A REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE ARTÍSTICA DO MÚSICO PROFISSIONAL

May 29, 2017 | Autor: Fernanda Borges | Categoria: Música, Direito do Trabalho, Músico Profissional, Regulamentação
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FERNANDA PROENÇA BORGES

A REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE ARTÍSTICA DO MÚSICO PROFISSIONAL

Trabalho de Curso apresentado à Faculdade de Direito de Sorocaba para aprovação no Curso de Graduação em Direito concentrado em Direito do Trabalho. Orientadora: Prof. ª Dr. ª Lúcia Helena do Amaral Baldy

SOROCABA 2009

FERNANDA PROENÇA BORGES

A REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE ARTÍSTICA DO MÚSICO PROFISSIONAL

Orientadora: Prof. ª Dr. ª Lúcia Helena do Amaral Baldy

TRABALHO DE CURSO PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE BACHAREL EM DIREITO

Nota e considerações:

SOROCABA, ......./......./........

FERNANDA PROENÇA BORGES

A REGULAMENTAÇÃO DA ATIVIDADE ARTÍSTICA DO MÚSICO PROFISSIONAL

BANCA EXAMINADORA Orientador Nome do Professor _____________________________________ Data: _____________ De acordo: ___________________________. Coordenador Nome do Professor _____________________________________ Data: _____________ De acordo: ___________________________. Professor Convidado Nome do Professor _____________________________________ Data: _____________ De acordo: ___________________________.

SOROCABA 2009

Dedico este trabalho aos meus pais (em especial, ao meu pai, in memoriam) e ao meu avô João, que investiram parte de suas vidas - suor e sangue - para que eu pudesse transpor os obstáculos e concluir o curso de Direito. Dedico também às pessoas que me compreenderam e me apoiaram: Fábio Godoy, Maria Cecília Baumegger, William Rocha, Fábio Augusto, Layla Rodrigues, Graziela Góes, Márcia Swensson, Ângelo Revedilho, Maurício Abed, Zuleide Bellinazzi, Dr. Marcelo Carlos Ferreira, Dra. Kathya Beja Romero e Dra. Denise de Souza Silva Caetano de Mello.

Agradeço a Deus, aos meus pais, familiares e de modo especial à Professora e Orientadora Lúcia Baldy, pelo ensinamento de suas aulas e orientação – indispensáveis para a conclusão do curso -, aos demais Mestres da casa, pelos conhecimentos transmitidos, e à Diretoria da Faculdade de Direito de Sorocaba pelo apoio institucional e pelas facilidades oferecidas.

A música é capaz de reproduzir, em sua forma real, a dor que dilacera a alma e o sorriso que inebria. (Ludwig van Beethoven)

Foi nos bares da vida ou num bar em troca de pão Que muita gente boa pôs os pés na profissão De tocar um instrumento e de cantar(...) Com a roupa encharcada e a alma repleta de chão Todo artista tem de ir aonde o povo está Se foi assim Assim será Cantando me desfaço e não me canso de viver Nem de cantar. (Nos Bailes da Vida - Milton Nascimento e Fernando Brandt)

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RESUMO

O presente trabalho versa sobre a dicotomia “arte-profissão” e qualificação exigida do músico profissional. Tendo em vista as intenções legislativas ao longo do tempo que não acompanharam a evolução da sociedade e seus anseios, o músico profissional acabou por marginalizado no regramento obreiro, expondo suas garantias trabalhistas em detrimento à burocracia de uma ordem classista às avessas da intenção de seus membros.

Palavras Chave: Música, Músico Profissional, Regulamentação.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 10 Objetivos gerais e específicos ........................................................................................ 12 Justificativa .................................................................................................................... 14 CAPÍTULO I EVOLUÇÃO HISTÓRICO-NORMATIVA DO MÚSICO PROFISSIONAL ............ 15 1.1. Breve histórico sobre a música ............................................................................... 15 1.2. Evolução legislativa ................................................................................................ 18 CAPÍTULO II NATUREZA JURÍDICA DA PRESTAÇÃO DO TRABALHO DE MÚSICO ........... 20 2.1. Formas de contratação............................................................................................. 20 2.2. Vínculo empregatício .............................................................................................. 21 2.3. Jornada de trabalho, hora extra e descanso semanal ............................................... 22 2.4. Equiparação salarial ................................................................................................ 23 2.5. Proteção à integridade física dos músicos ............................................................... 23 CAPÍTULO III CONFLITO NA REGULAMENTAÇÃO ...................................................................... 25 3.1. O Livre Exercício Profissional e a Intervenção Estatal .......................................... 25 3.2. A Regulamentação da Profissão de Músico – a OMB ............................................ 26 CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 29 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 31 ANEXOS ................................................................................................................................. 32

