A Representação da mulher na revista NOVA

July 14, 2017 | Autor: Maíra Mello | Categoria: Feminismo, Gênero, Representação, Mulheres, Revistas Femininas
Share Embed


Descrição do Produto

FACULDADES INTEGRADAS S√O PEDRO ñ FAESA FACULDADE DE EDUCA«√O E COMUNICA«√O SOCIAL CURSO DE COMUNICA«√O SOCIAL

A REPRESENTA«√O DA MULHER NA REVISTA NOVA

MaÌra Mello Silva

VIT”RIA 2006/1

MaÌra Mello Silva

A REPRESENTA«√O DA MULHER NA REVISTA NOVA

Trabalho de Conclus„o de Curso apresentado como requisito parcial para obtenÁ„o do grau de Bacharel em ComunicaÁ„o Social, habilitaÁ„o em Jornalismo, sob a orientaÁ„o da Professora Mestre Maria da ConceiÁ„o Silva Soares.

VitÛria 2006/1

MaÌra Mello Silva

A REPRESENTA«√O DA MULHER NA REVISTA NOVA

Trabalho de Conclus„o de Curso apresentado ‡ Faculdade de EducaÁ„o e ComunicaÁ„o Social ñ FAESA, como requisito parcial para obtenÁ„o do grau de Bacharel em ComunicaÁ„o Social, habilitaÁ„o em Jornalismo.

Aprovado em 03 de julho de 2006 COMISS√O EXAMINADORA

_____________________________________________ Prof™ , Ms. Maria da ConceiÁ„o Silva Soares

Faculdade de EducaÁ„o e ComunicaÁ„o Social _____________________________________________ Prof™. Ms. Vanessa Maia Barbosa de Paiva Rangel

Faculdade de EducaÁ„o e ComunicaÁ„o Social

____________________________________________ Prof™. Esp. Celina Rosa Santos

Faculdade de EducaÁ„o e ComunicaÁ„o Social

SUM¡RIO

INTRODU«√O ..........................................................................................................................05 1. A PRODU«√O DISCURSIVA E SOCIAL DA INFERIORIDADE FEMININA ...................................10 1.1 As lutas e as representaÁıes da mulher na HistÛria do Brasil.................................12 1.2. Buscando a relaÁ„o entre mÌdia, identidade e multiplicidades...........................27 2. MOVIMENTOS FEMINISTAS......................................................................................................30 3. REVISTA: A FEMINIZA«√O DA IMPRENSA...............................................................................42 3.1. A imprensa feminina e a segmentaÁ„o do mercado...........................................43 3.2. As revistas femininas: literatura para mulheres.......................................................46 3.3. A imprensa feminina brasileira nasceu para ser o espelho da mulher.................49 4. UMA NOVA MULHER E/OU UMA MULHER NOVA?...................................................................63 4.1. Liberdade, independÍncia e direito de consumir..................................................76 4.2. Capas: a vitrine impressa........................................................................................79 4.3. Moda, fama, amor, beleza, sexo, trabalho, sa˙de, lazer e sorte: produtos disponÌveis nas editorias.....................................................................................................................88 4.3.1. Amor e Sexo.................................................................................................89 4.3.2. Beleza e Sa˙de............................................................................................97 4.3.3. Vida e Trabalho.............................................................................................99 4.3.4. Moda e Estilo...............................................................................................100 4.3.5. Gente Famosa...........................................................................................103 4.3.6. … quente, È Nova!...................................................................................... 105 5. A OPINI√O FEMININA..........................................................................................................107 6. CONCLUS√O.......................................................................................................................112 7. BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................114

INTRODU«√O ìNinguÈm nasce mulher, torna-se mulher. î Simone de Beauvoir

A revista Nova vende a idÈia de mulher moderna e independente. Aquela definida como pÛs-moderna. Aberta a novos relacionamentos e a diversidade de oportunidades que a vida pode lhe proporcionar. Mulheres com carreiras importantes, sÛlidas. Enfim, bem sucedidas. Casamento, filhos, maridos? Quem sabe mais tarde. Todos esses reposicionamentos e essas caracterÌsticas est„o estampados nas p ginas das quatro ediÁıes da revista analisada, ou seja, as referentes aos meses de janeiro, fevereiro, marÁo e abril de 2006. A comeÁar pelas mulheres apresentadas nas capas. Sempre artistas do momento, que est„o na mÌdia. Apesar de apresentar uma nova condiÁ„o para a mulher, aparentemente mais favor vel a ela, a revista, no entanto, n„o se propıe a problematizar a produÁ„o discursiva e a naturalizaÁ„o da diferenÁa de gÍneros e suas conseq¸Íncias sociais, polÌticas e econÙmicas para as mulheres. Neste trabalho procurei discutir a representaÁ„o da mulher na revista Nova e a atualizaÁ„o da construÁ„o da diferenÁa de gÍneros sobre os par‚metros da contemporaneidade, a partir da perspectiva dos Estudos Culturais contempor‚neos e das teorias feministas, queer e pÛs-estruturalistas, problematizando a produÁ„o discursiva da identidade e da diferenÁa em categorias bin rias, opostas, assimÈtricas e hierarquizadas. De acordo com essas teorias, a quest„o dos gÍneros (feminino e masculino) evidencia uma representaÁ„o cultural sobre o sexo biolÛgico, resultante de uma operaÁ„o de poder (por parte do sujeito que fala, nomeia, classifica e hierarquiza) que produz desigualdade e injustiÁa social (das quais s„o vÌtimas aqueles que s„o tornados objetos, nomeados, classificados e hierarquizados). Por entender que as teorias s„o textos que produzem mais do que refletem a realidade (SILVA, 2001), pensadores dessas correntes teÛricas, com os quais compartilhamos nossas idÈias, propıem que uma afirmativa teÛrica ou textual È sempre uma afirmativa polÌtica, pouco diferenciando se essas afirmativas se fazem por meio de trabalhos cientÌficos ou de produtos da ind˙stria cultural, como reportagens, propagandas, programas de r dio e TV, m˙sicas ou filmes.

06

Por isso, seus estudos orientam aÁıes que v„o das polÌticas afirmativas das identidades estigmatizadas, inferiorizadas ou marginalizadas (minorias), ‡ desconstruÁ„o (desnaturalizaÁ„o e problematizaÁ„o) dos discursos que produzem a diferenÁa est tica, fixa, essencial e negativa (em relaÁ„o ‡ identidade padr„o, est tica, fixa, essencial e positiva). Ao invÈs de identidade e diferenÁa em oposiÁ„o bin ria (que d„o margem ‡s macro divisıes que conhecemos como homem/mulher, dominante/dominado, forte/fraco, maioria/minoria, ativo/passivo, racional/irracional, e assim por diante), os estudos mais recentes defendem a hibridizaÁ„o, as identidades descentradas e multifacetadas, a heterogÍnese (diferenciaÁ„o como processo, como devir), a singularizaÁ„o, as multiplicidades. Com isso, no lugar de promover a divis„o dos seres humanos em dois grupos opostos, assimÈtricos e hierarquizados estes estudiosos defendem a diferenciaÁ„o constante e inacab vel como processo individual de singularizaÁ„o, que È ao mesmo tempo coletivo e social, pois se realiza a partir das pr ticas e das relaÁıes com os ìoutrosî. Cada um de nÛs seria, ao mesmo tempo, ˙nico e m˙ltiplo, pois a subjetividade de cada um seria resultado dos v rios vÌnculos e combinaÁıes que ele consegue estabelecer com os agenciamentos sociais. A quest„o de gÍnero como representaÁ„o ou significaÁ„o (sempre polÌtica e a partir do lugar de quem tem o poder de representar ou significar) construÌda na cultura sobre o sexo biolÛgico, assim como a quest„o da raÁa como significaÁ„o social sobre a cor da pele e da sexualidade como polÌtica de normatizaÁ„o das pr ticas sexuais, entre outras, como as questıes de faixa et ria, da regi„o geopolÌtica em que se habita, da etnia e da religi„o, nos remete ‡ discuss„o do multiculturalismo e seus impasses, seja como interrupÁ„o do pensamento hegemÙnico pelas reivindicaÁıes dos movimentos e grupos sociais, seja como soluÁ„o administrativa dos conflitos a partir da idÈia liberal do respeito ‡ diversidade, uma concess„o em que se permite reconhecer e simultaneamente ocultar os conflitos e as disputas entre eles, alÈm de definir lugares e possibilidades para ìos outrosî, encurralados em guetos reais, como as favelas, delegacias de mulheres e bares gays, ou guetos simbÛlicos, como ìsegmentos de mercadoî. A minha an lise se baseia na quest„o da identidade cultural e de gÍnero (O que È ser mulher?); nas relaÁıes de poder, produÁ„o e classificaÁ„o da diferenÁa (Como a mulher È considerada diferente do outro? E quem È o outro?); na construÁ„o histÛrica dos estereÛtipos que ainda hoje s„o amplamente apresentados pela mÌdia; e nas complexas relaÁıes entre

07

o surgimento da revista e as idÈias feministas (contextualizaÁ„o do momento histÛrico em que a revista surge), alÈm de buscar compreender diferentes possibilidades de interpretaÁ„o e leitura, a partir das operaÁıes de uso narradas por algumas leitoras. … preciso cavar para mostrar como as coisas foram historicamente contingentes, por tal ou qual raz„o inteligÌveis, mas n„o necess rias. … preciso fazer aparecer o inteligÌvel sob o fundo da vacuidade e negar uma necessidade; e pensar o que existe est longe de preencher todos os espaÁos possÌveis. Fazer um verdadeiro desafio inevit vel da quest„o: o que se pode jogar e como inventar um jogo? (FOUCAULT em entrevista concedida em 1981, disponÌvel em http:// www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/, acesso em 2006)

Para isso, buscamos analisar o discurso da revista da forma como propÙs Foucault, conforme foi explicado por Rosamaria Maria Bueno Fischer.

Para analisar os discursos, segundo a perspectiva de Foucault, precisamos antes de tudo recusar as explicaÁıes unÌvocas, as f ceis interpretaÁıes e igualmente a busca insistente do sentido ˙ltimo ou do sentido oculto das coisas ñ pr ticas bastante comuns quando se fala em fazer o estudo de um ìdiscursoî. Para Michel Foucault, È preciso ficar (ou tentar ficar) simplesmente no nÌvel de existÍncia das palavras, das coisas ditas. Isso significa que È preciso trabalhar arduamente com o prÛprio discurso, deixando-o aparecer na complexidade que lhe È peculiar. E a primeira tarefa para chegar a isso È tentar desprender-se de um longo e eficaz aprendizado que ainda nos faz olhar os discursos apenas como um conjunto de signos, como significantes que se refere a determinados conte˙dos, carregando tal ou qual significado, quase sempre oculto, dissimulado, distorcido, intencionalmente deturpado, cheio de ìreaisî intenÁıes, conte˙dos e representaÁıes, escondidos nos e pelos textos, n„o imediatamente visÌveis. … como se no interior de cada discurso, ou num tempo anterior a ele, se pudesse encontrar, intocada, a verdade, desperta ent„o pelo estudioso. (FISCHER, acesso em maio de 2006, disponÌvel em http:// w w w. s c i e l o. b r / s c i e l o. p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i d = S 0 1 0 0 15742001000300009)

De acordo com a pesquisadora ga˙cha, para Foucault, nada h por tr s das cortinas, ou seja, nas entrelinhas. H

enunciados e relaÁıes, que o prÛprio discurso pıe em

funcionamento. Analisar o discurso seria dar conta exatamente disso: de relaÁıes histÛricas, de pr ticas muito concretas, que est„o ìvivasî nos discursos. Assim, devemos explorar ao

08

m ximo os materiais, na medida em que eles s„o uma produÁ„o histÛrica, polÌtica; na medida em que as palavras s„o tambÈm construÁıes; e na medida em que a linguagem tambÈm È constitutiva de pr ticas. Os discursos, por sua vez, se produzem sempre, na Ûtica de Foucault, em raz„o de relaÁıes de poder. Analisar a identidade e o lugar que vÍm sendo prescritos para as mulheres pela Revista Nova n„o significa dizer que acreditamos que todas as leitoras se identificam ou aceitam a modelagem sutilmente imposta. Acredito que no discurso da prÛpria revista encontram-se ambig¸idades, conflitos, disputas de posicionamentos, que proporcionam outras leituras possÌveis para alÈm de uma leitura ˙nica ou preferencial. Escolhi discutir esse tema a partir de observaÁıes pessoais relativas ‡ condiÁ„o da mulher na sociedade. Percebe-se que muitas nem tÍm consciÍncia dessa condiÁ„o. S „ o representadas de maneiras que nem sempre condizem com o que realmente s„o ou pretendem ser, pelo menos algumas. Por isso, algumas leitoras, assÌduas ou n„o, apresentaram suas opiniıes para que nÛs pudÈssemos ter mais conhecimento da abrangÍncia da quest„o, j que n„o devemos generalizar as opiniıes. Outro ponto seria, talvez, o insuficiente resultado das conquistas das mulheres hoje. O estudo que apresento busca possibilitar um paralelo entre os ideais dos movimentos feministas com a imprensa voltada para as mulheres. Quando elas passam a ter voz na sociedade, atravÈs da mÌdia com os primeiros jornais e revistas femininos. No entanto, h de diferenciar a imprensa feminina da imprensa feita para mulheres, especialmente no caso das revistas, onde essa diferenÁa assume uma proporÁ„o muito maior. Houve uma segmentaÁ„o cultural nesse meio impresso. Quando a mulher passa a se destacar ou chamar a atenÁ„o da sociedade, seja por sua luta e/ou suas conquistas, ela passa a virar alvo da publicidade, do mercado, da sociedade capitalista. Passa a ser vista como consumidora ativa, muito mais que homens. Consumidora principalmente de revistas, consideradas atÈ como ìa mÌdia mais feminina que existeî (MIRA, 2001). O uso das cores, de mulheres famosas (vistas como padr„o de beleza a ser alcanÁado), novidades em produtos de todas as marcas e estilos, entre outros, s„o alguns dos atrativos para que o p˙blico visado queira consumir esse produto t„o vistoso e atraente aos olhos. Outro questionamento desse trabalho È: O que È uma revista feminina? O que caracteriza uma revista como feminina? Que diferencial È esse que torna determinadas revistas, como

09

a Nova, como tendo caracterÌsticas femininas? O conte˙do, os textos, os assuntos, ou poderÌamos dizer que tudo isso junto. E o mais importante: quem determinou que assuntos como moda, beleza e amor, encontrados nesses periÛdicos, s„o assuntos femininos? Por que esses e n„o outros, como polÌtica, economia, ciÍncia e arte, por exemplo. Com tais questionamentos pretendo contribuir para que as pessoas fiquem mais atentas ‡s diferentes formas de tratamento dado a homens e mulheres na sociedade. Principalmente para o papel da mÌdia nessa reproduÁ„o de valores e a forÁa que ela pode ter para fortalecer ou para transformar estereÛtipos e padrıes previamente estipulados. E a Nova, apesar de ter um apelo modernizador, busca valorizar valores e interesses conservadores, mantendo a diferenciaÁ„o social entre homens e mulheres, modelando a identidade feminina conforme interesses dominantes. A revista procura direcionar como a mulher deve agir, pensar, falar, etc. Nova desenvolve discursos que talvez n„o sejam condizentes com o real. E o que È real? Quando a revista propıe um novo estilo ou modelo de mulher, a nova mulher, no que ela se baseia? Essa nova mulher pode estar ou n„o de acordo com as mulheres do cotidiano da era pÛs-moderna. Quando uma atriz famosa, do momento, È capa dessa revista, toda a produÁ„o, foto, roupa, usada por ela tem motivos para estarem ali. E que motivos s„o esses? Espero que com essa an lise todos possamos parar e pensar um pouco nas questıes que nos envolvem no dia a dia. Um olhar mais crÌtico sobre o que nos rodeia È sempre necess rio quando se trata de dizer como as pessoas devem agir nesse mundo. … preciso lembrar que, todos, somos ˙nicos e que devemos ter o direito de escolher o que È melhor para nÛs, mesmo que a mÌdia imponha padrıes de comportamento, veremos que nem sempre tal imposiÁ„o È aceita por todos. A utilizaÁ„o de imagens da revista e cores servem para que o leitor possa ter uma idÈia da forma como s„o as revistas femininas, com muitas cores, fotos e imagens.

