A RELACAO CONSENSUAL ENTRE O PARCEIRO PUBLICO E O PARCEIRO PRIVADO E A RECEPCAO DA ARBITRAGEM PELA LEI DE PPPS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CAMPUS CURITIBA ESCOLA DE DIREITO

WILSON ACCIOLI DE BARROS FILHO

A CONTEMPORÂNEA RELAÇÃO CONSENSUAL ENTRE O PARCEIRO PÚBLICO E O PARCEIRO PRIVADO E OS REFLEXOS DECORRENTES DA RECEPÇÃO DA ARBITRAGEM PELA LEI DE PPPS

CURITIBA 2013

WILSON ACCIOLI DE BARROS FILHO

A CONTEMPORÂNEA RELAÇÃO CONSENSUAL ENTRE O PARCEIRO PÚBLICO E O PARCEIRO PRIVADO E OS REFLEXOS DECORRENTES DA RECEPÇÃO DA ARBITRAGEM PELA LEI DE PPPS

Projeto de Pesquisa apresentado à Disciplina de Monografia do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Orientadora: Prof. Msc. Vivian Lima López Valle ___________________________________

CURITIBA 2013

WILSON ACCIOLI DE BARROS FILHO

A CONTEMPORÂNEA RELAÇÃO CONSENSUAL ENTRE O PARCEIRO PÚBLICO E O PARCEIRO PRIVADO E OS REFLEXOS DECORRENTES DA RECEPÇÃO DA ARBITRAGEM PELA LEI DE PPPS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________ Professora Mestre Vivian Lima López Valle Pontifícia Universidade Católica do Paraná

_____________________________________ Professor Doutor Luiz Alberto Blanchet Pontifícia Universidade Católica do Paraná

_____________________________________ Professor Doutor Daniel Wunder Hachem Universidade Federal do Paraná

Cidade, ____ de ________ de 2013.

Com amor e gratidão aos dois principais responsáveis por tudo o que sou: Wilson Accioli de Barros (in memoriam), exemplo de homem a quem eu tenho orgulho de ter sido filho e Rosária Richartz, doce irmã que me acolheu no momento mais difícil de minha vida e que me concedeu as bases para que este momento se concretizasse.

“- A idade da inocência; suspiras em silêncio e queres que ela te adivinhe. Nunca chegarás a cabo. Tem-se comparado o amor à guerra. Assim é. No amor, querem-se atos de bravura como na guerra. Avança afoitamente e vencerás.”. (Machado de Assis)

Os valores fundamentais da sociedade devem ser buscados através da atuação do Estado, da sociedade civil e do cidadão. A dignidade da pessoa humana não é um valor externo a cada sujeito e todos têm um compromisso moral e político com ela – não apenas com a dignidade alheia, mas com a própria. (Marçal Justen Filho).

RESUMO Ao longo da formação dos diferentes tipos de Estado, passando do Liberal até o Contemporâneo, percebeu-se o crescimento da importância do cidadão no auxilío ao Poder Público na consecução de fins públicos. Consequência direta, nos anos noventa, no Brasil promulgou-se as mais importantes Leis de parceria entre a Administração Pública e o particular, quais sejam, a Lei 8.666/93 e a Lei 8.987/95. Contudo, não obstante a positivação dessa aproximação entre os parceiros, restou prevalecente o modelo impositivo e unilateral dos antigos regimes estatais, pautados pela sistemática da autoridade e da subordinação. Desse modo, foi-se denotando que a mudança de postura do ente público frente ao cidadão era alternativa emergencial que tinha como consequência otimizar a prestação do serviço público. Adotou-se, então, o consensualismo na Administração Pública, cujo escopo foi, entre outros, flexibilizar a lógica da unilateralidade e da imposição pela lógica do consenso e do diálogo. O marco regulatório que materializou tal mudança de conduta foi a Lei 11.079/04 (PPPs), a qual trouxe para a seara das concessões administrativas importantes institutos que revelaram a intenção do legislador de amenizar o exercício de prerrogativas contratuais pelo Estado. Dentre as inovações trazidas pela Lei de PPPs, está a recepção da arbitragem para dirimir conflitos patrimoniais e disponíveis provenientes de contratos administrativos. Diante disso, o presente trabalho tem como escopo a compreensão da origem e dos efeitos da moderna relação consensual entre o Estado e o cidadão, bem como dos benefícios trazidos pela introdução da cláusula arbitral nos contratos de PPPs. A esse respeito, pôde-se concluir que ao tornar o contrato de PPP um atrativo ao investidor privado, a arbitragem revelou-se como sendo um indispensável mecanismo de intensificação e promoção do interesse público. Palavras-chave: Parceria Público-Privada. Administração Pública consensual. Benefícios da Arbitragem.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Art.

Artigo de Lei

AI

Agravo de Instrumento

AgRg

Agravo Regimental

MS

Mandado de Segurança

p.

Página

PPP(s)

Parceria Público-Privada(s)

RE

Recurso Extraodinário

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10 1

BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO: A CRESCENTE IMPORTÂNCIA DO

PARTICULAR NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DO ESTADO ............................................................................................. 13 1.1

A EMERGENCIA HISTÓRICA DO CONSENSUALISMO ............................ 13

1.1.1

O Estado Liberal ou Mínimo ..................................................................... 14

1.1.2

O Estado Social: o início da aproximação entre o público e o privado . 16

1.1.3

O Estado Contemporâneo e o princípio da consensualidade: a

mitigação da barreira entre o público e o privado ............................................... 20 2

O ADVENTO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO MODERNO

CONTEXTO DE RECONFIGURAÇÃO DA ATUAÇÃO PÚBLICA EM FACE DO PRIVADO ................................................................................................................ 24 2.1

O INSTITUTO DAS PPPS ........................................................................... 24

2.1.1

Razão de ser .............................................................................................. 25

2.1.2

Sentidos amplo e estrito ........................................................................... 26

2.1.2.1 O instituto das PPPs propriamente dito ....................................................... 27 2.1.2.1.1 Inovação no cenário jurídico administrativo da contratação pública?........ 29 2.1.3

Em brevíssimos parágrafos: uma noção a respeito da concessão de

serviço público (também denominada “concessão comum”) ............................ 30 2.1.4

Concessão Patrocianada e Administrativa .............................................. 33

2.1.4.1 O conceito legal ........................................................................................... 33 2.1.4.1.1 A Concessão Patrocinada ......................................................................... 34 2.1.4.1.2 A Concessão Administrativa ...................................................................... 37 2.1.5

As inovações trazidas pelo instituto das PPPs ....................................... 43

2.1.5.1 A possibilidade de subsídio da cobrança de tarifas nas concessões de serviço público ......................................................................................................... 45 2.1.5.2 A contratação simultânea pela Administração Pública da gestão do serviço público...................................................................................................................... 46 2.1.5.3 O compartilhamento dos riscos ................................................................... 47 2.1.5.4 O diferenciado regime das garantias ........................................................... 48 2.1.5.5 A arbitragem ................................................................................................ 50

3

A RELAÇÃO DIRETA ENTRE A RECEPÇÃO DA ARBITRAGEM PELA LEI

DE PPPS E A SEDIMENTAÇÃO DA CONTEMPORÂNEA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONSENSUAL ....................................................................................... 52 3.1

A CRISE DA JUSTIÇA E OS BENEFÍCIOS DA ADOÇÃO DA ARBITRAGEM

NO CONTRATO DE PPP......................................................................................... 52 3.1.1

Simplificadamente: o conceito de arbitragem ......................................... 54

3.1.2

Os benefícios da arbitragem para a consensualidade do contrato de

PPP e a sua extensão à efetividade da solução ótima no atingimento do interesse público.................................................................................................... 55 3.1.2.1 Segurança jurídica ....................................................................................... 58 3.1.2.2 Especialidade .............................................................................................. 60 3.1.2.3 Celeridade ................................................................................................... 62 CONCLUSÃO .......................................................................................................... 64 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 66

10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo o estudo da origem e dos efeitos da moderna relação consensual entre o Estado e o cidadão, bem como dos benefícios trazidos pela introdução da cláusula arbitral nos contratos de PPPs, especialmente em relação à sedimentação da segurança jurídica dos contratos e do melhor proveito da eficiência da prestação do serviço público pelo particular. Fato este fundamental no cumprimento do dever-poder irrenunciável do Estado na satisfação ótima do interesse público. Na primeira seção, se estabelecerá o aspecto contextual que resultou no que hoje se denomina “Administração Pública consensual”. Demonstrar-se-á que em razão do desenvolvimento da relação administrativa entre o Estado e o cidadão, este foi adquirindo paulatinamente papel fundamental no auxílio ao ente público na efetivação do interesse coletivo. Dentre os fatos marcantes dessa aproximação está a crise do regime garantista social do Pós-Guerra que resultou em um grande colapso econômico e estrutural do Estado, o qual viu-se impossibilitado de dar continuidade ao modelo centralizador de prestação do serviço público e execução das atividades econômicas. A tentativa de resposta para tal incapacidade foi a Reforma de 1990, através da qual o Estado procurou se reorganizar, passando de interventor (prestador direto do serviço público) para regulador (fiscalizador da prestação de serviço público transferido ao particular). Era necessário, pois, que os serviços públicos fossem prestados de maneira efetiva e eficiente. E, na visão doutrinária e legislativa, somente o particular, em parceria com o Estado, mediante a delegação da execução do serviço público, é que poderia concretizar os ideais inovadores da nascente perspectiva reformista. Foi, então, que o Estado procurou transferir ao particular a execução e a gestão do serviço público não-exclusivo. Sob esse contexto, nascem as leis de concessões, entre elas, a Lei Federal de Parcerias Público-Privadas (PPPs), como uma eficiente resposta legislativa à crescente exigência por prestações públicas de maior qualidade.

11

A segunda seção deste trabalho, por sua vez, demonstrará que a mudança de perspectiva do Estado na prestação do serviço público foi além. Percebeu-se que em razão da crescente demanda por prestações públicas de elevado valor pecuniário não bastava a transferência da execução do serviço público pautada no antigo dogma francês da verticalidade relacional entre Estado e cidadão. Viu-se que era preciso flexibilizar certas condutas impositivas em benefício da eficiência. Assim, através da Lei de PPPs consolida-se uma atuação estatal menos impositiva e mais participativa, através do estabelecimento de um vínculo relacional em que a lógica da imposição e da unilateralidade cede lugar à lógica da negociação e da multilateralidade. Contudo, o aspecto consensual puro e simplesmente também não seria efetivo. Dito de outra maneira, de nada surtiria efeito à consensualidade caso o investidor privado tivesse que aguardar infindáveis anos na espera de resposta do Poder Judiciário a um conflito decorrente de um contrato administrativo firmado com o Estado. Revelou-se preciso que o parceiro privado se aproximasse do parceiro público com a garantia de que eventual controvérsia decorrente daquela relação jurídica seria apreciada de modo célere e eficiente pelo Poder Judiciário (ou por quem lhe fizesse às vezes). A resposta para tal anseio veio, mais uma vez, como se verá, com a Lei de PPPs. De modo a concretizar de vez o moderno modelo relacional-administrativo, a Lei 11.079/04 cuidou de estabelecer em seu art. 11, inciso III

1

a possibilidade de o

parceiro público e o parceiro privado acordarem a respeito da eleição da arbitragem como via de resolução de litígios provenientes do contrato de parceira por eles pactuado. A terceira e última seção, nesse sentido, cuidará de correlacionar o modelo consensual da Administração Pública com os benefícios decorrentes da recepção da arbitragem pela Lei de PPPs. Estabelecer-se-á que através da expressa previsão da arbitragem pela Lei de PPPs sendimentou-se a segurança jurídica que necessitava o particular para _______________ 1

Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a o o submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3 e 4 do art. 15, os o arts. 18, 19 e 21 da Lei n 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: (...) III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato. (Lei 11.079/04).

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contratar com o poder público. Afinal, a ele será disponibilizado um mecanismo jurisdicional muito mais especializado e célere para resolver eventual controvérsia patrimonial e disponível decorrente do contrato administrativo. Portanto, em se tratanto de princípio da consensualidade e PPP, se concluirá que a arbitragem possui um papel extremamente significativo na validação da moderna relação consensual administrativa, aproximando o parceiro público e o privado através da autonomia a eles concedida para elegerem a forma de resolução de seus conflitos patrominais e disponíveis, alheia à justiça comum do Estado.

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1

BREVE

CONTEXTUALIZAÇÃO:

A

CRESCENTE

IMPORTÂNCIA

DO

PARTICULAR NA PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL DO ESTADO

Em um primeiro momento, antes que se adentre ao estudo dos efeitos e das consequências da moderna relação consensual entre o Estado e o particular, materializada, entre outros, pela Lei de PPPs, é fundamental que se apresente a evolução histórica do consensualismo na Administração Pública. Assim, nesta primeira seção, procurar-se-á esclarecer as influências causadas pelos diferentes tipos de Estado em relação ao papel do particular no auxílio da prestação do serviço público, passando do Estado Liberal ao Estado Contemporâneo. Com isso, buscará se demonstrar que ao longo da história a relação entre o público e o privado vem despindo-se das características de hierarquia e subordinação para dar lugar à horizontalidade das práticas negociais através do consenso.

1.1 A EMERGENCIA HISTÓRICA DO CONSENSUALISMO

O Direito Administrativo2, tal como hoje é concebido, tem sua origem marcada pela resistência burguesa às opressões do absolutismo monárquico francês do século XVIII.3 Nesse sentido, pode se dizer que a evolução histórica dos tipos de Estado está diretamente relacionada com a configuração dos conceitos e institutos do Direito Administrativo4, em especial no que diz respeito as suas mutações _______________ 2

“Em essência esse ramo do direito trata dos preceitos que norteiam a estrutura e o funcionamento da Administração Pública, também denominada abreviadamente Administração” – MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p.1. 3 DIAS, Maria Tereza Fonseca. Direito administrativo pós-moderno: novos paradigmas do direito administrativo a partir do estudo da relação entre o Estado e a sociedade. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 136 e 140; POLTRONIERI, Renato. Parceria público privada e a atuação administrativa: reflexões sobre a instituição de parcerias entre a administração pública e o setor privados e os contratos administrativos aplicáveis a esta forma especial de concessão de serviço público. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2005, p. 3; BAPTISTA, Patrícia. Transformações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 3. 4 MEDAUAR, Odete, 1998, p.1.