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INTRODUÇÃO Trata-se de um breve ensaio sobre atividade musical no Brasil. A Música se pratica sob diversas formas, desde o mais popular acompanhamento musical com caixa de fósforos, ao maestro da Orquestra. A definição de músico como artista desde os tempos mais remotos encontra-se fácil, todavia o músico profissional pode ser vislumbrado sob vários aspectos, que não o legal. Desde as civilizações mais remotas não existe relato de que a música não integrasse a cultura de um povo, no entanto vista como profissão, encontram-se parcos relatos e pouca normatização. No Brasil, sob os ares nazi-fascistas, foi editada uma lei, em 1960, com o intuito de proteger a classe dos músicos e registrá-los. O mundo passava por um momento histórico delicado, onde governantes não-eleitos ditavam ordens e leis e, no meio da confusão legislativa, pretendia-se proteger o proletariado. A Lei n.º 3.857 de 22 de dezembro de 1960 criou a Ordem dos Músicos do Brasil, inspirada pelo clima militar que se operava no Poder Executivo, não podia deixar de lado as expressões “disciplina” e “fiscalização” logo no seu primeiro artigo. Todavia, com o aspecto protetivo, buscava trazer para o ordenamento jurídico respaldo para o músico profissional, criando um órgão de classe que organizasse a categoria, numa visão simplista da realidade artística que é a música. Ao decorrer das décadas, notou-se uma gritante problemática: o músico erudito, que estudou música na Academia, Conservatório, ou mesmo Faculdade, buscava o registro para exercer a sua profissão nos moldes legais, no entanto, o músico boêmio, que fazia apresentações em bares e casas de espetáculos, muitas vezes vinha de origem popular o seu ensinamento e, assim sendo, não buscava o registro, mas tinha como profissão, a música, pura e simplesmente. Sob pressão da Ordem dos Músicos do Brasil, a indústria fonográfica passou a exigir do músico, seja ele popular ou erudito, que para registrar suas canções se submetesse ao registro na OMB. Porém, para buscar um registro na ordem é necessário que o pretenso músico se habilite em provas técnicas.

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Daí nasceu a problemática que cerca este estudo. Ao músico erudito parece simples a avaliação oferecida, no entanto ao popular, em que muitas as vezes adquire seu conhecimento através de gerações, a técnica não lhe é o mais importante, pois vê a música como escape para as suas emoções, não como ponto convergente de estudos, o que ocasionou grande alvoroço na OMB, pois encararam a avaliação como entrave para inserção do músico popular no mercado de trabalho - que não exige técnica apurada. Talvez o maior problema na música seja mesmo o cultural, pois o Brasil, fruto da mais vasta miscigenação racial, nunca desenvolveu o ensino da música como na Europa, mas de caráter informal e lúdico, e carecedor de base pedagógica, não podendo prosperar a regularização do que jamais foi organizado. Ainda há que se pesar o critério da música representar a cultura do seu povo. Nesse sentido, os tribunais vêm julgando que não se pode exigir do músico popular o registro sob avaliação técnico-teórica, no melhor bom senso de que o legislador deveria ter feito uso quando da promulgação da lei que instituiu o a Ordem dos Músicos do Brasil. Nesse ínterim, a Constituição de 1988 trouxe o idealismo libertário da expressão artística no Brasil, revogando “tacitamente” a Lei n.º 3.857 de 1960. Entretanto, dependendo do ponto de vista que se defenda, tal lei estaria em plena vigência, pois na mesma Carta, estabelece-se que a música, entendida como trabalho, deve atender às qualificações que a lei estabelecer. Diante desse conflito aparente de normas e, por ainda não ter se formado jurisprudência uniforme, nasceu o interesse de expor melhor o assunto e demonstrar os pontos jurídicos atinentes. É o que se demonstrará de forma sucinta durante este ensaio.

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Objetivos gerais e específicos A luz será posta sobre o conflito aparente entre a Constituição Cidadã e a Lei n.º 3.857 de 22 de dezembro de 1960 que criou a Ordem dos Músicos do Brasil “com a finalidade de exercer em todo o país, a seleção, a disciplina, a defesa da classe e a fiscalização do exercício da profissão do músico” – art. 1.º - e que, circunscreveu a atividade laborativa de músico a quem se inscrevesse na Ordem como diz em seu art. 16 : “os músicos só poderão exercer a profissão depois de regularmente registrados no órgão competente do Ministério da Educação e Cultura e no Conselho Regional dos Músicos sob cuja jurisdição estiver compreendido o local de sua atividade”. A dicotomia encontra-se no fato de música ser arte e também poder ser profissão, o que desencadeou diversas interpretações do texto legal, tais como a citação do Artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, em defesa da garantia a todos do livre exercício de sua profissão, como já manifesto pelo Poder Judiciário em 2004, em decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região, de Santa Catarina, em Recurso Especial, sobre o tema: “Não se pode exigir de músicos populares, que se apresentam publicamente como a impetrante, e que não possuem formação universitária na área musical, o registro no CROM ou o pagamento de anuidades para que possam exercer suas atividades musicais mesmo que profissionalmente, sob pena de ofensa ao princípio da razoabilidade.” Todavia, a Ordem dos Músicos do Brasil se respalda pelo inciso XIII do Artigo 5º da Constituição Federal e alega que a atividade artística de músico deve atender à exigência legal de registro, amparada também no já citado art. 16 da Lei n.º 3.857/60. Na prática, a contratação de músicos para shows e eventos ocorre com ou sem registro na OMB, entretanto, em situações que envolvem grandes empresas fonográficas a exigência de registro é expressa, é requisito para assinar um contrato com uma gravadora, por exemplo. Nesse sentido, o referido julgado de Santa Catarina se tornou uma grande controvérsia na contratação de músicos e que, infelizmente, não foi privilegiado por estudo doutrinário.