10

1. A PRODU«√O DISCURSIVA E SOCIAL DA INFERIORIDADE FEMININA MÈtis, a PrudÍncia era a reflex„o personificada, a sabedoria. Foi a primeira esposa de Zeus. Ela deu a Cronos a beberagem que o obrigou a vomitar os jovens deuses que havia engolido. Estando gr vida, predisse a Zeus que teria em primeiro lugar uma filha e em seguida um filho que se tornaria o Senhor dos CÈus. O rei dos deuses, assustado com a profecia, logrou-a fazendo com que ficasse bem pequena e engoliu MÈtis. Junto com MÈtis foi engolida a sabedoria e os valores do matriarcado pelo patriarcado. Loreley Gomes Garcia

Para comeÁar, È bom analisarmos um pouco a representaÁ„o da mulher ao longo da histÛria. Isso porque, para podermos entender a representaÁ„o do feminino no Brasil contempor‚neo, inclusive a realizada por meio da ind˙stria cultural e especificamente da revista Nova, precisamos compreender como o processo de representaÁ„o desse ìoutroî que foi denominado mulher, torna-se uma operaÁ„o de saberpoder articulada a questıes polÌticas, sociais, econÙmicas e culturais. De acordo com GARCIA (2006), o mito MÈtis representa o destino das mulheres na sociedade patriarcal: sua sabedoria foi eliminada e seu papel social minimizado. No mito, explica a pesquisadora, o momento mais apropriado para enganar, apequenar e anular a mulher È durante a gravidez. O ato de produzir a vida manifesta forÁa e poder singulares, mas È seguido de um momento de maior fragilidade. … ai que ela se torna presa f cil da sociedade patriarcal. Para SILVA (1999), a crescente visibilidade dos movimentos e das teorizaÁıes feministas (que vinham mostrando que as linhas do poder da sociedade est„o estruturadas n„o apenas pelo capitalismo, mas

11

tambÈm pelo patriarcado) nos forÁa a conceder import‚ncia crescente ao papel do gÍnero na produÁ„o das desigualdades sociais. Ele explica que o conceito de gÍnero foi usado pela primeira vez com um sentido prÛximo do atual em 1955, para dar conta dos aspectos sociais do sexo. G Í n e r o î o p ı e - s e, pois, a ì sexoî: enquanto este ˙ltimo termo fica reser vado aos aspectos estritamente biolÛgicos da identidade sexual, o t e r m o ì g Í n e r o î refere-se aos aspectos socialmente construÌdos do processo de identificaÁ„o sexual. Essa separaÁ„o È hoje questionada por algumas perspectivas teÛricas, que argumentam que n„o existe identidade sexual que n„o seja j , de alguma forma, discursiva e socialmente construÌda, mas a distinÁ„o conserva sua utilidade. (SILVA, 1999, p.91) As teorizaÁıes feministas denunciam que h

uma

profunda desigualdade dividindo homens e mulheres, sendo que os homens apropriam-se de uma parte gritantemente desproporcional dos recursos matÈrias e simbÛlicos da sociedade. AlÈm da quest„o do acesso das mulheres a instituiÁıes como escola, universidade e mercado de trabalho, os estudos feministas preocupam-se tambÈm com os estereÛtipos ligados ao gÍnero associando ‡s mulheres a certos tipos ìinferioresî, presentes desde os livros did ticos utilizados na educaÁ„o escolar. Podemos ent„o pensar, que muito antes do surgimento das mÌdias, outros discursos, como a mitologia, a religi„o, as leis, a ciÍncia e a pedagogia, j produziam

Os estereÛtipos de gÍnero estavam n„o apenas amplamente disseminados, mas eram parte integrante da formaÁ„o que se dava nas prÛprias instituiÁıes educacionais. O currÌculo educacional refletia e reproduzia os estereÛtipos da sociedade mais ampla. (...) Um livro did tico que sistematicamente apresentasse as mulheres como enfermeiras e os homens como mÈdicos, por exemplo, estava claramente contribuindo para reforÁar esse estereÛtipo, e conseq¸entemente, dificultando que as mulheres chegassem ‡s faculdades de Medicina. (SILVA, 1999, p.92)

12

explicaÁıes e orientavam pr ticas que levavam ‡ inferiorizaÁ„o social da mulher. Ao analisar alguns desses discursos, que no nosso entender, mais do que retratar ou representar como imagem fiel a condiÁ„o da mulher pretendem produzir a performance e as possibilidades do feminino, buscamos desconstruÌ-los, no sentido de desnaturaliz los e desmontar suas lÛgicas de funcionamento. A HistÛria do Brasil que aprendemos na escola costuma pintar a mulher como um ser fraco, delicado, materno, submisso e desinteressado das questıes econÙmicas e polÌticas. Mas n„o È sÛ o que È dito que nos interessa, o que È omitido da HistÛria, como as resistÍncias, lutas e conquistas femininas, tambÈm contribui para a invenÁ„o e para a instituiÁ„o de uma identidade feminina subordinada ‡ identidade masculina na nossa sociedade.

1.1. As lutas e as representaÁıes da mulher na HistÛria do Brasil Na História do Brasil Colônia, conforme análise de TELES (1993), as mulheres eram classificadas em três categorias, de acordo com a cor da pele, raça e/ou etnia: a indígena, a branca e a negra. Todas, segundo o autor, com algum traço de submissão. A História, assim como todos os textos oficiais, mesmo os didáticos e os científicos, é formada por discursos produzidos por aqueles que no momento da escritura querem conquistar, usufruem e/ou têm interesse em manter uma condição de saber/poder (FOUCAULT). Isso quer dizer que a condição de poder e saber (reconhecido como tal) são inseparáveis. Quem tem o poder em determinado momento tem os saberes

13

que contemplam seus interesses, conhecimentos e pr ticas legitimados. Esse saberes legitimados, por sua vez, contribuem para a manutenÁ„o do poder. A verdade histÛrica constitui-se, portanto, em uma interpretaÁ„o sobre o que foi vivido cotidianamente que a posteriori se generaliza, universaliza, descontextualiza, classifica, hierarquiza e elimina as contradiÁıes e os conflitos, conforme os interesses dos grupos hegemÙnicos (aqueles que falam) e que dessa forma pretendem colocar os outros grupos na posiÁ„o de subordinados. Ainda assim, È possÌvel perceber, na ambivalÍncia desses textos, uma pluralidade de vozes. Apesar da historicamente proclamada submiss„o da mulher, que nos querem fazer parecer universal e natural, podemos perceber, analisando as descriÁıes de alguns pesquisadores, as ambig¸idades e as singularidades nas pr ticas sociais de diferentes grupos, devidamente contextualizados e localizados no tempo e no espaÁo. Entre as tribos indÌgenas, por exemplo, j

havia um

modo diferente de se tratar a mulher. Em algumas tribos elas ocupavam uma posiÁ„o de submiss„o. Em outras podiam atÈ ocupar o posto de chefe de famÌlia. Mas, com a chegada dos colonizadores, principalmente os jesuÌtas, elas passaram a ser consideradas animais. As mulheres indÌgenas passaram ent„o a ser tratadas como objetos de v rios tipos: ìesposas, concubinas ou empregadas domÈsticasî. (TELES, 1993, p.17) J

as mulheres brancas, apesar de estarem num

patamar ìprivilegiadoî, tambÈm sofriam com a dominaÁ„o masculina. AlÈm daquelas que eram

14

obrigadas pelos pais a se casarem muito jovens, sempre com homens bem mais velhos, passando a exercer o papel de m„e e esposa cedo, ainda havia aquelas que chegavam ao paÌs obrigadas. Muitas foram as meninas trazidas a forÁa para se casarem ou simplesmente para satisfazer as necessidades sexuais masculinas, j que havia escassez de mulher no paÌs naquela Època. (TELES, 1993). Podemos ver um exemplo disso no filme ìDesmundoî, de Alain Fresnot, que retrata exatamente esse momento em que v rias meninas, com aproximadamente 15 anos, Ûrf „ s, de escolas internas ou conventos, eram trazidas ao paÌs e escolhidas como produtos pelos homens que aqui j estavam. As mulheres negras, como todos os negros da Època, eram trazidas da ¡frica para servirem de escravas na colÙnia. ìA mulher escrava , alÈm de trabalhar como tal, era usada como instrumento de prazer sexual do seu senhor, podendo atÈ ser alugada a outros senhoresî (TELES, 1993, p.21). No entanto, a autora nos chama a atenÁ„o para uma contradiÁ„o nas representaÁıes e nas pr ticas das mulheres negras escravas: elas eram eram ˙teis para realizar dois tipos de trabalho: o de domÈsticas, quando cuidavam dos afazeres da casa, alÈm de prestar serviÁos sxuais aos senhores (trabalho exclusivamente atribuÌdo ‡ mulher), e como parte da m„o de obra dos trabalhos pesados, junto com os homens. TELLES acredita que a mulher foi a grande geradora de mais valia na Època.

“Desmundo”, Filme do diretor Alain Fresnot

15

de sexo e de classe. O machismo e a exploraÁ„o econÙmica ser viram ao sistema global de dominaÁ„o patriarcal e de classe. (TELES, 1993, p. 21). Apesar de duplamente explorada, a divis„o de trablaho por sexo n„o ficou t„o clara assim, pelo menos durante a escravid„o. A litografia ao lado, criada por Johann Moritz Rugendas, em 1835, nos deixa ver um escravo negro e uma escrava negra trabalhando em uma plantaÁ„o no Brasil, o que contrariaria o discurso que as mulheres s„o fracas e delicadas. De qualquer forma, nas narrativas histÛricas, quase sempre realizadas por homens, independente da classe e da raÁa, È possÌvel perceber que a posiÁ„o atribuÌda ‡ mulher ‡ Època da colonizaÁ„o brasileira era de subordinaÁ„o e, principalmente, de objeto sexual. Constroi-se assim um cen rio em que a mulher È vÌtima de duas formas de servid„o. N„o que ela n„o tenha sido social, polÌtica e economicamente explorada, mas esses textos apagam da HistÛria quase toda forma de resistÍncia e luta contra essa condiÁ„o, levando a uma naturalizaÁ„o da servilidade e da docilidade da mulher. Apesar dessa prescriÁ„o, generalizaÁ„o e significaÁ„o para o lugar do feminino, paradoxalmente, muitas mulheres tiveram importante participaÁ„o na vida polÌtica do paÌs. Algumas delas se destacaram, como Chica da Silva e Dona Beja. PorÈm, essas, como outras que lutaram contra as questıes dominantes e acabram ganhando notoriedade popular, foram classificadas como ìloucas, exÛticas, desviantes, prostitutas ou

http://international.loc.gov/intldl/ brhtml/br-1/br-1-3-1.html; acesso em maio de 2006.

16

simplesmente ignoradas, como forma de apagamento histÛricoî (TELES, 1993, p. 22). Algumas mulheres de classes privilegiadas foram consideradas heroÌnas por seus feitos, porÈm isso sÛ aconteceu porque elas lutaram ao lado dos maridos, como apoio a eles (TELES, 1993). Exemplo disso foi a poetisa B rbara Heliodora, considerada heroÌna por ter encorajado o marido a participar do movimento da InconfidÍncia Mineira, em 1789, e impedi-lo de denunciar os companheiros. J em 1830, Brasil ImpÈrio, a HistÛria destacou a figura de Anita Garibaldi. Unida ao seu marido, o italiano JosÈ Garibaldi, ela lutou na Guerra dos Farrapos, no Rio Grande do Sul, e depois pela unificaÁ„o da It lia, na Europa. Ainda nessa Època, algumas mulheres comeÁaram a reivindicar o direito ‡ educaÁ„o. ìO ensino en t „ o proposto sÛ admitia para as meninas a escola de 1∞ grauî, alÈm das professoras ganharem menos que os demais profissionais, o proposto era ìensinar prendas domÈsticasî ‡s meninas. Havia menos escolas para as meninas do que para os meninos. ìNo Rio de Janeiro na metade do sÈculo XIX, havia 17 escolas prim rias para meninos e apenas nove para as meninasî. No ensino superior, 1881 marca a data em que a primeira mulher ingressou a faculdade. (TELES, 1993) Na aboliÁ„o da escravatura, uma das primeiras feministas do Brasil, NÌsia Floresta Brasileira Augusta, tambÈm lutou pela causa, ìao lado de propostas como a educaÁ„o e a emancipaÁ„o da mulher e a instauraÁ„o da Rep˙blicaî (TELES,1993, p.30)

17

A educadora, escritora e poetisa nascida em 12 de outubro de 1810, no Rio Grande do Norte, foi batizada como DionÌsia GonÁalves Pinto, mas ficou conhecida pelo pseudÙnimo de NÌsia Floresta Brasileira Augusta. Em 1831, em Recife, ela publica em um jornal pernambucano uma sÈrie de artigos sobre a condiÁ„o feminina. Mais tarde, vi˙va, com uma filha pequena e com sua m„e, NÌsia vai para o Rio Grande do Sul onde se instala e dirige um colÈgio para meninas. A Guerra dos Farrapos interrompe seus planos e NÌsia resolve fixar-se no Rio de Janeiro, onde funda e dirige os colÈgios Brasil e Augusto, not veis pelo alto nÌvel de ensino. Em 1849, por recomendaÁ„o mÈdica leva sua filha, gravemente acidentada, para a Europa. Foi em Paris que morou por mais tempo. Em 1853, publicou Op˙sculo Humanit rio, uma coleÁ„o de artigos sobre emancipaÁ„o feminina, que foi merecedor de uma apreciaÁ„o favor vel de Auguste Comte, pai do positivismo. Esteve no Brasil entre 1872 e 1875, em plena campanha abolicionista liderada por Joaquim Nabuco, mas quase nada se sabe sobre sua vida nesse perÌodo. Retorna para a Europa em 1875 e, trÍs anos depois, publica seu ˙ltimo trabalho Fragments díun ouvrage inÈdit: Notes biographiques. NÌsia faleceu em Rouen, na FranÁa, aos 75 anos, em 1895. (http://www.memoriaviva.digi.com.br/ nisia/ - acesso em 2006).

Figura quase apagada na nossa histÛria, NÌzia foi sem d˙vida uma mulher guerreira, mas sua luta travou-se dentro das premissas do pensamento intelectual evolucionista e nacionalista de seu tempo. Apesar de defender as causas da mulher, ela o fazia considerando as significaÁıes e valoraÁıes atribuÌdas ao gÍnero feminino pela ciÍncia, pela polÌtica e pela religi„o. Isso n„o invalida sua luta, mas demonstra que em seus primÛrdios o movimento em favor das mulheres acabava por fortalecer as representaÁıes da mulher sob as quais se justificava muitas discriminaÁıes, o que pode ser observado em um dos capÌtulos de seu Op˙sculo Humanit rio, abaixo reproduzido.

