A reocupação da Pedra do Sal como estratégia de reterritorialização da cultura negro-brasileira

June 19, 2017 | Autor: Paola Meirelles | Categoria: Cultural Studies, Reterritorialization, Samba, Cultura Negra, Pedra do Sal
Share Embed


Descrição do Produto

A REOCUPAÇÃO DA PEDRA DO SAL COMO ESTRATÉGIA DE RETERRITORIALIZAÇÃO DA CULTURA NEGRO-BRASILEIRA Paola Meirelles Mestre pela ECO-UFRJ RESUMO Desde os seus primórdios, as práticas culturais de matriz africana, no Rio de Janeiro, estão associadas a determinadas localidades como a Pequena África – antiga denominação de parte da zona central habitada por grande número de ex escravos e seus descendentes –, os morros e os subúrbios. Ao tratarmos das estratégias contemporâneas de reterritorialização da cultura negro-brasileira, podemos constatar que elas estão mais ancoradas na música do que na liturgia. Isso não significa desassociar religião e música de herança africana, entretanto, atualmente, pode-se notar certa inversão na predominância de uma sobre a outra. Ao longo do tempo, os terreiros de umbanda e candomblé – onde se desenvolveram os ritmos negro-brasileiros – foram apartados, juntamente com a população de baixa renda, para as áreas mais afastadas do Rio de Janeiro e para outras cidades do Grande Rio, principalmente por conta das reformas urbanas e da especulação imobiliária. Em contrapartida, os espaços dedicados ao samba na forma de rodas se multiplicam a cada dia no território carioca. São esses espaços que acabam trazendo para a convivência de diversos extratos da população algumas faces do universo das religiões afro-brasileiras, tal como o ritmo de seus instrumentos percussivos, a referência aos orixás, terreiros e palavreados africanos, além de uma estética afro de cabelos, acessórios e vestuário. Assim, temos como objetivo abordar a questão da territorialidade associada à musicabilidade do samba que certos lugares da cidade do Rio de Janeiro, outrora ligados a este ritmo, resgataram como identidade, forma de ocupação e valorização do espaço urbano contemporâneo, num processo que denominamos de reterritorialização. Analisaremos especificamente a região do entorno da Pedra do Sal, monumento histórico e religioso localizado no Largo João da Baiana, na Saúde, espécie de centro simbólico da Pequena África. Nosso mote é a Roda de Samba da Pedra do Sal, roda semanal iniciada no ano de 2006, que intentamos demonstrar tanto como estratégia de reterritorialização quanto prática de comunicação intertemporal da cultura do samba. Utilizando o método da observação participante, realizou-se uma pesquisa de campo na referida roda, a partir da perspectiva de territorialidade acústica de La Belle (2010) e dos sentidos de território e desterritorialização/reterritorialização presentes na obra de Muniz Sodré (1988, 2012). Nossa finalidade é abordar a revitalização do samba nessa região como estratégia de reterritorialização da cultura negro-brasileira, em uma área historicamente reconhecida pela origem dos ritmos e liturgias de matriz africana em nossa cidade. Nesse sentido, podemos afirmar que essa área é uma paisagem sonora do samba carioca. Entretanto, se é certo que toda a zona portuária tem seu reflorescimento a partir da exaltação do samba, a sua reocupação não se dá pautada somente nos marcos musicais: é afirmação do samba, mas é principalmente afirmação da negritude. É nesse sentido que a reocupação da região que gravita em torno da Pedra do Sal, através das manifestações e práticas da cultura negra, tem um caráter sociopolítico. A criação da Roda de Samba da Pedra do Sal pode ser, então, configurada como uma estratégia de reterritorialização de um lugar que sempre foi de grande valor simbólico para o samba, sendo prática de comunicação intertemporal do patrimônio ancestral africano. Portanto, a

importância do resgate de certas localidades urbanas do Rio de Janeiro pelas novas gerações do samba é, justamente, se contrapor à lógica mercantil de apropriação da cultura ou à utilização puramente pragmática e planejada dos espaços públicos pelo Estado. E, para finalizar, é válido ressaltar a importância da web e das tecnologias digitais para a divulgação das rodas de samba que resgatam essas localidades, justamente por priorizarem o cultivo cultural em detrimento de uma promoção estritamente mercantil. Este é o caso da Roda de Samba da Pedra do Sal, que conta com blog próprio e perfil no facebook, mas que afirma na rede seu legado ancestral e sua maneira tradicional de fazer samba a todo o tempo. PALAVRAS-CHAVE: Pedra do Sal; reterritorialização; samba; comunicação intertemporal REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COUTUNHO, Eduardo. Velhas histórias, memórias futuras: o sentido da tradição em Paulino da Viola. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2011. DINIZ, Nelson. De Pereira Passos ao Porto Maravilha: colonialidade do saber e transformações urbanas na região portuária da cidade do Rio de Janeiro. Revista emetropolis, Rio de Janeiro, n. 13, ano 4, p. 40-47, junho de 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2014. HERSCHMANN, Micael; FERNANDES, Cíntia S. Territorialidades Sônicas e resignificação de espaços do Rio de Janeiro. Revista Logos, Rio de Janeiro, v.18, n. 2, p.617, 2º semestre 2011b. LABELLE, Brandon. Acoustic territories, sound culture and everyday life. New York: Continuum, 2010. MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FUNARTE/ INM/Divisão de Música Popular, 1983 (Coleção MPB, 9). MOURA, Roberto M. No princípio, era a roda. Um estudo sobre samba, partido-alto e outros pagodes. Rio de Janeiro: Rocco, 2004. MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2012 (Coleção cultura negra e identidades). SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro-brasileira. Petrópolis: Vozes, 1988. ______. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis: Vozes, 2006. ______. Espaço e Cognição. In: ______. Reinventando a educação: diversidade, comunicação e redes. Petrópolis: Vozes, 2012. cap. 2, p. 73-107.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.