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Por não ter acompanhado as transformações sociais e políticas do país e correspondido aos anseios da classe que representa em sua principal atribuição institucional que deve ser a da defesa da profissão de músico, a OMB é vista como um entrave, não como proteção legal no exercício de sua profissão e, diante da notícia do precedente julgado vários foram os comentários de que a OMB seria “inconstitucional”. Defronte a essa problemática, o ponto convergente hipotético do presente trabalho discorrerá acerca da conformidade ou não da OMB com a Constituição Pátria e os reflexos dos julgados a favor do exercício da atividade musical sem registro, além de uma visão holística da música enquanto “arte-profissão” e qualificação exigida do seu profissional.

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Justificativa Um deleite para a alma, mas um ponto problemático para o Direito do Trabalho, a música, tendo seu exercício mal regulamentado na prática e pouco discutido na teoria, culmina num entrave jurídico e didático. A escolha do tema justifica-se, em sua essência, pela análise do cotidiano e visão de mundo proporcionados pela formação acadêmica em curso – principalmente da análise de casos práticos proporcionada pelo estágio na Justiça do Trabalho – e pela experiência pessoal como musicista amadora. No meio artístico-musical muito se critica sobre a regulamentação da categoria, mas pouco conhecimento legal se tem. É de notório conhecimento pelos músicos da existência de órgão regulamentador, a Ordem dos Músicos do Brasil, todavia sua importância e atuação são mínimas nessa classe laborativa, o que resulta, na prática, em má regulamentação da profissão, importando para isso, também, o fraco respaldo sindical que leva à baixa informação do seu respectivo proletariado sobre direitos e deveres atinentes a seu trabalho. Da análise de vários conflitos do cotidiano e de outros no estágio acadêmico nasceu o interesse em pesquisar preliminarmente sobre o tema e, da obscuridade e contradição aparentes na legislação, cresceu o desejo de explorar o assunto. Entendo plausível o discurso sobre o tema posto que não encontrada outra pesquisa semelhante, tão pouco escrito doutrinário, o que torna um breve estudo num desafio, onde serão construídos pilares, não analisadas construções preexistentes. Tem-se como objetivo esclarecer pontos de discussão, como a recepção ou não da Lei n.º 3.857 de 22 de dezembro de 1960 pela Carta Magna de 1988, e por à tona questões ainda não suscitadas, como a operação dos direitos da categoria se sua autarquia regulamentadora não está em harmonia com a Constituição vigente.

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CAPÍTULO I - EVOLUÇÃO HISTÓRICO-NORMATIVA DO MÚSICO

PROFISSIONAL 1.1. Breve histórico sobre a música Por muito tempo, a história da música era basicamente a história da música erudita européia, atrelando à origem da música no ocidente, no entanto, através de pesquisas, há estudos que afirmam que a manifestação cultural musical se dá desde a pré-história. O famoso musicólogo Marius Schneider (1903-1982), em seu notável estudo, "A origem musical dos animais-símbolos na mitologia e na escultura antigas", assim se refere à música: “Até poucas décadas atrás o termo ‘história da música’ significava meramente a história da música erudita européia. Foi apenas gradualmente que o escopo da música foi estendido para incluir a fundação indispensável da música não européia e finalmente da música pré-histórica.” Dessa forma, pode-se afirmar, que há tantas origens da música, quanto origens culturais pelo mundo.Apesar da falta de exatidão de estudos científicos em datar o início e a ordem de aparecimento dos fenômenos musicais, há traços do surgimento da música simultâneo ao das sociedades humanas. Durante a evolução das sociedades, desde as mais primitivas até as modernas “multi-étnicas”, a música tomou papéis que refletem parte da história da humanidade e expressa a cultura regional de cada povo ao redor do mundo. Nos primórdios, a música era um ato comunitário, onde se confundiam o público ouvinte e o autor, pois todos participantes compunham a apresentação artística musical. A maior parte dos registros históricos da música se dá graças à iconografia, que é uma forma de linguagem visual que utiliza imagens para representar determinado tema. A iconografia como estudo, detalha a origem e a formação das imagens. Com exceção à música lírica grega, a música da antiguidade só tem registros históricos por conta da iconografia, em razão dos estudos sobre os vestígios de instrumentos da época.

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Através de estudos históricos e iconográficos, descobriu-se que as planícies da Mesopotâmia abrigaram, há seis mil anos, uma rica civilização, juntamente com o Egito, a China e o baixo vale do Eufrates. Nessa fase da história da música, destacam-se os sumérios, aplicando a música em rituais solenes ou familiares. Impérios de 2.000 a.C. também conheceram a música. Tratavam-na como símbolo de poder, de respeito e vitória. Vestígios babilônicos atestam elaborada teoria, com um método de afinação de lira-cítara, de nove cordas. Ainda, instrumentos musicais encontrados e representações de cenas musicais noticiam uma arte refinada, que utilizava flautas de prata e de cana, harpa, lira, entre outros. Nessa etapa da história valia muito a pena ser músico: eles eram reverenciados mais do que os sábios, vindo logo após os reis e os deuses. Conseqüentemente, eram poupados dos massacres que antecediam às conquistas. Os estudos e as tradições musicais sumero-babilônicas e assírias irradiaram, influenciando as músicas de outras civilizações, dentre elas, a egípcia, a cretense, dos povos da Ásia Menor e, mais tarde até mesmo da civilização grega. Em torno de 3.200 a.C., na China, a música desempenhava importante papel social, o que se deduz da importância que os chineses atribuíam a ela na filosofia e vida pública. Desenvolveram instrumentos de cordas e, posteriormente tubos-diapasões, chamados de sistema lyn, o qual se tornou base de toda a música chinesa. Assim como a da civilização da Mesopotâmia, a civilização egípcia tem a sua história musical remota, revelada por esculturas de dançarinos tocando flauta, murais de cantores e harpistas, porém com o caráter doméstico mais acentuado do que o religioso. Por volta de 2.060 a 1.554 a.C., no Médio Império, os instrumentos musicais se tornaram mais numerosos podendo-se destacar mais instrumentos de sopro do que de cordas. No Novo Império (1.554 a 1.080 a.C.), os instrumentos musicais se multiplicaram em diversidade e quantidade. Entretanto, a situação do músico seguiu caminho contrário das civilizações anteriores. Segundo textos e iconografia, os músicos eram mantidos em situação subalterna, representados de joelhos diante dos amos e vestidos como escravos. A música também já era conhecida pelos hebreus, a partir do reinado de Davi (do ano 1.000 a 962 a.C.), mas não se sabe qual o estilo ou sistema musical adotado. Na