18

Opúsculo Humanitário Capítulo XXV As escolas de ensino primário tinham antes o aspecto de casas penitenciárias do que de casas de educação. O método da palmatória e da vara era geralmente adotado como o melhor incentivo para o desenvolvimento da inteligência! Não era raro ver-se nessas escolas o bárbaro uso de estender o menino, que não havia bem cumprido os seus deveres escolares, em um banco, e aplicarem-lhe o vergonhoso castigo do açoite!! Se as meninas, que em muitos desses repugnantes estabelecimentos eram admitidas de comum com o outro sexo, ficavam isentas dessa sorte de barbaria, não deixavam entretanto de presenciá-la por vezes, e de receber uma impressão desfavorável, que muito concorria para enervarlhes a delicadeza e modéstia, que de outra sorte dirigidas tanto realce dão às qualidades naturais da mulher. A palmatória era o castigo menos afrontoso reservado às meninas por mulheres, em grande parte, grosseiras, que faziam uso de palavras indecorosas, lançando-as ao rosto das discípulas, onde ousavam imprimir alguma vez a mão, sem nenhum respeito para com a decência, nem o menor acatamento ao importante magistério, que sem compreender exerciam. O sistema inquisitorial das torturas infligidas às inocentes vítimas do Santo Ofício, que sob outra forma e com diverso fim transpusera o Atlântico, presidia ao ensino da mocidade brasileira, ministrado por severos jesuítas ou por mestres charlatães, cujo mérito consistia em saber soletrar alguns clássicos portugueses, e assassinar pacificamente Salústio, Tito Lívio, Virgílio e Horácio! Esta inaudita e brutal severidade era sancionada por grande número de pais, cuja educação tinha sido assim feita, e cujo rigor doméstico não era menos cruel. O sistema inquisitorial das torturas infligidas às inocentes vítimas do Santo Ofício, que sob outra forma e com diverso fim transpusera o Atlântico, presidia ao ensino da mocidade brasileira, ministrado por severos jesuítas ou por mestres charlatães, cujo mérito consistia em saber soletrar alguns clássicos portugueses, e assassinar pacificamente Salústio, Tito Lívio, Virgílio e Horácio!

19

Esta inaudita e brutal severidade era sancionada por grande número de pais, cuja educação tinha sido assim feita, e cujo rigor doméstico não era menos cruel. Com algumas modificações continuou infelizmente este regimem muito tempo depois. Pais e filhos estavam ainda por educar, como se vê desta observação do Conde dos Arcos a um mestre da escola da Bahia, que se lamentava do pouco resultado de seus grandes esforços para bem dirigir a educação de seus discípulos: “Será preciso primeiramente educar os pais, para que se possa conseguir a boa educação dos filhos”. Não deixaremos entretanto passar esta observação, posto que justa, sem que acrescentemos outra; e vem a ser, que não era a um filho do país, a quem o Brasil deve todos os seus erros e prejuízos, que cabia censurar uma falta dele procedente, e tão geralmente nele cometida. Demais o célebre introdutor das primeiras comissões militares no Brasil, digno sectário da doutrina de Hobbes, que pretende - ser o despotismo ordenado pela religião, não devia censurar a falta de uma educação esclarecida sem a qual mais facilmente os homens se submetem ao absolutismo de seus governantes. (Retirado do site: http://www.memoriaviva.digi.com.br/ nisia/; acesso em maio de 2006) A HistÛria do Brasil quase esqueceu tambÈm Chiquinha Gonzaga (1847-1935), que sÛ h

pouco tempo foi

resgatada do anonimato. Ela foi uma grande pianista, mas viveu um perÌodo difÌcil apÛs a separaÁ„o do marido e a rejeiÁ„o de sua atitude por parte de seus familiares. Foi na amizade com o flautista Callado que surgiu a oportunidade de sobreviver com o que mais gostava de fazer, tocar piano e compor melodias. Como pianeira do grupo Choro Carioca, Chiquinha consolidou definitivamente a sua presenÁa na boemia da cidade. (http://www.niteroiartes.com.br/cursos/muspop/ modulo3.php; acesso em junho de 2006)

Em 1910, nascia em S„o Paulo uma brasileira que, por suas atitudes, desmontaria sozinha toda a representaÁ„o sobre a sujeiÁ„o, a fraqueza, a

Chiquinha Gonzaga

20

obediÍncia, a inÈrcia e a passividade da mulher. Isso se ele tivesse o destaque que realmente merece na HistÛria do paÌs. Para mostrar esse lado oculto da nossa histÛria oficial, que tentou transformar a mulher em uma sombra do homem, È que destacamos aqui a vida de Pag˙, conforme informaÁıes obtidas no site http:// www.vidaslusofonas.pt/pagu.htm, acessado em maio de 2006. Pag˙ nasce PatrÌcia Rehder Galv„o em S„o Jo„o da Boa Vista, S„o Paulo. TrÍs anos depois a famÌlia se muda para a capital, que passava por profundas transformaÁıes. H um surto de expans„o econÙmica motivado, sobretudo, pelas lavouras cafeeiras do interior do estado e pela proliferaÁ„o de ind˙strias. … nesta cidade que crescia vertiginosa e desordenadamente que PatrÌcia passa a freq¸entar a escola. De saia azul, blusa branca, cabelos soltos e batom escuro, ela chama a atenÁ„o dos rapazes da Faculdade de Direito ao passar diariamente pelo largo de S„o Francisco. A ìescandalosaî Pag˙ presencia tambÈm, quando tinha 12 anos, a Semana de Arte Moderna de 1922 e o inÌcio do movimento modernista, do qual mais tarde iria participar. Com quinze anos, passa colaborar no Br s Jornal, assinando Patsy. AlÈm da Escola Normal, freq¸enta o ConservatÛrio Dram tico e Musical de S„o Paulo, onde lecionava M rio de Andrade. Em 1928 PatrÌcia entra em contato com o grupo da Antropofagia. O movimento antropof gico representava o extremismo do modernismo, sua forma mais revolucion ria, reproduzindo e intensificando todos os tipos anteriores de ruptura.

Pagú

21

Desenhista, poetisa e escritora, Pag˙ encantou o casal mais requisitado e admirado da sociedade paulistana Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Mais tarde, Oswald deixou Tarsila e foi viver com ela que j esperava um filho dele. Mas o mais novo casal ìantropÛfagoî n„o encontrou as portas da sociedade paulistana abertas. Pag˙ ingressou no Partido Comunista e chegou a ser presa em Santos, em 1931, quando participava dos movimentos oper rios e das agitaÁıes nas ruas. Separou-se de Oswald, lanÁou v rios romances, foi trabalhar como lanterninha de cinema na Cinel‚ncia e em 33 comeÁou a correr o mundo, atuando como correspondente de jornais brasileiros. Foi aos Estados Unidos, Jap„o, China (onde entrevistou Freud), R˙ssia (quando se decepcionou com o regime comunista) e FranÁa (onde se filiou ao Partido Comunista FrancÍs e acabou sendo presa trÍs vezes como comunista estrangeira). De volta ao Brasil, Pag˙ retoma suas atividades como jornalista, mas pouco depois de sua chegada, È presa em raz„o da Intentona Comunista. Condenada a dois anos de pris„o, fica nos presÌdios ParaÌso e Maria ZÈlia, em S„o Paulo, mas foge antes de completar a pena. Presa novamente, È condenada a mais dois anos e meio de pris„o, que cumpre dessa vez na Casa de DetenÁ„o do Rio de Janeiro. AlÈm das torturas, sofre perseguiÁıes dos prÛprios correligion rios de partido. A saÌda da pris„o marca uma nova fase na vida de Pag˙. Ela passa a viver com Geraldo Ferraz, que seria seu companheiro atÈ sua morte. Rompe com o Partido Comunista. Tem o segundo filho.

22

Durante toda a dÈcada de 1940, Pag˙ trabalhou ativamente na imprensa, muitas vezes exercitando combativamente a crÌtica liter ria. Ela reclama da capitulaÁ„o dos autores que, na vigÍncia do Estado Novo, justificavam sua inÈrcia pela falta de liberdade no paÌs. Na dÈcada de 1950 ela se aproxima cada vez mais do teatro e a partir de 1952 passa a freq¸entar a Escola de Arte Dram tica de S„o Paulo (EAD), sob direÁ„o de Alfredo Mesquita. Ela morreu em 1962, em Santos. SÛ no sÈculo XX, em 1934, a mulher brasileira conseguiu o direito ao voto, apÛs a RevoluÁ„o de 30, quando setores da populaÁ„o, antes considerados ignorados, foram reconhecidos pelos ìseios da oligarquiaî. Foi exatamente junto a essa mudanÁa que as mulheres conseguiram, depois de muito luta o direito ao voto no paÌs (TELES, 1993, p. 46). A luta das mulheres brasileiras pelo direito de votar est relacionada, entre outras coisas, ‡ luta pelas melhores condiÁıes de trabalho, uma vez que elas j estavam no mercado ocupando profissıes consideradas femininas e por isso recebiam menos atenÁ„o ‡s suas reivindicaÁıes. Segundo BERNARDIi (2006) 30 mil tÍxteis entraram em greve em S„o Paulo e no interior no ano de 1919, com a participaÁ„o massiva de mulheres e crianÁas. Eles reivindicavam principalmente a jornada de oito horas e a igualdade salarial entre homens e mulheres, mas o movimento foi reprimido com grande violÍncia policial.

Durante este mesmo perÌodo houve um movimento pelo voto, que agrupou mulheres de diversos paÌses.

A luta das mulheres pelo direito ao voto remonta ao sÈculo 19 e no inÌcio do sÈculo 20 as mulheres j participavam de lutas por melhores condiÁıes de trabalho. Em 1907, os t e c e l ı e s, categoria majoritariamente feminina, aderiram ‡ greve em S„o Paulo. As costureiras se destacaram nesse movimento grevista e a principal reivindicaÁ„o era a jornada de oito horas. Algumas categorias obtiveram vitÛrias, mas n„o as costureiras, que ficaram com nove horas e meia de jornada di ria. Em 1910, Deolinda Dalho, professora, fundava o Partido Feminino Republicano, defendendo especificamente que os cargos p˙blicos fossem abertos a todos os brasileiros, sem distinÁ„o de sexo. Em 1917, no Rio, ela promoveu uma passeata com quase 100 mulheres, pelo direito ao voto. (BERNARDI, 2006, p. 01)

23

Em 1920, Maria Lacerda de Moura, professora, juntamente com a biÛloga Berta Lutz, fundaram, no Rio de Janeiro, a Liga para a EmancipaÁ„o Internacional da Mulher, um grupo de estudos cuja preocupaÁ„o principal era batalhar pela igualdade polÌtica das mulheres. Para a pesquisadora, a dÈcada de 20 foi significativa no que diz respeito ‡s lutas e propostas de mudanÁa. No ano de 1922, tivemos a Semana da Arte Moderna, que iniciou um marcante salto cultural. Os desenhos de Anita Malfati j anunciavam a uma nova cara para

Reunião da Federação pelo Progresso Feminino

a mulher que estava por vir: independente, original e inventiva. Nesse ano ainda, surge a FederaÁ„o Brasileira pelo Progresso Feminino, que vai dar mais impulso ‡ luta da mulher pela conquista do voto. As manifestaÁıes e as lutas das mulheres sempre andaram lado a lado com as questıes polÌticas, seja no Brasil ou em outros paÌses. No inÌcio, uma luta mais sutil pelo direito ao voto, em que ainda n„o questionava o papel da mulher e sua opress„o. Mais tarde, com muitas mulheres j

no mercado de trabalho, como

oper rias, intensifaca-se a luta por questıes trabalhistas, acesso ‡ educaÁ„o e questionamentos sobre a dominaÁ„o masculina. A express„o ìmovimento de mulheresî s i g n i f i c a a Á ı e s organizadas de grupos que reivindicam direitos ou melhores condiÁıes de vida e trabalho. Quanto ao ë movimento feministaí refere-se ‡ aÁıes de mulheres dispostas a combater a discriminaÁ„o e a subalternidade das mulheres e que buscam criar meios para que as prÛprias mulheres sejam protagonistas de sua vida e histÛria (TELES, 1993, p.12)

O direito ao voto, sÛ se tornou realidade para as mulheres depois da revoluÁ„o de 30. Em 1932, o CÛdigo Eleitoral ProvisÛrio garantiu o direito de voto ‡s mulheres casadas, desde que com autorizaÁ„o dos maridos e a algumas mulheres solteiras ou vi˙vas, que tivessem renda prÛpria. No governo Get˙lio Vargas foi promulgado o novo cÛdigo eleitoral pelo decreto n∫ 21.076, garantindo finalmente o direito de voto ‡s mulheres brasileiras, sem as restriÁıes anteriores. Do direito ao voto ‡ conquista pelo direito a ser candidata, foi outro passo importante. Nas eleiÁıes de 1933, convocada para a AssemblÈia Nacional Constituinte, foram eleitos 214 deputados e uma ˙nica mulher: a paulista Carlota Pereira de Queiroz. Bertha Lutz, concorrendo pelo Distrito Federal (RJ), foi eleita primeira suplente. Nesse contexto foi que a luta pelo voto feminino conseguiu resultado positivo, voto incorporado ‡ ConstituiÁ„o brasileira de 1934, com a ajuda de Carlota Pereira de QueirÛs, a primeira constituinte brasileira. (BERNARDI, 2006, p.01)

24

No decorrer de nossa HistÛria, muitas associaÁıes femininas foram criadas, geralmente com cunho polÌtico. Entretanto, com o Golpe de 64 essas associaÁıes desapareceram e sÛ voltaram em 1975, instituÌdo o Ano Internacional da Mulher (TELES, 1993, p.51). A decis„o, vinda da OrganizaÁ„o das NaÁıes Unidas (ONU), ajudou as brasileiras a voltarem com as idÈias feministas. Com isso ressurge tambÈm a imprensa feminina. De qualquer forma, o desaparecimento das associaÁıes e movimentos organizados n„o significa o fim da lutas das mulheres. Muito pelo contr rio, ‡ sua moda, eles estiveram sempre presentes e atuantes nas questıes de interesse geral do paÌs.

Eva Tudor, Tônia Carreiro, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengel à frente de uma passeata contra a ditadura, em 1968, no Rio de Janeiro.

25

Nessa histÛria paralela do Brasil, que estamos traÁando para mostrar o que os livros did ticos, as mÌdias e as teorias nem sempre mostraram sobre a forÁa da aÁ„o e do pensamento das mulheres, n„o podia faltar Leila Diniz (1945, +1972). Em meio ‡ virada culturalista que o mundo todo experimentava na dÈcada de 60, com os movimentos de contra-cultura nos Estados Unidos, Maio de 68 na FranÁa e movimentos de juventude contra as ditaduras militares na AmÈrica Latina, Leila Diniz protagonizou no Brasil a ìrevoluÁ„o pela alegriaî (Isto … Online). A breve histÛria de Leila Diniz foi como um terremoto a sacudir os usos e costumes da sociedade brasileira ñ especialmente nos anos 60, quando ela se transformou no maior Ìcone da liberdade feminina. O mundo ouvia rockíníroll, o Brasil irradiava a bossa nova e Leila desafiava, enfrentava, estimulava e divertia os brasileiros com atitudes e simbolismo. Como atriz, tornou-se musa do embrion rio cinema novo, movimento que propunha o rompimento dos padrıes estÈticos adotados atÈ ent„o ñ com base forte no modelo hollywoodiano. No plano pessoal, desafiava regras que julgava impostas: era capaz de dizer palavrıes em p˙blico, dar entrevistas em que revelava preferÍncias sexuais ou trocar de namorado sem dar satisfaÁıes a ninguÈm. Em 1969, em entrevista ao jornal alternativo Pasquim, motivou a lei de censura prÈvia, apelidada de Decreto Leila Diniz, produzida pelo ministro da JustiÁa, Alfredo Buzaid. ì VocÍ pode amar muito uma pessoa e ir para a cama com outra. J aconteceu

26

comigoî, dizia. Sua imagem mais cÈlebre, de 1971, na qual posou gr vida de biquÌni, na praia carioca de Ipanema, tinha o ineditismo incÙmodo que levou-a a ser acusada por feministas de servir aos homens (http://www.terra.com.br/ istoegente/100mulheres/ comportamento/leila.htm; acesso em 28/05/2006)

Leila foi uma pessoa que com suas atitudes confundia os poderes instituÌdos. A esquerda a considerava artificial e a direita, imoral. Ela saiu de casa aos 17 anos para morar com o cineasta Domingos de Oliveira, que a dirigiu em Todas as Mulheres do Mundo (1966). Mais tarde, casou-se com o tambÈm cineasta Ruy Guerra, pai de sua ˙nica filha, JanaÌna. Sete meses depois do nascimento de JanaÌna, Leila Diniz morreu no acidente aÈreo em que o avi„o da Japan Airlines explodiu perto de Nova DÈli, na Õndia. A atriz voltava da Austr lia, onde tinha participado do Festival Internacional de Adelaide para promover o filme M„os Vazias. Leila morreu jovem, aos 27 anos, mas viveu a vida com autenticidade, espontaneidade, irreverÍncia, alegria e muita paix„o. Participou de quatorze filmes (que quase n„o s„o exibidos), doze telenovelas e muitas peÁas teatrais. Ganhou na Austr lia o premio de melhor atriz com o filme ìM„os Vaziasî . Leila Diniz quebrou tabus de uma Època em que a repress„o dominava o Brasil, escandalizou ao exibir a sua gravidez de biquine sem nenhum pudor, e chocou o paÌs inteiro ao proferir a frase: ìTrepo de manh„, de tarde e de noiteî.

