A REGULAÇÃO AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

June 16, 2017 | Autor: C. Gurgel da Silva | Categoria: Direito Ambiental
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Regulação Ambiental como instrumento de efetivação de direitos fundamentais Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Regulação ambiental como instrumento de efetivação de direitos fundamentais CARLOS SÉRGIO GURGEL DA SILVA Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa (Portugal) Mestre em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor de Direito Ambiental na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Advogado em Natal/RN.

ÁREA DO DIREITO: Constitucional; Ambiental RESUMO: O presente estudo tem como principal objetivo abordar o novo status do Estado contemporâneo, em especial o Estado brasileiro, com atuação marcadamente reguladora, frente à crescente delegação de serviços públicos a agentes privados, que os prestam no interesse público, mas com finalidades lucrativas. Ademais, o presente estudo aponta também a necessidade de uma reestruturação da sistemática de fiscalização do meio ambiente brasileiro, frente aos desafios crescentes que se põem junto com a inevitável globalização econômica. Este contexto coloca como ponto crucial uma atuação mais dinâmica e ativa do Estado, em termos de uma regulação e fiscalização ambiental que consiga estancar ou ao menos minimizar os efeitos deletérios que este modelo de desenvolvimento, mais célere do que sustentável, pode gerar. PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente – Regulação ambiental – Estado de direito ambiental – Defesa ambiental – Estado regulador.

ABSTRACT: The present study has as main objective a discussion about the new status of the contemporary state, especially the brazilian state, acting regulatory markedly, compared to the increasing of delegation of public services to private agents, which provides in the public interest, but with lucrative purposes. Furthermore, this study also points out the need for a restructuring of systematic monitoring of the environment in Brazil, rising to the challenges which arise with the inevitable economic globalization. This context poses as crucial a more dynamic and active state in terms of regulation and environmental control that can stop or at least minimize the deleterious effects that this development model, faster than sustainable, can generate. Based on these issues this essay looks back this scenario, the end and proposes solutions to problems identified.

KEY-WORDS: Environment - Environmental regulation - State environmental law Environmental Defense - State Regulator

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Meio ambiente como direito fundamental – 3. Estado de direito ambiental: uma nova concepção de estado frente aos desafios atuais 3.1 As contradições e incertezas no cenário da globalização da economia; 3.2 Escassez de recursos naturais x consumismo – 4 Estado regulador e regulação ambiental; 4.1 Estado regulador; 4.2 O poder normativo das agências reguladoras; 4.3 Estado regulador ambiental; 4.4 Regulação ambiental como mecanismo de concretização dos princípios constitucionais da proteção ambiental e da eficiência – 5 Fiscalização e regulação ambiental: limites e natureza jurídica de seus atos; 5.1 Agências reguladoras como mediadoras no debate das políticas públicas ambientais; 5.2 Função normativa do CONAMA e exercício do poder regulamentar; 5.3 Os problemas do sistema de fiscalização ambiental no Brasil e sugestão de criação de uma agência nacional de proteção ambiental – 6. Conclusão – 7. Bibliografia.

1 INTRODUÇÃO

O Estado brasileiro vem passando por uma série de transformações, principalmente após a década de 1990, quando passou a adotar uma política nacional de privatizações, motivada principalmente pela incapacidade de prestar serviços públicos com qualidade e eficiência. Esta política de desestatização da força produtiva nos diversos setores econômicos ganhou força nos anos seguintes, fazendo com que o Estado passasse a se preocupar com uma forma de intervenção que, pela sua indução, fiscalização e normatização, fosse capaz de corrigir eventuais desvios da conduta esperada pelo Poder Público. Esta intervenção do Estado na economia, feita de forma indireta, nos moldes do sistema americano, denomina-se regulação. No entanto, convém destacar que no Brasil não há como se falar em uma teoria da regulação, uma vez que esta é feita de forma assistemática, possuindo apenas alguns traços básicos em comum. Tal fato se deve a uma ausência clara de positivação na Carta Magna brasileira, que traça apenas algumas diretrizes básicas desta forma de intervenção no domínio econômico.

O art. 170 da Constituição, que abre o capítulo “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica” nos fornece uma idéia do quão é ampla a atuação da regulação no setor econômico, uma vez que o Estado deve intervir sempre que houver, ao menos, tentativa de violação a estes princípios: I – soberania; II propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. O presente estudo tem por finalidade abordar a intervenção do estado na ordem social, em especial em relação ao meio ambiente, o que denominamos regulação ambiental. O exercício do poder de polícia ambiental no Brasil é exercido nos moldes estabelecidos na Lei 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), uma vez que esta criou um Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA. Ocorre que, pela aplicação do princípio da simetria entre os entes da federação, naturalmente foram criados “Sistemas de Proteção e Controle Ambiental” nos Estados e Municípios, o que permitiu o exercício do poder de polícia também por estes entes políticos, que em alguns casos não tem a mínima condição em termos de infra-estrutura e de pessoal para uma eficiente fiscalização dos aspectos jurídico-ambientais de obras e demais empreendimentos que possam afetar significativamente a qualidade do ambiente. Em matéria ambiental é comum presenciarmos o debate acerca do conflito de competências entre os entes da federação para a execução da política ambiental. Isto porque a Constituição Federal de 1988, em seus arts. 23 e 24, respectivamente, dispõem sobre competências administrativas (competência comum) e legislativas (competência concorrente) entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Neste sentido, o exercício do poder de polícia por parte dos diversos entes políticos, manifestado através de ações como a fiscalização e o licenciamento ambiental de obras e atividades, não raras vezes geram diversos conflitos de competências, que na maioria das vezes descamba no Judiciário, que também sente-se perdido diante da “confusão” que se revela na fixação do órgão competente para o exercício do poder de polícia. Tal situação é mais recorrente em relação aos processos de licenciamento ambiental, quando um órgão de fiscalização ambiental contesta a concessão de uma licença ambiental por outro órgão de fiscalização ambiental (estadual, por exemplo), achando que não houve critério técnico para a concessão da mesma, ou que houve um grande equívoco na

análise no Estudo Ambiental apresentado pelo particular interessado na licença, ou ainda por suspeita de desvios de finalidade do órgão questionado, em prejuízo da qualidade ambiental. Estes são apenas alguns pontos que serão examinados neste breve ensaio sobre a necessidade de uma maior sistematização na fiscalização e no controle ambiental, que podem ter como grande aliado futuro a criação de uma agência reguladora na área ambiental. Neste diapasão, acredita-se que a regulação seja um mecanismo viável e eficiente para a defesa ambiental, uma vez que, pelas garantias e prerrogativas que possui teria mais independência para fiscalizar e normatizar aspectos das atividades produtivas, nos mais variados setores.

2 MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

O Meio Ambiente nacional ganhou um dispositivo na Constituição Federal de 1988, fato que nunca tinha ocorrido na história das Constituições brasileiras. É o artigo 225, que assegura que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Importante se faz lembrar que o art. 5º da Constituição Federal de 1988, considerado como um dos mais importantes de nossa Lei Fundamental pela constitucionalização dos mais sublimes direitos da humanidade, em nenhum momento faz alguma citação direta ao meio ambiente como Direito Fundamental. Erro do Constituinte? Creio que sim. No entanto, é inconcebível não ser o meio ambiente um direito fundamental, uma vez que a própria Constituição brasileira, em diversos dispositivos demonstra sua preocupação com a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado1. A própria Constituição Federal, quando trata das garantias para o exercício dos direitos fundamentais, destaca a ação popular como meio processual apto a anular ato lesivo ao meio ambiente (art. 5º, LXXIII). Verifica-se então que a Carta Magna brasileira “Regras explícitas de garantia do meio ambiente - além do art. 225, consagram, expressamente a defesa do meio ambiente os arts. 7º, XXII (meio ambiente do trabalho); 91, §1º, III (preservação dos recursos naturais); 170, VI (combate ao impacto ambiental); 186, II (uso adequado dos recursos naturais); 200, VIII (colaboração na tutela do meio ambiente); 216, V (patrimônio nacional); 220, §3º, II (repudia práticas nocivas ao meio ambiente); 231, §1º (defesa das terras indígenas); Regras implícitas de garantia do meio ambiente – arts. 20, III, V, VI, VII, IX, X; 21, XIX, XX, XXIII, XXIV, XXV; 22, IV, XII, XXVI; 23, III, IV; 24, II, VII; 26, I; 30, IX; 196 a 200” (BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de direito constitucional. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 1421 e 1422). 1

considera a defesa ambiental como um imperativo para o desenvolvimento nacional, o que revela ter a matéria ambiental status de Direito Fundamental.