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Bíblia há várias referências da utilização de instrumentos musicais em rituais religiosos, principalmente por instrumentos de percussão e sopro. Na música da civilização grega reside “a consciência musical, a ambição de criar e o gosto de executar”, por volta de VII a.C., onde apesar de pouco conhecida, encontrase numerosas alusões na Ilíada e na Odisséia, de Homero, ora como distração para o povo, ora como celebração de acontecimentos de alegria ou dor. O início da história da música grega está ligado aos grandes jogos artísticos em Delfos. Esparta e Atenas, onde os poetas-músicos (Terpandro a Sófocles, Ésquilo a Eurípedes) submetiam-se ao julgamento dos filósofos e do povo periodicamente. A música requeria estudo, tornando-se disciplina escolar. Nessa

seara,

Pitágoras,

filósofo

e

matemático

grego,

criou

a

interdisciplinaridade entre matemática e música, pesquisando sobre escalas e, concluindo pelos instrumentos temperados e sua famosa divisão de harmônicos na corda do violão. Platão e Aristóteles deram à música um valor educativo, atribuindo-lhe influência sobre o governo. A poesia lírica do século VII a.C. fez, então, com que a canção e a dança saíssem do anonimato. No século IV a.C., o ensino musical desvalorizou-se e a profissão de músico seguiu a mesma sorte, mesmo assim, influenciou todo o Mediterrâneo romano até os primeiros séculos da era cristã, constatando-se pelos instrumentos gregos encontrados nos túmulos dos etruscos. Estudos sustentam que os romanos preferiam mímica à arte lírica e que Cícero (106 a 43 a.C.) parecia ter conhecimentos musicais, enquanto Nero submetia-se a estudos penosos para adquirir qualidades vocais, levando senadores a estudar e praticar música. A literatura latina faz menção à música, mas sem enriquecê-la na Antiguidade, aparecendo como elemento de luxo e a profissão do músico sendo destituída de prestígio. Em Roma e Alexandria, os ricos tinham escravos músicos, sendo nítida a separação entre música popular e erudita.

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Na maioria das grandes civilizações da antiguidade e nos oito ou dez primeiros séculos da era cristã, a música “é a manifestação de uma cultura coletiva, mas a comunidade delega seu exercício a categorias especializadas, separando músicos e ouvintes”.

1.2. Evolução legislativa De início, a situação do artista músico no Brasil era disciplinada pelo Decreto Legislativo nº 5.492, de 10 de julho de 1928. A Regulamentação do Exercício da Profissão de Músico somente passa a ser regulamentada pela Lei 3.857 de 22 de dezembro de 1960. Importante lembrar, o cenário histórico e político do ano de 1960 no Brasil, para que se possa discutir os alicerces da legislação protetiva do trabalho do músico. Em 1960, no período pós II Guerra Mundial, o Brasil encontrava-se num mundo bipolar, uma disputa entre duas superpotências com sistemas econômicos opostos: Estados Unidos com seu sistema capitalista, e União Soviética com o sistema socialista, disputando pelos países da América Latina, para que estes adotem o seu sistema econômico, ampliando e solidificando assim suas áreas de influência política, por meio da Mídia. Neste universo bipolar, a América Latina vivia um período de instabilidade política, aumentada, a partir de 1959, com a Revolução Cubana. Da parte dos Estados Unidos, acreditava-se que Cuba se tornaria uma ameaça aos países ao seu redor. Internamente, o Brasil passava pelas eleições de 1960, e um dos temas tratados nas campanhas eleitorais era qual deveria ser o posicionamento do Brasil em relação a este cenário internacional, gerando grandes debates políticos entre os intelectuais brasileiros. O povo vivia, de um modo sofrido, as conseqüências econômicas do projeto governamental do presidente Juscelino Kubitschek, Brasília e a meta desenvolvimentista de 50 anos em 5, ou seja, os brasileiros viviam uma situação de estrangulamento financeiro, que os levaria a conviver com uma estagnação econômica social, como por exemplo, o desemprego. Mas com os desejos de avanços industriais no território brasileiro, é perceptível à vontade de formar

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uma nação trabalhadora e científica, a partir do investimento do governo na educação, formando escolas técnicas, e as quais estejam no alcance de todos os cidadãos brasileiros. Dessa forma, natural foi a intenção do legislador em regulamentar e proteger o trabalho do músico, afirmando ser a atividade livre em todo o país, desde que observados os requisitos de capacidade técnica a serem avaliados pela OMB – Ordem dos Músicos do Brasil, não sendo feita distinção entre o trabalho do músico e do artista músico. Em conseqüência dessa afirmativa, a doutrina admite a possibilidade da coexistência da Lei n.º 3.857/1960, com a Lei n.º 6.533 de 24 de maio de 1978, que dispõe sobre a regulamentação das profissões de artistas e de técnico em espetáculos de diversões.