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direcionadas a aproximar o público e o privado na consecução dos fins de interesse coletivo. 5

1.1.1 O Estado Liberal ou Mínimo

No período entre o final do século XVIII e início do século XIX, a sociedade – especialmente a francesa – estava impregnada pelos ideais liberais os quais tinham o Estado, equanto gestor e titular da coisa pública, como mero garantidor da liberdade individual. Defendia-se, pois, uma clara separação entre o que era público e privado, de modo que a atuação daquele deveria se limitar a impedir qualquer ingerência no livre acúmulo de riquezas pelo privado. É o que afirma MARIA TEREZA FONSECA DIAS:

O direito público deveria assegurar, tão-somente, o não retorno ao absolutismo mediante a limitação do Estado à lei e a adoção do princípio da separação dos poderes. Uma das preocupações do Direito Administrativo liberal foi criar um sistema de garantias ao particular em relação às atividades da Administração Pública executadas por via do exercício de poderes autoritários. 6

Como dito, a noção que se tem de Administração Pública adveio desse período pós-absolutismo. A burguesia precisava criar mecanismos que a permitisse manter-se no poder. Para tanto, promoveu a divisão dos poderes, garantiu a submissão destes ao império da lei e editou os enunciados e as garantias dos direitos individuais. Os ideais

7

liberais,

portanto,

surgiram com

o fim de

promover

o

desenvolvimento do Direito Administrativo, enquanto poderoso ramo destinado a coibir as ações do Estado, pautando-o “na ideia da desigualdade dos sujeitos de

_______________ 5

POLTRONIERI, Renato, 2005, p. 2. Ob. cit., p. 139. 7 DIAS, Maria Tereza Fonseca, 2003, p. 137. 6

15

direito e na atribuição ao ente administrativo de poderes de autoridade sobre o paticular”. 8 Segundo as lições de MARIA JOÃO ESTORNINHO:

A Administração era, no séc. XIX, encarada com desconfiança e esperavase que ela reduzisse ao mínimo possível a sua intervenção na esfera individual dos administrados. O melhor sistema jurídico era assim aquele que visasse limitar a actuação da Administração e sobre ela exercesse controlo apertado. 9

Diante disso, procurava-se distinguir claramente o público do privado, restando ao Estado o dever de tutelar tão somente “a segurança, a tributação, as relações exteriores, a construção e a preservação de estradas, pontes e canais.”

10

Inexistia, desse modo, qualquer atividade estatal relacionada à garantia de direitos sociais.11 Vigorava, pois, a política da livre iniciativa e da livre concorrência, através da qual a própria sociedade buscaria o seu autodesenvolvimento sem que houvesse qualquer ingerência ou mediação por parte do Estado. Conforme leciona RENATO POLTRONIERI, “a estrutura administrativa do Estado liberal é aquela que quase não intervêm na estrutura social e econômica do cidadão.”. 12 Todavia, em que pese o avanço econômico proporcionado pelo Estado Liberal, somente desfrutaram dos benefícios desse modelo àqueles que detinham o capital, isto é, os burgueses. As demais classes sociais, por outro lado, ficaram a mercê das conquistas econômicas e receberam o peso da opressão da regulação da sociedade pelo mercado. Formou-se, pois, um profundo quadro de desigualdade.

13

E, como consequência, já no final do século XIX, estouraram as reações contra o individualismo e os abusos praticados pelo modelo liberal.

14

_______________ 8

ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo Contrato Administrativo. Coimbra: Livraria Almedina, 1990, p 59. 9 Ob. cit., p. 60. 10 TESSEROLLI, Eduardo Ramos; CASTRO, Rodrigo Pironti de. Os princípios da subsidiariedade e da universalização do serviço público como fundamentos da prestação de serviço público por meio de PPP: Realidade Brasileira. In. SILVEIRA, Raquel Dias da; CASTRO, Rodrigo Pironti de (Coords.). Estudos dirigidos de gestão pública na américa latina. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 110. 11 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Democracia, Estado Social e Reforma Gerencial. Revista de Administração de Empresas, 2010, v.50, n.1. p.113. 12 Ob. cit. p. 4. 13 TESSEROLLI, Eduadro; e CASTRO, Rodrigo, 2011, p. 110. 14 POLTRONIERI, Renato, 2005, p.6.

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Sobre a ruina do Estado Liberal, leciona MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO:

Em meados do século XIX, começaram as reações contra o Estado liberal, por suas consequências funestas no âmbito econômico e social; as grandes empresas tinham se transformado em grandes monopólios e aniquilado as de pequeno porte; surgira uma nova classe social – o proletariado – em condições de miséria, doença, ignorância, que tendia a acentuar-se com o não intervencionismo estatal pregado pelo liberalismo. 15

Foi nesse contexto, então, que, ultrapassada a “(...) possibilidade de atuação meramente negativa do direito formal burguês (exploração do homem, acumulação de capital e revolução industrial), começa a configurar-se o direito materializado do Estado Social.”. 16

1.1.2 O Estado Social: o início da aproximação entre o público e o privado

Sob a ideologia social, portanto, avessa aos dogmas liberais, o Estado procurou amenizar o acentuado quadro de desigualdade instaurado em virtude da regulação da socidade pelo mercado. E o fez no século XX, após o fim da 2ª Guerra Mundial, através da adoção de políticas intervencionistas tanto na esfera econômica, quanto na social, tomando para sí a prestação de serviço público e a execução das atividades econômicas.

17

Assim, transferiu-se a responsabilidade social do cidadão

– equanto ser individual responsável pelo seu próprio desenvolvimento –, para o Estado. 18 Os autores EDUARGO RAMOS CARON TESSOROLLI e RODRIGO PIRONTI DE CASTRO muito bem analisam o que foi o Estado Liberal e o que era o Estado Social: _______________ 15

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 26. 16 DIAS, Maria Tereza Fonseca, 1998, p. 142. 17 JUTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002, p. 17. 18 JUTEN FILHO, Marçal, 2002, p. 11.

17

Vale dizer, enquanto no Estado liberal o objetivo central é a segurança dos indivíduos, e a justiça social não constitui ponto relevante de preocupação estatal, no Estado de Bem-Estar-Social, a justiça e a participação política dos cidadãos é ponto fundamental e valor predominante, junto às quais deve se agregar a manutenção da ordem que somente é possível desde 19 que atendidas as condições mínimas de existência.

Vê-se que, conforme afirmam os autores acima citados, no Estado Social a clara separação entre o público e do privado já não era mais tão ascintosa como no Estado Liberal. O Estado, pois, aproximou-se mais do cidadão na medida em que procurou lhe proporcionar uma comodidade material antes nunca imaginada sob os dogmas do pensamento liberal. O economista e cientista político, LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA, afirma que foi justamente o aumento da participação do cidadão na tomada de decisão do Estado que propiciou essa mudança brusca no modo de atuar do ente público, aproximando-o mais do particular em detrimento do individualismo prosperante na dogmática liberal:

Em meados do século XX, tem início uma democracia de opinião pública na qual os eleitores aumentam seu interesse pela política, as pesquisas de opinião pública passam a auferir suas preferências e um número crescente de organizações de advocacia política começa a intervir no processo de formulação e implantação de leis e políticas públicas. Esse maior ativismo político dos eleitores leva a um aumento da demanda social e, em consequência, ao aumento dos serviços sociais e científicos do Estado, que passa a assumir funções novas na proteção do trabalho e do trabalhador. 20

Em que pese as relevantes mudanças provocadas pelo Estado Social, entre elas a inédita prestação estatal de serviço público de qualidade, como saneamento, educação, assistência e previdência

21

, o fato que tornou esse modelo relevante foi

certamente a discussão que passou a existir a respeito dos limites e da capacidade do Estado em executar, gerir e fiscalizar a prestação do serviço público de modo centralizado e unilateral. _______________ 19

Ob. cit., p. 111. BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Democracia, Estado Social e Reforma Gerencial. Revista de Administração de Empresas, 2010, v.50, n.1, p. 113. Ver também: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 11. 21 JUSTEN FILHO, Marçal, 2002, p. 18. 20

18

Durante o Estado Social, a vida dos cidadãos teve uma melhora significativa. Aumentou-se a expectativa de sobrevivência da população e parte da sociedade deixou de figurar nos quadros de miséria e pobreza. Além disso, possibilitou-se o acesso aos serviços básicos de saúde, moradia e eduação, como já salientado em linhas anteriores.

22

Entretanto, conforme assevera MARÇAL JUSTEN FILHO, a estrutura estatal não conseguira acompanhar essa considerável alteração nos quadros sociais:

O Estado Providência gerou benefícios e vantagens que redundaram na multiplicação da população, o que não foi acompanhado da modificação dos mecanismos de seu financiamento. Apenas para dar um exemplo, os limites da aposentadoria compulsória por idade não foram modificados, mesmo em face do que se poderia identificar como “rejuvenescimento da velhice” ou “adiamento da acianidade”. Como decorrência, um contigente cada vez maior de pessoas atinge o limite de inatividade, com perspectiva de sua sobrevivência ser custeada através de recursos financeiros limitados. O montante de recursos para previdência vai-se tornando insuficiente, o que provoca aviltamento de condições de vida e frustração do cumprimento de compromissos assumidos pelo Estado. 23

A plena intervenção do Estado nas variadas esferas da sociedade e a tendência de centralizar toda a prestação de serviço público resultaram na chamada “crise fiscal”, caracterizada como a “insolvência governamental, inviabilizadora do cumprimento das obrigações assumidas e do desenvolvimento de projetos mais ambiciosos.”.

24

Em outras palavras, o Estado não detinha mais condições

estruturais e financeiras de continuar garantindo a prestação de serviço público com a mesma qualidade e eficiência outrora prestado. O ente público viu-se, pois, diante da utópica tarefa de fornecer comodidade material a todos os membros da sociedade, ampliando “desmesuradamente o rol se suas atribuições”

25

, sem,

contudo, tê-lo como fazer. A insolvência governamental do Estado refletiu-se também no campo de atuação da Administração Pública, a qual sofreu um revelante inchaço marcado pelo _______________ 22

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, 2005, p. 31; JUSTEN FILHO, Marçal; 2002, p. 19; POLTRONIERI, Renato; 2005, p.7; SAPARAPANI, Priscilia; 2010, p. 241 e 242; TESSEROLLI, Eduadro; e CASTRO, Rodrigo; 2011, p. 112. 23 Ob. cit., p. 19. 24 JUSTEN FILHO, Marçal; 2002, p. 19. 25 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella; 2005, p. 27.

19

forte teor burocrático das instituições administrativas durante a vigência desse modelo. Tal conduta burocrática era entendida à época como o meio mais eficiente de se assegurar a especialização, a hierarquização, a subordinação à Lei e a impessoalidade. Na visão de MARIA JOÃO ESTORNINHO, o Estado estava prestes a se transformar numa “gigantesca máquina repressiva”. 26 A crise do modelo social, portanto, foi o estopim para que se passasse a pensar nas limitações de atuação do Estado nas diferentes esferas da sociedade e nos modos alternativos de alterar o cenário de colapso à época vivenciado. Para MARÇAL JUSTEN FILHO, “o fim da ilusão do socialismo clássico relaciona-se com a triste revelação de que o Estado é incapaz de resolver todos os problemas, seja no âmbito do indivíduo, seja quanto à sociedade.”. 27 Para o citado autor, “a revolução capaz de mudar o panorama de nossa realidade não se faz apenas ou preponderantemente em nível estatal, mas depende da participação ativa de todos os indivíduos e das organizações não estatais.”. 28 Assim, em razão da crise do modelo intervencionista do Estado Social, passou-se a verificar uma significativa diminuição da barreira entre o público e privado. É o que aduz PATRÍCIA BAPTISTA:

Algumas décadas mais tarde, a partir dos anos 1980, a crise do Estadoprovidência, em vez de provocar a volta da Administração ao âmbito do direito público, somente fez aumentar o recurso ao direito privado, associado frequentemente à busca pela eficiência. Agora, já não se trata da atuação da Administração sob forma de direito privado, mas igualmente de realização de atividades públicas por pessoas privadas, através de privatização e parcerias das mais diversas naturezas. 29

Inicia-se, então, uma nova fase em que se verifica o reconhecimento por parte do Estado das suas incapacidades estrutural e financeira de centralizar a prestação do serviço público, revelando-se a abertura para que o particular o auxilie na execução e manutenção da comodidade material dos cidadãos.

_______________ 26

Ob. cit., p. 60. Ob. cit., p. 11. 28 Ob. cit., p. 12 29 Ob. cit., p. 11. 27

20

1.1.3 O Estado Contemporâneo e o princípio da consensualidade: a mitigação da barreira entre o público e o privado

As diferentes mutações pelas quais passou o Estado ao longo da história torna difícil a tarefa de conceituá-lo com base no predomínio de uma única característica.

A

pluralidade

de

valores

e

pensamentos

da

sociedade

contemporânea faz do Estado um conjunto ponderado do que foi o modelo liberal e o social. Direito,

32

30

Há quem o denomine de Estado Contratual

Estado Regulador ou Subsidiário,

33

31

, Estado Democrático de

etc.

Contudo, não obstante os diferentes modos de denominar o Estado Contemporâneo, a relevância do moderno modelo estatal tem razão de ser em face da importância dada ao cidadão enquanto potencial promotor do desenvolvimento econômico e social, concretizando, desse modo, a mitigação da barreira entre o público e o privado. O acontecimento que marcou o amadurecimento das antigas concepções de Estado para o atual modelo teve início na década de noventa e recebeu o nome de Reforma do Estado. Por meio dela, objetivou-se racionalizar a atuação da Administração Pública, por meio da amenização do forte teor burocrático do antigo modelo social e da criação de funções gerencial e regulatória ao Estado, predominantemente caracterizadas pela fiscalização em detrimento da prestação direta do serviço público.

34

O Estado Contemporâneo, como dito, é um mix dos antigos modelos, na medida em que não deixou de promover a comodidade material da sociedade (modelo social), muito menos impedir o avanço da livre iniciativa (modelo liberal). Assim, consciente de suas limitações, o ente público passa a adotar um modelo de _______________ 30

DIAS, Maria Tereza Fonseca, 2003, p 151. OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Parceria Público-Privada e Direito ao Desenvolvimento: uma abordagem necessária. Revista Eletronica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Istituto de Direito Público da Bahia, nº 3, ago-set-out, 2005, p. 1. 32 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 7ªed. Belo Horizonte: Forense, 2011, p. 73; DIAS, Maria Tereza Fonseca, 2003, p. 151. 33 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, 2005, p 33. 34 POLTRONIERI, Renato, 2005, p. 10. Ver também: WOLANIUK, Silvia de Lima Hilst. Arbitragem, Administração Pública e Parcerias Público-Privadas: uma análise sob a perspectiva do Direito Administrativo Econômico. 2009. 100f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, UFPR, 2009, p. 43. 31

21

gestão em que, mediante delegação, transfere a execução de parte do serviço público ao particular e, em contrapartida, impõe o dever de observância de certas obrigações durante a fase de prestação do serviço. É, pois, um modelo em que o Estado continua a garantir o mínimo existencial, mas não de modo centralizado e monopolista e sim em parceria com a iniciativa privada. Dessa forma, tende-se “ao abandono da vertente autoritária para valorizar a participação de seus destinatários finais quanto à formação da conduta administrativa.”. 35 Nas palavras de CAIO TÁCITO:

A moderna tendência do direito público marca, (...), a transição do Direito Administrativo que, absorvendo a ação participativa dos administrados, valoriza o princípio da cidadania e coloca o indivíduo e a empresa em presença da Administração Pública, como colaboradores privilegiados para a consecução do interesse público. 36

Corroborando o que afirma o autor, a nova mentalidade assumida pelo Estado Contemporâneo, entre outros pela adoação do sistema de delegação do serviço público e pela disponibilização de condições que impliquem na coloboração do particular na consecução do interesse público, pode ser vista como uma inteligente maneira de gerir a atividade pública através do consenso. O princípio da consensualidade tem como norte a busca por uma relação entre a Administração Pública e cidadão menos afeta à adoção de medidas de cunho unilateral e impositivo. Sob este aspecto, procura-se reordenar o clássico modelo de atuação do Estado pautado pela lógica da autoridade, substituindo-o, quando for o caso, pelo estabelecimento de vínculos pautados no consenso. 37 Dessa forma, através da aplicação do princípio da consensualidade, o Estado Contemporâneo promoverá a “criação de atrativos para que os entes da sociedade civil atuem em diversas formas de parceria com o Estado.”. 38 TOMÁS-RAMÓN FERNÁNDEZ e EDUARDO GARCÍA DE ENTERRÍA, ao tratarem das atuais perspectivas do Estado Contemporâneo, adotam a expressão _______________ 35

TÁCITO, Caio. Direito Administrativo Participativo. Revista de Direito Administrativo. vol. 242. Rio de Janeiro: Renovar, out/dez. 2005, p 134. 36 Ob. cit., p. 138. 37 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de., 2005, p. 17 38 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, 2000, p. 26.