3 ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL: UMA NOVA CONCEPÇÃO DE ESTADO FRENTE AOS DESAFIOS ATUAIS

Vive-se atualmente em um mundo onde as relações entre os homens ganham proporções inimagináveis no que diz respeito ao uso e aproveitamento dos recursos naturais. Tal fato se deve ao estágio atual de desenvolvimento tecnológico e de informação, que trouxe reflexos diretos sobre a organização das diversas sociedades. Estas sociedades vivem em um contexto tão complexo que de sua interação nascem necessidades que a pouco nem podiam ser imaginadas. Na busca da satisfação dos mais complexos interesses, o homem se volta para a natureza para dela extrair os elementos capazes de dar vida a tais interesses. Frise-se que muitas destas “necessidades criadas” não são realmente necessárias, são aptas apenas a garantir uma inserção na sociedade global, onde a recusa a tais produtos pode gerar uma segregação mortal para um “desenvolvimento” pessoal. Ocorre que nos dias atuais nota-se, constantemente, um quadro de escassez de inúmeros recursos naturais e da extinção de inúmeros seres da fauna e da flora. No que tange aos recursos naturais o que mais preocupa, certamente, é a água, uma vez que este recurso (em condições de potabilidade) torna-se cada vez mais escasso para a dessedentação humana e animal. É indubitável a importância deste recurso para a manutenção da vida, e principalmente para a manutenção de uma vida com qualidade. Inúmeros agentes poluentes (indústrias, comércios, residências, etc.) são responsáveis, cada vez mais, pela contaminação dos recursos ambientais, principalmente a água, o ar e o solo/subsolo, contaminações estas que em muitos casos são irreversíveis ou que levarão centenas e até milhares de anos para serem revertidas. Devido a este estágio de “desenvolvimento” observado principalmente nos países centrais e nos chamados países emergentes, trazendo consigo tais mazelas citadas, a comunidade científica internacional passou denominar tais sociedades como sendo “Sociedades de Risco”2.

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Sobre este assunto, Paulo Cunha ressalta que a globalização e a conseqüente sociedade de risco com que a pós-modernidade nos brindou parecem ser um dos principais desafios que até hoje se colocou à ordem jurídica, porque fez estremecer as suas estruturas, sem as abalar, mas também porque fez repensar os paradigmas da ordem jurídica, consistindo de que vai depender a eficácia do direito no futuro, a sua utilidade e, em conseqüência, a sua própria sobrevivência. (in: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato (org.). Estado de direito ambiental: tendências, aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

Para Ney de Barros Bello Filho, o conhecimento inabalável nos legou à sociedade do risco apoiado que foi – e por prestar apoio à globalização utilitarista. Ele afirma ainda que o risco é fruto da modernidade e, como filho da globalização, do progresso e da ciência, gestou-se de diversas maneiras. E continua sua lição destacando outro ponto interessante, a saber, o da participação popular na execução de políticas públicas, quando diz: “ ... a maioria da sociedade vive no perigo na medida em que não participa das decisões tomadas por uma escala restrita de indivíduos que se sustentam formalmente no conhecimento-regulação, e no direito autopoiético-sistêmico, que afasta da prática política a maioria das vítimas potenciais do risco”3. Ainda segundo este autor, no instante em que garante a participação popular na construção da norma, o direito faz retornar ao cerne das decisões jurídicas a ética coletiva e a solidariedade, perdida pela automação científica da regulamentação moderna. Diante deste novo quadro, o direito, como instrumento que visa à pacificação das relações humanas precisou adaptar-se, sob pena de não ter sob seu alcance qualquer forma de controle sobre a realidade posta. Neste sentido, precisou superar o ideal individualista e de mundividência que prevalecia nas relações humanas até a segunda metade do século XX para ingressar na era das preocupações com os direitos difusos. Nesta linha de raciocínio, Paulo Cunha ensina que a época anterior a que hoje vivemos, no nível do direito, assentou num paradigma, construído na base do racionalismo cartesiano, na doutrina jurídico-política do individualismo e na multividência humanista, que conduziu ao movimento formidável dos direitos humanos. Hoje, a mundividência é vista como um dos fatores da sociedade de risco, que traz novos problemas ao direito, e o direito parece ter perdido a habilidade de lidar com eles. As fórmulas tradicionais do direito, os mecanismos até agora utilizados para resolver os conflitos estão decadentes e carentes de urgentes reformas, que suscitam uma adaptação às novas tendências, dos novos problemas e das suas mais recentes abordagens e implicações, às suas estruturas, institutos e abordagens jurídicas4. Verifica-se, diante destas idéias, que uma nova ordem estatal se faz necessária. Trata-se da idéia de um Estado ambiental ou, como preferem alguns doutrinadores, Estado de

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FILHO, Ney de Barros Bello. in: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato (org.). Estado de direito ambiental: tendências, aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pág. 89. 4 CUNHA, Paulo. In: FERREIRA, Heline Sivini; LEITE, José Rubens Morato (org.). Estado de direito ambiental: tendências, aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, pág. 112-113.

direito ambiental. Para os seguidores desta tese, é necessário que o Estado modifique profundamente sua forma de encarar o desenvolvimento, trazendo para o interior de suas decisões e políticas ações positivas de afirmação de um desenvolvimento sustentável, ou seja, um modelo de desenvolvimento que permita a exploração dos recursos naturais necessários ao uso presente, sem comprometer o uso destes bens ambientais pelas futuras gerações. Esta relação não é tão simples, e em alguns casos, questiona-se a efetividade desta forma de exploração dos recursos naturais, uma vez que para atender às necessidades atuais em determinados segmentos sociais e alguns setores da economia pode-se levar ao esgotamento de determinados bens ambientais, o que eliminaria, por completo, a idéia de manutenção dos mesmos para as futuras gerações. Sobre este assunto vale recordar lição de José Rubens Morato Leite, quando este enfatiza que o Estado ambiental é um quadro de mais sociedade, mais direitos e deveres individuais e mais direitos e deveres coletivos e menos Estado e menos mercantilização. Desta forma, é possível afirmar que o Estado de direito ambiental é a forma de Estado que se propõe a aplicar o princípio da solidariedade econômica e social para alcançar um desenvolvimento sustentável, orientando a buscar a igualdade substancial entre os cidadãos, mediante o uso racional do patrimônio nacional5. Percebe-se, diante do exposto até então, que a participação popular é de suma importância para a consolidação de uma concepção de Estado centrada na necessidade de observância de normas e condutas sustentáveis, que possam assegurar a todos a satisfação das necessidades reais, e não de necessidades “criadas” em função da necessidade de estímulo ao consumo, e ainda, a redução e minimização das intervenções causadoras de significativas degradações ambientais. Neste sentido, convém destacar que Vicente Bellver Capella define Estado de Direito Ambiental como a forma de Estado que se propõe a aplicar o princípio da solidariedade econômica e social para alcançar o desenvolvimento sustentável, orientado a buscar a igualdade substancial entre os cidadãos, mediante o controle jurídico do uso racional do patrimônio natural6. Por fim, vale lembrar os ensinamentos de José Rubens Morato Leite, que sintetizou cinco funções fundamentais para a discussão do Estado de Direito do Ambiente, entre elas: 1) Moldar formas mais adequadas para a gestão dos riscos e evitar a irresponsabilidade organizada. Na sociedade de risco, o Estado não pode ser “herói”, 5

LEITE. José Rubens Morato. Sociedade risco e estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. 6 CAPELLA, Vicente Bellver. Ecologia: de lãs razones a los derechos. Granada: Ecorama. 1994.

garantindo a eliminação do risco, pois este subjaz ao próprio modelo que serve de base à sociedade. O Estado, então, busca a gestão dos riscos, tentando evitar a irresponsabilidade organizada; 2) Juridicizar instrumentos contemporâneos, preventivos e precaucionais, típicos do Estado pós-social. É aqui que fornece especial atenção aos princípios da prevenção e da precaução inscritos no art. 225 da Constituição. Faz-se necessário, numa sociedade de risco, abandonar a concepção de que ao Direito só cabe se ocupar com os danos evidentes. A complexidade do bem ambiental na sociedade de risco exige que haja a introdução de aparatos jurídicos e institucionais que garantam a preservação ambiental diante de danos e riscos abstratos, potenciais e cumulativos; 3) Trazer a noção, ao campo do Direito Ambiental, de direito integrado. Considerando que o ambiente não é uma realidade naturalística segregada, sua defesa depende de considerações multitemáticas, em que se considere a característica do macrobem, pugnando-se por formas de controle ambiental, tanto no plano normativo como fático, que atentem para a amplitude do bem ambiental; 4) Buscar a formação da consciência ambiental. É impossível o exercício da responsabilidade compartilhada e da participação popular como forma de gestão de riscos sem que haja profunda consciência ambiental; 5) Propiciar maior compreensão do objeto estudado. É vital a definição do conceito de ambiente, pois possibilita a compreensão da posição ecológica do ser humano e das implicações decorrentes de uma visão integrativa de ambiente. Verificase que o objeto bem ambiental é dinâmico, envolvendo sempre novas conformações, como, por exemplo, as novas tecnologias, tais como os OGM’s. Assim, é importante um conceito aberto, procurando trazer flexibilidade7.