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CAPÍTULO II - NATUREZA JURÍDICA DA PRESTAÇÃO DO TRABALHO DE MÚSICO "Os músicos não se aposentam - param quando não há mais música em seu interior." (Louis Armstrong)

O músico pode desempenhar sua profissão como autônomo ou subordinado, sem a ingerência de outrem ou, executando as suas funções, pessoalmente, em atividade necessária à empresa que explora a diversão, cujo comando está a cargo do titular do empreendimento, que o remunera, até mesmo por meio de cachet, pois esta é uma forma peculiar de contraprestação dos músicos, como se infere do art. 61 da Lei n.º 3.857/60, que conceitua o músico empregado. Neste último caso, a situação sofrerá, sem dúvida, a incidência do Direito do Trabalho, estando sob a égide desses preceitos, além de outros, o músico que trabalha em orquestra de determinada empresa, com atuação permanente e vínculo de subordinação. Nesse sentido é a súmula 312 do Supremo Tribunal Federal: “músico integrante de orquestra da empresa, com atuação permanente e vínculo de subordinação, está sujeito à legislação geral do trabalho, e não a especial dos artistas.”

2.1. Formas de contratação No campo das contratações, diversas são as formas que um, ou vários, músicos podem ser contratados. Poderá ser celebrado um contrato de equipe, onde um conjunto de músicos, uma equipe, organizada espontaneamente visa executar um trabalho comum, pressupondo que o trabalho não possa ser realizado senão mediante os esforços deste grupo. Este contrato poderá assumir feições de um contrato de trabalho ou de uma empreitada. Na hipótese de contrato de trabalho, a prestação de serviço somente poderá ser feita por pessoa física, resultando que o contrato de equipe se resolve num feixe de contratos especiais. Já no contrato de equipe realizado sob a forma de empreitada, os músicos têm autonomia e seu objetivo é o resultado do trabalho, cujos riscos a eles competem. A esse fato acresce a ausência de comando sobre sua atuação concreta.

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Ainda, analisando as prerrogativas trazidas pela Lei n.º 3.857/60 ao músico empregado, o contrato de trabalho a ser celebrado pode ser por prazo determinado ou indeterminado, nos termos do art. 61 da referida lei. Poderá ser, de curto prazo, também, segundo o art. 443, § 2.º, “a”, da CLT. As orquestras, conjuntos musicais, cantores e concertistas estrangeiros só poderão se exibir no Brasil pelo prazo máximo de noventa dias, a juízo do Ministério do Trabalho. E, só poderão exibir-se em estabelecimentos desde que contratado igual número de profissionais brasileiros, pagando-lhes remuneração de igual valor (art. 49, caput, §1.º, alíneas “a” e “b”).

2.2. Vínculo empregatício Os músicos têm formas singulares de organização, formando conjuntos musicais. A conseqüência jurídica dessa forma de atuação é a existência ou não de relação de emprego entre os músicos do conjunto. É claro, que tudo depende da análise do caso concreto. A jurisprudência inclina-se pela negativa do liame empregatício, quando evidenciada a liberdade dos membros do grupo. Apesar da existência de um líder, configuraria apenas uma parceria. Se, todavia, o músico estiver sujeito ao comando de um dos integrantes, o qual além de remuneralo, detém o poder de direção, concretizado na imposição de horário para ensaios e exibições e na aplicação de sanções disciplinares, estará caracterizado o vínculo empregatício. Certo é que o elo de subordinação apresenta-se atenuado, em face das peculiaridades que revestem a atividade dos músicos. Existe, porém, uma questão controversa na relação de emprego entre os músicos e a banda municipal. Existem decisões que sustentam que o serviço é de natureza comunitária e, portanto, não ensejaria reconhecimento do vínculo empregatício. Em contrapartida, em 2002, a Juíza relatora Rosane Serafini Casa Nova entendeu configurados os pressupostos dos arts. 2.º e 3.º da CLT e declarou a existência de vínculo empregatício entre o músico de banda municipal e o Município de Dois Irmãos, no Rio Grande do Sul. Apesar deste julgado, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho é de que a contratação de

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servidor, sem aprovação em concurso, é nula, fazendo jus apenas aos dias efetivamente trabalhados, conforme inteligência do art. 37, II e § 2.º da Constituição Federal.

2.3. Jornada de Trabalho, hora extra e descanso semanal Independente da duração do contrato de trabalho, a jornada diária de trabalho não pode exceder a 5 (cinco) horas diárias, computando o período de ensaio e aquele em que estive à disposição do empregador, com exceção aos casos previstos na Lei n.º 3.857/60, nos arts. 41 e 48, que tratam da possibilidade de elevação: -

a 6 (seis) horas nos estabelecimentos de diversões públicas, como danceterias, onde atuem dois ou mais conjuntos; todavia a hora excedente será paga como hora normal, acrescida de, pelo menos, 50 %.