22

“administração concertada”, segundo a qual o Estado renunciaria à prática da imperatividade e da unilateralidade da relação mantida com o particular em prol da adoção de acordos, recebendo, em troca, uma colaboração ativa dos parceiros privados.39 Segundo os autores, a escolha de medidas impositivas e unilaterais somente seria eficiente quando o Estado precisasse impor a ordem e assegurar o respeito à Lei. Para eles, “o ato unilateral garante eficazmente a submissão, mas é incapaz de suscitar o entusiasmo e o desejo de coloboração.”. 40 É esse espírito de autação estatal, portanto, que se pretende reforçar. Isto é, uma colaboração consensual entre o poder público e o particular que, antes de excluir o exercício de prerrogativas contratuais da Administração Pública enquanto contratante, realoca-a como efetiva parceira contratual do particular investidor para a consecução de fins públicos, reservando, desse modo, a atuação impositiva para os momentos em que não se puder, pela via do consenso, atingir ao interesse público. Os benefícios desse novo posicionamento do Estado frente ao cidadão, não o vendo mais como súdito, mas como parceiro, são imensas. Para DIOGO DE FIGUEIREDO MOREIRA NETO, as modernas formas de atuar da Administração Pública, enquanto instrumento de gestão do Estado, contribuem decisivamente para:

(...) aprimorar a governabilidade; propiciam mais freios contra o abuso; garantem a atenção a todos os interesses; proporcionam decisão mais sábia e prudente; desenvolvem a responsabilidade das pessoas; e tornam as normas mais aceitáveis e facilmente obedecidas. 41

Segundo MARIA JOÃO ESTORNINHO, o Estado finalmente entendeu que é muito mais vantajoso para o interesse coletivo ter o particular como “participante (quase coautor) do que como mero destinatário ou subordinado”. Essa

tendência

consensual

se

estendeu

ao

42

principal

instrumento

materializador das parcerias entre o Estado e o particular: o contrato administrativo. De acordo com GUSTAVO HENRIQUE JUSTINO DE OLIVEIRA, a contratualização é a característica mais importante do Estado moderno. No entendimento do autor, _______________ 39

ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNÁNDEZ, Tomas-Ramón. Curso de Derecho Administrativo I. 10ª ed. Madrid: Civitas, 2000, p. 667. 40 Ob. cit., p. 668. 41 Ob. cit., p. 27. 42 Ob. cit., p 60.

23

“essa nova dinâmica contratual no setor público possui bases distintas da tradicional modelagem do contrato administrativo, evidenciando linhas de transformação do contratualismo.”. 43 Outros autores44, no entanto, entendem que a característica marcante do Estado Contemporâneo é o caráter subsidiário de sua atuação. Segundo esta visão, o Estado “deve se abster de exercer atividades que o particular tem condições de exercer por sua própria iniciativa e com seus próprios recursos”.

45

Sua função, pois,

deve ficar limitada ao fomento, a coordenação e a fiscalização da iniciativa privada, de modo que a prestação direta do serviço público pelo Estado deverá se dar somente nos casos em que atividade for indelegável ao cidadão, como o é com a segurança, a defesa, a justiça, as relações exteriores, a legislação e a polícia.

46

Assim, verifica-se que independentemente das diferentes formas com que os estudiosos denominam o Estado Contemporâneo, uma coisa é certa: não mais é possível se imaginar a prestação de serviço público de qualidade pautada pura e simplesmente sob os dogmas da realidade impositiva liberal, alheio à importância da colaboração do particular, revelando-se notória a sobreposição da capacidade econômica privada em face da capacidade estruturante estatal. 47 No Brasil, essas transformações foram materializadas, entre outros, pelas concessões de serviços públicos. O modelo que mais se aproximou dessa nova conjuntura consensual, sem dúvida, foi o previsto na Lei de PPPs, pois sintetizou os anseios da Reforma do Estado e priorizou a política do diálogo e da negociação, tornando mais eficiente a prestação do serviço público.

48

_______________ 43

Ob. cit., p. 8. Ver: ARAGÃO, Alexandre. Parcerias Público-Privadas – PPPs no Direito Positivo Brasileiro. Revista Eletronica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Istituto de Direito Público da Bahia, nº 2, mai-jun-jul, 2005, p. 2; DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, 2005, p. 34; e MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, 2000, p. 21. 45 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, 2005, p. 34. 46 Idem, p. 38. 47 Idem, p. 33. 48 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, 2000, p. 21. 44

24

2O

ADVENTO

DAS

PARCERIAS

PÚBLICO-PRIVADAS

NO

MODERNO

CONTEXTO DE RECONFIGURAÇÃO DA ATUAÇÃO PÚBLICA EM FACE DO PRIVADO

Demonstrado o aspecto contextual do presente trabalho, nesta segunda seção procurar-se-á compreender os principais motivos pelos quais o instituto das PPPs tornou-se a marca caracterizadora da moderna relação consensual-paritária entre o parceiro público e o privado.

2.1 O INSTITUTO DAS PPPS

As PPPs, tal qual hoje são concebidas, têm sua origem marcada nas inglesas “Private Finance Initiative” (PFI). Como solução à crise econômica do Estado e a consequente impossibilidade de prestação de serviço público de qualidade, a Grã-Bretanha, sob o governo de Margareth Tatcher49, implantou a PFI, um modelo inovador de “utilização da iniciativa privada para a construção e gestão concessionada de serviços públicos não onerosos (ou seja, não pagos pelos utentes), tradicionalmente montados e geridos diretamente pelo poder público (ensino, saúde, etc.).”.

50

Mais a frente, a noção original das PFIs aperfeiçou-se e serviu de base para o desenvolvimento das “Public-Private Partnerships” ou PPPs, nacionalmente denominadas de Parcerias Público-Privadas. Entendiam os ingleses que, “mais do que apenas viabilizar o financiamento privado, a parceria entre o Poder Público e os

_______________ 49

SILVA, Marco Aurélio de Barcelos. Aspectos Metodológicos e Conteúdo Jurídico das Parcerias Público-Privadas – PPP. Um Aprimoramento do Modelo Contratual da Administração. Revista Eletronica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Istituto de Direito Público da Bahia, nº 9, mar-abr-mai, 2007, p. 3. Ver também: PORTO, Éderson Garin. Parcerias Público-Privadas – PPPs – análise sob ótica do postulado constitucional da subsidiariedade. In: CASTRO, José Augusto Dias de. e TIMM, Luciano Benetti (orgs). Estudo Sobre as Parcerias Público-Privadas, São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 81. 50 MOREIRA, Vital. A tentação da “Private Finance Iniciative – PFI”, in MARQUES, Maria Manuel Leitão e MOREIRA, Vital. A mão invisível: mercado e regulação. Coimbra: Almedina, 2003, p. 187.

25

particulares deveria ser entendida como um método de contratação, construído para disponibilizar serviços públicos melhores e mais eficientes.”.

51

2.1.1 Razão de ser

No Brasil, os reflexos dessa nova tendência de adoção da estrutura privada para consecução de fins públicos foram sentidos já década de noventa, período em que foram promulgadas as mais importantes Leis de delegação de serviço público, quais sejam, a Lei de licitação, nº 8.666/93 e a Lei de concessões, nº 8.987/95. Contudo, em que pese os legisladores terem procurado reformular o aspecto legislativo de exploração econômica de serviço público pelo particular, não o fizeram com base nos paradigmas da moderna relação consensual entre o público e o privado.52 O que se viu foi a reprodução da relação hierarquizada e unilateral dos antigos regimes estatais. Tome-se por base o que aponta JACINTHO ARRUDA CAMARA:

O meio jurídico nacional, num primeiro momento, realizou a análise da Lei 8.987/1995 com base em parâmetros anacrônicos – ou seja, buscou compreender a extensão da nova lei com base numa visão tradicional a respeito do instituto das concessões. Buscou-se, antes de qualquer coisa, aferir o enquadramento dos novos dispositivos legais às lições doutrinárias até então conhecidas, e que eram (e continuam sendo) fortemente inspiradas na doutrina francesa do início do século XX. Ou seja, não se procedeu à aproximação de alguns conceitos da nova lei com o que de mais moderno se propunha como alteração no modelo de relacionamento entre o Estado e a iniciativa privada (com grande influência britânica). E essa identificação era necessária. 53

A promulgação da Lei 11.079/04, nesse sentido, foi a tentativa de retransformar a realidade até então prevalecente, através da busca por uma saída estrutural destinada a acobertar com o manto do consensualismo os resquícios _______________ 51

SILVA, Marco Aurélio de Barcelos, 2007, p. 4. Idem, p. 4 e 5. 53 CÂMARA, Jacintho Arruda. A experiência brasileira nas concessões de serviço público e as parcerias público-privadas. In SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 168. 52

26

mantidos pelos dispositivos legais provenientes das mudanças econômicas que marcaram o surgimento do Estado Contemporâneo. Assim, é por conta dessa busca pela delegação do serviço público já na década de noventa que se diz que as parcerias entre o Poder Público e o cidadão não são fato novo e isolado para o Direito. Ao longo de toda a formação do Estado o que se viu foram métodos administrativos destinados a aperfeiçoar a relação negocial derivada das parcerias. 54 Desse modo, o conceito de PPPs abarca tanto um sentido amplo quanto um sentido estrito.

2.1.2 Sentidos amplo e estrito

Sob o aspecto da visão ampla, as PPPs seriam todo e qualquer mecanismo destinado a vincular a iniciativa privada à execução do serviço público. Seriam, exempleficadamente, as concessões tradicionais, as permissões, os acordos de programa, subsídios empresariais, convênios de espécie com entidades sem fins lucrativos, etc.55 Já no sentido estrito, as PPPs se revelariam como espécie do gênero concessão de serviço público, em que se vê a adição ao regime jurídico de duas novas modalidades de concessão.

56

_______________ 54

CÂMARA, Jacintho Arruda, 2005, p. 165. Para o Autor a “(...) mudança no padrão contratual está inserida no bojo de uma série de reformas implementadas na atuação do Estado nas últimas décadas. (...) Nas relações contratuais a modernização ocorreria com a adoção de um novo padrão de relacionamento entre o Poder Público e a inciativa privada.”. Ainda, “Atividades similares à concessão de serviço público são praticadas há séculos. Até o final do século XVIII, a concessão era uma manifestação de privilégio arbitrário. A configuração do contrato de concessão de serviço público ocorreu no início do século XX. Mas a evolução política conduziu a inovações significativas na última década.” – JUSTEN FILHO, Marçal, 2011, p. 713. Ver também: ALVARENGA, José Eduardo de. Parcerias Público-Privadas: breves comentários. Revista Eletronica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Istituto de Direito Público da Bahia, nº 2, mai-jun-jul, 2005, p. 1. 55 ARAGÃO, Alexandre, 2005, p. 4. 56 Segundo as lições de Carlos Ari Sundfeld: “Em sentido amplo, “PPPs” são os múltiplos vínculos negociais de trato continuado estabelecidos entre a Administração Pública e particulares para viabilizar o desenvolvimento, sob a responsabilidade destes, de atividades com algum coeficiente de interesse geral (concessões comuns, patrocionadas e administrativas; concessões e ajustes setoriais; contratos de gestão com OSs; termos de parcerias com OSCIPs; etc.). Seu regime jurídico está disciplinado nas várias leis específicas. Em sentido estrito, “PPPs” são os vínculos negociais que adotem a forma de concessão patrocinada e de concessão administrativa, tal qual definidas pela Lei federal 11.079. Apenas esses contratos sujeitam-se ao regime criado por essa lei.” – SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas. In SUNDFELD, Carlos Ari (coord). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 23.

27

É o que novamente ensina JACINTHO ARRUDA CÂMARA:

Quando se fala em PPP, no Brasil, é possível se deparar com dois significados distintos. Em alguns casos PPP quer designar uma nova filosofia de entabular relacionamentos entre o Poder Público e a inicitiva privada. Muda-se a forma de contratar; os papéis anteriormente consagrados para a atuação do Poder Público, de um lado, e dos particulares, do oturo, são revistos, com o fito de se implementar um sistema de relacionamento (uma contratação mais eficiente, com maior retorno ao interesse público). Noutros casos a sigla tem emprego mais conjuntural: restringe-se às alterações propostas na legislação brasileira por intermédio da Lei das PPPs. 57

Nesse sentido, portanto, levada em consideração a proposta do presente trabalho, qual seja, estudar os efeitos da moderna relação consensual-paritária, materializada na Lei 11.079/04, tem-se que o foco se dará ao significado estrito das PPPs, para, em seguida, extrair os benefícios e a inovações trazidas por esse moderno modelo de contratação pública.

2.1.2.1 O instituto das PPPs propriamente dito

Conceitualmente, as PPPs são entendidas pela doutrina como uma nova modalidade (ou espécie) do gênero “concessão de serviço público”, criada através da Lei 11.079/04, e, portanto, distinta da chamada “concessão comum”, regulada pela Lei 8.987/95, sendo o seu principal objetivo usufruir dos benefícios da iniciativa privada através da cumplicidade de obrigações com o parceiro público e da previsão de inovadoras garantias contratuais que tornam a relação negocial entre as partes mais franca e razoável. 58 Para EGON BOCKMAN MOREIRA, “a compreensão básica que se exige das parcerias instituídas pela Lei 11.079/04 é a de uma coordenação de interesses e _______________ 57

Ob. cit., p. 160. BONELLI, Claudia Elena; IAZZETTA, Rodnei. Contratos de Parceria Público-Privada – PPP no Brasil. In: CASTRO, José Augusto Dias de. e TIMM, Luciano Benetti (orgs). Estudo Sobre as Parcerias Público-Privadas, São Paulo: IOB Thomson, 2006, p. 90. Carlos Ari Sundfeld aponta que seriam dois os objetivos da PPPs: “tanto impedir que o administrador presente comprometa irresponsavelmente recursos públicos futuros, como oferecer garantias que convençam o particular a investir.” – Ob. cit., p. 23.

58

28

riscos entre parceiros que se colocam numa relação horizontal de longo prazo (...).”.59 Quanto ao fim a que se destina, assevera DINORÁ ADELAIDE MUSETTI GROTTI, que:

As PPPs destinam-se àqueles serviços e/ou obras públicas cuja exploração pelo contratado ou não é suficiente para remunerá-lo (exemplo: ampliação e administração de rodovias ou ferrovias de baixo movimento) ou sequer envolve contraprestação por seus usuários (exemplo: construção e gerenciamento de presídios ou hospitais públicos). Ademais, afora tratar-se de casos em que se requer investimentos e/ou especialidades além das possibilidades do Estado, as PPPs têm um componente a mais, representado pela incapacidade de o empreendimento, por si, pagar o investidor privado. 60

A par do que afirmou a autora, as PPPs representam a inserção de duas novas modalidades contratuais destinadas aos investimentos públicos não autossustentáveis. Em outras palavras, “as PPPs serão úteis para viabilizar a delegação à inciativa privada de empreendimentos que, sob o prisma técnico ou econômico, não tenham como se viabilizar mediante remuneração provinda exclusivamente de tarifas cobradas de usuários.”