3.1. As contradições e incertezas no cenário da globalização da economia

Vivencia-se atualmente um quadro de expansão dos mercados e do comércio internacional viabilizado pela intensificação de um fenômeno conhecido por globalização ou mundialização, onde inovações tecnológicas surgem a cada minuto e onde a velocidade das comunicações e dos transportes permite uma relação cada vez maior entre as mais variadas culturas do planeta. Este fenômeno mostra-se de forma mais intensa no Brasil a partir da década de 1990, com a abertura do mercado nacional, incentivada pela queda de barreiras alfandegárias, 7

LEITE. José Rubens Morato. Sociedade risco e estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. (org.). Direito constitucional ambiental brasileiro. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 151-152.

e incentivos fiscais que permitiram uma “invasão” de produtos importados, nos mais variados setores. Neste mesmo momento, adotou-se uma política de afastamento do Estado da interferência direta que fazia na economia, nos moldes do sistema europeu, passando a adotar o modelo americano de intervenção no domínio econômico, que se opera de modo indireta, através da atuação das chamadas agencies. Tal mudança deveu-se à mudança de postura do Estado brasileiro, uma vez que passou a adotar uma política nacional de privatizações, entregando nas mãos da iniciativa privada serviços que antes eram prestados exclusivamente pelo Estado. Para não deixar os consumidores e a sociedade como um todo sob o controle da livre regulação do mercado, o Estado teve que criar mecanismos para exercer controle, em nome do interesse público, sobre tais serviços públicos delegados. Tal controle recebe a denominação de regulação econômica, uma vez que provoca intervenções sobre o domínio econômico de modo tal que se torna determinante para o Poder Público e indicativo para o setor privado, nos termos do art. 174 da Constituição Federal de 1988. A globalização carrega consigo uma série de exigências, principalmente aos países periféricos, para que procedam a um esvaziamento normativo que permita uma maior circulação do capital internacional. Nesta linha de considerações, podemos citar a pressão constante para a deslegalização e desconstitucionalização de direitos consagrados no ordenamento jurídico brasileiro e que foram conquistados a custo de muito sangue e suor, ao longo de séculos de lutas. Tudo isso, frise-se, em nome de um “progresso” ou de um “desenvolvimento”, que na verdade apenas beneficia poucos, em detrimento de toda a coletividade. Esta desregulamentação exigida pelo capital transnacional objetiva uma simplificação dos procedimentos de licenças e autorizações administrativas, principalmente em relação aos aspectos ambientais, mas também visa uma desoneração da carga tributária e de encargos trabalhistas, o que certamente irá implicar em redução dos custos de produção e um aumento dos lucros. O objetivo, destaque-se, é meramente o lucro. José Eduardo Faria ressalta que neste mundo globalizado, a estrutura jurídica reveste-se de um caráter pluralista e ao mesmo tempo autônomo, fragmentado e ao mesmo tempo harmônico, descentralizado e ao mesmo tempo auto-regulador, formando em sua essência um paroxismo próprio da “miscelânea” cultural, organizacional presente em diversos Estados-Nações. Para este autor, no contexto atual de substituição do modelo de produção “fordista” pelo modelo da “especialização flexível da produção”, também

denominado de “pós-fordista”, surge uma corrente de juristas que defendem a aplicação do “Direito Reflexivo” como uma forma de acompanhar as evoluções trazidas com a expansão do fenômeno da globalização8. Neste contexto, José Eduardo Faria ressalta que os teóricos do direito reflexivo ressaltam que a desterritorialização da produção industrial, a produção das cadeias produtivas controladas em escala mundial por instituições financeiras internacionais e por conglomerados internacionais ou companhias globais, a proliferação de subsistemas econômicos auto-regulados e a perda tanto da centralidade quanto da exclusividade do Estado-Nação acabaram trazendo consigo um novo tipo de democracia: a organizacional. Sobre a Democracia organizacional, esclarece ainda este autor que: “Em termos de configuração estrutural e de alcance, ela tem sido apresentada como uma alternativa ao tradicional modelo de democracia representativa. Esta, como se pode inferir a partir da argumentação dos teóricos do “direito reflexivo”, teria chegado a sua exaustão paradigmática no momento em que a “sociedade de homens” foi substituída por uma societas mercatorum, mais precisamente por uma “sociedade de organizações”, e em que a economia passou a ser praticamente autogerida em âmbito transnacional. Na medida em que a “jurisdição” da democracia representativa se circunscreve exclusivamente aos limites territoriais do Estado-Nação, como já foi dito anteriormente, a desterritorialização das decisões em matéria de investimento e localização de unidades produtivas advinda com a globalização produz um drástico encurtamento de seu campo de ação”9. Do que se expõe verifica-se, de forma bastante nítida, que com o advento da globalização, está havendo uma maior “pressão” por parte dos Estados desenvolvidos em relação aos Estados “em desenvolvimento”10, para que estes realizem alterações constitucionais e legislativas com vista à flexibilização de alguns direitos fundamentais e sociais. Este fenômeno de flexibilização dos direitos legais e constitucionais tem sido denominado

pela

doutrina

especializada

de

“desconstitucionalização”

e

“deslegalização”, o que leva ao enfraquecimento de direitos consolidados à custa de muitas lutas, e tidos como fundamentais à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana.

8

FARIAS. José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004. pág. 218-220. Op. Cit. 219. 10 Termo utilização hodiernamente para se referir aos países que outrora eram chamados de subdesenvolvidos. Entre tais países, os que melhor lhes representam são Brasil, China e Índia. 9

3.2. Escassez dos recursos naturais x consumismo

Outro ponto que tem despertado a preocupação da comunidade científica internacional e dos Estados é a difícil relação de equilíbrio entre homem e meio ambiente, que esta sendo cada vez mais comprometida pela busca constante por matérias-primas e energia, as quais são indispensáveis à produção de bens destinados ao consumo insustentável que vem sendo difundido nas últimas décadas. O maior exemplo deste “vírus” do consumismo compulsivo talvez seja o que acontece com os telefones celulares. A cada minuto um modelo novo é criado e pessoas que já possuem um celular em perfeito estado de funcionamento sentem a “necessidade” de adquirir um novo aparelho, e pouco tempo depois, já sentem a necessidade de comprar um outro, e assim sucessivamente. O mais interessante de tudo é que a troca dos celulares é feita devido às novas tecnologias que o novo aparelho agrega, tais como bluetooth, câmera fotográfica e de vídeo, acesso a internet, além de outros recursos que na maioria dos casos não é nem conhecida pelo(a) proprietário(a) do aparelho, ou se é, não são utilizados pelos mesmos. Diante destes fatos é possível até dizer que determinados celulares tiram foto, filmam, executam arquivos de mídia, acessam a internet, enfim, realizam outras funções, mesmo que na realidade, sua razão de ser seja efetuar e receber ligações. Essa incessante busca por inovações tecnológicas tem gerado uma constante substituição de tecnologias, afetando diversos produtos, que vão desde os mais simples, como disquetes até os mais complexos como geladeiras e computadores. Até enquanto a troca for realmente necessária estaremos diante de uma situação de normalidade, sendo até saudável que tais trocas ocorram se for para minimizar os impactos ambientais que o uso de certos produtos tem causado, como é o caso da substituição das geladeiras antigas por novas que não utilizam o clorofluorcarbono (CFC), “principal vilão” da camada de ozônio, e ainda, consomem menos energia. No entanto, em muitos casos, o que se observa é um consumismo compulsivo, representado pela compra de produtos não essenciais, que representam apenas um valor de inserção em uma sociedade cada vez mais excludente e elitista, em que não portar, por exemplo, um celular da “moda” pode proporcionar uma leitura negativa sobre sua posição social. Para atender a esta crescente onda de consumo, volta-se cada vez mais para a busca de recursos naturais que sirvam de matéria-prima para determinados produtos e de fontes de energia que permitam a confecção dos produtos desejados, na rapidez que se espera para a reprodução do capital.

4 ESTADO REGULADOR E REGULAÇÃO AMBIENTAL

Neste tópico abordaremos dois assuntos de atualidade incontroversa, e de suma importância para a garantia dos direitos fundamentais da população brasileira, principalmente no caso de uma economia globalizada como a do Brasil, onde os reflexos deste processo de produção capitalista atingem as mais profundas relações sociais e econômicas, e ainda, afetam o equilíbrio dos mais variados ecossistemas e ambientes, sejam eles naturais ou culturais (espaços produzidos). A globalização é uma realidade inevitável que avança fortemente sobre os interesses estatais, sendo em muitos casos um fenômeno mais rápido do que a capacidade de absorção ou de reflexão sobre seus efeitos. Esses assuntos acima referidos são os seguintes: Estado Regulador e Regulação Ambiental. Vejamos cada um deles, separadamente, a seguir:

4.1. Estado Regulador

Sobre esta nova concepção de Estado, José Joaquim Gomes Canotilho afirma que as tarefas sociais e econômicas do Estado não se identificam com monopólio estatal e há muito que deixaram de ser recomendadas como base no esquema dicotômico da separação entre Estado e sociedade. O Estado, de uma maneira geral, não possui condições de construir e manter infra-estruturas rodoviárias, de energia, de telecomunicações, de tratamento de resíduos, mas deve assumir a responsabilidade regulativa de serviços públicos essenciais. De uma forma crescente, a própria regulação e supervisão é confiada a entidades administrativas independentes, não diretamente subordinadas ao poder público governamental11. Das lições de José Joaquim Gomes Canotilho extrai-se ainda que o Estado Regulador está assente na institucionalização de entidades independentes aptas para estabelecer os esquemas regulativos das regras do jogo econômico e para dirimir os conflitos em domínios setoriais políticos e economicamente sensíveis. Ainda como ponto de contato com o “Estado garantidor” e “Estado regulador”, situa-se o Estado econômico, ou seja, um substituto do “Estado financeiro” clássico, com a passagem do orçamento financeiro ao orçamento econômico e do orçamento anual ao orçamento plurianual, e com a

