A relação entre o gênero do profissional e a sua atuação na assistência odontológica - implicações sobre a gestão municipal

May 28, 2017 | Autor: Monica Andrade | Categoria: Investigação
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Investigação. 2012;12:30-35

Investigação

ISSN 2177-4080 (on-line)

http://publicacoes.unifran.br

Artigo Original

A relação entre o gênero do profissional e a sua atuação na assistência odontológica implicações sobre a gestão municipal The relationship between the gender of the professional and his role in dental care implications for municipal management Andréa Porto1*, Mônica de Andrade Morraye1, Soraya Fernandes Mestriner2, José Eduardo Zaia1 Universidade de Franca, Franca, São Paulo, Brasil. 2Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.

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Recebido em: 6/2/12 | Revisado em: 21/9/12 | Aceito em: 22/11/12 | Disponível online em: 19/06/13



resumo

O objetivo deste estudo foi correlacionar os tipos de procedimentos odontológicos (grupos) realizados por cirurgiões-dentistas (CDs) nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do município de Franca segundo a faixa etária dos usuários e gênero dos profissionais. Foi realizado um estudo de caso descritivo e exploratório em que foram coletados dados secundários de boletins de produção odontológica de 44 CDs contratados pela Secretaria Municipal de Saúde que trabalhavam nas 14 UBS’s municipais durante o período de janeiro a dezembro de 2007. Dos 44 CDs do quadro municipal, 19 são homens e 25 são mulheres. Os procedimentos mais realizados foram os clínicos; os usuários da faixa etária de 15 anos ou mais são os que foram submetidos ao maior número de procedimentos. Foi encontrada uma relação significativa entre a faixa etária dos usuários e o gênero do profissional (p < 0,01), sendo que, profissionais do gênero feminino atendem com maior frequência usuários de faixas etárias menores; já os profissionais do gênero masculino têm preferência em atender usuários com 15 anos ou mais. O tipo de procedimento também está associado ao gênero do profissional (p < 0,01); desta maneira, profissionais do gênero feminino realizam um número maior de ações de promoção e prevenção de saúde enquanto que os profissionais do gênero masculino realizam mais procedimentos cirúrgicos. Palavras-chave: Sistema Único de Saúde; recursos humanos em Odontologia; assistência odontológica.

abst r ac t

The aim of this study was to correlate the types of dental procedures (groups) performed by dentists (Ds) in the Basic Health Units (BHUs) of Franca city according to age of users and gender of professionals. Was carried out a descriptive and exploratory study of case with secondary data, collected from bulletins of dental production of the 44 Ds, hired by the City Health Department, who worked in 14 municipal BHUs during the period January-December 2007. Of the 44 dentists in the municipal framework, 19 are male and 25 are female. The more performed procedures were the clinical ones and the patients aged 15 years or more were submitted to a greater number of procedures. Were found a significant relationship between patient age and the gender of the professional (p < 0.01), the female professionals take care more often of patients in younger age group, and the male professionals prefer to take care of patients aged 15 years or more. The type of procedure is also associated with the gender of the professional (p < 0.001), so female professionals perform a greater number of actions to promote health and prevention while male professionals perform more surgical procedures. Keywords: Unified Health System; dental staff; dental care.

Autor correspondente Endereço: Rua dos Pracinhas, 1790, Residencial Paraíso, 14.403-160, Franca, SP, Brasil. Email: [email protected] *1

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Introdução

Material e Métodos

A Organização Mundial de Saúde (OMS), em seu Global Oral Health Programme, reforça a ideia de que a saúde bucal é parte integrante da saúde humana e fator determinante da qualidade de vida dos indivíduos e da população. Desta forma é recomendado que as políticas de saúde bucal sejam partes integrantes das políticas de saúde nas diferentes esferas de governo (1).

Trata-se de uma pesquisa quantitativa, porém, considerada como estudo de caso descritivo e exploratório por se tratar apenas da realidade do município de Franca (SP) aprovada pelo CEP, protocolo nº 0069.0.393.000.08 em 6 de maio de 2008.