Leila Diniz

27

Era uma mulher a frente de seu tempo, ousada e que detestava convenÁıes. Foi invejada e criticada pela sociedade machista das dÈcadas de sessenta e setenta. Era malvista pela direita opressora, difamada pela esquerda ultra-radical e tida como vulgar pelas mulheres de sua Època. (http://www.aleitamento.org.br/ meninas/leila.htm; acesso em junho de 2006)

1.2. Buscando a relaÁ„o entre mÌdia, identidade e multiplicidades

As histÛrias de vida dessas e de outras mulheres nos levam a problematizar a relaÁ„o entre mÌdia e identidade feminina. As teorias tradicionais, desenvolvidas a partir dos modelos funcionalista, crÌtico e estruturalista da ComunicaÁ„o Social, parecem n„o dar conta da complexidade da quest„o. Como vimos n„o podemos mais aceitar a manipulaÁ„o total das subjetividades pelos discursos, sejam da mÌdia, da ciÍncia, das artes, da religi„o. Tem sempre alguÈm para nos mostrar que È possÌvel se desviar deles. O prÛprio conceito de identidade È posto em xeque diante dos diversos modos de ser mulher. Podemos ent„o pensar os discursos (textos e imagens) como produtores de valores e modos de ser que prometem reconhecimento, sucesso e felicidade para todos aqueles que os seguirem, requerendo para isso, portanto, a cumplicidade de seus p˙blicos e n„o a imposiÁ„o de verdades ou a manipulaÁ„o de vontades. Para que esse modo de funcionamento seja eficaz È preciso que esses discursos estejam articulados aos valores, comportamentos e exigÍncias de uma determinada sociedade, numa determinada Època.

28

Assim sendo, mais do que estereotipar identidades, os discursos tentam produzÌ-las em comum acordo com seus destinat rios, que em busca de recompensas materiais e simbÛlicas aderem aos modelos e excluem todos os demais. Os discursos n„o s„o absolutos, nem atemporais, pois deixam de fazer sentido ou de funcionar sempre que n„o estiverem consoantes com as expectativas sociais, culturais, econÙmicas e polÌticas de um grupo social ou de uma sociedade. A foto e os coment rios abaixo foram encontrados no blog ìinconstante sim, e daÌ?î e nos ajudam a compreender a relaÁ„o entre discursos e identidade e entre revista e leitor. Estas pérolas foram encontradas em revistas femininas das décadas de 50 e 60. 1. “Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas.” Jornal das Moças, 1957 2. “Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu carinho e provas de afeto.” Revista Cláudia, 1962 3. “A desordem em um banheiro desperta no marido a vontade de ir tomar banho fora de casa.” Jornal das Moças, 1945 4. “O lugar de mulher é no lar. O trabalho fora de casa masculiniza.” Revista Querida, 1955 5. “A esposa deve vestir-se depois de casada com a mesma elegância de solteira, pois é preciso lembrar-se de que a caça já foi feita, mas é preciso mantê-la bem presa.” Jornal das Moças, 1955 6. “A mulher deve estar ciente de que dificilmente um homem pode perdoar uma mulher por não ter resistido às experiências pré-nupciais, mostrando que era perfeita e única, exatamente como ele a idealizara.” Revista Claudia, 1962

29

7. “Mesmo que um homem consiga divertir-se com sua namorada ou noiva, na verdade ele não irá gostar de ver que ela cedeu.” Revista Querida, 1954 8. “O noivado longo é um perigo.” Revista Querida, 1953 9. “É fundamental manter sempre a aparência impecável diante do marido.” Jornal da Moças, 1957 E, pra finalizar, a “mais mais” de todas... 10. “A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas. Nada de incomodá-lo com serviços domésticos.” Jornal das Revista Querida

Moças, 1959 É mole ou quer mais? Postado em: 26 de julho de 2005 DisponÌvel em: http:// www.souinconstante.weblogger.terra.com.br/ Acesso em 09/06/ 2006

De qualquer forma, se n„o ìnascemos mulherî, mas aprendemos a sÍ-lo, mesmo que com nosso consentimento, v rios discursos disputam a nossa preferÍncia e atenÁ„o, sejam eles elaborados na famÌlia, na escola, na literatura, no cinema, na igreja, na rua, na televis„o, no r dio, nos jornais, nas revistas e nos movimentos sociais, entre outros. … atravÈs da combinaÁ„o de v rios fragmentos desses discursos que cada um, a sua maneira, vai se tornando sujeito. A mÌdia, portanto, prescreve as identidades desej veis, mas n„o pode impÙ-las. SÛ nos enquadramos ‡s formas quando achamos que È conveniente. Os movimentos sociais, por outro lado, muitas vezes tambÈm agendam subjetividades e identidades, na maior parte das vezes conflitantes com aquelas propostas pelos grupos hegemÙnicos.

30

2. MOVIMENTOS FEMINISTAS As manifestaÁıes e lutas das mulheres sempre andaram lado a lado com as questıes polÌticas, seja no Brasil ou em outros paÌses. No inÌcio, uma luta mais sutil pelo direito ao voto, em que ainda n„o se questionava o papel da mulher e sua opress„o. Mais tarde, com as mulheres j no mercado de trabalho, como oper rias, intensifica-se a luta por questıes trabalhistas, acesso ‡ sa˙de e educaÁ„o e questionamentos sobre a dominaÁ„o masculina. No entanto, apÛs os anos 20, em que houve a conquista do direito ao voto, o movimento se enfraquece. SÛ na dÈcada de 70 surgem os movimentos feministas, que, de acordo com Teles, diferenciam-se dos movimentos de mulheres. A express„o ë movimento de mulheresí s i g n i f i c a a Á ı e s organizadas de grupos que reivindicam direitos ou melhores condiÁıes de vida e trabalho. Quanto ao ë movimento feministaí refere-se ‡ aÁıes de mulheres dispostas a combater a discriminaÁ„o e a subalternidade das mulheres e que buscam criar meios para que as prÛprias mulheres sejam protagonistas de sua vida e histÛria. (TELES, 1993, p.12)

Neste contexto, poderemos definir que o movimento de mulheres (TELES, 1993) surge em 1848, em Nova York, quando ìas feministas americanas engajaram-se numa prolongada luta em defesa dos direitos da mulher ‡ educaÁ„o, trabalho e poder polÌtico, que culminou em 1920 com a conquista do direito ao votoî (CASTELLS, 2001, p.212)

31

J

o movimento feminista concreto e fortificado se

iniciou entre as dÈcadas de 60 e 70, nos Estados Unidos. CASTELLS (2001, p.210) destaca a concepÁ„o de MANSBRIDGE que vÍ o movimento feminista como um ìcompromisso de pÙr um fim ‡ dominaÁ„o masculinaî . HALL tambÈm considera o feminismo como um movimento emergente no contexto dos anos 70.

De acordo com a pesquisadora Suzana Veleda da Silva (2000), esses novos movimentos sociais rompem a unidade das conceituaÁıes tradicionais e promovem novas formas de entendimento do mundo. Trata-se de uma forma de aÁ„o coletiva baseada na solidariedade, que se diferencia de outros tipos de aÁ„o coletiva por que desenvolvem um conflito, rompendo os limites do sistema em que ocorre a aÁ„o. Nessa fase, os movimentos sociais identificam novas formas de opress„o que extrapolam as relaÁıes de produÁ„o e atingem grupos sociais transclassistas ou a sociedade, advogando um novo paradigma social (http:// www.ub.es/geocrit/b3w-262.htm; acesso em junho de 2006). No inÌcio, o movimento feminista criou um discurso da igualdade de direitos entre mulheres e homens. Voto, trabalho e independÍncia (seja ela qual for) passam a ser o mote central da ideologia feminista. Mas n„o podemos atribuir ao movimento apenas uma definiÁ„o, pois, durante a histÛria, o feminismo enquanto movimento organizado seguiu filosofias diversas. Diferentes linhas e correntes de pensamento e aÁ„o. ìO movimento feminista, manifestado na pr tica e em diferentes discursos, È extremamente variadoî. (CASTELLS, 2001, p. 210)

O feminismo faz parte daquele grupo de ënovos movimentos sociaisí, que emergiram durante os anos sessenta (o grande marco da modernidade tardia), juntamente com as revoltas estudantis, os movimentos juvenis contra culturais e antibelicistas, as lutas pelos direitos civis [...] (HALL, 2005, p. 44)

32

Durante o passar dos anos as divergÍncias ideolÛgicas geraram disputas e rachas dentro do prÛprio movimento. Surgiram assim algumas correntes, como as liberais e as radicais. As liberais lutavam por direitos iguais para as mulheres, o direito de ter direitos; e as radicais lutavam contra a dominaÁ„o masculina e toda a cultura da sociedade patriarcal. Neste momento CASTELLS (2001) destaca a import‚ncia dos meios de comunicaÁ„o.

De especial import‚ncia foi a presenÁa nos meios de comunicaÁ„o de mulheres jornalistas, elas prÛprias feministas ou simpatizantes das causas feministas. Numerosas publicaÁıes feministas, notadamente a revista Ms Magazine fundada em 1972, tambÈm tiveram papel preponderante por atingir as mulheres americanas fora do cÌrculo de atuaÁ„o do feminismo organizado (CA STELLS, 2001, p.213).

QUADRO COM AS CORRENTES FEMINISTAS ñ (CASTELLS, 2001, p.231)

Tipo

Identidade

Direito da mulher

Mulheres como seres Estado patriarcal

Direitos iguais

(liberal, socialista)

humanos

e/ou capitalismo

(inclusive direito de

patriarcal

ter filhos ou não)

Comunidade

Instituição e

Autonomia cultural

feminina

valores patriarcais

Feminismo

Modo feminino de

Modo masculino de Liberdade

essencialista

ser

ser

matriarcal

Feminismo

Irmandade sexual/

Heterossexual

Abolição do gênero

lesbianismo

cultural

patriarcal

pelo separatismo

Identidades

Identidade

Dominação cultural

Multiculturalismo

femininas

autoconstruída

Feminismo cultural

Adversário

Meta

(espiritualismo, ecofeminismo)

destituído do gênero

específicas (étnicas, nacionais, autodefinidas: como por exemplo, feminista lésbica negra) Feminismo

Donas de casa/

Capitalismo

Sobrevivência/

pragmático

mulheres

patriarcal

dignidade

(operárias,

exploradas/agredidas

autodefesa da comunidade, maternidade, etc.).

33

Na dÈcada de 70, a diferenÁa entre o feminismo liberal e o radical era consideravelmente menor. Muitos conceitos defendidos pelas liberais se aproximavam dos conceitos das radicais. N„o tinha mais como questionar o direito ao trabalho, sem questionar a diferenÁa salarial em relaÁ„o aos homens, por exemplo. A dominaÁ„o masculina era algo visÌvel no dia a dia. Como resultado desse intrincado processo, as diferentes facetas do liberalismo e do radicalismo se entrelaÁaram em suas pr ticas, assim como nas mentes da maioria das mulheres que sustentam a causa e os valores feministas (CASTELLS, 2001, p. 215).

De acordo com o autor, apesar das diferentes correntes, È possÌvel identificar caracterÌsticas que tornam o feminismo um movimento social transformador, que desafia o patriarcalismo ao mesmo tempo em que esclarece a diversidade das lutas femininas. Durante trinta anos muitas mudanÁas aconteceram no movimento. Em meados dos anos 90 surgem novas linhas para as reivindicaÁıes das mulheres. CASTELLS (2001) ressalta que o movimento na dÈcada de 60, era integrado por mulheres de classe mÈdia, brancas. E essas integrantes lutavam por causas ligadas diretamente a elas. Em 90 comeÁam a surgir manifestaÁıes internas no movimento. ComeÁa a necessidade de se questionar direitos especÌficos para cada mulher. Nas trÍs dÈcadas seguintes os temas feministas focalizaram as lutas das mulheres afroamericanas, latinas e de outras minorias Ètnicas em

O crescimento inexor vel e a influÍncia do lesbianismo no movimento feminista, ao mesmo tempo que se tornava uma grande forÁa, representava tambÈm um grande desafio para o movimento, que tinha de encarar seu prÛprio preconceito interno quanto ‡s formas de sexualidade alÈm de enfrentar o dilema sobre onde (ou se) deveria impor um limite ‡ liberaÁ„o feminina (CASTELLS, 2001, p.214).

34

suas perspectivas comunidades. [...] O resultado foi uma diversificaÁ„o cada vez maior do movimento feminista e certa falta de clareza quanto ‡ autodefiniÁ„o feminista. No entanto, de acordo com pesquisas de opini„o, a partir de meados da dÈcada de 80 a maioria das mulheres aderiu positivamente aos temas e causas feministas, justamente porque o feminismo n„o se associava a nenhuma posiÁ„o ideolÛgica. O feminismo tornou-se a palavra (e o estandarte) comum contra todas as causas da opress„o feminina e ‡ qual cada mulher, ou categoria feminina, vincularia seus lemas e reivindicaÁıes. (CASTELLS, 2001, p.219) CASTELLS define o feminismo como um movimento pela redefiniÁ„o da identidade da mulher. Desta maneira È possÌvel perceber que independente da forma como as mudanÁas em relaÁ„o ‡ mulher na sociedade podem acontecer, seja pela diferenÁa, igualdade ou separaÁ„o, o que n„o se pode esquecer È que durante toda a histÛria do movimento feminista e da luta das mulheres, a quest„o polÌtica sempre esteve presente. N„o podemos separar a quest„o da desigualdade de direitos entre os gÍneros, seja na educaÁ„o, no trabalho, no acesso ‡s instituiÁıes, sem lembrarmos das questıes mais Ìntimas e pessoais como a dominaÁ„o do masculino sobre o feminino em outros aspectos, como famÌlia e relacionamentos privados. Por isso, o mote principal do movimento È: ìO pessoal È polÌticoî. (CEVASCO, 2003, p.103)

A essÍncia do feminismo, como praticado e relatado, È a (re)definiÁ„o da identidade da mulher: ora afirmando haver igualdade entre homens e mulheres, desligando do gÍnero diferenÁas biolÛgicas e culturais; ora, contrariamente, afirmando a especificidade essencial da mulher, freq¸entemente declarando, tambÈm, a superioridade das pr ticas feministas como fontes de realizaÁ„o humana; ou ainda, declarando a necessidade de abandonar o mundo masculino e recriar a vida, assim como a sexualidade, na comunidade feminina. Em todos os casos, seja por meio da igualdade, da diferenÁa ou da separaÁ„o, o que È negado È a identidade da mulher conforme definida pelos homens e venerada na famÌlia patriarcal. (MANSBRIDGE apud CASTELLS, 2001, p.211)

35

A professora e pesquisadora Suzana Veleda da Silva explica que os movimentos de mulheres e feministas surgem no Brasil, a exemplo de outros lugares, a partir da dÈcada de setenta.