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CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. pág. 351-352.

criação de sistemas de controle a posterior assentes na avaliação da eficácia e da boa utilização dos recursos financeiros (desempenho econômico-financeiro), segundo os métodos de gestão privada12. Em outras palavras, o Estado, ao longo do tempo, verificou que a intervenção direta na economia (monopolista ou concorrencial) não estava sendo capaz de garantir a oferta de serviços públicos de boa qualidade à população, tendo por motivos tanto os custos destas atividades, a sua inabilidade técnica e ainda devido ao fato de ter que suportar outras obrigações tais como garantir a saúde, a educação, etc. Por esta razão, o Estado brasileiro teve que ceder aos apelos das privatizações, que ocorreram em diversos setores da economia. Este processo foi facilitado pela adoção, por parte do Estado brasileiro, de uma série de medidas estruturantes, principalmente em âmbito constitucional. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto13, estas mudanças podem ser divididas em 3 (três) etapas, a seguir expostas: A primeira mudança substantiva da ordem econômica brasileira foi a extinção de determinadas restrições ao capital internacional. A Emenda Constitucional nº 6, de 15 de agosto de 1995, suprimiu o art. 171 da Constituição Federal, que trazia a conceituação de empresa brasileira de capital nacional e admitia a outorga a elas de proteção, benefícios especiais e preferências. Esta mesma emenda alterou a redação do art. 176 para permitir a pesquisa e lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia elétrica sejam concedidos ou autorizados a empresas constituídas sob as leis brasileiras, dispensada a exigência do controle do capital nacional. A Emenda Constitucional nº 7, de 15 de agosto de 1995 também trouxe mudanças, que permitiram, por exemplo, que embarcações estrangeiras realizassem navegação de cabotagem e interior. A Emenda Constitucional nº 36, de 28 de maio e 2002 permitiu a participação de estrangeiros em até 30% do capital das empresas jornalísticas e de radiodifusão. A segunda etapa de reformas modificou a feição da ordem econômica brasileira, realizando a flexibilização dos monopólios estatais. A Emenda Constitucional nº 05, de 15 de agosto de 1995 alterou o §2º do art. 25, abrindo a possibilidade de os Estados-

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CANOTILHO. José Joaquim Gomes. O princípio democrático sobre a pressão dos novos esquemas regulatórios. In: Revista de direito público e regulação. Centro de Estudos de Direito Púbico e Regulação (CEDIPRE). Coimbra: Universidade de Coimbra, Maio de 2009. Pág. 99. 13 NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Direito regulatório: a alternativa participativa e flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no estado democrático. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, pág. 23-24

Membros concederem às empresas privadas a exploração dos serviços públicos locais de distribuição de gás canalizado. O mesmo se passou em relação aos serviços de telecomunicações e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. A Emenda Constitucional nº 09, de 09 de novembro de 1995 rompeu o monopólio estatal na área do petróleo, facultando à União Federal a contratação com empresas privadas para a realização dos serviços de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural, e também nas outras etapas subseqüentes. Por fim, a terceira etapa de transformações estruturantes, conhecida como período das privatizações, operou-se sem alteração no texto constitucional, realizando-se através da edição da Lei 8.031, de 12 de abril de 1990, que instituiu o Programa Nacional de Privatização, mais tarde substituída pela Lei 9.491, de 09 de setembro de 1997. Neste sentido, convém lembrar ainda os ensinamentos de Luís Roberto Barroso, que destaca que a constatação de que o Estado não tem os recursos para os investimentos necessários e que, além disso, é um mau administrador, conduziu ao processo de transferência para o setor privado da execução de serviços públicos. Foi antes um imperativo das circunstâncias do que uma opção ideológica. No entanto, ainda segundo este autor, o fato de certos serviços públicos serem por empresas privadas concessionárias não modificam o seu caráter público, uma vez que o Estado conserva responsabilidades e deveres em relação à sua prestação adequada. Por esta razão, a privatização trouxe drástica transformação no papel do Estado, que deixou de ser protagonista na execução dos serviços, para atuar na fiscalização, regulação e planejamento das empresas concessionárias. É neste contexto que surgiram as agências reguladoras14. Sobre esta interferência do Estado na ordem econômica, Celso Antônio Bandeira de Mello destaca que a mesma pode ocorrer de três modos distintos, a saber: (a) através de seu poder de polícia, ou seja, mediante leis e atos administrativos expedidos para executá-las, como “agente normativo e regulador da atividade econômica” – caso no qual exercerá funções de “fiscalização” e em que o “planejamento” que conceber será meramente “indicativo” para o setor privado” e “determinante para o setor público”, nos termos do art. 174; (b) ora ele próprio, excepcionalmente, atuará empresarialmente, mediante pessoas que cria com tal objetivo; (c) mediante incentivos à iniciativa privada

BARROSO, Luís Roberto. “Natureza jurídica e funções das agências reguladoras de serviços públicos. Limites de fiscalização a ser desempenhada pelo Tribunal de Contas do Estado” RTDP 25/76-77. São Paulo, Malheiros Editores, 1999. 14

(art. 174), estimulando-a com favores fiscais ou financiamentos, mesmo a fundo perdido15. Estado Regulador é a denominação dada ao modelo de Estado em que este tem que intervir no domínio econômico e social de modo a assegurar a garantia de inúmeros direitos fundamentais, todos eles reunidos em torno do princípio maior da dignidade da pessoa humana. Esta intervenção se faz necessária, como visto em linhas passadas, para que os serviços públicos que estão delegados a particulares possam ser prestados da melhor forma possível, ou seja, que estes serviços gerem benefícios à coletividade (usuária dos mesmos) como um todo. Este tipo de intervenção só é possível porque a Lei determinou a criação de órgãos específicos, revestidos de diversas garantias, sem as quais ficaria comprometida a atuação dos mesmos. Tais órgãos são as Agências Reguladoras, também denominados entes independentes. Sobre tais agências, Lizziane Souza Queiroz e Fabiano André de Souza Mendonça explicam que a fim da boa prestação de seus propósitos, estas dispõem de certa autonomia em termos hierárquicos, vez que seu diretor geral, apesar de nomeado pelo Presidente da República, possui estabilidade para que os governos posteriores não o destituam, além das demais garantias: são autarquias de regime especial, fazendo parte da estrutura do Poder Executivo; geralmente tem a sua criação prevista em Lei; possui capacidade de auto-administração, apesar da restrição na elaboração de normas legais ou com força de lei, o que nos remete à tão polêmica discussão sobre o poder normativo das mesmas; possuem personalidade jurídica pública; são órgãos especializados no setor que regulam, promovendo uma regulação técnica, devendo estar adstrita aos propósitos que motivaram a sua criação16. Ainda sobre a regulação, Sérgio de Andréa Ferreira destaca que quando entra em cena o administrador público surge a primeira expressão normativa, no campo da regulação, o poder de polícia administrativa, como referido no art. 79 do CTN (Lei 5.172/1966). E frisa ainda que consoante o art. 145, II da CF, entre os tributos que podem ser instituídos pelas unidades político-federativas estão as taxas, devidas “em razão do

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 16 QUEIROZ, Lizziane Souza; MENDONÇA, Fabiano André de Souza. “O papel do estado regulador na concretização dos direitos fundamentais”. In: MENDONÇA, Fabiano André de Souza; FRANÇA, Vladimir da Rocha; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar (org.) Regulação econômica e proteção dos direitos humanos: um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2008, pág. 128.

