, com alianças complexas em cada pleito. Convocar eleições gerais abala os projetos de diversos agentes – os quais, por terem sido eleitos por processos significativamente distintos, terão bons argumentos para não se envolverem em um recall coletivo. Por outro lado, caso o recall seja concentrado em único cargo, voltamos ao mesmo problema que leva à judicialização do impeachment: o risco do instituto se tornar uma arma política, ao se voltar exclusivamente sobre uma das peças no jogo de forças. (e) Também nesse sentido o parlamentarismo se revela superior: como os dois poderes são eleitos em conjunto, a lógica eleitoral se torna inteiramente distinta. Passa a se tornar esperado que os dois poderes serão dissolvidos simultaneamente, o que diminui a tendência em considerar a decisão como arbitrária ou enviesada em favor de um grupo político. Além disso, a expectativa de que não hajam mandatos com tempo fixos indiretamente diminui o peso das justaposição de pleitos regionais e nacionais, o que também ajuda a dissolver as tensões com esse encurtamento do mandato. Trata-se, portanto, de um mecanismo mais democrático, mais rápido e mais transparente. Por isso, ele pode ser ativado com mais frequência a um custo social mais baixo, permitindo que os países que optaram pelo parlamentarismo saiam das crises de governabilidade com mais presteza – uma característica que, olhando para os últimos dois anos da política nacional, não há como não provocar uma pontada de inveja.

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4.4

Construindo a alternativa: o parlamentarismo distrital misto

1. A proposta de emenda constitucional deste documento foi especificamente elaborada para ser adotada em conjunto, pois é a combinação entre estas regras que altera a lógica atual do sistema. 2. Ao elaborar essas proposta, nós procuramos atender os seguintes critérios: (a) Nada de reformas minúsculas que não tocam na essência da questão e terminam gerando novas distorções. O objetivo desse projeto é provocar uma melhora significativa em nosso arranjo institucional. (b) Procuramos identificar o mínimo possível de novas regras que gerariam o máximo de efeitos positivos. Embora certamente seja possível encontrar medidas adicionais excelentes, nosso objetivo foi manter o projeto leve para facilitar sua difusão. (c) Procuramos identificar um sistema que corrigisse diretamente os problemas identificados no diagnóstico anterior: aumentar o poder de sanção do voto e facilitar a coordenação política. (d) Adotamos também como critério que esta fosse uma reforma pragmaticamente viável – não há nada aqui incompatível com a cultura política atual, com a organização partidária deste momento ou que represente um risco existencial para algum projeto político. A reforma altera os incentivos centrais do sistema, mas oferece também caminhos para que diversos grupos políticos migrem para o novo status quo. (e) Essa reforma não está atrelhada a um projeto político específico, mas torna mais transparente e democrático a disputa entre os projetos políticos. Portanto, no dia seguinte após a reforma, a luta política 28

continuará, mas será disputada em um campo de batalha que tornará mais claro para a população o que está realmente acontecendo – o que, portanto, irá beneficiar todos os projetos que são realmente positivos para o futuro do país. 3. Os pontos centrais da reforma são os seguintes: (a) A adoção do voto distrital misto, para restaurar o vínculo representante-representado. (b) A adoção do parlamentarismo, por tornar a coordenação política mais eficiente e os ciclos eleitorais potencialmente mais frequentes. (c) A flexibilização das barreiras de entrada na política, para dinamizar a vida partidária. 4. As razões da opção pelo distrital misto: (a) A opção pelo distrital misto oferece uma solução de consenso: o distrital simples privilegia candidatos com forte base local, enquanto a lista fecha privilegia partidos com identidade de nicho. A última reformou terminou com um impasse entre os dois sistemas. O distrital misto equilibra as características das duas propostas e cria uma síntese superior às partes. (b) O distrial misto mantém a proporcionalidade do sistema, que é algo muito importante para a cultura brasileira, acostumada com vários centros de poder (ao contrário do parlamentarismo inglês, mais marcadamente bipartidário). Porém, ele também cria uma proporcionalidade disciplinada pelas urnas, pois os eleitores passam a votar diretamente nas bancadas – e não em um complicado sistema indireto de coligações. Desse modo, restauramos a previsibilidade do 29

comportamento das bancadas que, como vimos anteriormente, é o principal obstáculo à governabilidade no sistema atual. (c) O distrital misto, por ter como base o voto distrital, restaura também a capacidade de sanção pessoal, de “votar contra”, que é importantíssima para melhorar a qualidade do corpo político, tanto em termos de ética quanto de competência pessoal. Além disso, ele abaixa enormemente o custo das campanhas e recompensa os grupos com ativismo de base. Por fim, sua única desvantagem – recompensar campanhas sem projetos nacionais – é evitado se for combinado com o parlamentarismo. 5. O funcionamento do distrital misto: o voto paralelo. (a) Existem diferentes modos de operacionalizar esse tipo de sistema eleitoral. Recomendamos o voto paralelo por ser o mais simples e por manter o máximo de proporcionalidade (o que é especialmente relevante dado o estado atual de fragmentação política). (b) Cada parlamento é divido em dois tipos de representantes; cada tipo é eleito por um tipo de voto (distrital e proporcional); cada eleitor vota duas vezes, em sequência, em um tipo de representante; o representante distrital é escolhido em pleito majoritário e o representante proporcional pelo voto em legenda com lista fechada. (c) Uma decisão importante é escolher a proporção entre os dois tipos de representantes. Recomendamos 2/3 para os distritais e 1/3 para os proporcionais. Esse é um sistema mais proporcional do que a média (que geralmente atribui apenas algo entre 18% e 25% para as vagas proporcionais), o que consideramos preferível para não forçar uma redução brusca no número de partidos. 30