Ao longo destas últimas décadas, os modelos assistenciais de saúde bucal passaram a ter uma maior importância a partir da municipalização das ações de saúde proposta pelas Normas Operacionais Básicas (NOB 91, 92, 93, 96) e mais recentemente pelos Pactos pela Saúde. A municipalização implica o fato de que cabe aos gestores municipais a implantação de seus modelos assistenciais de acordo com a realidade de seu município, proporcionando uma maior abertura para a criação de novas estratégias (2). Este crescimento culmina no ano de 2004 com o lançamento pelo Ministério da Saúde do documento intitulado “Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal”, conhecido também como “Brasil Sorridente”, que é o primeiro documento destinado exclusivamente às ações em saúde bucal. Essas diretrizes passaram a constituir o eixo político básico de proposição para a reorientação das concepções e práticas no campo da saúde bucal, capazes de propiciar um novo processo de trabalho tendo como meta a produção do cuidado (3). Nesse sentido, a política do “Brasil Sorridente” (3) surge como uma alternativa para a melhoria da atenção à saúde de todos os brasileiros. A saúde bucal passa a ser inserida de fato em um conceito amplo de saúde, integrando as demais práticas de saúde coletiva, e legitimando o termo “saúde bucal coletiva” e suas aspirações. A legislação brasileira avançou bastante no que diz respeito à saúde bucal; as novas diretrizes realmente buscam contemplar a integralidade do cuidado e trazem a saúde bucal como um direito de cidadania. O grau de importância que lhe é atribuído pelos gestores deve ser aumentado e modificado, e, consequentemente, a responsabilidade dos mesmos em desenvolver e implementar ações que contemplem o previsto nas novas diretrizes. Porém, o que observamos no município de Franca (SP), em questão, é que a odontologia de mercado não perdeu a hegemonia no sistema de saúde brasileiro. Em linhas gerais, sua concepção de prática centrada na assistência odontológica ao indivíduo doente, e realizada com exclusividade por um sujeito individual no restrito ambiente clínico-cirúrgico, não apenas predomina no setor privado, como segue exercendo poderosa influência sobre os serviços públicos (4). Neste estudo focamos nossa atenção no ator principal desta assistência, ou seja, nos (CDs) que atuavam nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do município de Franca (SP) durante o ano de 2007. O objetivo foi correlacionar os dados da assistência odontológica referentes ao tipo de procedimento realizado e a idade dos usuários que receberam este atendimento, com o gênero do profissional que desempenhou esta função, trazendo subsídios para a discussão do papel do mesmo e de sua atuação dentro do SUS.

O município de Franca é sede da DRS (Departamento Regional de Saúde) VIII, ao qual pertencem 22 municípios, e cuja população é de 319.094 habitantes (5). Foram utilizados dados secundários coletados dos boletins de produção odontológica mensais do ano de 2007 dos 44 CDs, generalistas, que foram contratados pela SMS para atuar nas 14 UBSs municipais com carga horária de 20 horas semanais. Os boletins de produção odontológica são fichas preenchidas pelos CDs contando o número de procedimentos por eles realizados durante o mês vencido, desenvolvidos com o intuito de ajudar os digitadores na hora de alimentar o SIA/SUS - Sistema de Informação Ambulatorial. Neles foram coletados os dados que caracterizam a população atendida (idade) e o tipo de procedimentos realizados no período de janeiro a dezembro de 2007. Os procedimentos odontológicos descritos nos boletins de produção odontológica foram classificados em quatro grupos de acordo com o Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS – SIGTAP (6): grupo 1 – ações de prevenção e promoção de saúde; grupo 2 - procedimentos com finalidade diagnóstica; grupo 3 - procedimentos clínicos; grupo 4 - procedimentos cirúrgicos. Os dados coletados foram tabulados e agrupados em tabelas de contingência para teste de independência utilizando Qui-quadrado, sendo considerada significativa a associação entre duas variáveis quando p < 0,05. Resultados Foram descritos os dados de 528 boletins produzidos pelos 44 CDs do quadro municipal, em que 19 são homens e 25 são mulheres. A produtividade de cada uma das UBSs foi descrita considerando o gênero do profissional que realiza os diversos procedimentos contidos em cada um dos 4 grupos. Como em cada unidade o número de CDs é variável, os procedimentos foram agrupados considerando a média da produtividade dos CDs do gênero masculino e feminino consequentemente. A Tabela 1 relaciona o número de procedimentos odontológicos por idade do usuário e gênero do profissional, segundo o grupo (SIGTAP). Ela mostra que, do total de procedimentos de ações de promoção e prevenção, 13.079 são realizados em usuários de 0 a 6 anos, e deste total, apenas 134 são realizados por CDs do gênero masculino, sendo a produtividade do gênero feminino significativamente maior nesta faixa etária. Porém, dentro deste mesmo grupo de procedimentos a produtividade masculina é significativamente maior para os usuários da faixa etária de 15 anos ou mais - do total de 4.880 procedimentos eles são responsáveis por 3.798. Nos procedimentos cirúrgicos a produtividade maior é reali-

