A regulamentação do sistema de certificação de conteúdo local como instrumento de desenvolvimento da indústria energética nacional

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IBP 1203_14 A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA DE CERTIFICAÇÃO DE CONTEÚDO LOCAL COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO DA INDÚSTRIA ENERGÉTICA NACIONAL

Matheus S. Nunes1. Yanko M. X. Alencar2. Fabrício G. Alves3 Copyright 2014, Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis - IBP Este Trabalho Técnico foi preparado para apresentação na Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014, realizado no período de 15 a 18 de setembro de 2014, no Rio de Janeiro. Este Trabalho Técnico foi selecionado para apresentação pelo Comitê Técnico do evento, seguindo as informações contidas no trabalho completo submetido pelo(s) autor(es). Os organizadores não irão traduzir ou corrigir os textos recebidos. O material conforme, apresentado, não necessariamente reflete as opiniões do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis, Sócios e Representantes. É de conhecimento e aprovação do(s) autor(es) que este Trabalho Técnico seja publicado nos Anais da Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014.

Resumo Em se tratando de políticas públicas voltadas para a Economia, o tema consiste em discussão que sempre desperta interesse e suscita polêmica, especialmente pelo notável alcance dos reflexos político-sociais das medidas adotadas, cujo produto interfere sobremodo na administração do interesse público pelo Estado. Nesse âmbito, o presente estudo possui o intuito de analisar a inserção das cláusulas de Conteúdo Local no mercado brasileiro de combustíveis, bem como analisar se tais disposições contratuais se apresentam como eficazes no fomento ao desenvolvimento deste setor, com especial atenção ao manuseio da discricionariedade regulamentar da Agência Nacional do Petróleo, Gás-natural e Biocombustíveis no manuseio irrefutável desta prática. Para a análise em comento, utilizam-se os métodos de abordagem hipotético-dedutivo, funcionalista-sistêmico e comparativo. No que tange às técnicas de pesquisa, o trabalho alicerça-se na documentação indireta, notadamente as pesquisas bibliográfica e documental. Uma vez empreendida a análise proposta, segundo a metodologia empregada para tanto, conclui-se no sentido de que a inserção das cláusulas de Conteúdo Local nos contratos de Exploração e Produção e Pesquisa e Desenvolvimento. Ao final, conclui-se que a efetividade das políticas de Conteúdo Local apenas logrará êxito se vier acompanhadas pela desburocratização dos setores que giram no seu entorno, a exemplo dos aspectos tributário e administrativo, bem como pelo investimento na qualificação da indústria local no que tange ao atendimento das necessidades deste segmento. Palavras-chave: Economia. Desenvolvimento. Conteúdo Local. Agência Nacional do Petróleo, Gás-natural e Biocombustíveis.

Abstract When it comes to facing the economy public policies, the issue that is under discussion always arouses interest and raises controversy, especially by the remarkable range of political and social consequences of the measures adopted, whose product interferes greatly in the administration of public interest by the state. In this context, the present study has the goal of analyzing the insertion of Local Content Clauses in the Brazilian fuel market as well as to determine whether such contractual provisions are presented as effective in stimulating the development of this sector, with particular attention to handling of regulatory discretion the National Agency of Petroleum, natural Gas and Biofuels - the irrefutable handling of this practice. For the analysis, it’s used the methods of hypothetical-deductive, functionalist - systemic and comparative approach. Regarding the research techniques, the work is founded in indirect documentation, notably the bibliographic and documentary research. Once the analysis was undertaken according to the methodology employed for this purpose, it is concluded in the sense that the inclusion of the clauses of the Local Content in the Exploration and Production and Research and Development contracts. Finally, it is concluded that the effectiveness of the policies of the Local Content only be successful if he comes accompanied by less bureaucratic sectors that revolve in their surroundings , like the tax and administrative aspects as well as the investment in the qualification of local industry in terms to meet the needs of this segment.

Keywords:Economy. Development. Local Content. National Agency of Petroleum, Natural Gas, and Biofuels. Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014

1 Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Pesquisador do Programa

de Recursos Humanos em Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis da Petrobrás (PRH nº 36); Advogado. 2 Professor Visitante do Programa de Recursos Humanos em Direito do Petróleo, Gás-natural e Biocombustíveis (PRHANP/MCTI nº 36), da Universidade Federal do rio Grande do Norte (UFRN). 3 Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Coordenador do Programa de Formação de Recursos Humanos em Direito do Petróleo e Gás Natural (PRH/ANP-MCTI nº 36)