(d) Esse sistema também nos confronta com a necessidade de repensar a distribuição de vagas por estados. Nossa proposta fez as seguintes considerações: i. A sugestão mais ousada é propor que o voto em lista seja nacional. Como o Brasil é enorme e há muitas dinâmicas regionais distintas, a existência de legendas nacionais compensa a nossa forte tendência à regionalização dos votos. As bancadas terão que fazer propostas nacionais e resolver seus problemas de coordenação interna antes das eleições – o que talvez seja difícil para os partidos, mas é muito mais transparente para os eleitores e, principalmente, irá gerar um parlamento nacional mais coeso. ii. Como o parlamento passará a eleger o Chefe do Governo, é esperado que São Paulo se oponha a esse reforma por ser o estado mais subrepresentado no Congresso Nacional – o que se torna uma questão ainda mais legítima com essa reforma. Recomendamos, portanto, que seja abolido o teto dos 70 deputados no cálculo da distribuição das vagas federais, para tornar a situação mais isonômica. iii. No mesmo sentido, propomos também reduzir de 8 para 6 o número mínimo de deputados federais por estado. Ainda haverá alguma distorção, mas será agora significativamente menor. Além diso, o senado permanecerá como instância de proteção dos entes menos populosos da federação. iv. Por outro lado, adicionamos uma sugestão que pode parecer curiosa à primeira vista: aumentar o piso de representantes nas câmaras com sistema misto para 33 representantes (22 distritais e 11

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proporcionais). O motivo é criar uma barreira matemática unificada ao longo do país (cerca de 10%) o que torna desnecessário a criação de cláusulas de desempenho e, principalmente, retira um dos principais incentivos para estratégias contraditórias – e, portanto, para a geração de partidos sem identidade ideológica. v. Como 33 representantes possivelmente seriam custosos demais para os municípios pequenos, propomos que as cidades com menos de 160 mil habitantes adotem o distrital simples. vi. É importante que caiba ao TSE, seguindo critérios do IBGE, a delimitação dos distritos, para minimizar a politização dessas decisões – um problema dos distritos eleitorais que já é bastante suavizado pelo voto paralelo, mas que pode ser ainda mais atenuado se o órgão responsável estiver mais distante da política partidária. 6. A opção pelo parlamentarismo (a) Embora o Congresso Nacional atualmente goze de pouca confiança da população, o fracasso das tentativas anteriores de implementar o parlamentarismo se deve ao fato de que a regra eleitoral atual não transmite confiança à população. Com o distrital misto, o voto no legislativo voltará a ter poder de sanção direta e a confiança no legislativo será retomada. Estará aberto, portanto, o caminho para nos livrarmos do ônus do presidencialismo discutido anteriormente. (b) Notem que, mesmo para os atuais “presidenciáveis”, o parlamentarismo com o novo sistema eleitoral será positivo. No sistema atual, a campanha para a presidência é um jogo de tudo-ou-nada que, mesmo para os vencedores, termina com uma base parlamentar esguia e a necessidade de 32

construir uma coalizão instável. Com essa reformas, os antigos presidenciáveis se tornarão os líderes das listas fechadas e terão uma base significativamente maior no parlamento – tornando-se líderes do governo ou da oposição. Portanto, o novo sistema irá conferir muito mais influência para os políticos capazes de mobilizar grandes parcelas da população – o que certamente é uma característica desejável em qualquer sistema democrático. (c) Há um receio compreensível em relação parlamentarismo: ele realmente tende a gerar governos que se movem com mais rapidez. Isso realmente ocorre, mas é exatamente o que precisamos nesta conjuntura. A paralisia típica do presidencialismo não é interessante quando já temos um estado inchado e desesperadamente necessitado de reformas. No presidencialismo, as reformas são lentas demais, pois envolvem um lento jogo de bastidores. No parlamentarismo, surge um mandato claro das urnas e um governo com a capacidade de colocá-lo em prática. Dará sempre certo? Claro que não. Porém, esse sistema traz o debate de políticas públicas para dentro do processo político ao invés de deixá-los nas sombras das articulações entre bancadas. Todos os grupos que possuem projetos claros e objetivos têm a ganhar com a mudança do holofote em direção aos programas de governo. O movimento mais rápido do parlamentarismo é recompensado pelos dois fatores discutidos anteriormente: (i) o novo sistema eleitoral aumenta o poder do povo sobre esse movimento; (ii) o mecanismo de dissolução do parlamento permite que as trajetórias sejam corrigidas mais rapidamente. (d) A opção pelo parlamentarismo também está relacionada com o nosso

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desejo de separar as dinâmicas regionais e nacionais, que atualmente forçam os partidos em alianças contraditórias. O federalismo canadense, nesse sentido, é um exemplo salutar: como os calendários eleitorais são inteiramente separados, não há essa constante mistura entre os níveis administrativos e a concomitante contradição ideológica causada por coligações casuísticas. (e) Por fim, uma grande atratividade do parlamentarismo é a flexibilidade do sistema. O novo sistema eleitoral torna factível candidaturas sem partido, o que incentiva a renovação política. Além disos, a moção de desconfiança – a possibilidade de abreviar os mandatos e convocar novas eleições – oferece um mecanismo de aceleração dos processos de reajustes democráticos. Essa reciclagem mais frequente dos mandatos dissolve as tensões políticas e aproxima a população do debate político. 7. Em resumo, é difícil exagerar o impacto desse conjunto de medidas. Elas significam nada menos do que restaurar o processo de auto-aprimoramento democrático. Poucas reformas seriam tão benéficas para a trajetória institucional da nação.

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