exercício do poder de polícia” quando se traduz já em atos concretos (licenciamentos, autorizações, interdições, etc.)17. Este autor verifica ainda que no significado normativo, “regular” não é regulamentar, apesar do uso promíscuo das duas palavras, e embora ambas sejam segmentos do poder normativo estatal, e tenha a mesma origem etimológica. “Regulamentar”18 – mediante a expedição de decretos, portarias, resoluções, e outras modalidades – é atividade-meio, é atuação instrumental da Administração Pública, e autovincula-a na execução das leis. E o mister executivo é próprio da Administração Pública, que, através dos regulamentos, ao invés de decidir em cada caso concreto, antecipa-se e dispõe normativamente sobre sua conduta, autovinculando-se. Regulamentar é, pois, uma fase do executar. Já “regular”, na visão deste autor, enquanto, também, parcela do poder normativo da Administração Pública, corresponde à edição de regras jurídicas harmoniosas de interesses, no seio da sociedade, disciplinadoras de espaços sociais, inclusive o mercado, a envolver as personagens que os compõem, sujeitas ao cumprimento dessas regras, seno parcela de atividade-fim administrativa, e correspondendo ao exercício do poder de polícia, se estamos na área do direito público; e de forma de participação social do Estado, a abranger a econômica19. Este autor esclarece ainda que a distinção entre “regular” e “regulamentar” é importante na fixação de limites do controle jurisdicional, segundo inteligência do Supremo Tribunal Federal. Entende este tribunal supremo que “não cabe ação direta contra norma que regulamenta lei, porquanto se está diante de questão de ilegalidade e não de inconstitucionalidade”. Com efeito, se “regular” não é “regulamentar”, constituindo segmento próprio do poder normativo estatal e tendo, por destinatários, terceiros, vinculados ao cumprimento da norma reguladora, pode haver vício direto de inconstitucionalidade, o que alarga os lindes do controle jurisdicional: cabe a ação direta de inconstitucionalidade em face de lei ou ato normativo. Percebe-se, diante do exposto até então, que a dimensão estatal política cede lugar, gradativamente à dimensão estatal executiva. Como explica José Joaquim Gomes Canotilho, a verdadeira ciência de direção deixou de ser o direito constitucional com seus dogmas democrático-legitimatórios das decisões político-legislativas, para passar a

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FERREIRA, Sérgio de Andréa. Regulação como expressão do poder normativo governamental. In: GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvulo (coord.). Estudos de direito constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. 18 Para este autor, o ato administrativo regulamentar, por não ser ato legislativo, não cria ovas situações jurídicas objetivas, em tese, mas cumpre certas funções, como as de interpretação, organização e especificação em relação à norma constitucional ou legal regulamentada. 19 Op. Cit.

ser a ciência do direito administrativo – sobretudo da “nova ciência do direito administrativo” – agora convertida a ciência das instâncias politicamente decisórioexecutivas”20. Em síntese, como ensina Lizziane Souza Queiroz e Fabiano André de Souza Mendonça, a regulação é o meio pelo qual o Estado exerce alguma influência em algum setor, no caso da regulação econômica, no setor econômico. É o meio que o Estado possui a partir de setores os quais ele concedeu à iniciativa privada o exercício das funções de orientá-las para que alcance os objetivos pretendidos pelo próprio Estado, caso estivesse exercendo a função diretamente21.

4.2. O Poder Normativo das Agências Reguladoras

Questão polêmica refere-se ao poder normativo das agências reguladoras, para criar obrigações e exigir determinadas condutas aos administrados e aos entes privados detentores de delegações para a prestação de determinados serviços públicos. Marçal Justen Filho ressalta que o poder de gerar normas de natureza e eficácia abstratas é uma das formas de exercício da competência regulatória estatal. No entanto, este poder normativo nunca deve se afastar dos limites concedidos por uma lei em sentido formal. Este autor explica que alguns doutrinadores (não ele) entendem que o Estado, através da atuação das agências reguladoras, de modo a realizar sua competência-fim (regular a atividade concedida à iniciativa privada), pode utilizar-se de uma competência-meio, no caso para a criação de normas gerais que inovam no ordenamento jurídico (regulamentos autônomos), pois assim fazendo, estariam promovendo o interesse público, o que deriva das atividades reservadas ao executivo (e assim, não se estaria invadindo campo de competência do legislativo). Marçal explica que tal entendimento não pode prosperar sob pena de gerarmos uma lesão ao princípio da separação dos poderes. Em situações de relevante interesse público e urgência, em que não seja

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CANOTILHO. José Joaquim Gomes. O princípio democrático sobre a pressão dos novos esquemas regulatórios. In: Revista de direito público e regulação. Centro de Estudos de Direito Púbico e Regulação (CEDIPRE). Coimbra: Universidade de Coimbra, Maio de 2009. Pág. 100. 21 QUEIROZ, Lizziane Souza; MENDONÇA, Fabiano André de Souza. O papel do estado regulador na concretização dos direitos fundamentais. In: MENDONÇA, Fabiano André de Souza; FRANÇA, Vladimir da Rocha; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar (org.) Regulação econômica e proteção dos direitos humanos: um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2008, pág. 124.

interessante acionar os longos debates legislativos, o Poder Executivo pode se valer das Medidas Provisórias22, previstas constitucionalmente para situações deste tipo23. Para este autor, partindo-se do pressuposto de que as atividades privadas se subordinam ao princípio da livre iniciativa, seria imperioso reconhecer que as intervenções estatais dependeriam necessariamente de lei. A garantia constitucional explicitamente indicada no art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988 exclui o argumento de que a busca pelo bem-comum autorizaria a Administração a editar regulamentos autônomos. Percebe-se que a criação de normas pelas agências reguladoras na forma de regulamentos autônomos não é possível. No entanto, para dar efetividade e completude a norma legal será sim possível a edição de normas pelas agências reguladoras, mesmo que elas, em certas hipóteses, criem hipóteses não versadas completamente nas normas legais. Diante do exposto, percebe-se que o Brasil não possui, em relação às agências reguladoras, a mesma natureza jurídica e política adotada na Europa, nem muito menos nos Estados Unidos. Nestes outros países, a edição de normas autônomas por parte destas agências é completamente possível. Na Europa, por exemplo, na Itália e na França, o sistema de governo parlamentarista permite, sem maiores restrições, a adoção de regulamentos autônomos por parte das agências administrativas independentes (outra denominação para as agências reguladoras). Já nos Estados Unidos é a Constituição daquele país que permite, por ausência de proibição do tratamento de determinadas matérias por órgão diverso do Legislativo, a adoção de regulamentos autônomos por parte das agências reguladoras. Convém destacar lição de Gustavo Binenbojm, que recorda que com a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, um novo quadro surgiu com relação ao poder regulamentar no Brasil. É que em tal emenda, cujo principal objetivo foi estabelecer limites claros à edição de medidas provisórias, foi retirado do texto do art. 84, VI a expressão “na forma da lei”. Ficou assim estatuído na nova alínea “a” que compete privativamente ao Presidente da República dispor mediante decreto sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. Além deste fato, a referida

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No caso de Estados-Membros e Municípios que não tenham previsão em seus textos fundamentais para a edição de Medidas Provisórias, as matérias podem ser tratadas por regulamentos, desde que nesse processo não haja qualquer inovação marcante ou radical, para a qual é indispensável a existência de lei (FILHO, Marçal Justen. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. pág. 494). 23 FILHO, Marçal Justen. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

emenda alterou os incisos X e XI do art. 48, extraindo competências normativas do Congresso Nacional que agora foram atribuídas ao Chefe do Executivo24. Diante destas e de outras modificações, um novo quadro se desenhou em relação à possibilidade de edição de regulamentos autônomos no Brasil. O entendimento atual, aceito inclusive pelo STF (ADIN nº 3.254-ES; e ADIN nº 2.857-ES), é de que a matéria relativa à organização e funcionamento da Administração Pública pode até ser tratada por regulamento, mas no caso de superveniência de lei de iniciativa Presidente da República, esta prevalecerá no que dispuser em sentido diverso (princípio da preferência da lei). De igual modo, será cabível a expedição de regulamentos autônomos em espaços normativos não sujeitos constitucionalmente à reserva de lei (formal ou material), sempre que à míngua do ato legislativo, a Administração Pública estiver compelida a agir para cumprimento de seus deveres constitucionais. Também neste caso, assegura-se a preeminência da lei superveniente sobre os regulamentos até então editados.

4.3. Estado Regulador Ambiental

O Estado Regulador Ambiental é aquele Estado que intervém de modo a viabilizar a concretização dos princípios básicos da defesa ambiental, entre eles os princípios da prevenção, da precaução, do desenvolvimento sustentável, do poluidor-pagador, do ambiente ecologicamente equilibrado, do controle do poluidor pelo Poder Público, da participação, da educação ambiental, da cooperação entre os povos, da função socioambiental da propriedade. A Constituição Federal de 1988, pela primeira vez na história das Constituições brasileiras, dedicou um capítulo exclusivo ao trato das questões ambientais. É o capítulo VI, que no art. 225, estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.25” Dispõe ainda o parágrafo primeiro, inciso III deste artigo, que incumbe ao Poder Público: “definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus 24

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. págs. 165-168. 25 SILVA, Carlos Sérgio Gurgel da. Análise da efetividade da legislação ambiental no combate ao processo de desertificação na região do Seridó Potiguar. Revista de Direito Ambiental nº 50 (abriljunho de 2008). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. pág. 35.

componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através da lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”. Desta forma, não resta dúvida que quando um município qualquer disciplina os usos e formas de ocupação do solo urbano, instituindo, através de lei (Plano Diretor), Zonas de Proteção Ambiental, está buscando dar efetividade ao conceito de cidade sustentável, tendo-se como base o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. A primeira referência expressa ao meio ambiente ou a recursos ambientais na Constituição Federal de 1988 vem logo no art. 5º, LXXIII, que confere legitimação a qualquer cidadão para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Em seguida, o art. 20, II, considera, entre os bens da União, as terras devolutas, indispensáveis à preservação do meio ambiente. Segue-se o art. 23, III, onde se reconhece a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para “proteger as paisagens naturais notáveis e o meio ambiente”, “combater a poluição em qualquer de suas formas. O art. 24, VI, VII e VIII, dá competência concorrente à União, Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção ao meio ambiente e controle da poluição”, sobre “proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”, bem como sobre “responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”26 Tem-se também os artigos: 91, §1º, III, que dispõe que uma das atribuições do Conselho de Defesa Nacional é de opinar sobre o efetivo uso das áreas indispensáveis à segurança do território nacional, especialmente na faixa de fronteira e nas áreas relacionadas com a preservação e exploração dos recursos naturais de qualquer tipo; 129, III, que declara ser umas das funções institucionais do Ministério Público: promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social,do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; 170, VI, que destaca que a defesa do meio ambiente é um dos princípios da ordem econômica; 173, §5º, que reza que o Estado favorecerá a organização de atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente; 186, que dispõe que a função social (da propriedade rural) é cumprida quando a propriedade atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do 26

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores, sob pena de desapropriação para fins de reforma agrária (art. 184); art. 200, que trata da “Ordem Social” e onde a onde declara que ao Sistema Único de Saúde compete, entre outras atribuições, “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”; art. 216, V, que dispõe sobre bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro; e art. 231, §1º, que refere-se às terras ocupadas por silvícolas, imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar. Como se percebe claramente, a Constituição brasileira de 1988 revelou uma grande preocupação com a qualidade ambiental dos diversos ecossistemas brasileiros e ainda com o meio ambiente cultural. No entanto, verifica-se na prática uma ausência de aplicabilidade da legislação ambiental brasileira, devido principalmente a interesse políticos, partidários, ausência mínima de infra-estrutura para fiscalização (física e de pessoal), falta de clareza quanto à definição das competências dos órgãos responsáveis pelas ações de fiscalização ambiental, confusões normativas27, sem falar nos casos, que infelizmente não são isolados, de corrupção nos órgãos de fiscalização ambiental. Na atual estrutura de fiscalização ambiental, idealizada pela Lei 6.938/91, que criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, a ingerência governamental e os interesse meramente políticos têm dificultado a atuação destes órgãos ambientais, que deveriam possui maiores garantias, assim como possuem as agência reguladoras. Sabe-se que nem sempre adotar modelos de outros Estados e implantá-los no Estado brasileiro pode corresponder a uma boa idéia. Não obstante alguns modelos não tenham se adaptado bem a nossa realidade, alguns outros se adaptaram muito bens gerando frutos positivos para a sociedade brasileira. A idéia de instituição de uma agência reguladora em matéria ambiental no Brasil poderia resolver esse impasse em relação a fixação de competências entre entes da federação, ou até mesmo superar, de uma vez por todas os questionamentos sobre a validade das Resoluções emitidas pelo Conselho

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O Brasil possui um das legislações mais completas e complexas em matéria de defesa ambiental. É bem provável que não exista sequer algum elemento da fauna, flora, dos recursos minerais ou qualquer bem ambiental que não tenha sido atingido por regulamentações ambientais. No entanto, a ausência de uma sistematização ou de uma codificação em matéria de direito do ambiente permite a existência de confusões na aplicação de uma norma, pois podemos estar diante de uma norma que não merece observância por não ter sido recepcionada pela nova ordem jurídica instaurada após a Constituição de 1988, ou que já tenha sido tacitamente revogada por outra norma mais recente. Ademais, a própria Constituição Federal de 1988, em seus artigos 23 e 24 não deixa clara a competência da União, dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios em matéria ambiental, o que tem gerado muitos questionamentos perante os tribunais.

Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, que lotam os tribunais, além de reduzir significativamente o poder de ingerência dos Poderes Públicos sobre a atuação dos agentes responsáveis, por exemplo, pelo licenciamento ambiental, em razão as garantias e prerrogativas que as agências administrativas independentes possuem, além ainda do requisito técnico, assegurado com a especialidade de seus membros. A regulação ambiental está intimamente ligada à idéia de licenciamento ambiental de atividades. O licenciamento ambiental, como se sabe, é o principal instrumento capaz de dar efetividade ao princípio da precaução, uma vez que atua na prevenção do dano, e como se sabe, em termos de defesa ambiental, a prevenção é muito mais eficiente do que a reparação do dano, até porque em alguns casos os danos são irreparáveis ou de difícil e duradoura reparação.

4.4 Regulação ambiental como mecanismo de concretização dos princípios constitucionais da proteção ambiental e da eficiência

A eficiência ambiental é um tema novo assim como a regulação ambiental. Constitui forma de garantia e efetividade do artigo 225, §1º da Constituição Federal de 1988, que determina ser incumbência do poder público a exigência de estudo prévio de impacto ambiental (daí o caráter preventivo) sempre que uma determinada obra ou atividade for considerada capaz de causar significativa degradação ambiental. Note-se que o constituinte até admite o impacto ambiental, até porque toda e qualquer intervenção humana no ambiente natural causa desequilíbrios, por menores que sejam, sendo desta forma impactantes. Diante deste quadro, percebe-se que a Constituição brasileira não é “ecoxiita”, ela apenas se preocupa com aquele dano capaz de alterar sobremaneira as características ambientais a ponto de revelar reflexos prejudiciais à sociedade humana. Percebe-se diante do exposto, que a Constituição brasileira assegura a adoção de medidas por parte do Estado para proteger o homem, uma vez depende dos valores humanos para a determinação do que é impacto ambiental significativo ou não. Em termos filosóficos, um impacto significativo para determinados seres vivos pode não ser para os humanos. Faz-se esta exposição apenas para mostrar que apesar de ser considerada uma “Constituição verde”, a Constituição Federal de 1988 quis delimitar o espaço de discricionariedade das políticas ambientais aos interesses humanos. Pelo que se observa, é possível a instalação e operação de obra ou atividade sem a exigência de estudo prévio de impacto ambiental, desde que a Administração Pública,

responsável pela análise do projeto, entenda (em seu juízo de discricionariedade) que tal empreendimento não é capaz de gerar significativa degradação ambiental. Por esta razão, entende-se existente o princípio da tolerabilidade do dano ambiental não significativo. Este fato, por si só gera preocupações, na medida em que se pensarmos em ingerências do Poder Público, motivadas por interesses escusos, nestes órgãos ambientais, os quais estão vinculados, direta ou indiretamente à Administração Pública Direta, verificar-se-á a fragilidade deste sistema. Para que esta proteção ambiental ocorra de forma satisfatória é necessário que a Administração Pública ambiental atue com eficiência, sendo tal atuação o meio para a consecução do resultado esperado, que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entendendo da mesma forma, Antônio Carlos Cintra do Amaral explica que o princípio da eficiência, contido no caput do art. 37 da Constituição refere-se à noção de meios. Este autor buscou em conceitos da ciência da Administração a concepção do real sentido do princípio da eficiência. Encontrou que a eficiência não se preocupa com os fins, mas simplesmente com os meios. O alcance dos objetivos visados não entra na esfera de competência da eficiência; é um assunto ligado à eficácia28. Fabiano André de Souza Mendonça, em ensaio sobre a determinação da responsabilidade administrativa pelo princípio da eficiência explica que na apreciação dessa responsabilidade, não pode passar a largo do jurista averiguar o nível de exigência a ser feito ao administrador em relação ao grau de zelo e alcance de fins de sua conduta. Segundo este autor, é o estabelecimento de uma relação entre meios e fins que é bem vislumbrada pelo princípio da eficiência, hoje expressamente inserido no texto constitucional brasileiro em seu artigo 37, como um dos princípios constitucionais expressos da Administração Pública: o “dever de eficiência”29. O Estado hoje vive uma fase diferenciada onde, segundo Paulo Modesto, não foi reduzido ao mínimo, nem é uma instituição em processo adiantado de decomposição, como alguns sugerem. Para este autor, o Estado amplia seus tentáculos continuamente, penetrando em quase todas as dimensões da vida privada, tornando-nos cada vez mais dependentes de suas regulações e controles; amplia persistentemente a sua participação no produto bruto nacional, numa sanha incansável por novos recursos; endivida-se de 28

AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. O princípio da eficiência no direito administrativo. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 14, junho-agosto, 2002. Disponível na internet: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 10 de janeiro de 2010. 29 MENDONÇA, Fabiano André de Souza. Ensaio sobre a determinação da responsabilidade administrativa pelo princípio da eficiência: graus de eficiência, omissão e concorrência culposa do lesado. Texto apresentado no Seminário Virtual “Temas de Responsabilidade Civil”, realizado em www.ambito-jurídico.com.br, de 7 a 9 de novembro de 2006.

forma incontida, sem, entretanto, demonstrar capacidade para tratar adequadamente problemas sociais de vulto30. Para este autor, em um Estado Democrático e Social, como é o caso do Brasil, não se pode descuidar de agir com eficiência, justificando os recursos que extrai da sociedade com resultados socialmente relevantes. Isto se deve ao fato de que ao Estado Social cabe executar e fomentar a prestação de serviços coletivos essenciais. Em linhas gerais, cabe ressaltar que qualquer iniciativa que possa tornar mais eficiente o exercício do poder do polícia por parte do Estado, em matéria de defesa ambiental, será de extrema utilidade, uma vez que o atual sistema de fiscalização, da forma como se encontra, não é apto a garantir o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como reza o art. 225 da Constituição Federal. Como já fora dito anteriormente, o Brasil possui diversos instrumentos normativos capazes de garantir a defesa ambiental de forma satisfatória. O que falta é a eficiência da Administração Pública no cumprimento de seus comandos, fato este que se traduz na necessidade de estruturação dos órgãos de regulação e fiscalização ambiental e na criação de garantias e prerrogativas que permitam aos agentes responsáveis por esta regulação e fiscalização uma maior liberdade de atuação. Por fim, vale salientar que a regulação ambiental é algo que merece especial atenção, principalmente devido às conseqüências que podem advir de uma ausência do Estado na correção de irregularidades, de uma falta de planejamento e da ausência de regulamentação quando as leis em sentido formal não forem aptas a evitar danos presentes e futuros.