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1. Introdução O desempenho econômico da Indústria energética brasileira chama atenção no processo de abertura econômica cada vez maior com a globalização, aspecto que demanda, apesar da aparente contrassenso, políticas públicas que a resguardem dos players dos Mercados internacionais. Nesse sentido, cada vez mais próximo do segmento energético, tomam corpo as políticas protecionistas de Conteúdo Local, apresentando políticas públicas no sentido de desenvolver a indústria local, minimizando a dependência econômica de bens e serviços dos agentes externos, de forma a maximizar os resultados econômicos das atividades nacionais. Com a abertura econômica do mercado petrolífero brasileiro, pela emenda Constitucional nº 9, de 1995, com aspectos regulamentados pela Lei nº 9.478/97, encerrou-se o monopólio de Exploração e Produção da Petrobrás, contexto a partir do qual houve necessidade de criação de uma agência reguladora para o setor, a Agência Nacional do Petróleo, Gás-natural e Biocombustíveis (ANP), cujo poder regulamentar dirige-se no sentido de garantir o respeito dos agentes atuantes no Mercado nacional ao Interesse Público imiscuído nos campos de exploração de recursos daquela natureza (BRUNETTO; 2002). Visando fomentar e maximizar o desenvolvimento da cadeia produtiva de combustíveis no Brasil, majorando os reflexos positivos da produção de hidrocarbonetos na cadeia de circulação de mercadorias, o Governo brasileiro estabeleceu a política de Conteúdo Local, através da qual o processo licitatório de concessão dos blocos de exploração e produção dos recursos naturais do país leva em consideração como aspecto determinante da escolha o compromisso por parte da concessionária de adquirir bens e serviços junto aos fornecedores nacionais. Analogamente, países de diferentes regiões também adotam políticas desta natureza com o desiderato de suprir as necessidades de suas respectivas indústrias locais com equipamentos, sistemas, mão de obra, serviços e insumos necessários à consecução de suas atividades. Nesse diapasão, o presente trabalho insere-se em razão da necessidade de se estudarem os diferentes reflexos das políticas de Conteúdo Local para a indústria brasileira, haja vista a necessidade de preservação do interesse nacional no que tange necessidade de diminuição do percentual de importados associado ao objetivado desenvolvimento da indústria energética local. Em compasso com a proposta do estudo em epígrafe, abordar-se-á temática à luz do senso teórico e prático, sob as óticas política, econômica e jurídica, de forma a promover uma análise crítica suficiente acerca da inserção das cláusulas de Conteúdo Local no contexto econômico vivido hodiernamente no Brasil, com enfoque na Indústria nacional de combustíveis. Para tanto, utilizar-se-ão os métodos de abordagem hipotético-dedutivo, funcionalista-sistêmico e comparativo; no que se refere às técnicas de pesquisa, o trabalho será construído com base na documentação indireta, especialmente as pesquisas bibliográfica e documental. Com esse panorama, pretende-se, a título de objetivo geral, analisar a viabilidade da inserção das políticas governamentais de Conteúdo Local na indústria brasileira de combustíveis como instrumento de fomento ao seu desenvolvimento. Bem assim, a título de objetivos específicos, aspira-se estudar a inserção das cláusulas de Conteúdo Local no contexto macroeconômico brasileiro; compreender as formas de atuação político-regulamentares da ANP no referido setor; assim como estudar maneiras de atuação político-governamental de maximização dos resultados das medidas de Conteúdo Local no contexto brasileiro, de modo a fomentar o desenvolvimento nacional. Com o fim de melhor organizar as informações, o presente trabalho seguirá o roteiro inicialmente traçado na sequência dos referidos objetivos específicos. Ao final, espera-se contribuir com conclusões de relevo no tratamento da temática, notadamente com aspectos críticos a respeito da eficácia das políticas de Conteúdo Local para o Mercado brasileiro de combustíveis.

2. A Inserção do Sistema de Certificação de Conteúdo Local no Contexto Macroeconômico Com vistas a desestimular as importações e fomentar o desenvolvimento da indústria nacional, a Petrobrás tem dirigido suas políticas no sentido de reunir um conjunto de fornecedores de bens, mão de obra e serviços no território nacional. Nesse contexto, emerge o instituto do Conteúdo Local, cujo propósito se dirige sob a ótica do fomento à ampliação dos potenciais do Mercado nacional, tornando cada vez mais próximas a produção e a comercialização dos produtos, barateando-os e facilitando seu acesso. No mundo inteiro, a Indústria do Petróleo efetua atividades de alta margem de lucratividade, em razão das quais se promove a transação de elevados montantes de recursos que servem, inclusive, de sustentáculo para as economias dos setores público e privado de diversos países. Na esfera privada deste segmento, empresas de grande porte chegam, inclusive, a atingir patamares de riqueza superiores a nações, em razão das vultuosas somas de recursos que ocupam espaço na economia globalizada, caracterizada pela transfronteirização da economia, fator que, em regra, acaba por conduzir tais riquezas para locais distantes de onde se extraíram as matérias-primas. Dada a sua alargada dimensão, a Indústria do Petróleo abarca toda a cadeia produtiva, desde a extração, passando pela fabricação, oferta e consumo, chegando ao variado número de bens e serviços, de modo a promover Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014

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uma ágil circulação de recursos em toda esta cadeia de circulação de mercadorias, abrangendo desde a perfuração e a exploração de poços de hidrocarbonetos aos modernos setores da nanotecnologia. Assim sendo, a fixação de um poço de petróleo em determinada localidade significa bem mais que a produção de recursos a partir da venda de produtos comercializados. Antes disso, há que se atentar para a variada gama de investimentos consideráveis em pesquisa, transporte, infraestrutura, capacitação de laboreiros e avanços científicos com vistas à ampliação da segurança dos procedimentos e da margem de lucro. Seguramente, pode-se afirmar que a Indústria do Petróleo se reveste de estrutura maior do que aparenta. Conforme se observa abaixo (figura 1), o Brasil ocupa posição estratégica no segmento mundial de combustíveis, situando-se na 14ª e 11ª posições quando o assunto são a produção e as reservas de petróleo, respectivamente. Além disso, alcançou a almejada autossuficiência1 na produção petrolífera, à medida em que se firma como figura de relevo na exploração offshore de grandes quantidades de hidrocarbonetos, inclusive na camada do Pré-sal, além das expectativas formadas em torno do Campo de Libra 2, fatores que alavancaram sobremaneira as especulações internacionais sobre o Mercado brasileiro.

Figura 1: Ranking das vinte maiores potências mundiais em petróleo.3 1

A autossuficiência foi alcançada em 2006, mas não se manteve por causa da forte expansão do consumo, que superou a velocidade de crescimento da produção. Contudo, há expectativas que seja novamente alcançada em 2014, o que não quer dizer que não serão feitas importações, pois a autossuficiência em derivados do petróleo deve ser atingida em 2020. (Fonte: http://www.opais.net/pt/opais/?det=32611; Acesso em 24, abr, 2014). Entretanto, apontando um adiamento no tocante ao seu alcance, Graça Foster, Presidente da Petrobrás, tomando por base dados do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), afirmou que apenas em 2015 a estatal poderá reconquistá-la. (Fonte: http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2014/02/autossuficiencia-em-petroleo-volta-em-2015-diz-presidente-dapetrobras.html; Acesso em 14, abr, 2014) 2