61

Isto é, por meio da Lei 11.079/04

se permite que em situações onde não se tenha como remunerar o investimento necessário à oferta do serviço com base exclusivamente na receita de tarifas, a delegação do serviço público possa ser concretizada.

62

Por essa razão, em face dessa peculiaridade, a Lei 11.079/04 cuidou de adicionar três condições caracterizadoras do instituto, sem a observância das quais a relação jurídica deixará de ser PPP: (i) o valor do contrato deve ser superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); (ii) o período de prestação do serviço deve ser de no mínimo 05 (cinco) e no máximo 35 (trinta e cinco) anos; e (iii) e a avença não poderá ter como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. 63 _______________ 59

Ob. cit., 2005, p. 117. GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. A experiência brasileira nas concessões de serviço público. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 224. 61 CAMARA, Jacintho Arruda, 2005, p. 178. 62 Idem, p. 178. 63 Art. 2º (omissis) § 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada: 60

29

2.1.2.1.1 Inovação no cenário jurídico administrativo da contratação pública?

Por outro lado, não é pacificado o entendimento de que as PPPs representam uma inovação no cenário jurídico-administrativo da contratação pública. Para alguns autores, como é o caso de CLAUDIA ELENA BONELLI e RODNEI IAZZETA, as PPPs não representariam um marco regulatório, mas um instrumento voltado a “preencher determinadas lacunas legais atualmente existentes, complementando as regras aplicáveis às concessões públicas, aos procedimentos licitatórios e aos contratos administrativos.”.

64

Enquanto que para outros autores, como GUSTAVO

HENRIQUE JUSTINO DE OLIVEIRA, EGON BOCKMAN MOREIRA e JACINTHO ARRUDA CÂMARA, as PPPs representam não apenas duas novas espécies do gênero concessão de serviços públicos, mas sim um instituto jurídico formatado com o objetivo de transformar os antigos papéis desempenhados pelos parceiros públicos e privados, com base na “positivação de um novel instituto jurídico, submetido a um peculiar regime de licitação e contratação”.

65

Desse modo, não obstante a ausência de unanimidade da doutrina em compreender as PPPs como um marco regulatório na seara das concessões públicas há que se levar em consideração que a Lei 11.079/04 se não inovou, ao menos reformulou e muito o regime de delegação de serviço público ao instituir duas novas modalidades de concessão pública, quais sejam, a concessão administrativa e a patrocionada. As peculiaridades desses dois novos modelos de concessão certamente

fazem

das

PPPs

um

marco

legislativo

na

promoção

e

no

desenvolvimento de uma Administração Pública menos burocrática e mais consensual. Mas, antes que se adentre ao estudo das duas novas espécies de concessão criadas pela Lei 11.079/04 (administrativa e patrocinada), é fundamental que se esclareça o que é concessão de serviço público (denominada, posteriormente à promulgação da Lei de PPPs, de “concessão comum”). Afinal, esta é o gênero do I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. (Lei 11.079/04). 64 Ob. cit., 2006, p. 91. 65 MOREIRA, Egon Bockman. A experiência das licitações para obras de infra-estrutura e a nova lei de parcerias público-privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 117. Ver também: OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de; 2005, p. 21; e CAMARA, Jacintho Arruda, 2005, p. 165.

30

qual àquelas são espécies. Portanto, crucial o entendimento de uma para se assimilar a significância das outras.

2.1.3 Em brevíssimos parágrafos: uma noção a respeito da concessão de serviço público (também denominada “concessão comum”)

A concessão de serviço público tem previsão constitucional estampada no art. 175 da Constituição Federal, o qual afirma que é de se responsabilidade do Estado, de forma direta ou por meio de concessão ou permissão, a prestação de serviços públicos.66 Merece destaque a expressão “prestação de serviços públicos”, que deve ser entendida como a simples transferência para o privado da execução da prestação e não da titularidade desta, a qual permecerá sempre sob a responsabilidade do Poder Público. Dessa forma, como o texto da Constituição somente delineou as diretrizes gerais do instituto, coube à Lei 8.987/95 o dever de regulamentá-lo. Logo no início do citado dispositivo legal, precisamente no art. 2º, incisos II e III, o legislador se preocupou em conceituar a concessão de serviço público, diferenciando-a, de acordo com a natureza da prestação – se precedida ou não de execução de obra pública – em “concessão de serviço público” e “concessão de serviço público precedida de obra pública”.67 Assim, segundo o inciso II, a concessão comum (ou de serviço público) é a delegação da prestação do serviço, “feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.”.

68

Já para o inciso III,

_______________ 66

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. 67 Essa é uma diferenciação meramente didática que não guarda qualquer relação com as duas novas espécies de concessão criadas pela Lei das PPPs. No presente caso, em que pese as concessões terem sido diferenciadas em “concessão de serviço público” e “concessão de serviço público precedida de obra pública”, ambas são referidas, genericamente e para fins de distinção com a Lei de PPPs, como se única fossem. Portanto, apenas “concessão de serviço público” ou comum. 68 Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: (...)

31

quando for precedida de obra pública, a concessão terá as mesmas características previstas no inciso II, porém, a remuneração pelo investimento do concessionário – como a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público – será amortizada “mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado.”. 69 Quanto à remuneração do privado, imperioso destacar que esta ficará ao encargo exclusivo da cobrança de tarifas do usuário do serviço público, independente de qual natureza de concessão se adotar, se precedida ou não de obra pública. CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, em análise ao tema, teceu duras críticas ao texto do art. 2º da Lei 8.987/95. Para o autor, “ambos os conceitos (concessão precedida e não precedida de obra pública) padecem de qualidade técnica lastimável.”. 70 E completou:

Demais disto, no conceito de concessão não precedida de obra pública deixou-se de referir o elemento que é condição sine qua non para caracterízá-la, a saber: o de que o beneficiário da “delegação” efetuada remunerar-se-ia pela própria exploração de tal serviço, traço, este, que a distingue do mero contrato administrativo de prestação de serviços. (...) De outro lado, no conceito de concessão de serviço público precedida de obra pública incluiu-se outra figura notoriamente distinta da concessão de serviço, qual seja: a da concessão de obra pública. Com efeito, na parte final do inciso III do art. 2º foi mencionado “exploração do serviço ou da obra”. A exploração de obra pública, decorrente de concessão dela (sabe-o qualquer pessoa mediocremente versada na matéria), configura concessão de obra pública, e não concessão de serviço público. Assim, a lei fez evidente confusão entre os dois institutos. 71

Outra impropriedade do conceito legal – esta, por sua vez, propaga pela maioria da doutrina moderna –, diz respeito ao termo “por sua [no caso, do II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; III - concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado; (Lei 8987/95). 69 Idem. 70 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 649 e 650. 71 Idem.

32

concessionário] própria conta e risco”

72

, referido pelo legislador no final do inciso II,

do art. 2º da Lei 8.987/95. O significado do termo guarda relação com o fato de que o contratado pela Administração Pública para a concessão de serviço público assumiria integralmente a responsabilidade pela satisfação do serviço. Para MARÇAL JUSTEN FILHO, esta expressão representa “uma acepção política não mais vigente.”.73 Na visão do doutrinador, “se o serviço permanece sendo público, não é possível afirmar que ele é prestado “por conta” do concessionário.”.

74

Isto é,

se porventura o serviço prestado não venha a ter a qualidade almejada no contrato, o risco de um eventual dano ao usuário não será arcado pelo particularconcessionário, mas sim pelo poder concedente, que é, antes de tudo, guardião do interesse público. Assim, a ressalva feita pelo autor quis esclarecer que antes de se falar em um prejuízo econômico (esboçado pelo legislador na expressão “por conta e risco” do concessionário), haverá que se tutelar o interesse social coletivo atrelado ao contrato de concessão, de modo que qualquer problema decorrente da sua prestação deverá ser, antes de tudo, garantido e resolvido pelo Estado, para somente depois se adentrar na esfera de responsabilidade do particular, transferindo-lhe, se for o caso, os prejuízos decorrentes da sua conduta culposa. Apresentadas essas observações preliminares, a concessão comum pode ser traduzida como:

(...) um contrato plurilateral de natureza organizacional e associativa, por meio do qual a prestação de um serviço público é temporariamente delegada pelo Estado a um sujeito privado que assume seu desempenho diretamente em face dos usuários, mas sob controle estatal e da sociedade civil, mediante remuneração extraída do empreendimento. 75

_______________ 72

Art. 2o Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: (...) II - concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; (Lei 8.987/95). 73 Ob. cit., p. 714. 74 E completa: “É evidente que o serviço delegado é prestado por conta do poder concedente. O concessionário atua em nome próprio e assume inúmeros direitos e deveres, mas é incorreto atribuir ao interesse privado do delegatário relevância central na avença.”. - Ob. cit., p. 716. 75 JUSTEN FILHO, Marçal, 2011, p. 714. Merece menção o conceito trazido por Carlos Ari Sundfeld, para quem: “As concessões de serviços públicos de que trata o art. 175 da CF são um gênero, que se caracteriza por seu objeto: a atribuição, ao concessionário, do encargo de executar serviços públicos (aí incluído o de implantar e manter obras públicas, como rodovias e pontes). Quato ao

33

Com base no conceito acima apresentado, tem-se que a concessão de serviço público (ou concessão comum) é “um instrumento de agregação de sujeitos para ampliar os esforços necessários à concretização de um fim de grande relevância.”.76 Em outras palavras, o fim a ser obtido por ambos os contratantes é a prestação das utilidades necessárias à satisfação de um direito fundamental. Essa ideia – satisfação de um direito fundamental – norteia a atuação de todos os sujeitos públicos. E, nesse sentido, a concessão propicia que o particular se comprometa com a promoção desse fim.

77

2.1.4 Concessão Patrocianada e Administrativa

Estudado de maneira suscinta o gênero “concessão de serviço público”, passa-se a analisar as espécies, as quais, conforme se adiantou, deram identidade à Lei de PPPs. São as concessões patrocinada e administrativa. 78

2.1.4.1 O conceito legal

Tanto uma como a outra estão conceituadas no art. 2º da Lei 11.079/04. O parágrafo primeiro daquele artigo afirma que concessão patrocionada “é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.”.79 regime remuneratório, há três possíveis espécies: a concessão comum, a patrocionada e a administrativa.” - Ob. cit., p. 27. 76 JUSTEN FILHO, Marçal, 2011, p. 713. 77 Idem. 78 Esse, aliás, é o conceito estrito de Parceria Público-Privada, trazido por Carlos Ari Sundfeld, que diz: “Em sentido estrito, “PPPs” são os vínculos negociais que adotem a forma de concessão patrocinada e de concessão administrativa, tal qual definidas pela Lei federal 11.079/04.”. – Ob. cit., p. 22 e 23. 79 Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.

34

Logo abaixo, o parágrafo segundo do mesmo artigo diz ser a concessão administrativa “o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.”.

80

Conforme se pôde notar, portanto, de acordo com o conceito legal, concessão patrocionada é aquela que, paralelamente ao pagamento da tarifa pelo usuário do serviço público, há a contraprestação pecuniária custeada pela Administração. Já a concessão administrativa seria aquela em que o particular assumiria uma obrigação de dar e fazer, direta ou indiretamente em favor da Administração, mediante remuneração custeada integralmente pelo ente público. Para melhor compreendê-las, no tópico seguinte passar-se-á ao estudo separado de cada instituto.

2.1.4.1.1 A Concessão Patrocinada

Conforme assevera FERNANDO VERNALHA GUIMARÃES:

A concessão patrocinada é um contrato administrativo de concessão que pressupõe necessariamente o sistema tarifário integrado por contraprestações pecuniárias da Administração. Configura-se como uma concessão (comum) de obra (execução de obra pública seguida de serviços exploráveis economicamente pelo concessionário) ou de serviço público (delegação da gestão de serviço público remunerada por tarifas pagas pelos usuários, precedida ou não da execução da obra) desde que adicionada à receita tarifária cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. 81

Diante do conceito trazido pelo referido autor, pode-se afirmar que a concessão

patrocinada

destaca-se

“pela

presença

concomitante

de

duas

características: (a) contrato de concessão de serviços ou obras públicas concebido

§ 2o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. (Lei 11.079/04). 80 Idem. 81 GUIMARÃES, Fernando Vernalha. Parceria público-privada. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 90.

35

sob o regime da Lei nº 8.987 e (b) em que a Administração pague ao parceiro privado uma contraprestação pecuniária adicional à tarifa cobrada dos usuários.”. 82 A respeito da primeira observação, é de se dizer que comparando-se o instituto da concessão patrocinada com o da concessão comum pouca diferença jurídica se verá. Prova disso é que a própria Lei de PPPs previu às concessões patrocinadas a aplicação subsidiária, no que couber, da Lei 8.987/95. 83 Já em relação ao segundo apontamento – o qual assevera que paralelamente à tarifa paga pelo usuário haverá uma contraprestação pecuniária custeada pelo ente público – importante frisar que, em que pese a concessão patrocinada seja subsidiariamente dependente da concessão comum, o regime de remuneração do parceiro privado é tratado de modo diverso pelos dois institutos. Fato este que, por si, faz da concessão patrocinada elemento jurídico único no ramo das concessões. A Lei 8.987/95 até procurou encaixar em um de seus artigos a possibilidade de a Administração Pública custear parte do investimento privado quando na delegação da execução do serviço público. 84 Mas o dispositivo foi regovado, pois se entendeu que “garantias como essa do estabelecimento de receita bruta mínima, além de incentivarem ineficiência operacional do concessionário”

85

representariam

“um risco potencial de dispêndio com subsídio pelo Poder Público.”. 86 Permaneceu, no entanto, a previsão do art. 11 da Lei de Concessões que dispõe sobre a conveniência do administrador em alocar junto ao Edital de Licitação “a

possibilidade

de

outras

fontes

provenientes

de

receitas

alternativas,

_______________ 82

JUSTEN DE OLIVEIRA, Fernão. Parceria Público-Privada: aspectos de Direito Público Econômico (Lei 11.079/2004). Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 130. Ver também: BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias público-privadas. 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2006, p. 22. 83 É o que dizia o vetado art. 24 da Lei de Concessões: “O poder concedente poderá garantir, no contrato de concessão, uma receita bruta mínima ou, no caso de obras viárias, o correspondente a um tráfego mínimo, durante o primeiro terço do prazo da concessão.”. 84 JUSTEN FILHO, Marçal, 2011, p. 773. 85 Mensagem nº 181, de 13 de fevereiro de 1995: “Garantias como essa do estabelecimento de receita bruta mínima, além de incentivarem ineficiência operacional do concessionário, representam, na realidade, um risco potencial de dispêndio com subsidio pelo Poder Público. O caso mais recente foi o mecanismo instituído pela Lei n° 5.655/71, que criou a Conta de Resultados a Compensar (CRC), extinta, em 18.3.93, com a regulamentação da Lei n° 8.631/93, gerando dispêndios líquidos para a União da ordem de US$ 19,8 bilhões.”. Disponível em acesso em 05 de março de 2013. 86 Idem.