5 FISCALIZAÇÃO E REGULAÇÃO AMBIENTAL: LIMITES E NATUREZA JURÍDICA DE SEUS ATOS

A fiscalização constitui parte do poder de polícia do Estado, correspondendo à ação de verificação da conformidade entre as condutas praticadas ou não praticadas (omissão) com o que está previsto na hipótese legal, de modo que seja possível a aplicação das medidas corretivas necessárias ou, se for o caso, a aplicação de sanções. Constitui instrumento hábil para a concretização de políticas públicas ambientais e para a

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MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio da eficiência. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=343. acesso em: 28 jul. 2009.

efetividade de diversos princípios constitucionais em matéria ambiental, sendo os principais o da precaução e o do desenvolvimento sustentável. Os limites da fiscalização ambiental estão traçados nas leis formais, ou seja, nos produtos legislativos ou nas normas com força de lei, enquanto válidas (medidas provisórias), tendo como regulamentos de execução, em alguns casos, Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. São estas as balizas para a atuação dos agentes responsáveis pela fiscalização ambiental. Verifica-se que parte da doutrina considera fiscalização ambiental e regulação ambiental como sendo termos sinônimos. Tal fato não pode ser assim entendido em razão das marcantes distinções existentes entre ambos os institutos. É certo que não se tem no Brasil uma teoria da regulação

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, uma vez que a Constituição, em nenhum momento

definiu parâmetros que caracterizasse as agências reguladoras de modo que sua natureza jurídica fosse identificada com elementos próprios. O que se observa no Brasil é que cada uma das agências reguladoras possuem determinadas características, tendo apenas alguns pontos em comum, tais como mandato fixo de seus dirigentes, autonomia em suas decisões técnicas, entre outros. Desta forma, dúvidas não restam sobre a importância de uma reforma constitucional que possa estabelecer o regime jurídico das agências reguladoras. Tal fato, caso ocorra, certamente significará uma relevante contribuição para o desenvolvimento e melhoria das ações estatais em termos de regulação ambiental. Verifica-se então que a regulação ambiental constitui uma construção. Já os limites da regulação ambiental estão traçados na própria Constituição Federal, sendo por esta razão uma atuação bem mais ampla do que a fiscalização ambiental. Seu principal objetivo é o motivo que leva a intervenção do Estado no domínio econômico e social, ou seja, o cumprimento da função social da propriedade, urbana ou rural. Outro ponto, em termos de limites de atuação, que distingue a regulação ambiental da fiscalização é a função normativa dos órgãos administrativos independentes, que possuem a competência para editar normas, tanto por delegação normativa, quanto por atribuição própria, para dar cumprimento à fiel execução da lei, e ainda, para preencher

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Para Lizziane Souza Queiroz e Fabiano André de Souza Mendonça, recordando lição de Calixto Salomão “... no sistema brasileiro, jamais houve a tentativa de uma teoria geral da regulação. A razão para é jurídica e simples. Trata-se tradicional concepção do Estado como agente de duas funções diametralmente opostas: a ingerência direta na vida econômica e a mera fiscalização dos particulares...” (In: MENDONÇA, Fabiano André de Souza; FRANÇA, Vladimir da Rocha; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar (org.) Regulação econômica e proteção dos direitos humanos: um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2008, pág. 127

as lacunas e omissões da lei, quando for necessário dar cumprimento aos deveres constitucionais do Estado (modificações trazidas pela EC nº 32/2001). Desta forma, é possível afirma que os atos normativos e executivos das agências reguladoras têm por finalidade dar cumprimento a função social da propriedade, e ainda, proteger os direitos fundamentais da população, afastando toda e qualquer conduta atentatória aos princípios fundamentais da ordem constitucional brasileira, com ênfase no princípio da dignidade da pessoa humana. Por se tratar de uma nova forma de enxergar a atuação do Estado, espera-se que os debates atuais sobre regulação ambiental, levantados por boa parte da doutrina nacional, evoluam e sirvam para consolidar um mecanismo mais eficiente de controle a eventuais danos coletivos e de concretização das políticas públicas.

5.1 Agências reguladoras como mediadoras no debate das políticas públicas ambientais

As agências reguladoras têm o papel também de chamar a população a discutir os grandes temas objeto de sua atuação. Isso não se observa com muita freqüência no Brasil, mas faz parte de sua razão de existir. Regulação é uma forma de intervenção do Estado de modo a garantir a preponderância do interesse público sobre o privado, e nesse processo, nada mais legítimo do que chamar a população local e diretamente interessada a opinar sobre os destinos da atuação do Estado. Nesta mesma linha de raciocino, Gustavo Binenbojm frisa que as autoridades independentes não precisam nem devem ser espaços fechados, infensos às posições e opiniões de agentes econômicos, consumidores e da sociedade como um todo. A abertura aos debates e deliberações regulatórias representa uma tentativa de constituição de uma nova esfera pública, moldada por parâmetros mais técnicos e especificamente relacionados à matéria regulada. Este autor ressalta que embora este procedimento possa parecer utópico em um país sem tradição da participação popular (desmobilização da sociedade civil), e onde há má distribuição da informação e do conhecimento, além da elevada desigualdade sócio-econômica, nada nos assegura que, sem as autoridades independentes, tal situação pudesse ser diferente32.

32

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. págs. 303-304.

E continua o supracitado autor ensinando que o papel da agência como mediadora do debate público deve ser enfatizado, traduzindo à sociedade as questões tecnicamente complexas submetidas à sua gestão. Através da condução de mecanismos de participação voltados ao estabelecimento de um diálogo com a sociedade, a agência funcionará como um foro no qual se torne possível a comunicação entre a racionalidade econômica e a racionalidade jurídico-política33.

5.2 Função normativa do CONAMA e exercício do Poder Regulamentar

A Lei 6.938/81, que criou o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, atribuiu ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, o status de Órgão Consultivo e Deliberativo da Política Nacional de Meio Ambiente. Edis Milaré explica que o CONAMA é presidido pelo Ministro do Meio Ambiente, e sua composição obedece a critérios geopolíticos (representação dos Estados da Federação, do Distrito Federal e de Municípios), critérios institucionais (representação de Ministérios e outros) e critérios sociopolíticos (representação da sociedade civil organizada). Integram-no também, na condição de Conselheiros convidados, sem direito a voto, um representante do Ministério Público Federal, um representante dos Ministérios Públicos estaduais e um representante da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados34. Ainda sobre a competência normativa das Resoluções do CONAMA, Paulo Affonso Leme Machado lembra que a Lei 8.028/1990, ao dar nova redação ao art. 6º, II da Lei 6.938/81, determinou que a finalidade deste conselho é assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida. O CONAMA possui também entre suas atribuições a competência para exigir e apreciar Estudos de Impacto Ambiental e seus respectivos relatórios, não afastando, com isso, a competência dos Estados e Municípios para também exigir tais estudos prévios. Possui competência ainda para determinar que o estudo se converta em diligências para complementação de dados, quando preciso, e para solicitar a órgãos públicos e privados 33

Op. Cit. Pág. 304. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, pág. 395. 34

informações que sejam úteis na apreciação dos projetos propostos pelos particulares interessados e pelo próprio Poder Público. Paulo Affonso Leme Machado destaca que apesar de o art. 8º, VI da Lei 6.938/81 estabelecer que é competência privativa do CONAMA estabelecer normas e padrões nacionais de controle da poluição por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos ministérios competentes, tal fato constitui um equívoco do legislador, uma vez não existe esta competência privativa, pois o art. 24 §1º da Constituição Federal deixa bem claro que essa competência é para estabelecer padrões gerais, que, entretanto, podem ser suplementadas pelos Estados, conforme o art. 24, §2º da Constituição Federal35. Vale considerar ainda que Toshio Mukai entende que o art. 25 das Disposições Constitucionais Transitórias revogou as Resoluções do CONAMA porque tratou em seu caput que: “Ficam revogados a partir de 180 dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I – ação normativa; II – alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie”36. Não prosperam tais argumentos porque a competência atribuída ao CONAMA em nenhum momento foi atribuída ao Congresso Nacional, nem na ordem constitucional vigente, nem na passada. Fortalecendo este entendimento, Paulo Affonso Leme Machado ilustra que é necessário verificar as competências assinaladas pela Constituição ao Congresso Nacional e as competências do CONAMA previstas no art. 8º da Lei 6.938/1981, pois somente foram abrangidos os órgãos do Poder Executivo que estivessem exercendo funções que a Constituição reservou ao Congresso Nacional. As atribuições do Congresso Nacional estão inseridas no Tít. IV, Cap. I – Do Poder Legislativo, Seção II, arts. 48 e 49. Para este autor, constata-se que nenhuma das atribuições do Congresso Nacional são exercidas pelo CONAMA37. Diante do que fora exposto até então, poderíamos considerar o CONAMA como um órgão regulador? Certamente o CONAMA possui características que o assemelham a um ente regulador, mas possui também inúmeros pontos que os diferenciam, e muito,