Com mais de 1,5 mil quilômetros quadrados, a área de Libra é a maior descoberta de petróleo do País. Estima-se que poderá ter pico de produção de 1,4 milhão de barris por dia. Para efeito de comparação, a produção total do Brasil soma hoje cerca 2 milhões de barris/dia. Libra deverá demandar de 12 a 18 plataformas e de 60 a 90 barcos de apoio. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a exploração vai movimentar investimentos totais de aproximadamente US$ 180 bilhões. Situado a 183 km da costa do Rio de Janeiro, mais próximo que Tupi (campo do pré-sal já em exploração), que está a 300 km do litoral, o Poço de Libra posiciona-se em menor distância pode facilitar a exploração, mas a perfuração é muito profunda e há fronteiras tecnológicas a serem superadas. Até o momento, a profundidade atingida no poço em Libra é de 5.410 metros, com 22 metros perfurados no pré-sal. A perfuração ainda deve alcançar 6.500 metros de profundidade. (Fonte: http://blogs.estadao.com.br/descomplicador/2013/10/18/entenda-o-leilao-do-maior-campo-de-petroleo-do-brasil/; Acesso em 24, abr, 2014) 3

Fonte: http://oglobo.globo.com/infograficos/oil-gas-ranking/; acesso em 24, abr, 2014.

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No cenário da globalização em que se insere, a Indústria brasileira é levada a competir diretamente com a importação dos mais variados produtos e serviços, aspecto que entrava a possibilidade de crescimento ainda maior. Dessa maneira, surge forte preocupação do Governo brasileiro em razão da necessidade de se aumentar a produção da Indústria local neste campo, de modo a garantir e fomentar, a um só tempo, a produção de riquezas no país e o desenvolvimento da tecnologia e a geração de empregos no cenário nacional, proporcionando a exploração de riquezas acompanhado pelo melhor proveito para a economia do Brasil. Dentre o leque de estratégias possíveis de serem adotadas, ganha cada vez mais relevo a Cláusula de Conteúdo Local, cuja finalidade se destina a promover o desenvolvimento nacional através do fortalecimento da competitividade da Indústria local. Para tanto, o concessionário assume contratualmente a obrigação e adquirir bens e serviços nacionais em percentuais mínimos relativamente às atividades de exploração e produção, desde que atendam às mesmas condições de preço, prazo e qualidade dos fornecedores internacionais. Diversas formas de políticas de Conteúdo Local são utilizadas pelos Governos Nacionais com o fim de maximizar a arrecadação local de riquezas oriundas do setor petrolífero e promover o fortalecimento econômico através do estímulo das indústrias do segmento energético destas nações (LARSEN; 2006), é o que se observa desde a cautelosa, porém bastante participativa, política norueguesa à explícita e presente política australiana (KLUEH; 2007). Na Austrália, aperar de não haver política Conteúdo Local propriamente dita, a regulamentação do setor petrolífero dirige-se no sentido de medidas de preferência por fornecedores da região, facilitando as relações comerciais com estes através de atividades específicas, a exemplo do provimento de informação sobre fornecedores australianos para as empresas operadoras de E&P, do encorajamento de formação de jointventures entre empresas locais e internacionais, bem como da assistência no processo de tomada de cotações das empresas (XAVIER JÚNIOR; 2012). Por seu turno, a Nigéria, tendo em conta a pouca participação das empresas locais no que se refere às aquisições petrolíferas advindas de instalações no país, também optou por adotar uma política de Conteúdo Local, consistente em atividades como: a contratação de empresas nigerianas; a realização de farm-outs de participações em campos petrolíferos para empresas locais; a facilitação da transferência de tecnologia; e o lançamento de feiras de desenvolvimento de CL. Assim, tornou-se possível elevar a participação da Chevron Nigéria de 25%, em 1997, para 82%, em 2001 (XAVIER JÚNIOR; 2012). Com a quebra do modelo monopolista de exploração dos recursos naturais no Brasil pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995, reformulou-se a Constituição Federal de 1988 no sentido de permitir a contratação com empresas estatais ou privadas, nacionais ou estrangeiras, para os fins da indústria de petróleo e gás-natural. Para atender aos preceitos neoliberais dos mercados internacionais nos anos 90, foram introduzidas diversas modificações no Texto Constitucional Federal brasileiro, a exemplo do que se verifica nas Emendas nº 5 4, 65, 76 e 87, ambas também de 1995. Assim sendo, nos termos do art. 177, da Constituição Federal, quando versar sobre a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades anteriores; o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, à exceção dos radioisótopos, a União, no exercício do monopólio que lhe confere o presente dispositivo poderá contratar com empresas estatais ou privadas, desde que obedeça aos critérios de garantia de fornecimento dos derivados de petróleo no Brasil. No plano infraconstitucional, a Lei Federal nº 9478/97, a denominada Lei do Petróleo, concentra na União diversas atribuições de controle das atividades concernentes à Indústria do petróleo e gás-natural, o que representa a reafirmação do monopólio estatal sobre as mesmas (MENEZELLO; 2000). Seguramente, diante da manutenção a nível constitucional do monopólio da União, acompanhado da permissão em nível semelhante de participação dos mercados privados, visualiza-se o caráter estratégico e de relevo do segmento industrial brasileiro de petróleo e gás-natural, conjuntura a partir da qual se buscam a continuidade da participação e da influência 4

Modificando o art. 25, da Constituição Federal, inseriu-se a possibilidade de contratação, através do regime de concessão, pelos Estados-Membros, dos serviços locais de gás canalizado para com empresas do setor privado. 5

Excluiu a expressão “de capital nacional” dos arts. 170, IX, e 176, § 1º, da Constituição Federal, promoveu o acréscimo da expressão “constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no país”, permitiu maior amplitude de atuação dos mercados privados, bem como revogou o art. 171, também da Constituição. 6

A partir da modificação do art. 178, da Constituição Federal, permitiu que embarcações estrangeiras navegassem sob o regime de cabotagem e no interior do território nacional. 7