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Tabela 1 – Número de procedimentos odontológicos por idade do usuário e gênero do profissional, segundo o grupo de procedimentos (SIGTAP), no período de janeiro a dezembro de 2007. Grupos de Procedimentos

Idade do Usuário

CD Maculino

CD Feminino

Total

n

%

n

%

n

Ações de Prevenção e Promoção de Saúde

0a6 7 a 14 15 e + Total

134 2049 3798 5981

2,2 34,3 63,5* 100,0

12945 7121 1082 21148

61,2* 33,7 5,1 100,0

13079 9170 4880 27129

Procedimentos Cirúrgicos

0a6 7 a 14 15 e + Total

32 630 6301 6963

0,5 9,0 90,5* 100,0

1090 1562 1394 4046

26,9* 38,6 34,5 100,0

1122 2192 7695 11009

Procedimentos Clínicos

0a6 7 a 14 15 e + Total

401 6195 30810 37406

1,1 16,6 82,4* 100,0

20242 16652 9370 46264

43,8* 36,0 20,3 100,0

20643 22847 40180 83670

Procedimentos com finalidade Diagnóstica

0a6 7 a 14 15 e + Total

2 190 692 884

0,2 21,5 78,3* 100,0

146 285 173 604

24,2* 47,2 28,6 100,0

148 475 865 1488

* Significativamente maior que no gênero oposto (p < 0,05). zada em usuários de 15 anos ou mais, e do total de 7.695, apenas 1.394 são realizados por CDs do gênero feminino, porém, há destaque para a produtividade feminina na faixa etária de 0 a 6 anos, que é significantemente maior, sendo elas responsáveis por 1.090 dos 1.122 procedimentos. Em relação aos procedimentos clínicos, destaca-se a produtividade masculina em usuários com idade superior a 15 anos, sendo que de um total de 40.180 procedimentos, 30.180 são realizados por CDs do gênero masculino, e o destaque da produtividade feminina continua para faixa etária de 0 a 6 anos realizando 20.242 dos 20.643 totais. Os procedimentos com finalidade diagnóstica somam apenas 1.488 procedimentos dentro de todo o município, e deste montante, 865 são realizados em usuários com 15 anos ou mais. Os CDs do gênero masculino são responsáveis pela produção de 692 procedimentos realizados nesta faixa etária, e os de gênero feminino por 173. Contudo, dos 148 procedimentos totais para a faixa etária de 0 a 6 anos, 146 foram realizados por CDs do gênero feminino e apenas 2 pelos do gênero masculino. Portanto, entre o gênero do CD e idade do usuário foi encontrada associação significativa (p < 0,05), demonstrando que o atendimento a usuários com faixa etária menor é realizado preferencialmente por profissionais do gênero feminino; já o inverso