36

complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas (...).”. 87 O tempo superou as razões do veto do antigo modelo “patrocinado” previsto no revogado art. 24 da Lei 8.987 e dez anos após a promulgação da Lei de Concessões sobreveio a Lei de PPPs que fixou definitivamente a possibilidade de o parceiro público patrocinar parcela do investimento privado destinado a fins públicos, mas não autossustentável. Todavia, saliente-se que o remanescente art. 11 da Lei 8.987/95 em nada se comunica com o regime da concessão patrocinada. Comparando-se o vocábulo “contraprestação pecuniária”, adotado pelo legislador para conceituar a concessão patrocinada, com o sistematizado no art. 11 da Lei de Concessões (receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados), conclui-se que possuem finalidades distintas, não pondendo em hipótese alguma serem tratados como sinônimos. Isso porque, as “transferências previstas nas concessões tradicionais (...) não têm o condão de compensar ou remunerar o concessionário, uma vez que são apenas um auxílio do Poder Público para que se mantenha a prestação do serviço adequado.”.

88

Diante disso, se inferi que não basta a existência de custeio de parte do serviço pelo parceiro público para que a concessão traduza-se como patrocinada, mas sim que a contraprestação pecuniária seja contínua e sistemática, “com cunho de permanência ao longo da existência do contrato.”.

89

Significa dizer, de outra

maneira, que no caso das concessões patrocinadas, a ajuda de custo do ente público é inerente à relação contratual, sendo-lhe um dever e não uma faculdade arcar com a contraprestação pecuniária do parceiro privado. 90 Além do mais, por versar sobre contraprestação pecuniária paga pela Administração Pública ao privado, previu o legislador que “o contrato de PPP não pode dispor livremente sobre a dimensão de parcela da remuneração por meio de _______________ 87

Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. (Lei 8.987/95). 88 BONELLI, Claudia Elena; IAZZETTA, Rodnei, 2006, p. 92. Confira ainda: GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti, 2005, p. 224. 89 JUSTEN FILHO, Marçal, 2011, p. 773. 90 BONELLI, Claudia Elena; IAZZETTA, Rodnei, 2006, p. 92.

37

tarifa e da remuneração advinda da Administração.”.

91

Segundo prescreve o

parágrafo terceiro do art. 10 da Lei de PPPs, as concessões patrocionadas que destinarem mais de 70% da remuneração ao parceiro privado deverão estar devidamente garantidas por autorização legislativa específica. 92 Essas são, portanto, as primeiras características que dão identidade às concessões patrocinadas. Há, por sua vez, peculiaridades gerais das Parcerias Público-Privadas

(aplicáveis

tanto

às

concessões

patrocinadas

como

administrativas) que serão estudadas em um tópico específico e que dão o tom “consensual” do instituto. Nesse momento, cumpre-se analisar os fundamentos da concessão administrativa.

2.1.4.1.2 A Concessão Administrativa

Como outrora se afirmou, segundo previsão expressa estampada na Lei 11.079/04, a concessão administrativa conceitua-se como sendo o contrato de prestação de serviço em face do qual o parceiro público posiciona-se como usuário direto ou indireto da atividade desempenhada pelo privado. Para a melhor compreensão do instituto, há que se levar em conta três elementos essenciais, que são: (i) o termo “contrato de prestação de serviços”; (ii) o fato de que não caberá somente a prestação única da execução de obra ou fornecimento e instalação de bens 93; (iii) e, por fim, o papel desempenhado pelo parceiro público, podendo figurar como destinatário direto ou indireto da prestação privada. 94 _______________ 91

JUSTEN DE OLIVEIRA, Fernão, 2007, p. 131. Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: (...) § 3o As concessões patrocinadas em que mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado for paga pela Administração Pública dependerão de autorização legislativa específica. (Lei 11.079/04). Ver também: JUSTEN DE OLIVEIRA, Fernão, 2007, p. 131. 93 É o que aduz o inciso III, do parágrafo quarto do art. 2º da Lei 11.079/04: “Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. (...) § 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada: (...) III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.”. 94 JUSTEN DE OLIVEIRA, Fernão, 2007, p. 135. 92

38

A controvérsia que nasceu a respeito do primeiro elemento acima mencionado foi que na própria definição legal, o legislador afastou o termo “concessão de serviço público”, preferindo falar em “contrato de prestação de serviços”. Ocorre que o tratamento concedido aos contratos de prestação de serviço é legislativo e juridicamente distinto daquele destinado à concessão de serviço público, pois enquanto esta pode reger-se pela Lei 8.987/95 ou pela Lei 11.079/04, àqueles são regulados pela Lei 8.666/93 (Lei de licitações e contratos administrativos). 95 Assim, “embora qualifique a espécie como concessão, a redação do §2º do art. 2º induz a considerar que se trata de mera prestação de serviço em favor da Administração, adequada a um contrato administrativo, e não de concessão de serviço público.”. 96 A solução à mencionada falta de coesão foi fornecida pelo mesmo legislador, o qual acrescentou no caput do art. 3º da Lei de PPPs que a concessão administrativa será regida não de forma subsidiária pela Lei 8.987/95, como o é na concessão patrocinada, mas de forma complementar, isto é, a partir da aplicação adicional dos arts. 21, 23, 25, 27 a 39 da Lei de Concessões. 97

_______________ 95

Para que se entenda, de maneira muito breve, a regra legislativa do contrato de prestação de serviço (regulado pela Lei 8.666/93), pertinentes são as lições de Fernando Vernalha Guimarães: “Arranjos submetidos ao regramento dos contratos administrativos gerais pressupõem prestações tomadas diretamente pela Administração Pública, do que se conclui serem prestações cuja responsabilidade pelo pagamento repousa exclusivamente sobre o Poder Público. Esse modelo tem por objeto prestações (transferíveis) de qualquer natureza, desde que a Administração seja a tomadora dos serviços. Sua lógica econômico-financeira é ortodoxa, na acepção de exigir reserva prévia de recursos para o custeio das prestações, vedando a inclusão no objeto do contrato de vias destinadas ao financiamento das prestações. Funcionam, por isso e como regra, a partir de um esquema de pagamento por medição da prestação, sobrevindo a obrigação de pagamento pela Administração assim que adimplida a obrigação pelo contratado. A ênfase do modelo repousa sobre o controle de meios, reduzidos que são a autonomia e o risco do prestador. A ausência de liberdade estipulativa no que toca aos meios de financiamento de prestações acarreta-lhes a restrição (como regra) à conjugação de objetos, inclusive sob a orientação de que, segregados, darão ensejo cada à selação de propostas mais vantajosas”. – Ob. cit, p. 167. 96 JUSTEN DE OLIVEIRA, Fernão, 2007, p. 135. 97 Nesse sentido, são as lições de Fernão Justen de Oliveira, para quem “o conjunto normativo da Lei de PPP, de todo o modo, desautoriza a identificação plena da concessão administrativa apenas como contrato administrativo da Lei. 8.666 ou somente como espécie concessão de serviço público. Ao sujeitar a concessão administrativa a regras da Lei nº 8.987 e da Lei 9.074, o art. 3º milita contra a interpretação pela qual a concessão administrativa restringe-se à modalidade de simples contrato administrativo de prestação de serviços.”. Ob. cit, p. 136. Veja-se também: BONELLI, Claudia Elena; IAZZETTA, Rodnei, 2006, p. 97; JUNIOR, Mario Engler Pinto. Parceria Público-Privada: Antigas e novas modalidades contratuais. In PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; e ANDRADE, Rogério Emilio de. (coords). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP Editora, 2006, p. 83 e 84.

39

Não obstante a isso, apenas o fato de a concessão administrativa ser regulada pela Lei 11.079/04 releva-se suficiente para que a carência de técnica legislativa do conceito previsto no parágrafo segundo do art. 2º não surta maiores efeitos quanto à aplicação material do instituto. Em outras palavras, o mesmo legislador que tratou a concessão administrativa como sendo resultante de um contrato de prestação de serviços, designou-lhe um objeto complexo, diferenciandoa do contrato regido pela Lei 8.666/93. Exemplo disso é a vedação de que a concessão administrativa tenha como objeto tão-somente o fornecimento de mão de obra, de instalação de equipamentos ou execução de obra pública, sendo-lhe necessário, pois, conjugar à execução do contrato uma fase de gestão do empreendimento pelo parcerio privado. 98 Desse modo, portanto, “a prestação do serviço (qualificada pelo fornecimento de mão-de-obra) estará necessariamente conjugada com o fornecimento e instalação de bens ou com a execução de obra, o que impede sua aproximação com o contrato administrativo da Lei nº 8.666.”.

99

E é em torno dessa realidade – prestação de mão-de-obra conjugada com os serviços de gestão – que reside o divisor de águas da concessão administrativa com os demais institutos de concessão comum e patrocinada: a remuneração do parceiro privado amortizada ao longo do prazo de vigência do contrato. Relembre-se que na concessão comum a remuneração é feita através da obtenção única da receita derivada da cobrança de tarifas do usuário, assumindo o concessionário “todo” o risco do empreendimento. Já na concessão patrocionada, a remuneração do privado é promovida de maneira parcial pelo poder concedente, podendo ultrapassar a marca dos 70% caso haja motivação suficiente, precedida de autorização legislativa específica. Na concessão administrativa a realidade é diversa. Diferente dos demais contratos de concessão, a remuneração do parceiro privado, além de ser custeada integralmente pelo parceiro público, tem ligação direta com o cumprimento de metas _______________ 98

Nesse sentido, são as lições de Claudia Elena Bonelli e Rodnei Iazzetta – “Isso porque o objeto das concessões administrativas é muito mais complexo, como, por exemplo, a construção e o gerenciamento de um centro administrativo, de unidades prisionais, de escolas, etc. Nesses projetos, o parceiro privado constrói a infra-estrutra para o parceiro público e, em troca, recebe uma contraprestação do Poder Público, podendo, inclusive, recuperar o seu investimento, ao menos parcialmente, como o direito de explorar os serviços pertinentes ao projeto, como restaurantes, lavanderias, estacionamentos e outras atividades.”. Ob. cit., p. 96. 99 JUSTEN DE OLIVEIRA, Fernão, 2007, p. 135.

40

de qualidade, o qual será analisado através de avaliação periódica do serviço.

100

Significa dizer, de outra maneira, que nesse modelo de concessão o recebimento fixo da contraprestação depende da eficiência e da qualidade do serviço prestado pelo concessionário. Ou seja, a depender do desempenho do particular, é plenamente possível que a sua remuneração ocorra de modo variável. Além disso, o concessionário não mais assume “todo” o risco do negócio, mas o divide com o parcerio

público.

Nas

palavras

de

MARIO

ENGLER PINTO

JUNIOR,

o

concessionário “é transformado em autêntico parceiro da Administração, mantendose coresponsável pelo resultado obtido a partir da utilização da infraestrutura por ele construída.”. 101 Essa forma de remuneração tem como razão de ser permitir que ao longo da execução do contrato o investimento e os gastos do particular sejam amortizados pela Administração Pública102, a qual figurará beneficiária direta ou indireta do serviço prestado. Por fim, a colocação “usuária direta da prestação” significa que a atuação do particular será destinada ao uso ou consumo da própria Administração, porquanto a expresão “usuária indireta”, guarda relação com o fato de que a prestação do serviço será coletiva, razão pela qual não será viável a cobrança de tarifa.

103

É o que afirma

FERNANDO VERNALHA GUIMARÃES:

Trata-se, portanto, de definição ampla, que pressupõe a prestação de serviços prestados direta ou indiretamente à Administração. Quando prestados diretamente, serão serviços gerais tomados pela Administração. Já quando prestados indiretamente à Administração, estarão endereçados diretamente aos administrados, figurando, daí, a Administração como usuária indireta. 104

_______________ 100

Ver: BONELLI, Claudia Elena; IAZZETTA, Rodnei, 2006, p. 97. Ob. cit., p. 83 e 84. 102 Lembre-se que quando se falou das características gerais das PPPs, frisou-se o fato de que um contrato para ser caracterizado como sendo PPP há que cumular três principais elementos, previstos no § 4º do art. 2º da Lei 11.079/04, o qual dispõe que: “§ 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada: I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais); II – cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5 (cinco) anos; ou III – que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.”. Assim, tem-se que o prazo longo de vigência do contrato de PPP é característica elementar a configuração do instituto. Daí poder se falar em amortização do investimento do particular ao longo da vigência do contrato. 103 JUNIOR, Mario Engler Pinto, 2006, p. 89. 104 Ob. cit., p. 168 e 169. 101

41

GUSTAVO BINENBOJM, em estudo dirigido ao tema, assevera que “a referência à Administração Pública como usuária direta ou indireta dos serviços dá margem a que se concebam duas subespécies de concessão administrativa”

105

:a

concessão administrativa de serviço público e a concessão administrativa de serviços ao Estado. A primeira delas, a concessão administrativa de serviço público, se caracteriza pela prestação direta dos serviços ao usuário, sem a cobrança de qualquer tarifa, como se dá no caso do serviço de coleta de lixo pelo parceiro privado sem a imposição do pagamento de taxa. Aqui a Administração assume o papel de destinatária indireta do serviço. Já a segunda espécie, a concessão administrativa de serviços ao Estado, tem como ponto central a fruição dos benefícios da atividade diretamente pelo parceiro público, o qual se posta como usuário direto dos serviços, como ocorre na “construção e manutenção de estabelecimento prisional, associada à exploração de serviços administrativos gerais, como gestão da hotelaria, envolvendo atividades de restaurante, lavanderia, limpeza, manutenção da estrutura, etc.”. 106 É por isso que não está equivocado se afirmar que a concessão administrativa pode versar a respeito de situações que não envolvam delegação de serviço público, abrangendo, pois, casos em que “não há prestação de serviço público e nem sequer há serviço público a ser prestado.”.

107

O exemplo, para tanto,

é, como visto, a prestação de serviço diretamente ao Estado. Nesse sentido, de modo a tornar paupável a incidência da concessão administrativa, ALEXANDRE ARAGÃO listou algumas espécies de atividades que podem ser objeto deste modelo concessório. São elas:

_______________ 105

BINENBOJM, Gustavo. As Parcerias Público-Privadas (PPPS) e a Constituição. Revista Eletronica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Istituto de Direito Público da Bahia, nº 2, mai-jun-jul, 2005, p. 4. 106 GUIMARÃES, Fernando Vernalha, 2012, p. 4. 107 JUSTEN DE OLIVEIRA, Fernão, 2007, p. 136.