Com a modificação do art. 21, XI, da Constituição Federal, permitiu que a União explorasse diretamente ou mediante os regimes de autorização, permissão ou concessão os serviços de telecomunicações, antes controlados exclusivamente por capitais estatais. Rio Oil & Gas Expo and Conference 2014

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brasileiras neste campo, sempre em atenção aos objetivos da República Federativa e aos objetivos da Ordem Econômica brasileiras. Desde 1950, a Petrobrás empreende esforços para substituir a entrada de produtos dos mercados estrangeiros no Brasil através do estímulo da Indústria local. Entretanto, frente aos problemas de ordem econômica e institucional dos anos 90 dos países em desenvolvimento, o Brasil reformulou suas bases intervencionistas, flexibilizando sua economia através da privatização de diversos setores 8, conjuntura que reposicionou o Estado brasileiro na condição de agente normativo e regulador da atividade econômica, maximizando a fiscalização estatal dos serviços fornecidos à coletividade (BARRAL; 2005, p. 167)9. Nesse contexto, as agências reguladoras são chamadas a utilizar a regulação como instrumento de controle estatal do respeito ao interesse coletivo nas atividades dos mercados privados, de forma a respeitar os limites da Ordem Jurídica na consecução de suas atividades (JUSTEN FILHO; 2002). Com vistas a fomentar o fornecimento nacional em valores acessíveis, acompanhado pelo desenvolvimento do setor industrial local em patamares competitivos nas relações concorrenciais, firmam-se a ANP e a Pré-sal, Petróleo S/A (PPSA) 10 como importantes agentes na órbita do Mercado brasileiro de combustíveis. Dessa forma, implementam-se as políticas e diretrizes para a Indústria petrolífera brasileira pelas agências reguladoras, seja por meio dos regulamentos e portarias, ou por cláusulas inseridas nos contratos de concessão ou partilha de produção (ARAGÃO; 2002). Destacam-se nestas últimas as Cláusulas de Conteúdo Local, que se mostram como estratégias estatais na promoção do desenvolvimento nacional através do fortalecimento do segmento industrial local, possibilitando, assim, seu aprimoramento e expansão. Aliando a qualificação dos fornecedores nacionais à geração de empregos, alcança-se um patamar de desenvolvimento capaz de contribuir de forma significativa para a materialização de variados valores de nível constitucional, a exemplo da justiça social e a erradicação da pobreza, objetivos da República Federativa.

2. A Atuação da Agência Nacional do Petróleo, Gás-natural e Biocombustíveis na Efetivação da Política de Conteúdo Local Como é cediço, a exploração de hidrocarbonetos no território nacional deve obedecer aos ditames estabelecidos na Constituição Federal, haja vista tratar-se de monopólio da União, podendo o exercício das atividades do setor ser realizado por entidades estatais ou privadas, nacionais ou estrangeiras. Para tanto, faz-se imperiosa a realização de procedimento licitatório administrado pela ANP, somente após o qual se torna possível explorar o petróleo e o gás-natural dentro dos limites dos blocos concedidos. Nesses moldes, a atividade é realizada pelas empresas sob sua própria conta e risco (SUDFELD; 1998), adquirindo automaticamente a propriedade sobre o hidrocarboneto produzido, nos termos do artigo 26, da Lei Federal nº 9.478/1997, denominada Lei do Petróleo. As licitações promovidas pela ANP contam com três critérios para julgamento das ofertas, a saber: Bônus de Assinatura (quantia a ser paga pelo arrematante à União), Programa Exploratório Mínimo (plano de atividades) e Conteúdo Local (planejamento de gastos com bens e serviços da indústria nacional). Após o julgamento das propostas, o vencedor da licitação é chamado a assinar o contrato de concessão, contendo o teor da proposta que apresentou. O principal objetivo da instituição do sistema de certificação de Conteúdo Local é impulsionar o desenvolvimento dos mercados locais de maneira competitiva e sustentável. No que diz respeito à chamada faixa não factível, onde não existe participação da indústria local, isso pode ser obtido mediante a criação de incentivos para a instalação de empresas internacionais no Brasil, a associação entre companhias nacionais e internacionais, além de novos entrantes nacionais. Em relação à faixa onde já existe competitividade, é preciso apenas consolidar instrumentos que permitam o desenvolvimento da concorrência em determinados setores. Entretanto, o cerne da política de conteúdo local é a faixa onde a indústria nacional não é competitiva em razão de diversos fatores, a exemplo da baixa qualidade ou preços elevados, por exemplo. A política de Conteúdo Local envolve projetos, processos, equipamentos e componentes. Deste modo, é uma cadeia inteira que se beneficia. Isso possui uma importância imensurável para indústria brasileira na medida em 8

Nesse particular, vale comentar que a Lei nº 8031/90, que instituiu o Programa Nacional de Desestatização, foi revogada pela Lei nº 9.491/97, cuja redação estabeleceu como objetivos fundamentais: “Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização (PND) tem como objetivos fundamentais: I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II - contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida; III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infraestrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito; V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa.” 10

Criadas, respectivamente, pelas Leis nº 9.478/97 e 12.304/2010.