ocorre com o atendimento a usuários de faixa etária maior que são priorizados por profissionais do gênero masculino (Tabela 1). Ainda na Tabela 1, observamos também que os usuários que pertencem à faixa etária de 15 anos ou mais são priorizados, recebendo um maior número de procedimentos clínicos, cirúrgicos e de finalidade diagnóstica. A Tabela 2 relaciona o gênero do CD com a sua produtividade em cada um dos 4 grupos (SIGTAP). Foi encontrada associação significativa entre o tipo de procedimento e o gênero do profissional (p < 0,01); profissionais de ambos os gêneros priorizam os procedimentos clínicos, porém, dentro do grupo dos procedimentos de Promoção e Prevenção, a produção dos CDs de gênero feminino é significantemente maior que a do gênero masculino. O inverso ocorre com a produção dos procedimentos cirúrgicos e de finalidade diagnóstica que estão interligados, neste caso, a produção dos CDs do gênero masculino que se destaca (Tabela 2). Discussão De acordo com o “Brasil Sorridente” (3), faz-se necessária a busca pelo conhecimento dos recursos humanos, dos recursos físicos, das condições de saúde dos usuários e das políticas desenvolvidas

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Tabela 2 – Valor absoluto e porcentagem ponderada dos procedimentos odontológicos de acordo com o seu grupo (SIGTAP) segundo o gênero do CD, no período de janeiro a dezembro de 2007. Gênero CD

Ações de Prevenção e Promoção de Saúde

Procedimentos Cirúrgicos

Procedimentos Clínicos

Procedimentos com finalidade Diagnóstica

Masculino N = 19 Feminino N = 25

5981 (11,7%) 27,1% 21148 (29,3%) 72,9% **

6963 (13,6%) 69,4% ** 4046 (5,6%) 30,6%

37406 (73,0%) # 51,5% ** 46264 (64,2%) # 48,5%

884 (1,7%) 65,8% ** 604 (0,8%) 34,2%

** Significativamente maior que no gênero oposto (p < 0,01); # Significativamente maior que outros procedimentos para ambos os gêneros (p < 0,01).

em cada município na tentativa de contemplar as premissas do SUS. Este estudo traz subsídios para se discutir o papel do profissional de ambos os gêneros dentro da assistência em saúde bucal, traçando um perfil que tende a se repetir em outros municípios e pode ser utilizado na reorganização dos serviços de acordo com a necessidade da população atendida nas diferentes áreas municipais. Como era de se esperar, o grupo de procedimentos priorizado em todas as UBSs é o que engloba os procedimentos clínicos. Porém, devemos considerar que dependendo de cada realidade, isto é, das características sociais e epidemiológicas de cada população-alvo, deveriam ser combinadas diferentes ações, atendendo o conceito ampliado de saúde, definido no artigo 196 da Constituição da República (7). Propõe-se uma mudança progressiva dos serviços, evoluindo de um modelo assistencial centrado na doença e baseado no atendimento a quem procura para um modelo de atenção integral à saúde, em que haja a incorporação progressiva de ações de promoção e de proteção, ao lado daquelas propriamente ditas de recuperação. Nesta inversão do modelo, o tipo de procedimento a ser priorizado deve ser largamente estudado a fim de que o planejamento do conjunto de atividades coletivas e individuais que integram o sistema de assistência municipal considere os diferentes aspectos relativos à população-alvo. Entre eles, cabe destacar as características socioculturais, os fatores econômicos e os aspectos biológicos que afetam cada grupo social específico (7). Segundo as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal (3), para melhor identificar os principais grupos de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde a serem desenvolvidas prioritariamente, é necessário conhecer as características do perfil epidemiológico da população, não só em termos de doenças de maior prevalência, mas também as condições socioeconômicas da comunidade, seus hábitos e estilos de vida, suas necessidades de saúde — sentidas ou não —, aí incluídas por extensão a infraestrutura de serviços disponíveis. Dessa forma é preciso que os envolvidos com a produção des-