Mas a pr tica desses

movimentos sociais apresentou, no final dos anos oitenta e no decorrer dos anos noventa, novas formas de atuaÁ„o e de inserÁ„o na sociedade. Veleda Silva conta que nos anos oitenta grupos feministas espalhavam-se pelos principais centros urbanos do paÌs.

Reorganizando a sociedade

rearticulando relaÁıes de poder, podendo ou n„o se transformar em lobby frente ao Estado, como ocorreu na AssemblÈia Constituinte de 1988. Conhecido como lobby do batom, o movimento da bancada feminina conseguiu junto com as Emendas Populares, conquistas que foram asseguradas pela ConstituiÁ„o. AtravÈs dos movimentos sociais que se constituem no interior da sociedade civil a mulher aparece como ì sujeitoî.

O

movimento

feminista

n„o

È

necessariamente reivindicatÛrio, isto È, pode n„o se organizar a partir de demandas especÌficas ao Estado. O movimento feminista constitui-se em torno de uma condiÁ„o de exclus„o, que, segundo Veleda Silva, È dispersa e onipresente. Na dÈcada de oitenta reafirma-se a necess ria heterogeneidade das experiÍncias a partir da relaÁ„o de gÍnero. Os estudos realizados pelas feministas nas academias apontam tambÈm o car ter relacional entre os sexos, que È construÌdo socialmente a partir de relaÁıes de poder e, conseq¸entemente,

Os movimentos de mulheres se especificam em relaÁ„o a outros movimentos ao proporem uma nova articulaÁ„o entre a polÌtica e a vida cotidiana, entre esfera privada, esfera social e esfera p˙blica. Ou seja, a mulher ao emergir da esfera privada para reivindicar na esfera p˙blica tambÈm torna-se visÌvel na esfera social, onde os limites entre o p˙blico e o privado tornam-se confusos. ( Veleda Silva, http://www.ub.es/ geocrit/b3w-262.htm; 2006)

36

apresentam hierarquias que conduzem ‡ desigualdade social. N„o basta estudar as mulheres È preciso estudar as relaÁıes sociais entre os sexos. De acordo com SILVA (1999), nessa fase a Ínfase desloca-se do acesso para o q u Í do acesso. Para ele, a contribuiÁ„o mais importante que os estudos feministas apresentaram ‡ causa das mulheres foi o insight de que todo conhecimento depende sempre de uma quest„o de posiÁ„o, de onde aquele que conhece est

situado. Na perspectiva feminista n„o

sÛ a mÌdia e a cultura, mas atÈ mesmo a ciÍncia e os currÌculos escolares, s„o machistas. A an lise feminista contempor‚nea desloca ent„o mais uma vez seu foco, como explica SILVA: ì n „ o simplesmente as mulheres que s„o vistas como problema, mas principalmente os homens, na medida em que est„o situados no pÛlo de poder da relaÁ„oî (1999, p.95). Descartadas a essÍncia dos gÍneros e a identidade como destino fatal, ficam as perguntas: Como se faz de um homem o homem? Como se faz de uma mulher a mulher? Existe uma ˙nica forma de tornar-se homem? Existe uma ˙nica forma de tornar-se mulher? Existe identidade de gÍnero fora de uma formataÁ„o da subjetividade associada a relaÁıes de poder? O que È e o que quer uma mulher?

N„o se trata mais simplesmente de ganhar acesso ‡s instituiÁıes e as formas de conhecimento do patriarcado, mas de transform -las radicalmente para refletir os interesses e as experiÍncias das mulheres. O simples acesso pode tornar as mulheres iguais aos homens ñ mas num mundo ainda definido pelos homens. (SILVA, 1999, p.93)

A ciÍncia reflete uma perspectiva eminentemente masculina. Ela expressa uma forma de conhecer que supıe uma separaÁ„o rÌgida entre sujeito e objeto. Ela parte do impulso de dominaÁ„o e controle: sobre a natureza e sobre os seres humanos. Ela cinde corpo e mente, cogniÁ„o e desejo, racionalidade e afeto. Essa an lise da masculinidade da ciÍncia pode ser estendida para praticamente qualquer campo ou instituiÁ„o social. (SILVA, 1999, p. 93-94)

37

Bancária protesta contra doação de vestidos para Lu Alckmin (2006).

Congresso da Confederação de Mulheres do Brasil em 1990

Brasileiras lutam Pelo direito à Creche em 1981.

Em Mossoró mulheres fazem manifestação contra a violência doméstica (2005).

38

Mulheres sem-terra Protestam em Brasília (2005).

Mulheres de militares aproveitam o 7 de Setembro para pedir aumento de salário para seus maridos. (2005)

Mulheres gaúchas lutam pela licença maternidade. (1988)

Em São Paulo, mulheres lavam roupas na rua para protestar contra falta de água encanada. (2005)

39

Passeata marca Dia Internacional da Mulher em São Paulo. (2005)

Passeata de mulheres em Porto Alegre. (2002)

Mulheres ocupam Praça da Sé em São Paulo para exigir seus direitos. (1984)

40

Diante de tanta diversidade de interesses, de necessidades, de desejos, de possibilidades, de singularidades, fica a pergunta: È possÌvel representar a mulher brasileira sem estereotipar? Sem escolher um tipo para representar toda essa multiplicidade? A quest„o que se coloca, ent„o, n„o È o estereÛtipo como uma falsa representaÁ„o diante de uma ì verdadeira mulher brasileiraî, mas sim o estereÛtipo como uma representaÁ„o reduzida e a partir de uma perspectiva dominante (masculina), que n„o contempla a complexidade, a multiplicidade, as perspectivas e as experiÍncias vividas nas muitas formas possÌveis e contingentes de ser mulher, de experimentar universos culturais femininos nas sociedades contempor„neas. A mulher idealizada, portanto, sÛ existe nos discursos e propıe-se a ser um modelo, uma padronizaÁ„o, uma prescriÁ„o de identidade, que deve se adequar ‡s exigÍncias sÛcio-econÙmicas-polÌticasculturais de uma Època. O ìmodeloî que conta como desej vel È localizado e datado, n„o È portando fixo e est sempre sendo disputado, rejeitado, confirmado ou atualizado na din‚mica das relaÁıes de poder. … nesse contexto que a mÌdia, incluindo-se aÌ as revistas femininas, concorre ou articula-se com outras i n s t i t u i Á ı e s, como agenda de modelizaÁ„o e subjetivaÁ„o do feminino, conforme as exigÍncias sociais, econÙmicas, polÌticas e culturais de cada lugar e de cada Època. Apesar de todo o esforÁo do patriarcado, da religi„o, da polÌtica, d a c i Í n c i a, da escolarizaÁ„o, da midiatizaÁ„o, da globalizaÁ„o do mercado e da mundializaÁ„o da cultura, apesar de todos os esforÁos

41

para prescrever, modelar, conter, disciplinar, formatar, normatizar e naturalizar o que È ser mulher, as vidas, as experiÍncias e as lutas cotidianas das mulheres pela sobrevivÍncia e pela felicidade vÍm forjando multiplicidades, mostrando que qualquer classificaÁ„o È sempre uma abstraÁ„o e uma generalizaÁ„o e assegurando que qualquer uniformizaÁ„o do feminino È impossÌvel.

42

3. REVISTA, A FEMINIZA«√O DA IMPRENSA

ìA revista È a mÌdia mais feminina que existeî (MIRA, 2003, p. 43) Em meio ao ressurgimento dos movimentos de mulheres e ‡ emergÍncia dos movimentos feministas propriamente ditos, a revista Nova surge no Brasil em 1972, como ì filialî da famosa magazine norteamericana Cosmopolitan, revista que hoje acumula o maior n˙mero de ediÁıes internacionais (50), sendo publicada em 25 lÌnguas de diversos paÌses como a Cro cia, Õndia, China e Jap„o (CORR A, 2005). Fundada em 1886, a Cosmopolitan, com o formato atual, ressurgiu em 1965 apÛs um perÌodo de baixa popularidade no inÌcio da dÈcada de 60. A revista foi desenvolvida pela autora do livro ìSex e the Single Girlî (Sexo e a garota solteira), Helen Gurley Brown. O sucesso do livro foi tanto que a autora resolveu transform -lo em uma revista. A proposta foi apresentada ‡ editora americana do famoso empres rio William Hearst.

O formato da revista seguia o mesmo que o do livro: jovens

solteiras,

interessadas

em

carreira,

independÍncia e relacionamento com o sexo oposto. E a fÛrmula mostrou ou tentou mostrar que esses problemas s„o os mesmos para todas as mulheres do mundo. Esse interesse comum a todas as mulheres, porÈm, tem sido refutado pelos estudos feministas. Donna Haraway, por exemplo, acredita que ìn„o existe nada no fato de ser ëmulherí que naturalmente una as mulheres. N„o existe nem mesmo uma tal situaÁ„o ñ ëserí mulher. Para

Edição de 1926 http://www.ellisparkerbutler.info/epb/pic/ v07/cosmopolitan_1926_12_a.jpg

43

ela, esse ìser mulherî È uma categoria altamente complexa, construÌda por meio de discursos cientÌficos sexuais e de outras pr ticas sociais question veisî (HARAWAY, 2000, p.25).

A ediÁ„o brasileira de Cosmopolitan È a ˙nica que n„o leva o nome original, pois o nome norte-americano foi considerado pela editora Abril, sua distribuidora no Brasil, ìmuito complicado para o mercado brasileiroî (CORR A, 2005). PorÈm, segundo MIRA, a revista n„o pÙde adotar o mesmo nome em nosso paÌs porque ìo tÌtulo j havia sido registrado por uma empresa de outro setor, obrigando sua editora a us -lo como subtÌtuloî (2001, p.97). Nova faz tanto sucesso no Brasil quanto Cosmopolitan faz no mundo. O mercado consumidor das revistas para mulheres no mundo todo e tambÈm no Brasil, no entanto, vinha se constituindo desde o sÈculo XIX, com o surgimento da imprensa feminina. Com ela, tambÈm os produtores

O primeiro n˙mero vendeu 175 mil exemplares; em 1978, a revista chega aos 200 mil exemplares e, em 1986, com a ajuda do Plano Cruzado, atinge a marca de meio milh„o por m Í s, para estabilizar-se, nos anos 90, em torno dos 350 mil.[...] Em 1995, era a 7™ revista mais vendida no paÌs, com 332 mil exemplares mensais em circulaÁ„o (MIRA, 2001, p.129 e 130).

de comunicaÁ„o iam, em negociaÁ„o com esse p˙blico, inventando e aprimorando os conte˙dos, as linguagens e formas de apresentaÁ„o.

3.1. A imprensa feminina e a segmentaÁ„o do mercado

No sÈculo XVIII a imprensa feminina j tinha um papel importante na Europa. No entanto, sÛ no inÌcio do sÈculo XIX que ela tem permiss„o para funcionar no Brasil. AtÈ ent„o n„o havia imprensa feminina no paÌs. Na Època o n˙mero de mulheres analfabetas era muito grande. (BUITONI, 1986, p.36)

44

As revistas em geral s„o segmentadas por mercado consumidor, caracterÌstica importante que as diferencia dos jornais. O conceito de segmentaÁ„o de mercado [...] trata-se de uma forma empÌrica, derivada de estudos mercadolÛgicos, de determinar a fatia do p˙blico que se pretende atingir. Nessa caracterizaÁ„o, podem entrar desde sexo, classe, idade, assuntos preferidos [...] Tais especializaÁıes constroem o perfil da leitora e a maneira de escrever para ela. SegmentaÁ„o de mercado serve para definir o p˙blico desta ou daquela revista, mas n„o serve para distinguir a imprensa feminina de outras imprensas (BUITONI, 1986, p.16). As revistas trabalham com o n„o factual, mas, ao mesmo tempo, de certa forma, com conte˙dos atuais. Os jornais tratam de fatos novos, notÌcias e repassam a s i n f o r m a Á ı e s. J

as revistas n„o tÍm esse

compromisso e escrevem reportagens, matÈrias bem maiores que as dos jornais. A notÌcia resume o fato; pode ser ampliada ou n„o. J a reportagem trata de assuntos n„o necessariamente relacionados aos fatos novos. Na reportagem, busca-se um certo conhecimento do mundo, o que inclui investigaÁ„o e interpretaÁ„oî (BUITONI, 1986, p.12) No sentido de registro do fato, a atualidade n„o est muito presente na imprensa feminina devido a seus conte˙dos tradicionais: moda, beleza, culin ria, decoraÁ„o aceitam a ligaÁ„o com o atual, mas

A palavra inglesa magazine, deriva da francesa magasin, de mesma origem rabe de armazÈm, designava as publicaÁıes de conte˙do diversificado, correspondendo ao que se chamava revista em p o r t u g u Í s. Mesmo assim, os primeiros periÛdicos femininos brasileiros tinham o nome de jornal, apesar de serem revistas. Alguns, como o Novellista Brasileiro ou ArmazÈm de Novellas Escolhidas (1851), conservavam o termo armazÈm no tÌtulo e realmente traziam mercadorias variadas (BUITONI, 1986, p.17).

45

n„o s„o por ele determinadas. [...] Quando a imprensa feminina d espaÁo a pessoas ligadas a acontecimentos atuais ñ geralmente astros de cinema e TV ñ utiliza o que Evelyne Sullerot chama de atualidade romanesca, que cria um clima de ficÁ„o e fantasia de atos e sentimentos (BUITONI, 1986, p. 13). AlÈm de serem produzidas em formato diferente, a comeÁar com o papel utilizado, que tem mais qualidade, elas s„o segmentadas por assuntos, como carro, polÌtica, sociedade, ciÍncia, etc., ou por faixas de p˙blico, como jovens, mulheres, homens, professores, mÈdicos, etc. Como em qualquer outra revista para mulheres, a Nova È segmentada para uma faixa de mercado, neste caso: a mulher da classe mÈdia. … bom lembrar que a revista analisada È descrita como feminina pelo tipo de p˙blico que a consome, ao contr rio das revistas feministas, que s„o feitas por mulheres e promovem questionamentos polÌticos relacionados ‡ quest„o da desigualdade de gÍnero. O mais interessante È que a maioria dos leitores de revistas s„o mulheres, enquanto os dos jornais s„o homens. Na opini„o de MIRA (2001, p.43) ìquando se fala em revista, logo se pensa em mulher. A revista È a mÌdia mais feminina que existeî. As mulheres vÍem a revista como uma amiga Ìntima e isso È comprovado nas muitas pesquisas j feitas. No Rio de Janeiro, a capital federal em 1945, 61,8% dos homens liam algum tipo de revista, contra 74% de mulheres, ao passo que 77,2% dos homens liam algum jornal, contra 51,2% de mulheres. (MIRA, 2001, p.43 e 44)

Imprensa feminina È aquela dirigida e pensada para mulheres. A feminista, embora se dirija ao mesmo p˙blico, se distingue pelo fato de defender causas (BUITONI, 1986, p.16). A mulher, e n t „ o, faz parte da caracterizaÁ„o da imprensa feminina, seja como receptora e, ‡s vezes, como produtora tambÈm. Todavia, a circunst‚ncia de alguns veÌculos serem redigidos por mulheres n„o È uma condiÁ„o necess ria para que os qualifiquemos de femininos. O grande elemento definidor ainda È o sexo de suas consumidoras (BUITONI, 1986, p.08).