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que permite que as empresas brasileiras ousem desenvolver e consequentemente tem-se um conjunto de resultados favoráveis à indústria nacional tais como: o aumento do parque fabril, do nível de emprego e renda, do investimento em infraestrutura e tecnologia, da arrecadação de impostos, e do próprio valor agregado ao que é produzido no país, fazendo com que o nível de exportação seja elevado e o de importação reduzido. O compromisso de Conteúdo Local possui duas grandes vantagens imediatas para a indústria que se beneficia da aquisição e utilização de produtos e serviços. A primeira é que o pós-venda é muito mais ágil, rápido e de menor custo, uma vez que o fornecedor já se encontra em território brasileiro. A segunda vantagem imediata é o reduzido tempo de entrega em relação aos concorrentes, em virtude da maior facilidade logística, de transporte etc. Uma das mais importantes consequências que podem ser observadas a partir da instituição do compromisso de Conteúdo Local é que quando se exige que os fornecedores nacionais atendam às exigências métricas internacionais, isso faz com que produtos, tecnologias e empresas brasileiras consigam penetrar em setores oligopolizados no plano mundial, culminando no interesse por parte das próprias empresas estrangeiras em adquirir produtos e serviços no Brasil. No contexto regulatório caracterizado pela minimização e distanciamento do Estado na economia, as agências reguladoras assumem distinta relevância, haja vista a carga superior de atribuições que lhes são postas para que se torne possível instituir um mercado competitivo a partir da abertura dos setores que constituíam monopólio do Estado (CAL; 2003). A partir desse panorama, emerge a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), órgão regulador das atividades integrantes das indústrias de petróleo, gás natural e biocombustíveis no Brasil, hodiernamente apresentado sob uma nova roupagem, caracterizada pelo deslocamento do eixo de risco inerente às atividades de exploração e produção do setor de combustíveis do Estado em direção aos mercados privados. Com o fim de maximizar a participação da indústria nacional de bens e serviços, em bases competitivas e sustentáveis, no que tange à implantação de projetos de petróleo e gás natural no Brasil e no exterior, o Governo Federal instituiu, através do Decreto nº 4.925, de 19 de dezembro de 2003, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural11, atuando no trinômio qualificação, política industrial e desempenho industrial. O conteúdo local encontra proteção nos artigos 174 da Constituição Federal, e 8º, caput e inciso IV da Lei Federal nº 9.478/97, baseando-se no fato de que o Estado deve exercer suas funções de incentivo, fiscalização e planejamento com vistas ao alcance do desenvolvimento nacional equilibrado. Dessa forma, atribui-se à ANP a implementação de políticas de salvaguarda e estímulo da indústria local, na medida em que a ela se outorga a regulamentação das fases de exploração, desenvolvimento e produção no território nacional. Através da Resolução nº 19/2013, que versa sobre a Certificação de Conteúdo Local, foi empreendida a reestruturação dos conceitos-chave na temática, ocasião na qual, ao tempo em que foram excluídas diversas nomenclaturas, outras foram incluídas em conjunto com novas restrições para os itens que podem ser considerados como bens ou materiais para cálculo de conteúdo local. Assim, na fase de transição, fica pontuado que contratos de aquisição ou prestação de serviços assinados antes de 11 de setembro de 2008, não aditados após esta data com vistas a modificar seu objeto ou prazo, deverão observar as regras de transição previstas no artigo 59, da aludida resolução. Em princípio, durante a fase de transição, serão considerados para fins de comprovação de conteúdo local tão somente os valores declarados pelos concessionários nos relatórios trimestrais. No que pertine aos bens e aos sistemas de origem estrangeira, observa-se que sobre eles não recai a necessidade de certificação, exceto se tiverem sido fabricados no Brasil e nele estiverem sobre o Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de Bens Destinados à Exploração e à Produção de Petróleo e Gás Natural (REPETRO), ou em caso de sistemas reformados em estaleiros brasileiros ou em território nacional. Todavia, se o concessionário fizer utilização de materiais ou equipamentos de sua propriedade ou mão-de-obra própria, deverá assumir a responsabilidade de contratar uma certificadora para que se proceda à emissão do Certificado de Conteúdo Local. A ANP estabelece restrições aos investimentos que poderão ser considerados no cálculo do conteúdo local, a exemplo dos gastos de natureza administrativa ou daqueles efetuados junto aos órgãos governamentais em referência ao licenciamento de projetos. Na hipótese de contratos de prestação de serviços em que haja faturamento parcial periódico, permite-se que o Certificado de Conteúdo Local seja emitido de forma global, isto é, ao final do fornecimento, trazendo consigo todas as notas fiscais emitidas no período, ainda que lançadas por empresas distintas pertencentes ao mesmo grupo econômico. Com o objetivo melhor compreender as condições legais para a realização das rotinas relacionadas às exigências da Cláusula de Conteúdo Local, faz-se necessário ressaltar que, ao tempo em que a Resolução nº 36 traz o Regulamento de Certificação de Conteúdo Local e a Resolução nº 37 o Regulamento de Credenciamento de Entidade para Certificação de Conteúdo Local, as Resoluções nº 38 e nº 39 versam, respectivamente, sobre o Regulamento de auditorias de Certificadoras e sobre o Regulamento do Relatório de Investimentos Locais12. 11

O Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás-natural visa fomentar a participação da indústria nacional de bens e serviços, de forma competitiva e sustentável, na implantação de projetos de petróleo e gás no Brasil e no exterior, nos termos do art. 1º, do aludido Decreto Federal. 12

http://www.anp.gov.br/brnd/round10/portugues/conteudo_local.asp

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A regulamentação do Conteúdo Local aplica-se aos contratos de concessão, celebrados entre a ANP e os concessionários, a partir da Sétima Rodada de Licitações, com enfoque nas etapas de exploração e desenvolvimento, não incluindo a fase de manutenção. Atualmente, a comprovação do percentual de Conteúdo Local de bem ou serviço é realizada a partir do Certificado de Conteúdo Local, que consiste em documento emitido por uma certificadora credenciada pela ANP aplicável a bens, de uso temporário ou não, serviços, mão-de-obra e consultorias. Desde a primeira rodada de licitações dos blocos de exploração e produção de petróleo, finalizada em 1999, a ANP atribuiu pontos aos agentes compromissados em adquirir bens e serviços dos fornecedores locais. Em que pese as modificações nas rodadas posteriores, as regras compromissórias de Conteúdo Local mantiveram-se em vigência, demonstrando êxito no sentido de reafirmar e tornar crescente o compromisso das empresas para com o território explorado (XAVIER; 2010). Vale ressaltar que o descumprimento da proposta lançada pelo licitante vencedor quando no estágio de execução do contrato não é mera quebra de expectativa, mas verdadeiro descumprimento de cláusula contratual. Considerando que o aludido contrato rege-se pelo Direito Público, pode-se afirmar que os atos do concessionário poderá lhe acarretar severas consequências. Visando impedir o descumprimento às disposições fixadas nas cláusulas de Conteúdo Local, em razão de envolverem sobremaneira do interesse coletivo, notadamente em áreas consideradas estratégicas e com elevado potencial de extração , a exemplo do Campo de Libra e do Pré-Sal, a ANP é chamada a apresentar-se como entidade aplicadora de penalidades. Nesse trilho, a Portaria nº 234, de 2003, da ANP, complementada pela Portaria nº 223, de 2008, também da ANP, aprovou o Regulamento que define o procedimento de imposição de penalidades aplicável aos infratores das disposições e termos constantes dos contratos de concessão, dos editais de licitação e na legislação aplicável, a partir do qual fica estabelecido o procedimento de imposição de penalidades, possibilitando a sujeição ao infrator as seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil e penal cabíveis: a) advertência; b) multas; c) suspensão temporária, parcial ou total, do exercício das atividades; d) suspensão temporária do direito de participar de futuras licitações para obtenção de novas concessões e de contratar com a ANP; e) interdição; f) apreensão e g) rescisão do contrato de concessão 13.