-

a 7 (sete) horas, nos casos de força maior, festejos populares e serviço

reclamado

pelo

interesse

nacional

(art. 42, II); nesse caso, a hora de prorrogação será remunerada com o dobro do valor salário normal. As prorrogações permanentes deverão ser precedidas de homologação da autoridade competente. Em todos os casos de prorrogação do período normal de trabalho haverá, obrigatoriamente, um intervalo para repouso de 30 minutos, no mínimo. O intervalo par refeição é de uma hora (art. 41, §2.º da Lei n.º 3.857/60) e, não será computado como tempo de serviço. Já os demais intervalos que ocorrerem na duração do trabalho, como também as prorrogações, serão computadas como tempo de serviço. Nos espetáculos de ópera, bailado e teatro musicado, a duração normal do trabalho poderá ser dividida em dois períodos, separados por intervalos de várias horas, em benefício do rendimento artístico e desde que a tradição e a natureza do espetáculo o exijam (art. 43 da Lei n.º 3.857/60).

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A cada período de seis dias consecutivos trabalhados corresponderá a um dia de descanso semanal remunerado obrigatório. A cada período de trabalho diário haverá um intervalo de onze horas, no mínimo, destinado ao repouso. Os músicos de empresas de navegação têm horário especial, com previsão no art. 45 da Lei n.º 3.857/60, de acordo com a permanência da embarcação nos portos e horários de refeições.

2.4. Equiparação salarial Outro entrave no trabalho dos músicos é sobre a possibilidade de equiparação salarial. O art. 461 da CLT não exclui as pessoas que executam atividades artísticas e musicais, entretanto, é difícil a aferição do trabalho de igual valor nessa função, dadas as características intrínsecas desses empregados e o aspecto subjetivo que envolve a comparação. A doutrina vem sustentando que o mesmo raciocínio não se aplica quando a hipótese versa sobre equiparação salarial entre integrantes de grandes orquestras, cujos componentes formam um conjunto despersonalizado, pois a homogeneidade é que contribui para o êxito do resultado do trabalho. Se, contudo, os artistas trabalharem conjuntamente, mas prevalecendo as suas características individuais, impossível se torna a equiparação salarial.

2.5. Proteção à integridade física dos músicos A saúde dos músicos merece atenção, em especial, a auditiva. Estudos realizados pela Delegacia do Trabalho na Bahia traçam um perfil da saúde auditiva ocupacional agravante: encontrou-se elevado índice de perda auditiva induzida pelo ruído entre os músicos, operadores de som, contra-regras e motoristas de trios elétricos. A lesão auditiva se deve à exposição demasiada à níveis de pressão sonora além do permitido no país pelas Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde do Trabalhador (NR-15). A prevenção se dá quando da utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), tornando-se

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necessária a constante medição de níveis de ruído e exames de audiometria aos músicos expostos. Constata-se a ausência de exame admissional, periódico e demissional, bem como programas de controle médico da saúde ocupacional, provavelmente, porque os músicos integram o mercado informal de trabalho, o que não justifica o descaso para a surdez ocupacional. Além da perda auditiva, os músicos estão expostos a outros riscos, tais como, queda no palco, choque elétrico, exposição à luz de placo e fumaça, entre outros. Necessária, portanto,

a conscientização dos

músicos

empregados

e

empregadores, além das autoridades, a respeito dos riscos apresentados, exigindo-se medidas legais e cumprimento da legislação já existente, a fim de tornar efetiva a tutela à saúde do trabalhador nessa profissão.

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CAPÍTULO III - CONFLITO NA REGULAMENTAÇÃO 3.1. O livre exercício profissional e a intervenção estatal A Constituição Federal de 1988 traz em seu art. 5.º, XIII, a garantia do livre exercício profissional, o que, de imediato questiona a vigência da Lei n.º 3.857/60 e a competência da Ordem dos Músicos regulamentar a profissão. A garantia constitucional que assegura a todos o direito de escolher e exercer qualquer tipo de trabalho se constata não ser tão ampla quanto possa parecer, especialmente quando o interesse público sobrepuja o particular, como ocorre em algumas profissões. A escolha da profissão cabe ao indivíduo, no entanto o exercício, desde que atendidas “as qualificações que a lei estabelecer”. O obstáculo legal se justifica em algumas hipóteses, pois, ao lado do interesse individual está o da coletividade, não havendo como se justificar a implantação de amplas e irrestritas liberdades individuais em detrimento do interesse maior da coletividade, qual seja, o bem comum. Em certos e determinados casos, a intervenção estatal justifica-se no escopo de proteger o interesse da sociedade, quando então são estabelecidas qualificações mínimas necessárias ao exercício de determinada profissão, também, nos casos em que necessários conhecimentos técnicos científicos específicos e avançados. Pode-se citar como exemplo a profissão de médico, engenheiro, advogado, entre outras, onde é flagrante a necessidade de regramentos mínimos estabelecendo qualificações necessárias ao exercício para proteção do bem comum. Contudo, há casos, onde é dispensável a intervenção estatal, dentre esses casos, está a profissão de músico. A profissão de músico foi regulamentada, historicamente, no Brasil, com o advento da Lei n.º 3.857/60, que foi promulgada quando vigia a Constituição de 1946, que estabelecia com dizeres diferentes as mesmas diretrizes do dispositivo constitucional vigente: “art. 141, § 14. É livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade que a lei estabelecer.” Era necessário, portanto, que uma lei regulamentasse a capacidade que determinada profissão deveria ter, segundo os anseios da sociedade. Além

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disso, o cenário histórico entre 1940 e 1960 e a situação social brasileira forçavam o legislador a proteger o proletariado. Todavia, após a promulgação da Constituição de 1988, não se evidencia mais a necessidade de lei reguladora da profissão de músico, dentre outras razões, porque não se verifica mais, sob qualquer hipótese, a possibilidade de ser ofendido o interesse da coletividade.