46

Podemos dizer que o interesse da mulher, especificamente, por esse meio de comunicaÁ„o vem sendo forjado pelo aprendizado cultural do que seria o universo feminino e sua simult‚nea identificaÁ„o com a linguagem utilizada, formato e assunto. Sempre com fotos coloridas, capas com closes nos rostos das modelos, temas como moda, estilo, beleza e casa e assuntos do cotidiano das mulheres ñ casa, famÌlia e relacionamentos e, mais tarde, sexo ñ s„o caracterÌsticas predominantes nos periÛdicos femininos. Eles confirmam os valores culturais e estÈticos ensinados ‡s mulheres na famÌlia, na igreja e na escola, ao mesmo tempo em que se valem deles para atrair e consolidar seu p˙blico. Os temas e as formas de abord -los, entretanto, foram se adaptando ‡ Època, como È o caso das capas, que passam a mostrar a mulher de corpo inteiro e n„o apenas o rosto, exemplo da cultura do corpo e ditadura da beleza, o que antes n„o era algo t„o presente na sociedade; outra mudanÁa ao longo do tempo referese aos afazeres domÈsticos, ainda presentes em algumas revistas, mas direcionadas ao novo modelo de mulher. ìO processo de emancipaÁ„o da mulher, a chamada segunda onda feminista dos anos 60, levou as revistas a abordar temas como o trabalho, a vida sexual dentro e fora do lar e atÈ mesmo a polÌticaî (MIRA, 2001, p.100). A trajetÛria das revistas e as mudanÁas de abordagem que sofreram ser„o apresentadas a seguir.

3.2. As revistas femininas: literatura para mulheres A primeira revista do mundo para o p˙blico feminino surgiu em 1693, e chamava-se Merc˙rio das Senhoras. H divergÍncias em relaÁ„o a sua nacionalidade.

47

CORR A (2005) aponta para FranÁa, j BUITONI (1986) diz que foi na Inglaterra. Trazia crÙnicas sobre a Corte, poesias e mostrava moldes de desenhos de roupas, vestidos e bordados. No inÌcio, as revistas eram segmentadas por temas. Com o surgimento da Merc˙rio das Senhoras, elas passaram a ser segmentadas tambÈm por mercado leitor, neste caso, o feminino (CORR A, 2005). No sÈculo XIX as revistas femininas j

haviam se

espalhado pela Europa. No entanto, o conte˙do era basicamente os afazeres domÈsticos, moda, roupas e monogramas para bordar. Na dÈcada de 30 surge o modelo de revista sentimental, a francesa Confidences. O periÛdico publicava cartas anÙnimas de suas leitoras sobre assuntos relacionados ‡ solid„o, vÌcios, doenÁas, entre outros (BUITONI, 1986). Em Nova tambÈm h

p ginas destinadas a esses

assuntos. A diferenÁa È que as respostas n„o s„o dadas pelos prÛprios repÛrteres, como em Confidences, mas sim por especialistas, o que podemos verificar nas s e Á ı e s ìConsulta Õntimaî e ìTerapia de 5 minutosî , encontrados em todas as ediÁıes analisadas. Na primeira, todos os questionamentos s„o relativos ‡ sa˙de feminina, comentados pela ginecologista e obstetra Dra. DulcÌlia Pires Evangelista; na segunda encontramos temas sobre relacionamentos e amor, respondidos pelo psiquiatra, Dr. Paulo GaudÍncio. Seguem abaixo trechos das duas seÁıes, na ediÁ„o de marÁo e janeiro, respectivamente. ìDesde a adolescÍncia tenho muitos pÍlos no queixo, no abdÙmen e nos seios. Isso È caracterÌstica pessoal ou pode indicar um desequilÌbrio hormonal? Minha fertilidade est comprometida?î (ed. marÁo, p.54)

Edição de 1949 http://harissa.com/harissa/confidences.jpg

48

ìNamoro h cinco anos. No comeÁo, tudo era perfeito, mas com o tempo ele passou a me isolar do mundo. Vivo em funÁ„o dele e da relaÁ„o. Me anulei, deixei de fazer as coisas de que gosto e estou infeliz. N„o sei se tenho medo de ficar sozinha ou se eu o amo de verdade. Mas fui tomada por uma inquietaÁ„o que n„o me deixa em paz. O que faÁo?î Junto a essa forma de literatura sentimental ou ìconsultÛrio midi ticoî, veio a fotonovela. Primeiro com histÛrias rom‚nticas em quadrinhos, desenhados, e depois com fotos (BUITONI, p.49). Podemos considerar que a fotonovela continua presente nas revistas, o que

Janeiro de 2006, página 58

pode ter mudado foi o formato e a histÛria, que È focada para o p˙blico de cada revista e n„o tem uma continuaÁ„o. No caso de Nova, podemos considerar como a fotonovela do sÈculo XXI a famosa personagem ìRadical Chicî. Sempre estampada na ˙ltima p gina das ediÁıes. Ao invÈs de historinhas romantizadas, a personagem sempre apresenta uma situaÁ„o sobre relacionamento, abordando o assunto central da revista: sexo.

“Radical Chic” Fevereiro de 2006

Almanaque Capricho http://www.lib.utexas.edu/taro/utlac/ graphics/fotonovela1.jpg

49

Em 1945 surge a famosa revista de moda Elle, que apesar de ser francesa, ìrefletia toda uma filosofia americana de editar para mulheresî (BUITONI, 1986, p.35). Essa foi a primeira revista a ter publicidades em cores.. No Brasil a primeira revista exclusivamente de moda È Manequim, de 1959, da Editora Abril. AtÈ ent„o esse espaÁo era preenchido por publicaÁıes estrangeiras. Em 1995, Manequim era a ì4™ revista mais vendida no paÌs, com tiragens de 488 mil exemplaresî (MIRA, 2001, p.50). A imprensa feminina nasceu sob o signo da literatura, logo depois acompanhado pelo da moda (BUITONI, 1986, p.22).

http://www25.brinkster.com/finhollywood

Sustentar-se no eixo modaliteratura significa adotar uma linha conser vadora em relaÁ„o ‡ imagem da mulher, enfatizando suas virtudes domÈsticas (BUITONI, 1986, p.41).

Nova tambÈm traz uma editoria sobre moda: ìModa e Estiloî, que ser melhor analisada no prÛximo capÌtulo.

3.3. A imprensa feminina brasileira nasceu para ser o espelho da mulher A primeira revista feminina brasileira foi O Espelho Diamantino, de 1827. Durou apenas um ano. Trazia como subtÌtulo: ìPeriÛdico de PolÌtica, Literatura, Bellas Artes, Theatro e Modas, dedicado ‡s Senhoras Brasileirasî (CORR A, 2005). A segunda, de acordo com BUITONI (1986), foi O Espelho das Brazileiras, de 1831, criada em Recife, seguida pelos periÛdicos Jornal de Variedades, (1835), Relator de Novellas (1838) e Espelho das Bellas (1841).

50

Na metade do sÈculo XIX comeÁa o auge dos folhetins. E nos periÛdicos femininos n„o poderia ser diferente. A EstaÁ„o, de 1879, foi a revista mais importante na sua Època no Brasil. Entre 1886 e 1891 ela publicou uma sÈrie de Quincas Borba, de Machado de Assis, em suas p ginas. No entanto, a primeira grande revista para mulheres do Brasil foi a Revista Feminina, fundada por Virgilina de Souza Salles, em 1914, e que teve uma trajetÛria de 22 anos. MantÈm cl ssicas seÁıes femininas como ìModaî , ì Menu do meu Maridoî, ìTrabalhos Femininosî ou ì Como Enfeitar minha Casaî. No entanto, o passatempo, as intrigas e as cartas de amor est„o ausentes. Em seu lugar publicam-se artigos diversos que tratam de arte ‡ medicina e reportagens sobre o modo de vida e a atuaÁ„o de mulheres em outros paÌses, com claro incentivo ‡ formaÁ„o de associaÁıes femininas

de

assistÍncia

social

(http://

w w w. c e d a p . a s s i s . u n e s p . b r / c a t _ p e r i o d i c o s / cat_periodicos17.htm).

“A Moda” da Revista Feminina, de 1918, em São Paulo (BUITONI, 1981)

51

Na Època em que a Revista Feminina foi criada estavam no mercado A Cigarra, A Senhorita (moda e penteados) e a revista semanal A Vida Galante, j ilustrada, apesar de O Cruzeiro (1928) ter se tornado a maior revista ilustrada no paÌs. (BUITONI, 1986, p.45)

Disponíveis em: www.locutor.info/RevistadoRadio.html Acesso em 16 de abril de 2006

Mas a Revista Feminina tinha um diferencial: ìo esquema comercialî. De acordo com BUITONI ìa revista era propriedade da Empresa Feminina Brasileira, que fabricava e comercializava produtos destinados ‡s mulheres, desde cremes de beleza a livros de culin ria, romances, etc.î (BUITONI, 1986, p.44)

Era a primeira vez que uma ind˙stria especÌfica de produtos femininos influÌa t„o decisivamente num veÌculo destinado ‡s mulheres (BUITONI, 1986, p.44). A Revista Feminina representava um toque de modernidade n„o sÛ nos produtos que anunciava, mas na diagramaÁ„o bastante inovadora para a

52

Època. Sua forÁa estava demonstrada no n˙mero de suas p ginas, 90 em mÈdia. Essa publicaÁ„o pode ser considerada como precursora das modernas revistas brasileiras dedicadas ‡ mulher. (BUITONI, 1986, p.45)

AlÈm da inovaÁ„o gr fica e do esquema empresarial, o conte˙do jornalÌstico da Revista Feminina tambÈm procura avanÁar em relaÁ„o ‡ modernidade, deixando entreveras contradiÁıes e os paradoxos em relaÁ„o aos papÈis sociais da mulher. Bem sucedida, a Revista Feminina era propriedade da Empresa Feminina Brasileira, que fabricava e comercializava produtos destinados ‡s mulheres. Discutindo temas como ì papel da esposaî , ìeducaÁ„o das crianÁasî ou ì identidade femininaî , dispıe-se a tratar de questıes relativas ao papel social da mulher, ora preocupando-se com a quest„o do voto feminino e possibilidade de trabalho fora do lar em profissıes como magistÈrio, medicina e jornalismo, ora discutindo as obrigaÁıes da mulher de esposa e m„e per feitas.(http:// www.cedap.assis.unesp.br/ c a t _ p e r i o d i c o s / cat_periodicos17.htm - 19 de junho de 2006) N„o s„o sÛ nas revistas brasileiras atuais, voltadas para a mulher, como em Claudia, Capricho ou na prÛpria Nova, que os assuntos s„o basicamente os mesmos: moda, sexo e beleza, e no caso da Claudia, casa. Essa tem tica È mais antiga do que se imagina, apesar de BUITONI afirmar que ìa revista Carioca (1935), tratava de assuntos ligados a arte e a espet culos, mesmo

Revista Carioca, 1939 www.musica.fontesgratis.com.br/musicabossa-nova/os-cariocas.php

53

assim alcanÁando um publico feminino bastante significativoî (BUITONI, 1986, p.46). Em Nova todos esses assuntos s„o abordados, porÈm È pouca a freq¸Íncia de matÈrias que valorizam a realizaÁ„o de trabalhos domÈsticos. Apesar de ter seÁıes de moda e roupas, nas ediÁıes analisadas, apenas a de fevereiro traz matÈrias com conte˙do parecido com o dessas revistas. Na p gina 88 h uma matÈria com o tÌtulo: ìQuem n„o borda n„o ganhaî . No entanto, traz informaÁıes sobre como conseguir uma renda extra com a fabricaÁ„o de colares, bolsas e bonecas, produtos que est„o em alta. Nesse caso, a revista quer mostrar que a mulher atual desenvolve esse tipo de trabalho por dinheiro e n„o por simples hobby ou como forma de passar o tempo. Ao contr rio, o trabalho pode ajudar na renda e ser uma terapia ao mesmo tempo. O que n„o foi discutido pela publicaÁ„o È porque alguns trabalhos, menos remunerados, s „ o r e s e r vados ‡s mulheres, ou invertendo a quest„o: porque os trabalhos considerados femininos s„o menos remunerados? A mulher È incentivada pela imprensa feminina e pela mÌdia em geral a obter renda e a se integrar no mercado de trabalho, sem que se promova uma discuss„o sobre as condiÁıes em que isso se d . Porque tantas mulheres est„o desempregadas ou empregadas com sal rios mais baixos do que os dos homens? Esse problema È estrutural e remete ‡ relaÁıes de poder, mas muitas vezes È apresentado como individual, como falta de iniciativa ou de competÍncia da mulher. Da mesma forma, o sucesso È sempre individual, chega l quem tem mÈrito, quem compete, quem se destaca e se diferencia dos outros, nesse caso, das outras. O

Fevereiro de 2006, página 88

54

sucesso chega para as ìmulheres que trabalham como homensî, e È nesse sentido que pensamos que nas revistas femininas continua a imperar a vis„o e os interesses masculinos. Em Nova, como nas velhas revistas, define-se as possibilidades e prescreve-se a performance da ì mulherî, num mundo ainda organizado a partir do universo masculino ou do que significa ser ìhomemî e ser ìmulherî na sociedade almejada. Inventar outras formas de sobreviver tem grande import‚ncia, mas desde que essas invenÁıes sejam valorizadas, reconhecidas e bem remuneradas para todos aqueles que as empreendem. Por outro lado, uma outra leitura dessa reportagem denuncia a exigÍncia e o fato da mulher estar no mercado de trabalho, apontando para uma condiÁ„o cada vez mais presente em nossos tempos em que a figura do chefe de famÌlia deixa de ser exclusivamente o homem, sugerindo que a renda da mulher È fundamental para a sobrevivÍncia das famÌlias, seja assumindo as despesas sozinha ou dividindo com ele. MatÈria publicada no jornal A Gazeta, de 12 de junho de 2006, informa que um estudo feito pelo MinistÈrio P˙blico Estadual em 2004 nas escolas estaduais e municipais da Grande VitÛria concluiu que existem 20 mil crianÁas no EspÌrito Santo sem o registro do pai na certid„o de nascimento. Dados como estes, sem d˙vidas, podem levar muitas mulheres a suspeitarem de sua condiÁ„o de subordinaÁ„o, dependÍncia, fraqueza, passividade e incapacidade.

http://www.fcc.org.br/mulher/ series_historicas/mtf.html

55

Um outro estudo, realizado pela FundaÁ„o Carlos Chagas, mostra a crescente participaÁ„o da mulher no mercado de trabalho. A partir da dÈcada de 70 atÈ os dias de hoje, a participaÁ„o das mulheres no mercado de trabalho tem apresentado uma espantosa p r o g r e s s „ o. Se em 1970 apenas 18% das mulheres brasileiras trabalhavam, chega-se a 2002 com metade delas em atividade. (retirada do site: http:// w w w. f c c . o r g . b r / m u l h e r / series_historicas/mtf.html) Voltando ‡ trajetÛria das revistas femininas no paÌs, nem sempre coerente com a vida cotidiana das brasileiras, È interessante registrar o surgimento, em 1952, da revista Capricho. Um marco na imprensa feminina no Brasil, representando o inÌcio de uma nova fase. A revista foi criada com uma novidade: a publicaÁ„o de uma fotonovela completa em uma ˙nica ediÁ„o, enquanto as outras publicavam um capÌtulo por vez. Com o slogan ìA revista da mulher modernaî, logo se tornou uma das mais importantes do mercado na Època. (BUITONI, 1986, p.48). De moderno mesmo sÛ temos a atualizaÁ„o dos folhetins, que depois do sucesso no jornal e no r dio, ganham imagens nas revistas, antecipando o fenÙmeno que viria a constituir a exibiÁ„o das novelas televisivas na dÈcada seguinte. Outra publicaÁ„o diferente das demais foi a revista Claudia, de 1961. O fato de ter uma revista com nome prÛprio agrada as leitoras atÈ hoje. BUITONI defende que por ter nome de uma pessoa, a revista ìveio ao encontro de uma certa busca de identidade da mulher de classe mÈdia urbanaî (1986, p.49). As revistas

Revista Capricho, n° 01, de 1952 (BUITONI, 1981)

56

deixam de apenas falar ìsobreî a mulher e passam a falar ìparaî a mulher. ComeÁam a enxerg -la como sujeito. Desta forma conseguem se aproximar mais das leitoras. E nada mais lÛgico de se criar uma revista com um nome de mulher, no caso a Claudia.