3. Maximização dos Resultados da Política de Conteúdo Local no Contexto Brasileiro e o Fomento ao Desenvolvimento Nacional A mudança do regime jurídico da exploração de hidrocarbonetos advinda com a Emenda Constitucional nº 9 significou uma das alterações de maior relevo nas últimas décadas no mercado brasileiro de combustíveis. Reformulando as bases de competitividade deste segmento, foi trazido a reboque o aumento da necessidade de acompanhamento da indústria local em vista da concorrência para com os mercados estrangeiros, ocasionando um embate direto no processo de transfronteirizado da globalização entre a mão de obra, os bens e serviços nacionais e importados. Com efeito, a inserção das cláusulas de Conteúdo Local apresenta-se como forma de maximizar o desenvolvimento nacional, à medida que possibilitam a atração de elevada gama de investimentos do setor privado, sejam estes nacionais ou internacionais. Em razão de a maior parte dessas empresas serem multinacionais, mantendo, portanto, atividades maciçamente fincadas no exterior, com propensão a adquirir componentes e contratar mão de obra também naquele território, as cláusulas de Conteúdo Local impulsionam e promovem o investimento de capitais no Brasil, sendo indiscutível o seu reflexo positivo. Obviamente, as políticas de Conteúdo Local constituem-se em apenas um dos vértices do desenvolvimento nacional, haja vista que os limites tecnológicos e quantitativos de atendimento das demandas surgidas para a indústria nacional, isto é, faz-se imprescindível que se efetuem investimentos em outros campos para que os trabalhos alcancem seu máximo potencial. Em razão disso, a indústria brasileira deve sempre trazer consigo avanços, de maneira a alavancar as inovações tecnológicas e possibilitar a absorção das capacidades produtoras. Alcançados os objetivos desta política, chegará um ponto em que os produtos produzidos localmente serão conhecidos dos agentes do mercado, passando a ser escolhidos não apenas com o fim de cumprir os preceitos contratuais, mas por se mostrarem competitivos em preço, qualidade e acesso. Nesse sentido, as instituições constituem fator determinante para o desenvolvimento, compreendendo que estas são determinantes para a formação dos custos de transação e produção do mercado e da sociedade, ou seja, quanto mais eficientes, maior será o grau de desenvolvimento visualizado (NORTH; 2001). Dessa maneira, provoca-se a ocorrência do processo de expansão das liberdades reais desfrutadas pela coletividade. As liberdades instrumentais, consubstanciadas nas liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetoras, elevam o patamar das sociais e econômicos, além do campo econômico. Interrelacionando na formação da liberdade global do indivíduo, revelam-se como o meio e o fim do desenvolvimento (SEN; 2000). Nesse diapasão, é indispensável que se pense a efetividade do caminho do desenvolvimento sob uma 13

http://nxt.anp.gov.br/nxt/gateway.dll/leg/folder_portarias_anp/portarias_anp_tec/2003/agosto/panp%20234%20-%202003.xml