35

MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992, p. 94. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. Pág. 158. 37 Op. Cit. Pág. 158. 36

dos entes independentes. A atividade exercida pelo CONAMA, no entanto, não deixa de ser uma intervenção do Estado no domínio econômico, precisamente em matéria ambiental, o que pode se aproximar mais ainda da idéia de regulação ambiental. Surge então outro questionamento: pode haver regulação ambiental sem que esta atuação seja feita por ente independente? Crê-se que sim. No entanto, quando esta regulação é feita por um ente independente crê-se que teremos uma regulação mais eficiente, em razão das garantias inerentes a estes órgãos administrativos independentes. As Resoluções do CONAMA são perfeitamente constitucionais porque em nenhum momento se afastam dos comandos da Lei 6.938/81, e dos ditames constitucionais previstos nos artigos 21, incisos IX, XX, e 23, incisos VI, VII, 170, incisos III, VI, e principalmente no art. 225. Convém ainda destacar que o art. 174 da Constituição Federal dispõe que: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o Poder Público e indicativo para o setor privado”. Apesar de destaca que a regulação far-se-á na forma da lei, o §1º deste mesmo artigo é muito claro ao frisar que a lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. Em outras palavras, a obrigatoriedade da lei é para estabelecer as diretrizes e bases do planejamento, o que deixa subentendido que o que não for básico poderá ser detalhado e complementado por outras normas, que não apenas a lei em sentido formal. Este fato, no entanto, não significa que a Administração Pública tem uma “carta em branco” na mão, pois em hipótese alguma pode afastar-se dos limites legais e constitucionais para o exercício deste poder regulamentar. Esta situação é perfeitamente viável, uma vez que é impossível que o legislador, durante a idealização do projeto de lei, pense em todas as hipóteses que poderiam surgir no mundo dos fatos. Na medida então, que a necessidade surgir, aquela norma legal geral será completada com outras normas, de modo que seja possível atingir ao interesse real daquele comando normativo primário.

5.3 Problemas do sistema de fiscalização ambiental no Brasil e sugestão de criação de uma agência nacional de proteção ambiental

Infelizmente no Brasil verifica-se uma enorme lacuna entre a previsão legal e a realidade social, devido principalmente a fatores sociológicos. A lei brasileira, em muitos casos, está bem à frente da realidade brasileira. Ela se adianta ao contexto social atual, tornando-se algo distante de ser concretizado. Soma-se a isso o fato de que, em termos de infra-estrutura (física e de pessoal), o Estado não está munido dos meios necessários a uma eficiente fiscalização, e ainda pelo fato de que, historicamente, este país tem uma tradição em frear a apuração de fatos ilícitos movidos por interesses escusos (corrupção). Esta prática, infelizmente, é ainda mais comum nos órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental, que, se quisessem, poderiam impor medidas extremamente drásticas ao exercício de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras. Obviamente que este fato não é geral. Tem-se os órgãos sérios, como também se tem órgãos não muito respeitados, com profissionais respeitados em seus quadros. O fato é que os meios de comunicação, quase que diariamente, nos informa sobre as mais variadas denúncias envolvendo tais órgãos, que acabam por “facilitar” a vida de muitos agentes da degradação ambiental. Em face destes apontamentos é que se imagina que um órgão regulador, ou melhor, uma agência reguladora ambiental, com as garantias e características que lhes são próprias, seria uma boa iniciativa, justamente por corresponder a uma evolução do poder de polícia ambiental. Ainda também porque, como exposto em momento anterior, a atribuição de competências administrativas comuns (art. 23 da Constituição Federal de 1988), assim como de competências legislativas concorrentes entre os entes da federação, gera, em muitos casos, confusões que acabam por descambar no Judiciário, dificultando, com este entrave, o exercício do poder de polícia ambiental. Neste sentido, a doutrina mais abalizada já “vê com bons olhos” a instituição da regulação ambiental (em sentido estrito). É certo que este tema ainda é embrionário, mas não restam dúvidas de que pode vir a contribuir significativamente para a defesa do patrimônio ambiental brasileiro. Hoje se vive um momento de expansão do mercado global. O fenômeno da globalização já se alastrou por quase todo o mundo. Há uma tendência mundial, na verdade uma exigência econômica, para que haja uma desregulamentação de diversas matérias, sejam elas constitucionais (desconstitucionalização) ou legais (deslegalizações). Tais matérias seriam esvaziadas dos textos constitucionais e legais e transferidas aos órgãos administrativos independentes, que teriam competência para editar regulamentos autônomos, a exemplo da França e da Itália.

Nem muito, nem tão pouco. A criação de agências reguladoras em matéria ambiental não deixa de ser uma boa idéia. No entanto, algumas garantias constitucionais e legais devem permanecer, visando à correção de distorções. Até porque as normas legais disporão sobre a matéria a ser regulada, funcionando como diretrizes de ação, como norte, como linhas gerais. O papel dos órgãos administrativos independentes seria, neste sentido, apenas o de complementar aquilo que a lei (geral) tivesse omitido ou não tivesse tratado (especificado) e que fosse essencial para atingir sua finalidade.

6 CONCLUSÃO

O Estado brasileiro tem passado por inúmeras transformações, que tiveram início logo após a instituição da nova ordem constitucional de 1988. é possível afirmar também que a década de 1990 foi a década das privatizações e da abertura do mercado brasileiro e da entrada do capital global, que para aqui adentrar fez, e ainda faz, inúmeras exigências. A principal exigência é a desconstitucionalização e deslegalização de direitos conquistados ao longo de séculos, com muita luta. O país percebeu que não adiantava se fechar a esta tendência do mercado global. Com esta abertura surgiram no país produtos e serviços com qualidade muito superior aos disponíveis no mercado nacional, e o melhor, a preços competitivos e muitas vezes mais baixos. A indústria nacional experimentou naquele momento uma retração, devido à preferência que os brasileiros faziam dos produtos importados. O fato é que os brasileiros, em sua grande parte, que antes não tinham acesso a produtos e serviços com qualidade Premium, preferiam os produtos importados aos nacionais. Este fato levou a indústria nacional sobrevivente a se modernizar, para que pudesse oferecer um produto também competitivo. Nesta história toda, quem mais ganhou foi o consumidor brasileiro, que tinha a sua disposição produtos de melhor qualidade, a preços mais baixos. Concomitante ao que ocorria na indústria, verificou-se também uma revolução no setor dos serviços, pois este precisou rapidamente adaptar-se à nova realidade imposta pelo mercado global. Estas mudanças atingiram até o serviço público, que precisou se alinhar às novas exigências de uma sociedade cada vez mais exigente. No entanto, com relação aos impactos ambientais decorrentes deste crescimento industrial, é possível afirmar que diversos problemas públicos de saúde surgiram,

decorrentes principalmente da contaminação dos mananciais de abastecimento público, além de outros problemas relacionados à degradação ambiental. Com a flexibilização dos direitos sociais e ambientais, como exigência do mercado global para a realização de investimentos no país, é possível que se entre numa era de atentados contra os direitos fundamentais. Visando combater estas situações, o Estado tem que fortalecer o seu papel como Estado regulador das atividades econômicas e dos serviços públicos delegados, de modo a perseguir o cumprimento dos princípios que devem nortear o desenvolvimento econômico nacional (art. 170 da Constituição Federal de 1988). Na sequência desta exposição, convém destacar mais uma vez que entre os princípios norteadores da atividade econômica está o da defesa do meio ambiente (art. 170, IV da CF/88) e que a fiscalização do cumprimento da legislação ambiental não pode ficar a cargo de órgãos que não estejam dotados de equipe técnica especializada, que não tenham liberdade para a análise mais apurada dos projetos de empreendimentos que lhes são apresentados, sob o ponto de vista estritamente técnico e que também não disponha de independência funcional para realizar as fiscalizações que são necessárias para apuração de possíveis faltas ambientais. Por esta razão é que neste breve estudo fizemos uma exposição da importância da regulação ambiental para a concretização dos direitos humanos, entre ele o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, na medida em que este mecanismo fortalece o Estado para que, mediante a atuação das agências reguladoras independentes, possa dar cumprimento ao mandamento constitucional da eficiência da Administração Pública em matéria ambiental.

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