A imprensa feminina, que vinha ajudando no lar, retratando a moda, discutindo os problemas da mulher, ouvindo seu sofrimento, cuidando de sua beleza, j pode trat -la por ëvocÍí. Adota uma tÈcnica j conhecida pela publicidade: a personalizaÁ„o. O tom das matÈrias muda, dirigindo-se diretamente ‡ leitora. Focalizando o rosto da mulher, a revista aumenta seu grau de aproximaÁ„o (MIRA, 2001, p.50)

Revista Claudia, edição n°01, de outubro de 1961 ( www.geocities.com/mlle_ beauvoir/ ergue/Image7.jpg, Acesso: 23/05/2006)

E essa estratÈgia foi Ûtima para as editoras, pois elas comeÁam a atrair o mercado publicit rio, no contexto de uma crescente ditadura do capitalista de consumo. No entanto, falar ìsobreî e falar ìparaî na mulher ainda È muito diferente de dar condiÁıes para que a ìmulher faleî, seja para ela mesma, seja para o homem, seja para todos. O que contaria, nesse caso, È um olhar sobre o mundo a partir da experiÍncia feminina. E È nesse cen rio, em que as mulheres passam a ser consideradas um segmento de mercado promissor, que surge a revista Nova (1972) - vers„o brasileira da famosa americana Cosmopolitan - consagrando a dupla ìsexo/ consumoî como carro chefe de suas publicaÁıes. As revistas passam a ver a mulher, acima de tudo, como consumidora (ser sujeito passa a significar ser consumidor) em potencial, apesar de os assuntos referentes ao sexo terem sido desenvolvidos

Revista Claudia, maio de 2006

57

mais devagar. AtÈ ent„o, Claudia e Capricho, que eram revistas mais modernas, falavam sobre sexo de forma sutil. O assunto sÛ veio ‡ tona com forÁa total em Nova, revista da mulher solteira ou casada com ambiÁıes profissionais e com uma certa liberdade sexual (BUITONI, 1986, p. 50). A revista promete oferecer ‡s leitoras fÛrmulas e estÌmulos para que elas conquistem o sucesso e a felicidade. » importante destacar que o momento em que Nova foi criada era propÌcio para os assuntos abordados por ela. Vivia-se o pÛs-guerra, o que levou muitas mulheres a trabalharem fora, j

que muitas perderam seus

maridos nas batalhas. No Brasil teve a quest„o da ditadura, o que tambÈm levou a uma luta mais ampla pelos direitos humanos e paralelamente, os femininos. No entanto, BUITONI destaca que ìsomente na dÈcada de 70, È que surge uma imprensa feminina mais reivindicatÛria, como decorrÍncia das contradiÁıes urbanas e sociais aumentadas pela ditaduraî (1986, p.54). As mulheres comeÁam a ocupar tambÈm mais espaÁos nos bancos escolares e nas universidades. Logo apÛs a Segunda Guerra, elas representavam de 15 a 20% dos estudantes nos paÌses desenvolvidos e, em 1980, na maioria deles, j eram mais da metade (MIRA, 2001, p.122).

MIRA concorda com o historiador HOBSBAWM, que diz que contexto social, econÙmico e cultural do pÛsguerra foi ìo pano de fundo para o impressionante reflorescimento dos movimentos feministas a partir da dÈcada de 1960, sendo os movimentos das mulheres inexplic veis sem esses acontecimentosî (apud MIRA, 2001, p.12). Essa seria tambÈm a condiÁ„o para o

NOVA incentiva e orienta a mulher na busca pela realizaÁ„o pessoal e profissional. Estimula a ousadia e a coragem para enfrentar os desafios, a busca pelo prazer sem culpa e a construÁ„o da auto-estima e da autoconfianÁa. (http://elle.abril.com.br/midia_kit/ nova/m_revista.html)

58

florescimento e a solidificaÁ„o do mercado das revistas destinadas ‡s mulheres. Algumas reivindicaÁıes do movimento feminista se cruzam com as pautas de Cosmopolitan, embora sejam muito diferentes [...]. O perfil socioeconÙmico das mulheres envolvidas nos novos movimentos tambÈm È semelhante ao das leitoras da revista, entre as quais predominam, como hoje, as de classe mÈdia. Ambos (o movimento e a revista) s„o frutos do mesmo contexto histÛrico. (MIRA, 2001, p.123) As revistas femininas que as grandes editoras colocam no mercado, porÈm, n„o se destinavam e n„o atingiam a todo tipo de mulher e, talvez por isso, nesse mesmo perÌodo, em meio as reivindicaÁıes feministas, surgiram publicaÁıes alternativas.

Na fase mais fÈrtil da imprensa alternativa brasileira, aparecem tambÈm jornais femininos alternativos. Os dois mais conhecidos, Brasil Mulher e NÛs Mulheres (ambos de 1976 a 1978, com interrupÁıes), s„o de S„o Paulo. (BUITONI, 1986, p.54)

De acordo com a pesquisadora Rosa de Santa Cruz Leite, da PUC/SP, esses foram os primeiros jornais nacionais dirigidos ‡s mulheres e feitos por mulheres no perÌodo pÛs-1975. O surgimento deles e os princÌpios por eles defendidos est„o relacionados ao contexto histÛrico do paÌs e ao movimento feminista nacional,

Jornal Nós Mulheres, n°01, 1976 (BUITONI, 1981)

59

destacando-se o seu compromisso com uma nova linguagem e com a difus„o de reivindicaÁıes e propostas diretamente relacionadas com a condiÁ„o das mulheres. Essa imprensa se tornou um espaÁo de express„o de uma linha polÌtica intimamente vinculada ao despertar das mulheres para as idÈias feministas do perÌodo posterior ‡ luta armada contra a ditadura no Brasil. Os jornais Brasil Mulher e NÛs Mulheres retrataram, em seus artigos e editoriais, a luta pela anistia, pelas creches e pelas liberdades democr ticas - todos sÌmbolos da oposiÁ„o contra o regime no perÌodo da ditadura militar. AlÈm disso, eles incluÌam matÈrias especÌficas, tais como violÍncia d o m È s t i c a, condiÁıes de trabalho das mulheres, direitos reprodutivos, aborto e sexualidade. Do ponto de vista do movimento popular e das organizaÁıes de mulheres, essa imprensa constitui, sem sombra de d˙vida, uma fonte importante e ainda inexplorada para compreender o perÌodo considerado. (LEITE,http://www.scielo.br/ scielo.php?pid=S0104026X2003000100014&script=sci_arttext, acesso em junho de 2006) Em meio a toda essa agitaÁ„o polÌtica veio a revoluÁ„o sexual, impulsionada com a descoberta da pÌlula anticoncepcional. Trabalhar fora, ser independente e ter liberdade sobre sua sexualidade, eram reivindicaÁıes e atitudes importantes ‡ Època do surgimento de Nova. Ela vinha como porta voz dos anseios das mulheres em meados dos anos 70. No entanto, sofreu muita discriminaÁ„o principalmente por

60

parte dos homens, que a consideravam uma revista para prostitutas (MIRA, 2001, p.130). A revista chegou atÈ ser apelidada de ìPlayboy de saiasî. Em entrevista ‡ MIRA, a editora de Nova, F tima Ali explica que:

Nova tenta ajudar a mulher a crescer. Como para o homem Nova È uma revista de sexo, ent„o h uma confus„o [...] A mulher da capa de Playboy est se oferecendo. A mulher da capa de Nova est segura da sua posiÁ„o (ALI apud MIRA, 2001, p.130). Capa da edição Extra de Nova, em setembro de 2005.

Ser ?

AlÈm

de

dicas

para

a

relaÁ„o

sexual

e

relacionamentos, a erotizaÁ„o de situaÁıes e coisas tambÈm È algo possÌvel de se encontrar na revista (MIRA, 2001). Podemos atÈ considerar que esse È um dos discursos usado pela Nova. Na ediÁ„o de marÁo, na editoria de beleza e moda, seÁ„o ìRepÛrter de belezaî, uma simples dica de beleza, pode oferecer o modelo de nova mulher para quem vÍ. Junto ‡ dica, ao fundo aparece a imagem de uma mulher (rosto e colo) puxando a blusa e mostrando a pele, com o tÌtulo ì Agarra este bronzeî. A modelo que posou para a matÈria faz uma express„o de mulher fatal, a qual nem ela mesma pode resistir .

Março de 2006, página 30

61

Outro exemplo È a seÁ„o ìWorkshopî, na editoria ìVida e Trabalhoî, da ediÁ„o de fevereiro. Neste caso, o fato erotizado È o trabalho. A pequena matÈria da p gina, com tÌtulo ìCarreira estreladaî, explica de que forma a mulher deve agir para chegar mais longe na carreira. Entre comparaÁıes com atrizes e cantoras, a matÈria ainda utiliza termos como ìdivaî e ìheroÌnaî para caracterizar a mulher lutadora. AlÈm disso, tambÈm traz como ilustraÁ„o a foto de uma modelo, bem vestida, para identificar que È uma executiva ou pelo menos pretende ser, saindo de um carro. No entanto, o foco da foto est nas pernas da modelo e ela com um olhar fatal para a c‚mera.

Fevereiro de 2006, página 62

Esses dois exemplos resumem o que È apresentado nas quatro ediÁıes. Cada uma delas mostra a mesma situaÁ„o, nas mesmas editorias citadas. Os ideais e padrıes de belezas femininos j

s„o

percebidos desde as dÈcadas de 30 e 40, sob a influÍncia das divas do cinema hollywoodiano (MIRA, 2001, p.132). Ainda de acordo com a editora de Nova, citada por MIRA, a capa da revista

… uma fantasia fÌsica do que a mulher imagina que È, ou que gostaria de ser em termos de liberaÁ„o do prÛprio corpo. Ou seja, se sentir bonita, mostrar seu corpo sem repress„o, sem se sentir mal por isso. Ter uma sensaÁ„o de liberdade do prÛprio corpo[...] (ALI apud MIRA, 2001, p.132).

No entanto, algumas feministas criticam essa idÈia e acreditam que a revista vende uma ìfalsa liberaÁ„o sexualî, como È o caso da feminista Ellen MacCraken

62

(apud MIRA, 2001, p.132-133), que ìacredita que a revista apenas aparentemente contraria os valores sociais dominantes, uma vez que constrÛi suas fantasias baseada em estereÛtipos masculinos sobre a sexualidade feminina e reforÁa, no fim das contas, os valores conservadoresî . Mas que mulher Nova realmente pretende representar e/ou modelar? Segura? Lutadora? Livre? Confiante? Se Claudia tem nome de mulher como titulo como forma de caracterizar a identidade feminina da Època, o que Nova utiliza para criar essa identificaÁ„o nos dias de hoje? Ou, com que caracterÌsticas Nova (re)constrÛi a identidade feminina na era pÛs-moderna? De acordo, com as informaÁıes disponibilizadas no site da Editora Abril, a revista tem um p˙blico formado por mulheres jovens e da classe mÈdia e alta. CirculaÁ„o MÈdia: 214.930 Total de leitoras: 1.777.000 83% - mulheres 60% - 18 a 39 anos 72% - AB (p˙blico) DistribuiÁ„o: ∑ ∑ ∑ ∑ ∑

3% NORTE 12% NORDESTE 9% CENTRO-OESTE 20% SUL 56% SUDESTE

55% das vendas s„o por assinatura S„o Paulo ñ 37% (com maior distribuiÁ„o) Bahia ñ 4% (a menor) EspÌrito Santo n„o aparece na lista. (Site: http://elle.abril.com.br/midia_kit/nova/m_revista.html Acesso em 20/04/2006)

No decorrer das trÍs dÈcadas, as novas revistas femininas foram interpretando o feminismo ‡ sua maneira e traduzindo-o para uma massa de leitoras n„o diretamente envolvidas com o movimento, mas atingidas pelas transformaÁıes na condiÁ„o da mulher, em particular no que diz respeito ‡ vida sexual. Na vers„o dos fatos, a conquista da sexualidade, atravÈs dos mÈtodos anticoncepcionais, foi o ponto de partida para a libertaÁ„o das mulheres (MIRA, 2001, p.133).

63

4. UMA NOVA MULHER E/OU UMA MULHER NOVA? ìA revista da mulher ‡ frente do seu tempoî Slogan da revista, utilizado no site da editora Abril Os movimentos feministas tiveram importante participaÁ„o na conquista de espaÁos para as mulheres na sociedade. Isso em v rios setores, como no mercado de trabalho e tambÈm nos meios de comunicaÁ„o. Eles forjaram uma forma de abertura para que as mulheres pudessem expressar suas opiniıes perante a sociedade. Apesar de j ter havido meios de comunicaÁ„o, no caso, revistas, destinadas a dar voz ‡s mulheres, o que encontramos hoje s„o veÌculos, no caso os femininos, que procuram ditar tendÍncias e padrıes para enquadrar as mulheres em modelos que correspondam as expectativas dos sistemas de poder polÌtico e econÙmico, ainda organizados a partir dos interesses e do universo cultural masculino. As revistas femininas contempor‚neas visam a mulher, acima de tudo, como consumidora. » a esse protÛtipo de mulher a quem Nova se dirige, conforme propıe sua linha editorial, uma mulher independente e bem resolvida. Mas esse perfil condiz com a mulher n„o idealizada, ou seja, com as v rias mulheres que est„o por aÌ na vida cotidiana? CEVASCO levanta a quest„o de que, quando nos enquadramos em modelos identit rios, vivemos e experimentamos nossas condiÁıes em e por meio de categorias, classificaÁıes e molduras da cultura (2003, p.101).

64

Ela alerta que essas classificaÁıes n„o s„o neutras, mas est„o associadas a interesses econÙmicos e polÌticos. Podemos considerar que as revistas femininas s„o produÁıes culturais criadas aparentemente como porta vozes das mulheres, mas na verdade tornam-se mais uma forma de controle social. A partir do entendimento desse controle e como ele È aplicado atravÈs da Nova, que È o caso desse trabalho, podemos dizer que a revista exerce o poder de modelar e prescrever padrıes para o que deve ser a nova mulher. E n t „ o, podemos dizer que ser mulher È algo culturalmente construÌdo e aprendido, com um significado socialmente atribuÌdo, para o qual, a mÌdia, alÈm de outras instituiÁıes sociais, muito contribui. Construir e adequar o significado e a performance do que È considerado feminino È uma das propostas de ì Nova Mulherî. Nesse processo, muitos interesses est„o em jogo, para alÈm da venda imediata de revistas e an˙ncios. Afinal, o que as mÌdias vendem aos seus anunciantes n„o s„o seus conte˙dos e sim seus p˙blicos, nesse caso, a nova mulher, com poder aquisitivo, liberdade e independÍncia para consumir. Para atrair as leitoras e tentar lev -las a acatar suas prescriÁıes, suas modelagens, a revista associa esses modelos ao reconhecimento social, ao sucesso com os homens, ‡ fama, enfim, ‡ conquista de benefÌcios simbÛlicos e materiais. A capa da revista Nova estampa mulheres que emitem signos para suas leitoras. Mulheres que podem ser consideradas bonitas, bem sucedidas e resolvidas, na medida em que aparecem sempre sorrindo, usando roupas de grifes, ostentando jÛias,

Outra percepÁ„o facilitada pela sociedade dos meios de comunicaÁ„o de massas È que a produÁ„o cultural sempre esteve ligada ao processo de dominaÁ„o e de controle social (CEVASCO, 2003, p. 70).