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política econômica consistente, a partir da qual são elaboradas decisões que tornem o mais presente possível sua implementação (NUSDEO; 2002) Para que se logre êxito na realização de uma política sistematizada dessa natureza, faz-se interessante que se empreenda sua orientação a partir da análise das políticas de semelhante espécie utilizadas no plano internacional. Não é outra a opinião de Klueh et. Al. (2007), que delineia que tais políticas devem conter: a) a criação de uma entidade pública responsável pela fiscalização das empresas atuantes no segmento, dotada de atribuições relativas ao monitoramento, à análise da prestação de contas e imposição de medidas sancionatórias, bem como pela atuação na garantia de oportunidades de competição das empresas locais; b) o desenvolvimento de um padrão métrico de Conteúdo Local despido de quaisquer ambiguidades; c) a busca pela máxima eficiência dos fornecedores, levando em consideração a capacidade operacional e tecnológica das empresas; d) a difusão de informações sobre as políticas nacionais de Conteúdo Local, além de orientação sobre hipóteses de fortalecimento dos agentes deste segmento, a exemplo da formação de joint-ventures, suporte a planos de aumento das capacidades da indústria local e treinamento especializado; e) monitoramento e disseminação pelo Governo de informações acerca das complementaridades entre a indústria petrolífera e os demais setores a ela associados, a exemplo da produção de fertilizantes e da rede hoteleira. Com vistas a alcançar a máxima eficiência na política de Conteúdo Local, é interessante que sejam observados, na ótica de Xavier Júnior (2012), além dos pontos supracitados, reflexões sobre: a) o financiamento do setor, haja vista a capacidade de monitoramento da capacidade das empresas locais no que tange à captação de recursos do mercado para que seja possível sua atuação no segmento, acompanhada, inclusive, de linhas de financiamento formuladas a partir de políticas públicas específicas; b) a presença de uma política ativa de pesquisa e desenvolvimento (P&D) do setor, através da qual as empresas dessa órbita recebem incentivo para terem maximizado o interesse de investir na área, de forma a produzir transbordamentos na economia que superem os eventuais déficits de externalidades com o aumento do setor petrolífero; c) a tributação do setor, por meio da qual os tributos incidentes na cadeia de circulação de mercadorias dos insumos nacionais devem criar situação idêntica entre bens nacionais e estrangeiros, facilitando a disponibilidade de capital, tecnologia e interesse das firmas locais; d) a implementação de políticas de formação e capacitação de mão de obra atuante nos projetos de exploração e produção, seja esta direcionada às empresas petrolíferas ou a seus fornecedores, de maneira a maximizar as externalidades oriundas do processo de aprendizagem envolvido na atividades petrolífera em expansão, além, logicamente, de resultar em empregos para a mão de obra nacional. Desde a abertura do mercado brasileiro de petróleo, a ANP estabeleceu uma política de Política de Pesquisa e Desenvolvimento voltada a este setor. Vale ressaltar, ademais, que, nos contratos de concessão firmados por empresas de Exploração e Produção junto à ANP, há presença de cláusulas cujo texto estabelece que, nos campos de alta produtividade, fica devido pelo concessionário o pagãmente de valor a título de participação especial, devendo ser repassado o valor de 1% do faturamento bruto do campo para fins de Pesquisa e Desenvolvimento, ficando, além disso, o concessionário obrigado a enviar à ANP relatórios descritivos de tais investimentos, incluindo detalhes técnicos e documentação comprobatória desta destinação. Não bastando, pontua-se ainda que os investimentos na própria entidade privada, incluindo-se afiliadas ou contratadas, não poderão ultrapassar 50% dos valores arrecadados, devendo o excedente ser destinado a Universidades e/ou instituições de Pesquisa e Desenvolvimento tecnológico credenciadas pela ANP. De acordo com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), os investimentos neste segmento, voltados especialmente para a exploração dos recursos minerais do Pré-sal, criarão 46 mil empregos até 2015. Desse total, 84% serão ocupados por técnicos ou profissionais de nível médio, sendo exigida a qualificação específica em toda a cadeia produtiva, fator que torna os profissionais bastante disputados pelo mercado, que lhes oferece salários atrativos para o desempenho de suas atividades. Vale ressaltar que o Paraná é o quarto Estado com maiores expectativas de contratação, permanecendo apenas atrás do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Alagoas 14. A exemplo do que ocorre na indústria do petróleo, o governo pretende estender a política de Conteúdo Local para o segmento de energia elétrica, nas áreas de geração, transmissão e distribuição, de maneira a combater o aumento de importações de equipamentos e estimular a competitividade da indústria nacional, garantindo, a um só tempo, a segurança e a confiabilidade do sistema elétrico 15. Por seu turno, a indústria naval também pretende estimular a contratação de equipamentos locais e atrair fornecedores estrangeiros para as diversas etapas da cadeia produtiva do setor. Conforme mapeamento feito pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção, Reparação naval e Offshore (SINAVAL), com a poio da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (ONIP), a indústria naval brasileira possui capacidade atender a 70% do conteúdo local dos navios petroleiros, 63% das plataformas Flutuantes de Produção e Armazenamento de Petróleo (FPSOs) e 61% de conteúdo para os navios de apoio 16. 14

http://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2014/02/setor-de-petroleo-gera-oportunidades.html

15

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,energia-tera-politica-de-conteudo-local,892124,0.htm

16

http://www.ecofinancas.com/noticias/setor-naval-discutir-conteudo-local

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Nesse prisma, mostra-se interessante comentar que o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp) do governo federal mostrou aumento do conteúdo local médio no Brasil em 2012, na comparação com anos anteriores, para cerca de 77%. Em 2011, o índice ficou em 75,1%; em 2010, em 74,6% e, em 2009, em 74%17. Em que pese o interesse dos mais variados setores, dado o interesse de cada um deles em desenvolver sobremaneira seus respectivos campos locais, bem como as diversas vantagens para a economia brasileira apontadas por inúmeros dados empíricos, a indústria internacional queixa-se do excesso de protecionismo do mercado brasileiro, ao passo em que a indústria local perde cada vez mais espaço junto à Petrobrás. Enquanto o volume de investimentos da companhia cresceu mais de seis vezes entre 2003 e 2011, a fatia dos fornecedores nacionais caiu de 24% para 17%, segundo levantamento da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Em 2005, a indústria conseguiu sua melhor participação nos investimentos da companhia, de 35%. De lá pra cá, não conseguiu repetir o resultado e recuou. Nos projetos de exploração e produção leiloados pela Agência Nacional de Petróleo (ANP), há penalidades para quem não cumprir as exigências de conteúdo local, que variam de 55% a 65%. Mas nas demais áreas, como no refino, não há regras. Na últimas fiscalizações da ANP, a estatal foi uma das dez empresas multadas por descumprir as regras de conteúdo local na fase de exploração dos contratos da quinta e sexta rodadas de licitações dos blocos de petróleo. As multas aplicadas a todas as empresas somaram R$ 25 milhões 18. Assim como as práticas adotadas por países como Noruega e Reino Unido, no Brasil, através das regras firmadas nos contratos de concessão, as concessionárias de Exploração e Produção de petróleo e gás-natural devem contratar fornecedores brasileiros sempre que suas ofertas apresentem aspectos de competitividade para com os bens importados, a exemplo do preço, da qualidade e dos prazos de entrega. Nesse sentido, a Petrobrás conduz suas atividades de compras públicas sob a obrigação de maior transparência, ao contrário das demais concessionárias, que são regidas pelo capital privado, fator que não seria desejável, na medida em que tais atividades são orientadas por políticas de Conteúdo Local. Contudo, a ANP possui uma política de Conteúdo Local focada no recebimento de informações sobre o cumprimento do compromisso contratual firmado, em proceder auditorias e promover o Conteúdo Local, a despeito do desconhecimento público acerca de sua atuação, dada a ausência de publicidade sobre os relatórios apresentados pelas concessionárias de Exploração e Produção.