42

(1) serviços públicos econômicos em relação aos quais o Estado decida não cobrar tarifa alguma dos usuários (ex. rodovia em uma região muito pobre); (2) serviços públicos sociais, como a educação, a saúde e a cultura e o lazer em geral, que também podem ser prestados livremente pela iniciativa privada. (...); (3) atividades preparatórias ou de apoio ao exercício do poder de polícia (,,,). Seriam os casos da hotelaria em presídios, da colocação de pardais eletrônicos em vias públicas, prestação de serviços de reboque para a remoção de veículos estacionados irregularmente, etc; (4) atividades internas da Administração Pública, em que o próprio Estado, aí incluindo os seus servidores, é o único beneficiário do serviço (ex., construção e operação de uma rede de creches ou restaurantes para os servidores públicos, construção e operação de um centro de estudos sobre a gestão administrativa para elaboração de projetos para a maior eficiência do Estado, etc.). 108

São, pois, hipóteses relacionadas à melhoria da infraestrutura do serviço público em que o Estado, carente de subsídio econômico, lança mão do capital e da mão de obra privada para incrementar tanto os serviços diretamente como os indiretamente afetos à vida dos cidadãos. E o faz através do custeio integral do contrato, remunerando o parceiro privado ao longo da gestão do serviço, pelo o que isenta o cidadão do pagamento de tarifa, possibilitando-lhe o gozo (quando usuário direto da prestação) de um serviço público de qualidade e adequado à finalidade a qual se propuseram o ente público e o parceiro particular. Por tudo isso, prefere-se o conceito de concessão administrativa que a enquadra como um instrumento político-legislativo destinado à satisfação de serviços públicos de caráter social e universal, endereçado a promover a diminuição da desigualdade e a efetivar uma vivência digna aos cidadãos brasileiros, através do mecanismo contratual de recíproca cooperação entre o poder público e o particular.109 E o responsável por assim conceitua-la é ALEXANDRE ARAGÃO, para quem as concessões administrativas são definidas como sendo os:

(...) contratos administrativos em que a cobrança de tarifas é inviável econômica ou socialmente, de acordo com decisão política a ser discricionária e fundamentadamente tomada pelo Estado, ou até mesmo juridicamente vedada, como a cobrança pela saúde ou educação públicas (artigos 196 e 206, IV, CF), ou ainda porque o único usuário do serviço prestado é o próprio Estado. 110

_______________ 108

Ob. cit., p. 13 e 14. JUNIOR, Mario Engler Pinto, 2006, p. 84. 110 ARAGÃO, Alexandre, 2005, p. 12. 109

43

Dessa forma, tomadas as peculiaridades de cada instituto, tem-se que, ao lado da concessão patrocinada, a concessão administrativa possui papel significante no desenvolvimento econômico, social e cultural do país, na medida em que ameniza a carência estruturante de serviços públicos e estimula a participação do investidor privado na promoção de atividades de interesse coletivo-social. Mas isso somente ficará melhor elucidado quando for possível se responder o porquê os doutrinadores entendem as PPPs como sendo o resultado legislativo da moderna política consensual-paritária entre o público e o privado. Adiante-se que um dos méritos da Lei 11.079/04 por amenizar o ranço burocrático das relações hierarquizadas entre o particular e a Administração Pública se deve à previsão expressa da arbitragem, pois, conforme se verá, além de efetivar a política consensual entre os parceiros, a adoção do referido método de resolução de conflito ajudou a aumentar consideravelmente a eficiência dos serviços públicos.

2.1.5 As inovações trazidas pelo instituto das PPPs

Consideradas as lições apresentadas, é possível afirmar que “a compreensão básica que se exige das parcerias instituídas pela Lei 11.079/04 é a de uma coordenação de interesses e riscos entre parceiros que se colocam numa relação horizontal de longo prazo (...).”.

111

Isso tudo graças à prevalência de características

as quais, ainda que de maneira indireta, dão o tom de uma moderna Administração Pública pautada no consensualismo das relações negociais com o privado. Para GUSTAVO HENRIQUE JUSTINO DE OLIVEIRA, as PPPs são inequivocadamente o reflexo das atuais mudanças de rumo relacional na Administração Pública, encaixando-se no que o autor houve por bem denominar “novo contratualismo administrativo”, através do qual:

_______________ 111

MOREIRA, Egon Bockman, 2005, p.117.

44

(...) (i) privilegia-se sobremaneira a cultura do diálogo entre o parceiro público e o parceiro privado, (ii) confere-se maior atenção às negociações preliminares ao ajuste (que devem ser transparentes), (iii) abrem-se espaços para trocas e concessões mútuas entre os parceiros, visando um balanceamento dos interesses envolvidos, (iv) diminui-se a imposição unilateral de cláusulas por parte da Administração, com o proporcional aumento da integração entre os parceiros para o delineamento e fixação das cláusulas que integrarão o contrato e (v) institui-se uma maior interdependência entre as prestações correspondentes ao parceiro público e ao parceiro privado, inclusive com a repartição dos riscos e atribuição de garantias a esse último, tidas como não usuais nos contratos tradicionais firmados pela Administração. 112

Para o autor, as relações entre a Administração e o particular, desse modo, não mais deverão ser vistas pela ótica conservadora do dogma francês, em que se pretendia a afirmação hierárquica dos preceitos públicos em prol do cidadão, mas sim por meio de uma visão moderna que traz maior lucidez aos arranjos negociais públicos, fazendo do particular um importante instrumento no combate à escassez de recursos orçamentários para implementação de “projetos estruturantes em áreas como transportes, saneamento básico e saúde.”.

113

ARNOLDO WALD, em estudo dirigido ao tema, afirma que o advento da Lei de PPPs fez com que o Estado renunciasse:

(...) ao uso de suas prerrogativas de soberano, deixando de ser o poder que impõe a sua vontade, para transformar-se num interlocutor que negocia contratos, dando um crédito de confiança ao seu parceiro, e aceita discutir cláusulas e condições, renegociando-as sempre que for útil ou necessário.114

Ainda segundo o mencionado autor, diante do atual quadro de incapacidade estatal de dar cabo a projetos de infraestrutura, é aconselhável à Administração Pública que “reconheça a competência técnica e financeira de seus parceiros, restringindo-se a estabelecer regras gerais e a fiscalizar o cumprimento do contrato.”. 115

_______________ 112

Ob. cit., p. 24. Idem, p. 22. 114 WALD, Arnoldo. A infra-estrutura, as PPPs e a Arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Ano 2, nº 5, abril-junho, 2005, p. 18. 115 Idem. 113

45

Desse modo, pode-se afirmar que as PPPs representam a materialização legislativa do estabelecimento de um vínculo contratual onde a lógica da imposição e da unilateralidade cede lugar à lógica da negociação e da multilateralidade.

116

Mas isso só foi possível graças à existência de cinco principais características previstas na Lei 11.079/04 que além de alocarem as PPPs em um novo cenário jurídico-político administrativo, diferenciaram-na de toda a contratualização pública até então existente. São elas: a) o subsídio de parte da cobrança de tarifas dos usuários pelo Poder Público; b) a contratação simultânea pela Administração Pública da gestão do serviço; c) o compartilhamento de riscos no contrato; d) o regime diferenciado das garantias; e) e, por fim, a previsão expressa da possibilidade de resolução de conflitos contratuais pela via da arbitragem. Conforme procurará se demonstrar, com as PPPs os particulares obtiveram do legislador um campo muito maior para influenciar no processo de contratação e execução da obra ou serviço, o que resultou na ampliação da margem de suas autonomias para auxiliar o Estado na consecução dos fins públicos.

2.1.5.1 A possibilidade de subsídio da cobrança de tarifas nas concessões de serviço público

A primeira característica acima listada é a possibilidade de o poder concedente subsidiar parte do contrato, remunerando parcela da avença paralelamente ao pagamento de tarifa pelo usuário do serviço. Todavia, essa peculiaridade não representa uma inovação no campo da Administração Pública consensual, pois, conforme se afirmou em linhas anteriores, o custeio de parte do contrato pelo Poder Público não é algo vedado e já esteve presente no projeto da Lei 8.987/95. Mas, é importante a sua menção pelo fato de que através do subsídio _______________ 116

OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. A Arbitragem e as Parcerias Público-Privadas. Revista Eletronica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Istituto de Direito Público da Bahia, nº 2, mai-jun-jul, 2005, p. 4. Ver também: VALLE, Vivian Lima López. Serviço público, desenvolvimento econômico e a nova contratualização da administração pública: o desafio na satisfação dos direitos fundamentais. In BACELLAR FILHO, Romeu Felipe.; GABARDO, Emerson.; e HACHEM, Daniel Wunder. (coords.). Globalização, Direitos Fundamentais e Direito Administrativo. Novas perspectivas para o desenvolvimento econômico e socioambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 281.

46

econômico pela Administração Pública, paralelo à cobrança de tarifa, se possibilita com que áreas e serviços públicos desinteressantes para o investidor privado possam ser desenvolvidos e explorados, fazendo das PPPs um importante instrumento legislativo no incentivo ao desenvolvimento do país.

117

Daí não ser

exagerado se afirmar que o desenvolvimento, através da promulgação da Lei 11.079/04, não mais está ligado à falta de capacidade econômica e estrutural do Estado, mas ao desinteresse dos governantes de efetivar projetos de políticas sociais. Pois, condições legislativas e meios alternativos de obtenção de recursos econômicos existem, faltando ao Estado a devida motivação para concretizá-los.

2.1.5.2 A contratação simultânea pela Administração Pública da gestão do serviço público

A segunda característica, esta, por sua vez, inovadora, refere-se à vedação expressa contida na Lei 11.079/04 de que projetos de Parceria Público-Privada tenham como objeto único a execução de obras ou serviços, sendo-lhes necessário cumular a gestão da atividade pelo parceiro privado. A consequência direta disso é que, ao assim proceder, o legislador concedeu certa margem de autonomia ao parceiro privado para determinar o modus operandi da atividade a ser prestada118, como a elaboração do projeto básico, a obtenção dos recursos necessários ao financiamento da obra, a contratação de pessoal, serviços de limpeza, alimentação e saúde, cuidado com o aspecto estrutural, etc. São, pois, atividades que proporcionam ao parceiro privado atuar sem a existência de um roteiro de execução pré-formatado pelo Estado, como se dá nos contratos de _______________ 117

Nesse sentido, são as lições de Marco Aurélio de Barcelos Silva: “Outra inovação das PPPs está na possibilidade de o Poder Público subsidiar as tarifas cobradas dos usuários em uma concessão de serviços públicos. Com base no modelo tradicional de concessão observa-se uma profunda dificuldade de se viabilizar serviços relacionais a setores pontecialmente deficitários ou de prestá-los a comunidades de baixo poder aquisitivo. O resultado desse cenário tem sido uma contenção de iniciativas voltadas à universalização dos serviços públicos – a exemplo do que se verifica em projetos como de saneamento básico – em flagrante afronta à dignidade do usuário-cidadão.”. – Ob. cit., p. 6. 118 Importante destacar que isso não significa que o parceiro privado poderá agir como bem entender. Como dito em momento anterior, na concessão administrativa prevalece a existência de uma remuneração pautada no suprimento de metas de qualidade previstas no contrato. Portanto, há que analisar com cuidado o termo “autonomia” para não se pensar que a gestão do serviço não seguirá um cronograma de eficiência imposto pelo Estado.

47

prestação de serviço regulados pela Lei 8.666/93. O que o poder público exige, contudo, é que a atividade seja gerida com eficiência e qualidade. Desse modo, possibilita-se ao contratado a obtenção "das melhores técnicas para o atingimento dos objetivos fixados pela Administração, que fica, assim, liberada dos custos e dos encargos de montar uma estrutura para pensar todos os elementos do contrato (...).”.119 Dito de outra maneira, a natureza complexa do objeto do contrato de PPP, somada à remuneração variável do particular, faz com que este recorra a inovações técnicas e soluções que, por força dos mercados, o particular estaria naturalmente sujeito a buscar. Isso tudo, repita-se, para que as metas de eficiência e qualidade dos contratos de concessão sejam respeitadas e atingidas.

120

É o Estado e o cidadão, cada qual com o seu interesse, caminhando

juntos na promoção do interesse coletivo.

2.1.5.3 O compartilhamento dos riscos

O termo “parceria” se justifica pela presença desta terceira característica, a qual procurou distribuir de modo justo o ônus da execução do contrato entre os parceiros público e privado. Refere-se, pois, a uma inovação do instituto das PPPs na medida em que procura desmistificar as antigas práticas dos modelos de contratação que ou impunham todos os riscos da atividade à Administração Pública (Lei 8.666/93) ou os transferiam para o particular (Lei 8.987/95).

121

Para que fique evidente a prática da parceria, então, o legislador previu no inciso VI do art. 4º da Lei 11.079/04 que dentre as diretrizes que serão observadas na contratação de parceria público-privada está a repartição objetiva de riscos entre as partes. Com isso, o parceiro público e o privado “simultaneamente ocuparão a posição de credor e de devedor, cujos direitos e obrigações submetem-se (tendencialmente) a um regime de dependência recíproca, em que a obrigação de um corresponde ao direito do outro, e vice-versa.”. 122 _______________ 119

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 43. 120 SILVA, Marco Aurélio de Barcelos, 2007, p. 7. 121 Idem, p. 5. 122 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de., ago-set-out, 2005 p. 23 e 24.

48

Esse é um importante exemplo de aproximação negocial entre os parceiros, materializado na Lei de PPPs, pois, uma vez compartilhados os riscos do contrato, quebra-se com a antiga lógica da verticalidade dos tradicionais modelos contratuais e introduz-se às contratações públicas uma maior cumplicidade entre os negociantes, através da correlação entre os direitos e as obrigações do parceiro público e do parceiro privado.

123

2.1.5.4 O diferenciado regime das garantias

Entedida por MARCOS JURUENA VILLELA SOUTO como uma das mais marcantes características das PPPs, o regime das garantias tem como motivação principal, como o próprio nome sugere, conceder garantias ao parceiro privado de recebimento da contraprestação pecuniária pelo investimento realizado. A razão direta disso está relacionada às peculiaridades do contrato de PPP, listadas no parágrafo quarto do art. 2º da Lei 11.079/04, que vedam a contratação pública, via Parceria Público-Privada, de valores não menores que R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais) e por tempo não menor que 05 (cinco) e não superior a 35 (trinta e cinco) anos. Não obstante, ressalte-se que nas PPPs “o contratado é responsável pela entrega de toda a estrutura [do projeto], o que envolve a obtenção do imóvel, a edificação, equipagem, recrutamento e seleção dos prestadores de serviço”

124

, para

somente após começar a gozar do seu direito a contraprestação. Isso tudo, a primeira vista, causa um certo – e justo – receito pelo parceiro privado de que ao longo da avença será justamente remunerado pelo vultoso investimento aplicado. Em face disso foi que a Lei de PPPs cuidou de implantar um diferenciado regime de garantias, a fim de reduzir os custos e os riscos do contrato. Para tanto, criou certos mecanismos legais como: “a) a vinculação de receitas; b) a instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; c) a contratação de serguro_______________ 123 124

Idem, p. 24 Idem.