ses conhecimentos, e os gestores da área, não apenas conheçam esse conjunto de proposições, como o levem em consideração ao definir uma agenda para a saúde bucal que seja coerente com as necessidades da população (4). É também necessário que o CD realize seu trabalho equilibrando prevenção e cura, adotando procedimentos cuja eficácia tenha sustentação científica e assegurando que esses sejam implementados com o mais alto padrão possível. Além disso, deve participar do processo de identificação dos problemas dos diferentes grupos populacionais do território sob responsabilidade de seu serviço de saúde, atuando em equipes multidisciplinares e intersetoriais, com a participação de lideranças (8). Ainda dentro do contexto sobre os grupos de procedimentos a serem priorizados, devemos considerar que um dos princípios básicos da odontologia moderna é não intervir antes que as ações de promoção de saúde tenham tido a oportunidade de funcionar. Nesse sentido, os cirurgiões-dentistas são convidados a repensar a sua prática e exercer um novo papel dentro da odontologia no SUS (8). Estas ações estão incluídas no grupo de procedimentos denominado “Ações de Promoção e Prevenção de Saúde”, que, no contexto desta pesquisa, ficou reduzido a apenas “procedimentos”, mas, de acordo com as Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal, este grupo deve também contemplar a integração da saúde bucal às demais práticas de saúde coletiva, o que implica na construção de políticas públicas saudáveis e no desenvolvimento de estratégias direcionadas a todas as pessoas da comunidade, como políticas que gerem oportunidades de acesso à água tratada, incentivem a fluoretação das águas, o uso de dentifrício fluoretado e assegurem a disponibilidade de cuidados odontológicos básicos apropriados (3). Inclui-se também, nas ações de promoção da saúde, trabalhar com abordagens sobre os fatores de risco ou de proteção simultâneos, tanto para doenças da cavidade bucal quanto para outros agravos (diabete, hipertensão, obesidade, trauma e câncer), tais como: políticas de alimentação saudável para reduzir o consumo de açúcares, abordagem comunitária para aumentar o autocuidado com a higiene corporal e bucal, política de eliminação do tabagismo e de redução de acidentes (3).

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E no âmbito do SUS, os profissionais têm a responsabilidade de advogarem políticas públicas saudáveis e de auxiliarem as pessoas a se capacitarem na busca de sua qualidade de vida e da coletividade (9). Segundo o Plano Regional de Saúde do município de Franca, a assistência em saúde bucal deve priorizar os usuários com idade entre zero e 14 anos. Entretanto, os procedimentos mais realizados são os clínicos, cirúrgicos e de finalidade diagnóstica em usuários com idade superior a 15 anos, ainda que em cada uma das UBS exista um período reservado e um profissional designado para o atendimento em odontopediatria. Vale ressaltar que as metas são pactuadas de forma variável de acordo com a realidade do município em questão, considerando que nas Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal é recomendada a ampliação e qualificação da atenção básica, possibilitando o acesso a todas as faixas etárias (3). Considerando agora o gênero do profissional, observa-se que a profissão de cirurgião-dentista vem sofrendo uma clara e progressiva feminização do trabalho (10, 11), e no município em questão não é diferente - as mulheres representam 56,81% da força de trabalho. Rodrigues (12) revela que no Estado do Rio Grande do Norte a proporção de CDs do gênero feminino também é superior (54,8%), e que a maioria dos CDs que relataram a jornada de trabalho afirmou trabalhar 20 horas semanais. A escolha dessa profissão por parte das mulheres pode ser explicada pela compatibilidade com as características da identidade feminina, especialmente do cuidado, além de outros fatores como: a flexibilidade de horário, ausência de patrão, compatibilidade com suas responsabilidades domésticas, etc (12). Matthews (14), em uma grande pesquisa realizada com CDs na Inglaterra, demonstra que a maioria dos profissionais do gênero feminino trabalha meio período devido principalmente a razões familiares, o que poderia ficar inviável se elas tivessem escolhido uma profissão diferente, indo de encontro com os dados do município em questão. Outro aspecto relevante da pesquisa foi encontrado em relação ao tipo de procedimento realizado de acordo com o gênero do profissional que o realiza. Nesta relação encontramos maior destaque para a produtividade dos profissionais do gênero feminino nos procedimentos englobados pelo grupo de ações de promoção e prevenção de saúde, especialmente em usuários com idades de 0 a 6 anos. Isso, segundo Rabello (13), deve-se ao fato de que a odontopediatria e a dentística são as especialidades que mais se relacionam às mulheres, porque vão ao encontro de suas propaladas características de bondade, paciência, saber ouvir, cuidar de crianças (odontopediatria) e serviços que requerem habilidades manuais (dentística). Em relação ao grupo de procedimentos cirúrgicos, os dados se invertem: a maior produtividade se dá nos usuários de 15 anos ou mais e são realizados em sua maioria por profissionais do gênero masculino.