3.2. A regulamentação da profissão de músico – a OMB A Lei n.º 3.857/60 trouxe ao mundo a Ordem dos Músicos do Brasil, a OMB, com a finalidade de exercer em todo o país, a seleção, a disciplina, a defesa da classe e a fiscalização do exercício da profissão do músico, mantidas as atribuições específicas do Sindicato respectivo. Trata do músico profissional, porém, empregado. Sabe-se que a profissão de músico nunca teve o prestígio que mereceu e, intentava o legislador, que a regulamentação e a disciplina proporcionaria melhor a defesa da classe. Pretendia-se, também, estabelecer parâmetros de conhecimentos mínimos para um candidato se habilitar como músico. Ocorre que o mercado musical permaneceu não dando importância para os conhecimentos técnicos ou científicos avançados ao exercício desta profissão, crescendo sensivelmente através das décadas o número de músicos que exerciam a profissão sem o registro na OMB. Com o passar dos tempos, a Ordem dos Músicos restou por ultrapassada, pois os julgados dispensam o registro do músico no seu órgão de classe para o reconhecimento de vínculo empregatício, resultado da formação de duas definições para a mesma expressão:

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músico profissional: aquele que exerce remuneradamente a atividade de músico, com habitualidade, subordinação, nos termos da CLT; e,

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“MÚSICO – RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO – Trabalhando o reclamante como cantor, em duas das embarcações da empresa, sob fiscalização e mediante remuneração estipulada, é de se reconhecer existente entre as partes relação de emprego. A profissão de músico pode ser exercida de modo autônomo, mas admite-se também, desde que presentes os requisitos do art. 3º consolidado, a configuração de vinculação de caráter subordinado, como ocorreu na hipótese..” (TRT 8ª R. – RO 620 – 3ª T. – Relª. Juíza Lygia Simão Luiz Oliveira – J. 19.04.1999) “MÚSICO PROFISSIONAL – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS COM REGULARIDADE E MEDIANTE A PERCEPÇÃO DE CACHÊ - Os músicos profissionais podem exercer sua atividade em caráter autônomo, sem ingerência de outrem, não ficando, porém, impedido de o fazer de forma subordinada, ocasião em que eles executam suas funções de forma pessoal e permanente, sob o comando do titular do empreendimento que, explorando esse ramo de atividade, os remunera por meio de cachê, que é uma forma peculiar de contraprestação desses profissionais dentre aquelas previstas no artigo 61 da Lei nº 3.857/60. Verificando-se que o reclamante encaixava-se nesta última hipótese, já que prestava serviços de forma regular para o demandado, não há como deixar de se reconhecer o vínculo de emprego afirmado na inicial, entendimento que leva à reforma da sentença, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que os demais pleitos formulados na inicial sejam devidamente apreciados.” (TRF6 - RO 004612004-003-06-00-; Relator: Desembargador Federal Ivanildo da Cunha Andrade; Julgamento: 22/07/2005; Órgão Julgador: Segunda Turma)

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músico profissional: diferentemente do amador, aquele que exerce a profissão de músico, não como “ganha-pão”, mas com conhecimento técnico e científico específico. “ADMINISTRATIVO. ORDEM DOS MÚSICOS DO BRASIL. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Mandado de segurança impetrado para o fim de ser reconhecido aos impetrantes o direito à livre apresentação de sua banda musical, em qualquer estabelecimento, sem que seja necessária a carteira profissional ou inscrição na Ordem dos Músicos do Brasil - OMB, Seção Ceará; 2. Se a profissão de músico é organizada, se a lei assim quis, não se pode dizer que uns têm que se inscrever e outros não; 3. A dispensa de inscrição na Ordem dos Músicos aos chamados músicos "populares", é apenas aparentemente benéfica, eis que disfarça certa discriminação, pois seriam considerados músicos apenas aqueles que receberam uma formação regular; 4. Ressalte-se, ainda, que os impetrantes formam uma banda musical e, por isso, não se enquadram na categoria do músico dito popular; 5. Apelação improvida” (TRF5 - Apelação em Mandado de Segurança: AMS 83124 CE 2001.81.00.020420-1; Relator: Desembargador Federal Vladimir Carvalho; Julgamento: 13/03/2008; Órgão Julgador: Terceira Turma)