49

garantia com companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público.”. 125 O mecanismo fático-jurídico mais eficiente foi certamente a criação de fundos privados, com vinculação de receitas, geridos por meio da criação de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE). 126 Através da criação de fundos privados geridos por SPEs possibilitou-se com que se garantisse ao particular que eventuais pagamentos decorrentes de execuções por inadimplemento do contrato pela Administração Pública não se dessem pela via morosa do precatório, mas pelas receitas retidas no fundo, importando numa rápida e ágil obtenção do valor da condenação pelo investidor privado. Significa dizer, portanto, que “o mercado se vê em posição de menor risco se os fundos forem regidos pelo regime privado e geridos por pessoas jurídicas de direito privado, de modo a não se submeter qualquer execução ao regime de cobrança de débitos da Fazenda Pública”, 127 resolvendo a avença “ao final de longa demanda, por meio de precatórios, cujo pagamento, por sua vez, é também lento.”.128 O marco principal dessa característica é a preocupação que o legislador teve em resguardar a satisfação do contrato não só para o Poder Público, mas também para o parceiro privado. Percebe-se com isso que com o tempo e as necessidades que se foram criando, não bastou a alocação de medidas legislativas impositivas e cegas à realidade circundante. Viu-se, como se demonstrou na primeira seção deste trabalho, que ao longo da formação dos Estados a importância do particular na promoção de serviço público aumentou sobremaneira. Por outro lado, insistiu-se na criação de Leis que não atentavam para os direitos e as garantias do contratado. O que se observava eram imposições desmedidas que de nada favoreciam a satisfação do interesse público. Portanto, ao positivar métodos inovadores de garantias contratuais, o legislador reafirmou a importância da moderna política consensual de não mais tratar o particular como mero executor do contrato, mas como verdadeiro parceiro da Administração Pública. _______________ 125

SILVA, Marco Aurélio de Barcelos, 2007, p. 8. SOUTO, Marcos Juruena Villela, 2005, p. 47. 127 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito Administrativo das Parcerias. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005, p. 48. Ver também: JUSTEN FILHO, Marçal, 2011, p. 778. 128 Idem. 126

50

2.1.5.5 A arbitragem

A última e não menos importante característica inovadora das PPPs no campo da moderna administração negocial foi a previsão expressa da possibilidade de o contrato de Parceria Público-Privada incluir em suas cláusulas a resolução de conflitos via arbitragem. 129 Ao assim proceder, o legislador deixou claro que um dos objetivos da promulgação da Lei de PPPs foi o de não mais desnivelar de modo tão ascintuoso a relação contratual entre os parceiros. Todavia, é importante frisar que o fato de ser a arbitragem um modo alternativo e privado de resolução de litígios, a sua adoção pelo Poder Público não significa o afastamento das prerrogativas contratuais, ou, ainda, que a Administração Pública estará abrindo mão do acesso ao Poder Judiciário. Discussões como essas já foram há muito superadas pela doutrina e pela jurisprudência. 130 Por essa razão, o próposito do presente trabalho, ao estudar o instituto da arbitragem, se limitará a abordar os benefícios ao interesse público decorrentes da adoção de cláusula arbitral nos contratos administrativos de PPPs. Especialmente quanto à maior

_______________ 129

É o que dispõe o art. 11, inciso III, da Lei de PPPs: “Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e observará, no que couber, os §§ 3o e 4o do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: (...) III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.”. (Lei 11.079/04). 130 Ver: GRAU, Eros Roberto. Arbitragem e Contrato Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público. N. 32. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 20; KLEIN, Aline Lícia. A arbitragem nas Concessões de Serviço Público. In PEREIRA, Cesar A. Guimarães. e TALAMINI, Eduardo. (coords.). Arbitragem e poder público. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 86; RIBEIRO, Maurício Portugal; NAVARRO, Lucas. Comentários À Lei de PPP - Parceria Público-privada - Fundamentos Econômico-jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 290; TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Parceria Público-Privada (PPP). Disponível em Acesso em 04 de maio de 2013; VALENÇA FILHO, Clávio. Validade e Eficácia da Convenção de Arbitragem em Contratos Administrativos: a ótica judiciária. In LEMES, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto; MARTINS, Pedro Batista, (coords.). Arbitragem: estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando Silva Soares. São Paulo: Atlas, 2007, p. 439. Também os seguintes julgados: AI n.º 52.181, Rel. Min. Bilac Pinto, j. em 14.11.73; RE n.º 253.885-0, Rel. Min. Ellen Gracie, Dj. em 04.06.2002; e AgRg no MS n.° 11.308/DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª S., Dj 14.08.06.

51

aproximação consensual entre as partes em face da sedimentação da segurança jurídica, do respeito à celeridade e da especialidade da jurisdição arbitral. 131 Essas vantagens, no entanto, em razão de suas relevâncias serão alisadas em um tópico apartado.

_______________ 131

Nesse sentido, afirma Marçal Justen Filho: “A Lei nº 11.079 admitiu a utilização do instituto da arbitragem para composição de litígios, o que conduz à possibilidade de decisões em prazo mais reduzido de tempo.”. – JUSTEN FILHO, Marçal, 2011, p. 779.

52

3 A RELAÇÃO DIRETA ENTRE A RECEPÇÃO DA ARBITRAGEM PELA LEI DE PPPS E A SEDIMENTAÇÃO DA CONTEMPORÂNEA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONSENSUAL

Conforme se demonstrará, em comparação à justiça comum, as vantagens aos contratantes – e, de modo reflexo, ao interesse público objeto da concessão – decorrentes da eleição de cláusula arbitral no contrato de PPP são imensas, especialmente no que toca à segurança jurídica do contratado, à maior especialidade do julgador e à celeridade das decisões arbitrais. Consequência direta, ao tornar juridicamente seguro o campo de atuação do parceiro privado, a arbitragem acaba por revelar-se um fundamental meio jurisdicional de concretização do moderno vínculo consensual entre o Estado e o cidadão.

132

3.1 A CRISE DA JUSTIÇA E OS BENEFÍCIOS DA ADOÇÃO DA ARBITRAGEM NO CONTRATO DE PPP

Como outrora se estudou, em razão da crise econômica da década de noventa, o Estado viu-se impossibilitado de manter as políticas sociais de intervenção na economia e de centralização da prestação do serviço público. Para tanto, dentre as alternativas assumidas, lançou mão do contrato de concessão, através do qual deu início a um importante regime de parceria com o particular para a implementação de serviços e obras públicas. Mais a frente, percebeu-se que a concessão comum era insuficiente para promover o desenvolvimento dos setores de infraestrutura e transporte, razão pela qual promulgou-se a Lei de PPPs. Acontece que, paralelo à crise econômica do Estado, verificou-se a incapacidade do Poder Judiciário de suprir de modo seguro, célere e eficiente os

_______________ 132

Importante que se denote que não se está a dizer que a arbitragem é meio “consensual” de resolução de conflitos. O que se pretende afirmar é que em razão das características privadas da arbitragem, como, por exemplo, autonomia das partes para elegerem a cláusula arbitral como componente do contrato de concessão, a relação jurídica entre os parceiros público e privado tornase mais estreita e desprovida dos velhos dogmas da imposição e da uniltarealidade.

53

direitos reclamados pelos contratados da Administração. Tudo isso contribuiu para o que se convencionou chamar de a “crise da justiça”. 133 Dessa forma, não obstante ter o legislador remediado o problema econômico da prestação de serviço público através da reestruturação da esfera legislativa das concessões, teve, em contrapartida, a necessidade também de conjugar à Lei 11.079/04 mecanismos alternativos de solução de conflitos que proporcionassem ao particular a segurança jurídica da relação mantida com o Estado. É o que afirma DENNYS ZIMMERMANN:

Em um país de minguada poupança interna como o nosso, a captação de recursos estrangeiros de há muito deixou de ser uma questão de mera conveniência da Administração, tornando-se um imperativo econômicosocial a que uma atuação eficiente por parte do administrador não pode permanecer indiferente. Nesse contexto, a celeridade e a especialização típicas do processo arbitral exsurgem como um valioso contraponto às dificuldades imanentes à jurisdição estatal e um atrativo indispensável aos investidores. 134

A solução, como se viu, veio com a com a recepção da Lei 9.307/96 (Lei brasileira de Arbitragem) pelo art. 11, inciso III da Lei 11.079/04, que incluiu no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de questões patrimoniais e disponíveis surgidas dos contratos de PPPs serem julgadas por um Tribunal Arbitral privado, munido de jurisdição e eleito livremente pelas partes para o cotejo específico da controvérsia instaurada.

_______________ 133

Nesse sentido: “Ora, é ressabido que, nas condições atuais, o velho sistema monopolístico de distribuição de justiça provoca um inevitável e crescente acúmulo de pendências, que termina por submeter a alto risco a própria efetividade e a eficiência estatal no exercício da jurisdição, o que vem a ser, em última análise, a falência de sua própria capacidade de bem produzir justiça.”. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; e VILLELA SOUTO, Marcos Juruena. Arbitragem em contratos firmados por empresas estatais. Revista de Direito Administrativo, nº 236, Rio de Janeiro: Renovar, abr./jun. 2004, p. 224; Ver também: REALE, Miguel. Crise da Justiça e Arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Ano 2, nº 5, abril-junho, 2005; e RIOS, Arthur. Juízes Particulares ou “Rent a Judge”. 3º R.T.D., nº98, maio/1995, p. 393. 134 ZIMMERMANN, Dennys. Alguns aspectos sobre a arbitragem nos contratos administrativos à luz dos princípios da eficiência e do acesso à justiça : por uma nova concepção do que seja interesse público. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Ano 4, nº 12, jan-mar, 2007, p. 86. Ver também : LEMES, Selma. Arbitragem na concessão de serviços públicos – arbitrabiliadde objetiva. Confidencialidade ou publicidade processual ?. Revista de Direito Bancário, Ano 6, nº 21, julho-setembro, 2003, p. 400 e REALE, Miguel. Crise da Justiça e Arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Ano 2, nº 5, abril-junho, 2005, p. 13.

54

3.1.1 Simplificadamente: o conceito de arbitragem

A definição que melhor elucida o instituto da arbitragem é fornecida por JOSÉ CRETELA JÚNIOR, para quem a arbitragem:

(...) é o sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos especiais e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida. 135

Em complemento ao que afirmou o referido autor, a arbitragem pode ser entendida como um meio adequado de resolução de conflitos, disciplinado pela Lei 9.307/96, através do qual se verifica a supremacia do respeito à autonomia da vontade das partes para, entre outros, decidir a respeito da escolha da via arbitral para a solução de questões patrimoniais e disponíveis. A sentença proferida pelo árbitro ou Câmara Arbitral terá efeito de coisa julgada material, não sendo passível de recurso na esfera estatal, de modo que a intervenção do Juiz togado estará limitada ao rol taxativo de causas de anulação da decisão, previsto pelo art. 32 da Lei 9.307/96.136 Portanto, a título exemplificativo, surgida determinada controvérsia a respeito da equação econômico-financeira do contrato de PPP – problemática patrimonial e disponível muito comum nas relações mantidas com o Estado –, poderão as partes recorrer ao juízo arbitral.

_______________ 135

CRETELA JÚNIOR, José. Da Arbitragem e seu Conceito Categorial. Revista de Informação Legislativa, vol. 98. Brasília, 1998, p. 28. 136 “Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I - for nulo o compromisso; II - emanou de quem não podia ser árbitro; III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.” – Lei 9.307/06.

55

3.1.2 Os benefícios da arbitragem para a consensualidade do contrato de PPP e a sua extensão à efetividade da solução ótima no atingimento do interesse público

Não obstante as peculiaridades inovadoras do procedimento arbitral, o que verdadeiramente importa quando o assunto é arbitragem e contrato administrativo são os benefícios trazidos por esse instituto em matéria de segurança jurídica ao particular investidor e, consequentemente, à sedimentação do consenso de sua relação com o parceiro público, por meio, entre outros, da materialização da solução ótima no atingimento do interesse público. Relembrando o que já se estudou, os contratos de PPPs são providos de anuâncias muito específicas que importam em verdadeira adesão pelo particular, que são o limite mínimo de cinco e máximo de trinta e cinco anos no gerenciamento da coisa pública, mais o investimento de quantia mínima de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões) de reais. Ora, é evidente que em razão destas exigências surja ao particular o receio de que, violado o seu direito, seja este relativizado pelo Poder Judiciário por conta da insuficiência de seus meios em dar a devida prestação jurisdicional aos litígios. EDUARDO GREBLER leciona que diante do destaque da arbitragem em oferecer garantias jurisdicionais omitidas pela justiça comum:

(...) não seria lógico que tivessem as partes de recorrer ao Poder Judiciário que não dispõe – seja no Brasil, seja em países mais desenvolvidos de que se tem notícia –, da capacidade para responder à necessidade de solução imediata de tais controvérsias, de modo a evitar que seja afetado o objeto do contrato. 137

Para o citado autor “o modo adequado para a solução dessas indiferenças é, inquestionavelmente, a arbitragem.”.

138

E completa afirmando que “desde que

corretamente administrada, a arbitragem permite resolver disputas contratuais com _______________ 137

GREBLER, Eduardo. A solução de controvérsias em contratos de parceria público-privada. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo, Ano 1, nº 2, maio-agosto, 2004, p. 70. 138 Idem.

56

celeridade e especialização, além de mitigar o grau de litigiosidade entre as partes.”.139 Sobre a recepção da arbitragem pela Lei de PPPs, leciona EDUARDO TALAMINI:

A expressa referência legal à arbitragem [pela Lei de PPPs] tem a ver com essa promessa de maior estabilidade, com menos surpresas advindas do exercício unilateral das prerrogativas estatais e o incremento da atividade cooperante. (...). Indica-se que no novo contexto de atuação conjunta dos setores público e privado merece destaque uma via de composição de conflitos cuja implementação, definição de julgadores e as balizas internas de desenvolvimento, dentro de certos limites, advêm igualmente do consenso entre as partes. 140

Nesse sentido, corroborando com o que afirma o autor, é de se dizer que a adoção de uma cláusula ou de um compromisso arbitral pelos parceiros público e privado é nada senão o pleno exercício da consensualidade, pois um de seus requisitos de validade, afora a patrimonilidade e a disponibilidade da questão, é a livre e plena anuência das partes. É por isso que, em regra, a eleição de arbitragem em contratos de adesão é vedada pela Lei 9.307/96.

141

Tudo por conta da ampla

importância concedida à autonomia da vontade. E é aqui que reside o cerne da afirmativa de que a adoção da via arbitral para dirimir conflitos decorrentes de contrato de PPPs atuaria como meio eficaz para sedimentar a moderna relação consensual entre o parceiro público e o parceiro privado. Isso porque, conforme pode-se denotar, ao aderir à arbitragem, o Estado (na pessoa do agente público) concretiza as bases da Administração Pública consensual e – ao menos por um instante – despi-se dos adornos da autoridade e agasalha a relação jurídica com as vestes da paridade, cumprindo, assim, como adiante ficará evidenciado, com o seu dever-poder irrenunciável de busca pela solução ótima do serviço público.

_______________ 139

Idem. TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Parceria Público-Privada (PPP). Disponível em Acesso em 04 de maio de 2013. 141 Salvo “se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.”. – art. 4º, § 2º, da Lei 9.307/96. 140

57

Em se tratando do incremento da seara administrativa-consensual verificada pela

presença

da

arbitragem

nos

contratos

de

PPPs,

THEMÍSTOCLES

CAVALCANTI leciona que:

(...) a administração realiza muito melhor os seus fins e a sua tarefa, convocando as partes que com ela contratarem, a resolver as controvérsias de direito e de fato perante o juízo arbitral, do que denegando o direito das partes, remetendo-as ao juízo ordinário ou prolongando o processo administrativo, com diligências intermináveis, sem um órgão diretamente responsável pela instrução do processo. 142

Assim, tem-se que “a valorização da arbitragem é o reflexo processual da importância do consenso, da parceria, no direito material”,

143

na medida em que o

regime de execução do contrato e, por conseguinte, as garantias nele previstas, restarão melhor abalizadas se ao parceiro privado for concedida a certeza de que, caso violado seu direito, a lide será julgada de modo célere e por pessoas especializadas no objeto da causa. O raciocínio é simples: ao conceder base juridisdicional sólida ao parceiro privado, a Administração Pública automaticamente cumpre com o seu dever-poder irrenunciável de garantia da solução ótima do serviço público na medida em que as condições de execução do contrato e a relação entre os contratantes terão como sustentáculo outra lógica que não a da imposição e da unilateralidade, que são a negociação e a multilateralidade. 144 Ato contínuo, tornando a relação contratual mais transparente e “colaborada”, se torna mais fácil e menos impactante a adequação do contrato ao atingimento da solução ótima do objeto público por ele tutelado. Em outras palavras, na medida em que a Administração Pública cede maior atenção e importância ao papel do parceiro privado na execução do contrato administrativo, possibilita que se crie um diálogo (ainda que tímido) a respeito do melhor meio de se buscar a eficiência do serviço a ser prestado. _______________ 142

CAVALCANTI, Themístocles. Revista de Direito Administrativo, nº 45, p. 517. in GRAU, Eros. Arbitragem e Contrato Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público. N. 32. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 15. 143 TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Parceria Público-Privada (PPP). Disponível em Acesso em 04 de maio de 2013. 144 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. A Arbitragem e as Parcerias Público-Privadas. Revista Eletronica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Istituto de Direito Público da Bahia, nº 2, mai-jun-jul, 2005, p. 4.