Ainda segundo Rabello (13), uma exigência da força física, maior resistência ao sofrimento humano e “sangue frio” para intervenções cirúrgicas, originam-se numa determinação cultural de que a mulher, pelas suas características físicas, não poderia exercê-la. Coube à sociedade, e não à Biologia, determinar os papéis para os gêneros. “Até hoje, o homem que opta por odontopediatria e a mulher, por cirurgia, são olhados de esguelha”. Sabendo-se que compete à gestão do Sistema Único de Saúde o ordenamento da formação de recursos humanos da área da Saúde, bem como o incremento na sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico (15), a área de atuação e as atividades desenvolvidas na assistência por parte dos profissionais devem ser constantemente monitoradas pelos gestores da saúde bucal do município. O Relatório Final da 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal (16) recomenda ainda que seja criado um Sistema Nacional de Avaliação e Acompanhamento das Condições Municipais de Oferta em Saúde Bucal. Por meio do uso desse sistema seria possível certificar a existência de condições mínimas da oferta para a habilitação dos sistemas municipais de atenção à saúde bucal, com certificação periódica a cada quatro anos, e estabelecer confiança nas condições de qualidade da oferta nos sistemas municipais de saúde. Reconhecendo que o maior desafio na conquista da saúde bucal como um direito de cidadania “com garantia de universalidade do acesso e equidade da assistência odontológica, interligados a outras medidas de promoção de saúde de grande impacto social” está centrado na necessidade de se identificarem os principais problemas do País na área da saúde bucal, buscando meios, recursos e definindo estratégias para superá-los (16) são trabalhos de suma importância. Conhecer, portanto, os recursos humanos e identificar o perfil dos profissionais que atuam no SUS em uma determinada região é necessário para a definição de estratégias e implantação de mudanças progressivas nos serviços. Além disso, é importante a busca pela evolução de um modelo assistencial centrado na doença e baseado no atendimento a quem procura um modelo de atenção integral à saúde, em que haja a incorporação progressiva de ações de promoção e de proteção, ao lado daquelas propriamente ditas, de recuperação, para definir uma agenda para a saúde bucal que seja coerente com as necessidades da população (4). Por meio deste estudo, concluímos que os procedimentos clínicos ainda são priorizados no município em detrimento às ações preventivas e de promoção de saúde, ou seja, a assistência odontológica é centrada na odontologia curativa e prioriza os usuários em idades superiores a 15 anos. A maioria dos profissionais contratados pela SMS é do gênero feminino e estes realizam um valor significativamente maior dos atendimentos em usuários com idades de 0 a 6 anos, enquanto que os CDs do gênero masculino realizam um valor significativamente maior dos procedimentos em usuários com idades de 15 anos ou mais. Já em relação ao tipo de procedimento, as ações de promoção e prevenção são significativamente realizadas por profissionais do gênero feminino. Os procedimentos cirúrgicos e de finalidade

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diagnóstica são significativamente realizados em maior parte por CDs do gênero masculino.