3. Conclusão O estudo em apreço propôs-se a analisar a inserção das cláusulas de Conteúdo Local como instrumento de desenvolvimento da Indústria Energética nacional. Para tanto, iniciou-se o estudo em epígrafe analisando de que maneira o fenômeno da globalização força a indústria brasileira a competir diretamente com a qualidade e os preços dos produtos e serviços importados, fator que demanda a atuação rápida do Estado na promoção de políticas que, a um só tempo, salvaguardem e fomentem sua competitividade e desenvolvam sua qualidade. Nesse particular, visualizou-se que diversos países utilizam ou lá adotaram em seus respetivos regimes as políticas de Conteúdo Local, sempre com o fim de maximizar a participação local na cadeia produtiva, alcançando elevada margem de lucro. Dessa forma, tornou-se possível concluir pela relevância da adoção de tais medidas em favor do aprimoramento e expansão do setor energético-industrial, possibilitando, com a injeção maciça de recursos, cada vez mais desenvolvimento para estas regiões. Dado o interesse público diretamente envolvido em tais questões, observou-se em seguida que a Agência Nacional do Petróleo, Gás-natural e biocombustíveis é chamada para promover a regulação técnico-jurídica do setor, cabendo-lhe consolidar instrumentos que permitam desenvolver a concorrência da indústria nacional em locais onde esta não se apresenta competitiva em razão de diversos fatores, orientando o mercado na consecução de suas atividades (ESTEVES; 2011). Em seguida, estudou-se o panorama de medidas adotadas na política de conteúdo local brasileira e seus reflexos na promoção do desenvolvimento nacional, com especial atenção à indústria energética. Com efeito, percebeu-se que a adoção de medidas econômicas excessivamente protecionistas acaba por produzir efeito contrário no setor, afugentando os investidores estrangeiros e diminuindo a participação dos capitais estrangeiros na indústria nacional. Com clareza, pode-se inferir que o fomento às preferências dos investidores estrangeiros no segmento de Exploração e Produção, bem como no campo de Pesquisa e Desenvolvimento deve vir acompanhada de medidas que elevem os padrões de qualidade dos produtos e serviços nacionais, especialmente a qualificação de mão de obra e o desenvolvimento técnico-científico da indústria local. Nesse diapasão, visando prestigiar ao máximo os produtos nacionais, garantindo o aumento da geração de empregos e injeção de recursos no território nacional, contribuindo para a expansão do setor produtivo, a política brasileira de conteúdo local é vista pelos mercados internacionais como excessivamente protecionista, sendo cada vez mais complicado definir o que realmente constitui conteúdo local no quadro de aprofundamento do cenário da globalização, considerada a baixa competitividade da indústria local. 17

http://exame.abril.com.br/mundo/noticias/programa-ve-alta-de-77-do-conteudo-local-de-petroleo/

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http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/industria-brasileira-perde-espaco-na-petrobras/

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Vale ressaltar que a conta final da produção energética no Brasil exprime um problema, que, apesar da margem de lucro que se enxerga, não alcança o interesse dos produtores internacionais, em vista dos curtos excessivos com aspectos burocráticos exigidos pela legislação brasileira, a exemplo dos custos trabalhistas e tributários, que influem sobremaneira no produto final da produção desta cadeia. Sem incentivar o desenvolvimento do parque tecnológico e enxugar a burocracia nos mais diversos aspectos (trabalhista, tributário e administrativo), dificilmente o Brasil conseguirá se mostrar eficiente em suas políticas de Conteúdo Local. Assim sendo, torna-se imprescindível que o Governo, com apoio direto da ANP, redefina a política de Conteúdo Local, cuidando primeiro da competitividade do setor produtivo, não apenas da indústria, mas, e, sobretudo, através de investimentos focados na qualificação da mão de obra, acompanhados paralelamente pela reforma das políticas que giram no entorno do Conteúdo Local. Somente assim, o mercado interno estará preparado para atender às exigências postas diante da competitividade desfronteirizada dos mercados internacionais.

4. Referências ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. Rio de janeiro: Forense, 2002 BARRAL, W. (org.). Direito e Desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica de desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005. BRUNETTO, Thiago Cechini. Reforma do Estado, Estado regulador. In: MOLL, Luiza Helena (org.) Agências de regulação no Mercado. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002. CAL, Arianne Brito Rodrigues. As agências reguladoras no Direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. ESTEVES, Heloisa Borges Bastos. Principais Práticas Anticompetitivas nos Segmentos de Distribuição e Revenda de Combustíveis Automotivos. Coordenadoria de Defesa da Concorrência – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis: 2011. JUSTEN F., Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. KLUEH, U.. et al. Inter-sectoral linkages and local content in extractive industries andbeyond – the case of São Tomé and Príncipe. Fundo Monetário Internacional, 2007 (IMF Working Paper, n. 07/213). LARSEN, E. R. Are rich countries immune to the resource curse? Evidence from Norway´s management of its oil riches. Resources policy, 2005. MENEZELLO, Maria D’assunção Costa. Comentários à Lei do Petróleo: Lei Federal nº 9.478, de 6-8-1997. São Paulo: Atlas, 2000. NEVES, M. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. NORTH, D. Institutiones, Ideologia y desempeño econômico. México: Fundo de Cultura Econômica, 2001. NUSDEO, F. Desenvolvimento Econômico: um retrospecto e algumas perspectivas. In: FILHO, Calisto Salomão (coord.). Regulação e Desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002. SEN, A. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo. Companhia das Letras, 2000. SUDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Ordenador. São Paulo: Malheiros, 2003. XAVIER JÚNIOR, C. E. R. Políticas de Conteúdo Local no Setor Petrolífero: o caso brasileiro e a experiência internacional. Rio de Janeiro: IPEA, 2012. XAVIER, C. Conteúdo local nas rodadas de licitação da ANP e o papel da Petrobras: evidências recentes. Radar – tecnologia, produção e comércio exterior, Brasília, n. 8, p. 9-15, 2010.

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