58

Nesta senda, é de se frisar que de modo algum se está a afirmar que a consensualidade ora apresentada elimina ou causa qualquer mácula ao interesse público – ou aos institutos inerentes ao Regime Jurídico de Direito Público

145

, como,

por exemplo, o exercício de prerrogativas inerentes à função pública. O que se pretende é justamente ao contrário: reafimar as bases do Direito Administrativo, mantendo as características que o formam e informam, através do estabelecimento do consenso inerente aos contratos de PPPs e ao procedimento arbitral que possibilitem se flexibilizar (e não mitigar ou afastar) certos dogmas públicos em prol do interesse coletivo. Nesse sentido, portanto, se comparada à justiça comum, os benefícios às partes e ao interesse público objeto do contrato de PPPs pela eleição da arbitragem são imensos. Para o fim a que se destina o presente trabalho, tem-se que i) pela via arbitral o parceiro privado obtem maior segurança jurisdicional de respeito aos seus direitos; ii) na arbitragem prevalece a especialidade do julgamento, pois o árbitro, na maior parte das vezes, é pessoa com notória especialização no tema levado a debate; iii) e, por fim, o procedimento arbitral é comumente mais célere que o procedimento judicial comum.

3.1.2.1 Segurança jurídica

A segurança jurídica de que trata o presente trabalho refere-se à necessidade de concessão de garantia de eficiência da prestação jurisdicional ao contrato de PPP. Não que necessariamente se prolatará uma sentença favorável ao particular investidor. Mas que o procedimento, isto é, o caminho para que se chegue até a prolatação de uma decisão final, se dê com base na observância de condições _______________ 145

Para Daniel Wunder Hachem há que se analisar de maneira cuidadosa a ascendência de „‟novos paradigmas‟‟ na Administração Pública para que não se incorra na exclusão de instituições clássicas de Direito Administrativo. Para o autor: „‟ A toda evidência, o Direito Administrativo contemporâneo reclama, realmente, uma releitura de seus institutos à luz dos postulados democráticos vigentes nas Constituições atuais, permeadas pelas exigências do modelo social do Estado de Direito.E isso requer, sem dúvida, a transformação de determinados conceitos nãos mais condizentes com essa nova realidade.‟‟. Entretanto, frisa o autor que para o exercício dessa releitura do Direito Administrativo não é „‟necessário refutar os avanços do passado por obervá-los com as lentes do presente‟‟. HACHEM, Daniel Wunder. Princípio constitucional da supremacia do interesse público. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 391 e 392.

59

mínimas de jurisdicidade. Repise-se, não há cabimento em se imaginar que uma parte que invista quantia mínima de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões) de reais num contrato firmado com o Poder Público tenha negligenciado o seu direito por conta da ausência de estrutura e da consequente morisadade do Poder Judiciário. 146 Ao que tudo em dica, hoje somente a arbitragem tem a capacidade de conceder às partes essa garantia mínima de eficiência jurisdicional. Veja-se, nesse sentido, as lições de DENNYS ZIMMERMANN:

(...) a estipulação de cláusula compromissória, frequentemente, atende à necessidade de se conferir maior segurança aos parceiros privados da Administração, que, de outro modo, receosos da morosidade e falta de especialização técnica por parte do Poder Judiciário, dificilmente estariam dispostos à realização de vultosos investimentos no Brasil, mormente em empreendimentos cuja complexidade e prazo de maturação englobam altos riscos para os investidores.147

Em face disso, é possível se afirmar que “o sucesso das parcerias públicoprivadas depende, fundamentalmente, da garantia de respeito ao contrato.”.148 Para EDUARDO GREBLER:

(...) sem essa garantia, o contratante privado não terá a indispensável segurança de que o capital por ele investido em projetos de interesse do Poder Público será de fato recuperado, no modo e no tempo contratados, e que estará imune a vicissitudes políticas, que, de tempo em tempos, atingem a segurança dos negócios estabelecidos entre o Estado e os particulares. 149

Daí é que advém a importância da arbitragem em matéria de PPPs. Afinal, diante da realidade circundante não há outro instrumento jurisdicional melhor que a via arbitral para concretizar o respeito às garantias do contrato, tema este de crucial importância quando o assunto é concessão de serviço público. _______________ 146

Sobre isso, afirma Arnoldo Wald que: “Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o investimento privado nas PPPs é voluntário e se fundamenta numa escolha que o investidor faz considerando as possibilidades que se lhe oferecem num mundo competitivo e globalizado, no qual busca simultaneamente a melhor rentabilidade e a maior segurança.”. – Ob. cit., p. 25. 147 Ob. cit., p. 86. 148 GREBLER, Eduardo, 2004, p. 68 e 69. 149 Idem.

60

A segurança jurídica, portanto, “lida, diretamente, com a boa fé que deve sempre reinar entre as partes que se relacionam com vistas à consecução de um objetivo comum.”.

150

E esse dever lateral de conduta fica ainda mais evidente

quando “uma das partes é uma entidade da Administração Pública, da qual se espera enfaticamente o respeito ao cidadão e o atendimento do princípio da moralidade administrativa.”. 151 Assim, esse respeito ao direito do contratante não revela outra conclusão que não a intenção do legislador, ao recepcionar a arbitragem na Lei de PPPs, de proporcionar às partes uma nova forma de relacionamento através do consenso. Mas não é só.

3.1.2.2 Especialidade

Quanto ao benefício da especialidade, dispõe o caput do art. 13 da Lei de Arbitragem que “pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.”.

152

Isso significa que não necessariamente a pessoa que atuará na

arbitragem como julgador será ligada ao Direito, podendo ser profissional técnico especificamente capacitado em relação ao objeto da lide, como, por exemplo, um engenheiro civil julgando controvérsia que verse sobre um pedido de indenização pelos serviços de construção já realizados pelo parceiro privado e não remunerados pelo parceiro público. 153 Nesse sentido, assevera ADILSON DE ABREU DALLARI: _______________ 150

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo; e VILLELA SOUTO, Marcos Juruena, 2004, p. 226. Idem. 152 “Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.” – Lei 9.307/96. 153 Nesses casos em que há árbitro com capacidade técnica mas não jurídica, aconselha-se que ao menos o presidente do Tribunal arbitral tenha formação jurídica. É o que afirma Carlos Alberto Carmona: „‟A Lei de Arbitragem, como já disse, não exige formação acadêmica específica para que alguém possa ocupar a função de árbitro. Nos colegiados, porém, surge sempre a dúvida acerca da conveniência de que a presidência do painel seja ocupada por quem tenha formação jurídica. A prática revela a excelência de tribunais compostos por integrantes de diversas áreas do conhecimento: a junção de advogados, engenheiros, arquitetos, médicos e contadores em painéis „‟híbridos‟‟ tem-se mostrado bastante eficaz, pois dota o órgão julgador de capacitação para discutir com profundidade as questões postas a julgamento e que não sejam estritamente jurídicas.‟‟. – CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: comentários à Lei nº 9.307/96. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Ed. Atlas, 2009, p. 236. 151

61

A arbitragem difere da justiça estatal por várias características. Uma delas é a especialidade: pode ser nomeada árbitro uma pessoa que detenha conhcedimento técnico sobre a questão, como um engenheiro mecânico para decidir caso em que se discute o desempenho de uma máquina.154

Em outras palavras, “os árbitros são juízes especializados, escolhidos para o caso, juízes sob medida. São presumidamente conhecedores não só do direito, mas também dos aspectos técnicos, econômicos e sociais dos problemas que discutem.”.155 É aqui, portanto, que reside a especialidade do julgamento. Tamanha é a importância desse benefício que, a depender da qualificação técnica do árbitro, poderá o Tribunal dispensar a realização de eventual trabalho pericial, poupando as partes de investirem mais dinheiro com honorário de perito.

156

Não bastasse, essa ampla flexibilidade técnica é ainda corroborada pelo § 3º do art. 13 da Lei 9.307/96 o qual prestou importante contribuição à consensualidade das relações públicas na medida em que determinou o respeito ao consenso das partes para estabelecerem o processo de escolha dos árbitros. Assim,

tem-se

que

a

natureza

especializada

da

arbitragem

vem

acompanhada pela liberdade consensual das partes de elegerem, dentre os especialistas, aquele que melhor elucidará a questão posta a julgamento. Além disso, podem as partes optar por delegar a análise da lide à uma Câmara Arbitral já formada por um quadro específico de árbitros, ficando o procedimento vinculado ao regulamento daquela instituição. Em se tratando de relação jurídica derivada de um contrato de PPPs essa realidade se mostra essencial à formação de um Direito Administrativo menos impositivo e mais consensual, porquanto desde o início da arbitragem, com a formação do Tribunal julgador, o que se verifica é a aproximação entre os parceiros por meio de um amplo e sólido respeito à autonomia da vontade das partes. 157

_______________ 154

DALLARI, Adilson de Abreu. Arbitragem na concessão de serviço púbilco. Revista Trimestral de Direito Público. N. 13. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 7. Ver também: WALD, Arnoldo, 2005, p. 25; GREBLER, Eduardo, 2004, p. 71. 155 Ob. cit., p. 25. 156 LEMES, Selma. Sete motivos para eleger a arbitragem em contratos empresariais e públicos. 2008. Disponível em Acesso em 04 de maio de 2013. 157 CARMONA, Carlos Alberto, 2009, p. 234.

62

3.1.2.3 Celeridade

Outra característica fundamental da arbitragem é a agilidade, aliada à eficiência, em que se julgam litígios patrimoniais e disponíveis. Estima-se que o tempo de tramitação de uma demanda arbitral varia de sete a quatorze meses “considerando a complexidade da matéria, grau de colaboração das partes e advogados e a disponibilidade dos árbitros.”.

158

Em contrapartida, “no judiciário,

pode-se considerar o dobro ou o triplo desse período.”. 159 De acordo com SELMA LEMES:

Um dos fatores que justificam esta disparidade é que enquanto um juiz julga em média mil causas por ano, um árbitro, quando muito reivindicado em razão de sua competência e presteza, não exara mais do que uma dezena de sentenças arbitrais no mesmo período. 160

Assim, levada em consideração a modernização dos meios tecnológicos e globalizantes deste século tem-se que a celeridade da justiça em matéria contratual pública é fundamental para se estabelecer uma confiança e uma maior presteza na realização do serviço público pelo parceiro privado. Sem sombra de dúvida, essa mudança de postura do legislador brasileiro de recepcionar a arbitragem na Lei de PPPs influencia e muito o moderno paradigma relacional das contratações públicas. Tudo porque ao assim proceder, o Estado diretamente melhora a condição de trabalho do particular contratado, e, indiretamente, intensifica a promoção e o respeito ao interesse público. É o que aponta DENNYS ZIMMERMANN:

_______________ 158

LEMES, Selma. Sete motivos para eleger a arbitragem em contratos empresariais e públicos. 2008. Disponível em Acesso em 04 de maio de 2013. 159 Idem. 160 Idem.

63

Assim é que, a nosso ver, longe de pressupor uma “disponibilização” do interesse público, ao adotar a via arbitral em determinada contratação, a Administração, desde que justificadamente a partir da ponderação de interesses e das conexões axiológicas que no caso couberem, nada mais faz senão satisfazê-lo, uma vez que tal mecanismo seja aquele que, diante das circustâncias concretas, propicie a alternativa mais eficiente de acesso à jurisdição, e por conseguinte, se revela a única capaz de conduzir à concretização das finalidades e objetivos preconizados no ordenamento jurídico-positivo. 161

Por tudo o que foi apresentado a respeito dos benefícios da arbitragem, é de se notar que ao mesmo tempo em que se verifica a sedimentação da moderna relação consensual entre o Estado e o cidadão, conclui-se, por outro lado, que, ao tornar o contrato de PPP um atrativo ao investidor privado, a arbitragem revela-se como sendo um indispensável mecanismo de promoção da justiça e intensificação do interesse público.

_______________ 161

Ob. cit., p. 93. Ver também: FERREIRA NETTO, Cássio Telles. Contratos administrativos e arbitragem. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 37.

64

CONCLUSÃO

Com base no que fora apresentado, conclui-se que não obstante todos os benefícios proporcionados pela Lei 11.079/04, através, entre outros, do diferenciado regime de garantias ao contratado, o principal e mais efetivo avanço da Lei de PPPs na seara da política consensual se deu por meio da previsão expressa da arbitragem como meio jurisdicional de resolução de conflitos patrimoniais e disponíveis. Isso porque, ao assim proceder, o legislador sedimentou a segurança jurídica de que necessitava o particular para investir tempo e dinheiro na construção e gestão de serviços e obras públicas em nome do Estado. Viu-se, pois, que não bastava somente o fornecimento de condições econômicas e aparatos legislativos para que a relação jurídica entre os parceiros se formalizasse sob os ditames do moderno paradigma consensual, sendo necessária a adoção de alternativa jurisdicional que garantisse ao particular a possibilidade da obtenção de solução eficiente de litígios advindos da relação contratual firmada com o Estado. Dito de outra maneira, faltava ao legislador conferir ao parceiro privado a garantia jurídica de que eventual litígio patrimonial e disponível porventura derivado do contrato de PPP seria analisado de maneira célere e eficiente por árbitros munidos de poder decisório especializado na matéria levada a julgamento, afastando, com isso, a morosidade da justiça comum. Assim, não soa exagerado afirmar que, levando-se em conta as demais inovações outrora listadas, ao fazer menção expressa ao instituto da arbitragem, a Lei de PPPs modernizou sobremaneira o cenário jurídico-administrativo de delegação de serviço público e fez desse novo modelo de concessão um importante atrativo ao investidor particular. Os reflexos dessa realidade podem ser sentidos pela mudança de postura da Administração Pública frente ao particular, revelando-se esta mais sensível ao papel daquele no efetivo financiamento do interesse público. Consequência direta, não apenas os interesses dos parceiros (Estado e particular) restam satisfeitos, como também o interesse público acoplado ao objeto da contratação. Tudo por conta do lógico raciocínio de que ao serem garantidos os meios e condições adequados à boa execução do contrato pelo parceiro privado, respeitando-o como verdadeiro parceiro que é e concedendo-lhe meio jurisdicional

65

que lhe garanta a segurança jurídica de suas prestações, automaticamente o Estado beneficia o interesse coletivo diretamente afetado por aquele serviço. Em outras palavras, a segurança jurídica proporcionada pela previsão de cláusula arbitral no contrato de PPP tem ampla relação com a boa execução do objeto do contrato pelo parceiro privado, e, por conseguinte, está diretamente relacionada à solução ótima do interesse público pelo Estado.

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