(10) Moyses SJ. Política de saúde e formação de recursos humanos em Odontologia. Rev ABENO. Brasília: 2004;1:30-37.

Sugerimos uma posterior análise da demanda populacional em cada uma das UBSs municipais para melhor adequar-se à

(11) Moimaz SAS, Saliba NA, Blanco MRB. A força do trabalho feminino na Odontologia, em Araçatuba-SP. J Appl Oral Sci. Bauru: 2003;11:301-305.

oferta da assistência odontológica. Conflitos de interesse Não existiram conflitos de interesse de qualquer natureza que poderiam ter interferido nos resultados da pesquisa. Referências (1) Petersen PE. The Oral Health Report 2003: continuous improvement of oral health in the 21st century – the approach of the WHO Global Oral Health Programme. Community Dent Oral [periódico na internet]. 2003 [acesso em 10 dez 2008]; 31:3-24. Disponível em: http://www.pfcac.org/documents/Oral_Health. pdf. (2) Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Coordenação de Apoio à Gestão Descentralizada. Diretrizes operacionais para os pactos pela vida, em defesa do SUS e de gestão. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2006. (3) Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. Brasília; 2004. (4) Narvai PC. Saúde bucal coletiva, bucalidade e antropofagia. Cienc Saude Coletiva [periódico na internet]. 2006 [acesso em 15 fev 2009]; 11:18-21. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ csc/v11n1/29439.pdf.

(5) Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [homepage na internet]. Apresenta Censo Populacional e Estimativas [acesso em 28 out 2008]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/. (6) SIGTAP. Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS, arquivo competência 05/2008 [arquivo online]. 2008 [acesso em 23 mar 2008]. Disponível em: http://sigtap.datasus.gov.br/tabela-unificada/app/download.jsp.  (7) Frazão P, Narvai PC. Promoção da saúde bucal em escolas. In: Disciplina de Odontologia Preventiva e Saúde Pública: manual do aluno. Curso de Odontologia. São Paulo: Departamento de Prática de Saúde Pública, FSP/USP; 1996. (8) Aerts D, Abegg C, Cesa K. O papel do cirurgião dentista no Sistema Único de Saúde (SUS). Cienc Saude Coletiva [periódico na internet]. 2004 [acesso em 18 fev 2009]; 9:131-8. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v9n1/19830.pdf. (9) Sheiham A, Moyses SJ. O papel dos profissionais de saúde bucal na promoção de saúde. In: Buischi YP (Org.). Promoção de saúde bucal na clínica odontológica. São Paulo: Artes Médicas; 2000. p. 23-36.

(12) Rodrigues MP. O perfil dos profissionais de saúde bucal dos serviços de saúde pública do Rio Grande do Norte [periódico de internet]. 2001 [acesso em 21 nov 2009]; 9:131-8. Disponível em: http://www.observatorio.nesc.ufrn.br/texto_perfil03.pdf.   (13) Rabello SB, Godoy CVC, Padilha WWN. Por que a Odontologia se transformou numa profissão de mulher? Rev Bras Odontol Saude Coletiva [periódico na internet]. 2000 [acesso em 2 mar 2009]; 57:52-60. Disponível em: http://www.odontologia.com. br/artigos.asp. (14) Matthews RW, Scully C. Work patterns of male and female dentists in the UK. Brit Dent J. 1994;176:463-466. (15) Brasil. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado; 1988. (16) Ministério da Saúde. 3ª Conferência Nacional de Saúde Bucal: acesso e qualidade superando a exclusão social. Relatório Final. Brasília; 2005. Agradecimentos À Secretaria Municipal de Saúde de Franca; ao secretário municipal de saúde, Dr. Alexandre Augusto Ferreira; e à coordenadora municipal de saúde bucal, Dr.ª Cristina Salomão. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que financiou esta pesquisa.

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