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“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO PROFISSIONAL. FISCALIZAÇÃO. MÚSICOS AMADORES. I -Os impetrantes se insurgiram contra a orientação da Ordem dos Músicos do Brasil de que apenas músicos associados poderiam se apresentar em público. II -A finalidade da OMB associa-se à fiscalização do exercício da atividade do músico profissional. Precedentes. III -As apresentações de músicos autodidatas que apenas exercem esse ofício como meio de sobrevivência configuram emanações da cultura popular que não podem ser 'burocratizadas' através de exigência de filiação impostas pelo órgão fiscalizador do exercício da atividade de músico profissional. IV -Remessa conhecida e improvida.” (TRF2 REMESSA EX OFFICIO EM MANDADO DE SEGURANÇA: REOMS 67815 RJ 2003.50.01.016291-1; Relator: Desembargador Federal PAULO ESPIRITO SANTO; Julgamento: 14/05/2008; Órgão Julgador: QUINTA TURMA ESPECIALIZADA)

No primeiro caso, a Justiça Obreira não hesita em declarar a existência de vínculo e dispensa a aplicação da Lei n.º 3.857/60, quanto ao requisito de registro, pois leva em consideração a remuneração como músico e entende que se fosse músico inábil não haveriam admiradores nem renda necessária à sua sobrevivência. Na segunda definição, já se apresenta uma situação específica, onde o magistrado atentará ao caso concreto. Por exemplo, se um regente pleiteia seja declarado seu vinculo com uma orquestra, terá de fazer prova de sua habilidade, através do registro na OMB. Segundo a Lei n.º 3.857/60, todo aquele que se propuser ao exercício da profissão de músico, se não estiver devidamente registrado, ficará sujeito às penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão. A briga entre as duas definições já virou um “cabo de guerra” e quem está perdendo com isso é o músico, que tem um órgão de classe fraco e pouco respeitado para lhe defender e que exige o pagamento de anuidade desproporcional à contraprestação oferecida.

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CONCLUSÃO Em todo o mundo, a música transmitiu, pela história, o pensamento e a cultura dos povos. Nem sempre privilegiada, a profissão de músico especializou-se quando os ouvintes se separaram dos executantes e lhes foi delegada essa função. Através dos tempos o estudo aperfeiçoou-se, admitindo-se até mesmo como requisito para habilitar-se na profissão o conhecimento teórico-científico. Conclui-se que, as exigências legais da Lei n.º 3.857/60 não estão em harmonia com o ordenamento jurídico atual e confunde os elementos formadores da música brasileira, que não nasceu no conservatório erudito, mas nas festividades populares e da miscigenação cultural. Não se dispensa a aplicação legal, eis que protetiva, no entanto, critica-se a atuação do governo em exigir requisito científico e não estimular o ensino nas escolas, pondo à margem o músico, que vê-se obrigado a ser autodidata. A aplicação de leis no Direito do Trabalho sempre gera discussões acaloradas, e com o tema escolhido não é diferente. Apesar da existência de lei especial que regulamenta a categoria, os tribunais têm entendido que deve prevalecer o espírito protetivo da CLT, que não gera prejuízos ao músico que desempenha a profissão sem a inscrição no órgão de classe. Além disso, as limitações, impostas ao exercício profissional do músico, não se sustentam em face do ordenamento constitucional de 1988, que consagrou como direito fundamental tanto a liberdade de expressão artística (art 5.º, IX) como a de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão. Impõe-se. E, isso sim, permite espaço à criação musical, sem prejuízo da regulamentação da profissão relativamente ao exercício de determinadas funções, especialmente as públicas e de magistério. Entende-se tacitamente revogados os arts. 16, 17, 18 e 28 da Lei n.º 3857/60 pela Constituição Federal de 1988 e, por conseguinte, limitando a OMB ao exercício da representação dos músicos que, voluntariamente, venham a manter-se filiados a essa entidade, conforme uma associação de direito privado, não como uma autarquia, posto que desnecessária a intervenção estatal. Entendimento compartilhado pelo juiz substituto da segunda vara cível de Curitiba, Guy Vanderley Marcuzzo, que em mandado de segurança, proferiu sentença que

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conclui que a lei que criou a ordem não foi recepcionada pela Constituição Federal, o que anula a exigência de vínculo por parte dos músicos para que possam trabalhar, numa decisão inédita na história jurídica brasileira. Em sua sentença o juiz declarou que "não faz sentido impor restrições ao exercício de uma profissão de cunho artístico, da qual não é preciso exigir qualificação profissional. O maior prejuízo que um músico pode trazer, caso não desempenhe bem sua função, é para si mesmo, pois ficará sem público e sem trabalho. Não há qualquer potencial lesivo na carreira musical que justifique uma fiscalização estatal na sua regulamentação.” No estado de São Paulo há aberração legal em vigor desde 31 de janeiro de 2007, a Lei estadual n.º 12.547/07, que assim diz em seu art. 1.º: “Ficam os músicos, no Estado de São Paulo, dispensados da apresentação da Carteira da Ordem dos Músicos do Brasil na participação de shows e afins.” Diante do conflito de leis, vez que lei estadual está contrariando norma federal, foi proposta ação declaratória de inconstitucionalidade, mas no dia 6 de fevereiro de 2007, a pretensão de organismos que apóiam a OMB de argüir a inconstitucionalidade da lei foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal. Dessa maneira, apesar de conflitante, a da Lei n.º 3857/60 não se aplica em sua integralidade no estado de São Paulo, demonstrando que o Poder Legislativo Federal mantémse inerte quanto ao assunto da regulamentação dos músicos, cominando em solução casuística com base na jurisprudência, na maioria das unidades federativas e, com base em lei estadual, no estado de São Paulo, o que gera prejuízo à classe obreira e, instabilidade e insegurança jurídicas.

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