65

tendo sua beleza reconhecida como incontest vel e etc. Para isso, a revista escolhe a dedo as mulheres que posar„o para a capa. S„o todas artistas ou celebridades televisivas, j bem conhecidas do p˙blico. A associaÁ„o desses signos ao reconhecimento social, expressa promessas de ìfelicidadeî e ìsucessoî para quem aderir a eles. Assim, a Nova pretende ensinar como ser mulher no mundo de hoje. De acordo com SILVA (1999, p.91), essa pedagogia est diretamente associada ‡ performance de gÍnero, ou seja, ‡ significaÁ„o cultural do sexo. Isso porque o sexo È definido biologicamente e o gÍnero culturalmente. A partir dessas estratÈgias, a revista busca produzir uma identidade para a mulher contempor‚nea sem, no entanto, abrir m„o da diferenciaÁ„o dos sujeitos a partir do sexo. BUTLER, questiona esse processo. Se alguÈm ëÈí uma mulher, isso certamente n„o È tudo que esse alguÈm È; o termo n„o logra ser exaustivo, n„o porque os traÁos predefinidos de gÍnero da ë pessoasí transcendam a parafern lia especÌfica de seu gÍnero, mas porque o gÍnero nem sempre se constitui de maneira coerente ou consistente nos diferentes contextos histÛricos, e porque o gÍnero estabelece intersecÁıes com modalidades raciais, classistas, Ètnicas, sexuais e regionais de identidade discursivamente constituÌdas. Resulta que se tornou impossÌvel separar a noÁ„o de ëgÍneroí das interseÁıes polÌticas e culturais em que invariavelmente ela È produzida e mantida (BUTLER, 2003, p.20).

66

Que modelo de mulher a revista Nova produz? E mais ainda, que tipo de categorizaÁ„o dos sujeitos (nesse caso por gÍnero) a revista mantÈm e afirma? … importante observar que h

v rias mulheres na

sociedade, cada uma com caracterÌsticas peculiares, desenvolvidas ao longo do tempo, influenciadas seja pela famÌlia em que nasceram, a cidade onde vivem, as pessoas com quem convivem, enfim, por suas histÛrias de vida. As mulheres n„o s„o todas iguais entre si e nem totalmente diferentes de todos os homens. Que tipo de relaÁ„o de poder leva ‡ divis„o das pessoas por sexo? Essa divis„o produzida nos discursos impulsiona pr ticas concretas e condiÁıes de desigualdades e injustiÁas sociais, muitas vezes fundamentadas e justificadas por essas diferenÁas simbÛlicas. Para HARAWAY os discursos cientÌficos e culturais se baseiam em dualismos org‚nicos e hier rquicos que procuram ordenar o mundo ocidental desde AristÛteles e que agora, com os estudos desenvolvidos a partir da Segunda Guerra Mundial, comeÁam a ser postos em xeque. As dicotomias entre mente e corpo, animal e humano, organismo e m quina, p˙blico e privado, homens e mulheres, primitivo e civilizado est„o, todas, ideologicamente em quest„o. A situaÁ„o real das mulheres È definida por sua integraÁ„o/exploraÁ„o em um sistema mundial de produÁ„o/ reproduÁ„o e comunicaÁ„o que se pode chamar de ì inform tica da dominaÁ„oî (HARAWAY, 2000, p. 69). Ent„o, criar um novo modelo de mulher ou mesmo uma nova identidade feminina, cultural e politicamente pode ser um equÌvoco. Uma aÁ„o que deixou de ser empreendida atÈ mesmo pelos movimentos que lutam

67

pela emancipaÁ„o das mulheres. Mas, de qualquer forma, È essa a proposta que Nova pretende levar adiante, contemplando assim muito mais os interesses e o poder masculino, que depende, acima de tudo da reconstruÁ„o permanente da diferenÁa entre os sexos. Essa caracterÌstica È apresentada pela revista desde sua matriz, Cosmopolitan. Dessa forma, n„o podemos definir as caracterÌsticas da Nova como sendo particulares, j que s„o comuns as estratÈgias e formas padronizadas nas revistas Cosmopolitan do mundo inteiro. A diferenÁa È que, em cada paÌs, ela se adaptou a cultura local, mas sem deixar de lado seu foco global. A identidade feminina apresentada por Cosmopilitan no Brasil, atravÈs da Nova, È uma articulaÁ„o de influÍncias globais e locais, em que o que todas tÍm em comum È o fato de tornarem-se consumidoras de modos e estilos de vida contempor‚neos.

Cosmopolitan EUA, julho de 2006 (www.cosmopolitan.com)

Nova, junho de 2006 (www.nova.abril.com.br/edicoes/)

68

No momento atual, considerado por alguns como pÛsmodernidade, tudo È vulner vel, mut vel. Tudo est em constante mudanÁa. Nada È o que È exatamente. Com a relaÁ„o ‡ identidade o processo tambÈm È o mesmo. A sociedade em rede, com a globalizaÁ„o, torna o acesso a tudo muito mais f cil e

gil. E a

influÍncia de outras culturas na cultura de cada indivÌduo È constante. Podemos adaptar qualquer caracterÌstica de outros estilos de vida ao nosso. O mesmo acontece com a formaÁ„o da identidade da mulher pela revista. A quest„o da identidade est relacionada ao car ter da mudanÁa na modernidade e, em particular, ‡ globalizaÁ„o que exerce um forte impacto sobre a identidade cultural. (SGARBIERI, 2003, p.127) E n t „ o, o que significa ser mulher hoje? Que caracterÌsticas s„o definidas como femininas? Cabelos compridos (no auge da Època do rock v rios homens deixaram o cabelo crescer como forma de ìrebeldiaî); unhas feitas (hoje muitos homens tÍm o costume de fazer as unhas), ou apenas a forma delicada de ser ou agir, etc. Esses s„o apenas alguns exemplos para que possamos ter uma idÈia de definiÁıes que na verdade podem n„o definir nada.

O prÛprio processo de identificaÁ„o, atravÈs do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornouse mais provisÛrio, vari vel e problem tico. [...] Esse processo produz o sujeito pÛsmoderno, conceptualizado como n„o tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade tornou-se uma ëcelebraÁ„o

69

mÛvel í: formada e transformada continuamente em relaÁ„o ‡s formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. [...] Dentro de nÛs h identidades contraditÛrias, empurrando em diferentes direÁıes, de tal modo que nossas identificaÁıes est„o sendo continuamente deslocadas (HALL, 2005, p.12 e 13). A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente È uma fantasia. Ao invÈs disso, ‡ medida que os sistemas de significaÁ„o e representaÁ„o cultural se multiplicam, somos confrontados por uma m u l t i p l i c i d a d e desconcertante e cambiante de identidades possÌveis, com cada uma das quais poderÌamos nos identificar ñ ao menos temporariamente (HALL, 2005, p. 13). A Nova dita conceitos do que È ser mulher nos dias de hoje. A revista coloca a mulher em alguns papÈis como a independente, a livre, a bem sucedida. No entanto existe um paradoxo em seu discurso. Apesar de retratar caracterÌsticas da mulher aparentemente ìmodernaî , ela ainda mantÈm certas tradiÁıes, como: matÈrias que ensinam a conquistar o homem ideal, ou como agir no primeiro encontro (o que fazer e o que n„o fazer), para que esse homem volte a sair com ela. Em algumas ediÁıes ainda tÍm o manual do sexo e, ‡s vezes, o kama sutra, sempre com um tÌtulo que remete aos desejos masculinos. Uma forma de ensin -las a agradar a eles e n„o a si prÛprias. PapÈis [...] s„o definidos por normas estruturadas pelas instituiÁıes e organizaÁıes da

70

sociedade. A import‚ncia relativa desses papÈis no ato de influenciar o comportamento das pessoas depende de negociaÁıes e acordos entre os indivÌduos e essas instituiÁıes e organizaÁıes. Identidades, por sua vez, constituem fontes de significado para os prÛprios atores, por eles originadas, e construÌdas por meio de um processo de individuaÁ„o. Embora [...] as identidades tambÈm possam ser formadas a partir de instituiÁıes dominantes, somente assumem tal condiÁ„o quando e se os atores sociais as internalizam, construindo seu significado com base nessa internalizaÁ„o. (CASTELLS, 2001, p.22 e 23) Identidades s„o fontes mais importantes de significaÁ„o do que papÈis, por causa do processo de autoconstruÁ„o e individuaÁ„o que envolvem. Em termos mais genÈricos, pode-se dizer que identidades organizam significados, enquanto papÈis organizam f u n Á ı e s. (CASTELLS, 2001, p.23) PorÈm, s„o exatamente as funÁıes e os significados culturais do ser mulher que mudaram na sociedade. AtÈ a algum tempo, num capitalismo de produÁ„o, a mulher deveria exercer, principalmente, a funÁ„o de assegurar a reproduÁ„o da forÁa de trabalho, ser mulher significava ent„o ser m„e, dona de casa (conservadora, de preferÍncia), esposa dedicada, modelo de famÌlia exemplar. Hoje, o significado e a funÁ„o do objeto mulher, ou da mulher objeto (objeto de sujeiÁ„o ao poder masculino, esse sim sujeito), tambÈm mudou. O que aparentemente poderia ser considerada uma mudanÁa positiva, n„o foi bem

71

assim. Agora, num capitalismo de excesso e portanto de consumo, a mulher passa a exercer a funÁ„o de consumir para seduzir, passando a significar seduÁ„o, sensualidade, beleza. Ao contr rio de antes, em que os homens optavam por se relacionarem com mulheres ìcertinhasî (na verdade para formar uma famÌlia, ter filhos, cuidar da casa e deles), atualmente a ìescolhidaî È a mulher liberal, mas que n„o exija vÌnculos posteriores, como namoros e/ou atÈ casamentos. Velocidade, fluidez e efemeridade s„o valores do nosso tempo e os relacionamentos tambÈm entraram nesse ritmo (ALMEIDA, 2005). Nova representa o gÍnero feminino com algumas definiÁıes: como ser bonita, como agradar ao parceiro, como usar a maquiagem, etc. A revista se destaca por sugerir sempre receitas de beleza e t ticas sexuais para enlouquecer os homens. Isso È retratado na matÈria de capa da ediÁ„o de marÁo: ìStrip Showî , em que uma professora de artes sensuais d liÁıes de como realizar um strip-tease para o parceiro. E a matÈria vem

com

o

seguinte

subtÌtulo: ìSe vocÍ nunca se permitiu realizar esse delicioso jogo erÛtico (que ainda por cima aumenta a intimidade com seu namorado), esta È sua grande

chance.

A

professora de artes sensuais Stella Alves ensina como brincar de explorar o prÛprio corpo com doses se sensualidade e de

Março de 2006, página 109

72

suspense na medida para uma mulher de Nova. SÛ vai dar para sentir vergonha de uma coisa: n„o ter cometido essa ousadia antesî (ed. marÁo, p.109) A revista estigmatiza o papel da mulher na sociedade atual, reforÁando a crenÁa em que o papel feminino È o de satisfazer o outro e n„o a si prÛpria. Ser independente, liberal s„o caracterÌsticas atrativas ao outro, masculino. Na verdade, o intuito de Nova È fazer com que as mulheres se encaixem num modelo desejado pelos homens. E o maior apelo È sexual. Para tentar compreender forma de ìsubjetividademulher ‡ frente do seu tempoî que a revista propıe, realizamos uma an lise dos discursos (verbais e imagens) de quatro ediÁıes da revista, no perÌodo de janeiro e abril deste ano de 2006, tempo possÌvel para a realizaÁ„o deste Trabalho de Conclus„o de Curso. O importante em nossa an lise È compreender como as matÈrias constroem formas de subjetividade e identidade cultural, quais s„o essas formas e o porq u Í de se abordar e discutir determinados assuntos, deixando outros de fora. Ou seja, buscamos entender como a Nova ajuda a construir a diferenÁa da mulher, apesar de atualiz -la com as exigÍncias da contemporaneidade. [...] a diferenÁa È essencialmente um processo ling¸Ìstico e discursivo. A diferenÁa n„o pode ser concebida fora dos processos ling¸Ìsticos de significaÁ„o. A diferenÁa n„o È uma caracterÌstica natural: ela È discursivamente produzida. AlÈm disso, a diferenÁa È sempre uma relaÁ„o: n „ o pode ser ëdiferenteí de forma

73

absoluta; È-se diferente relativamente a alguma outra coisa, considerada precisamente como ën „ o diferenteí. Mas essa ëoutra coisaí n „ o È n e n h u m referente absoluto, que exista fora do processo discursivo de s i g n i f i c a Á „ o: essa ëoutra coisaí, o ë n„o-diferenteí, tambÈm sÛ faz sentido, sÛ existe, na ë r e l a Á „ o d e diferenÁaí que a opıe ao ëdiferenteí. Na medida em que È uma relaÁ„o social, o processo de significaÁ„o que produz a ëdiferenÁaí se d em conex„o com relaÁıes de poder. S„o as relaÁıes de poder que fazem com que a ëdiferenÁaí adquira um sinal, que o ëdiferenteí seja avaliado negativamente relativamente ao ë n„o-diferenteí. Inversamente, se h sinal, se um dos termos da diferenÁa È avaliado positivamente (o ë n„o-diferente) e o outro, negativamente (o ëdiferente), È porque h poder (SILVA, 1999, p.87)

De acordo com CASTELLS (2001), quando se trata de definir alguÈm como sendo diferente, existe aÌ uma relaÁ„o de poder, de domÌnio sobre o outro. Neste caso o outro seria a mulher, a figura feminina. Numa sociedade onde o patriarcalismo, apesar de n„o ser t„o visÌvel, est

presente sempre nas entrelinhas na

sociedade, todo o referencial usado È masculino. A idÈia de uma nova mulher, ditada pela Nova, tambÈm È um discurso criado pelo ponto de vista masculino como referÍncia, para as mulheres. Para SGARBIERI ìa referÍncia È, pois, parte da realidade que È construÌda, mantida e alterada essencialmente pela forma como socio-cognitivamente interagimos e compreendemos o mundo que nos cercaî (2003, p.137).

74

A mulher que n„o se encaixa nesta tal referÍncia, neste padr„o criado, passa a ser diferente e posta de lado. E È exatamente esse discurso que define todo o formato e a linguagem da revista. PINTO (1999) ainda reforÁa quando fala da import‚ncia do discurso como linguagem na formaÁ„o das identidades. A an lise de discursos n„o se interessa tanto pelo que o texto faz ou mostra, pois n„o È uma interpretaÁ„o sem‚ntica de conte˙dos, mas sim em como e por que o diz e mostra. (PINTO, 1999, p. 23) Definir os discursos como pr ticas sociais implica que a linguagem verbal e as outras semiÛticas [...] tÍm assim papel fundamental na reproduÁ„o, manutenÁ„o ou transformaÁ„o das representaÁıes que as pessoas fazem e das relaÁıes e identidades com que se definem numa sociedade [...]. (PINTO, 1999, p.24)

Seguindo a idÈia de SILVA (1999),

apresentada

anteriormente sobre a utilizaÁ„o de referencial na

construÁ„o

da

identidade das minorias, podemos ver que o referencial utilizado para representar a mulher, no discurso da revista, È , principalmente, a beleza. Atriz Aline Moraes, Março de 2006, página 103

75

Exemplo disso est

na matÈria ìA

receita de beleza que sÛ contei a Novaî, da ediÁ„o de marÁo. Na matÈria,

atrizes

que

s„o

consideradas padrıes de beleza contam o que utilizam para ficarem t„o bonitas. H

depoimentos das

atrizes globais, Alinne Moraes, Carol Castro, Giselle ItiÈ, Camila Rodrigues, alÈm da apresentadora Luciana Gimenes, a modelo, Ellen Jabour e a cantora Wanessa Camargo. Apesar de esse discurso ser encontrado em todas as ediÁıes analisadas, apenas em uma h uma matÈria que contradiz tudo isso. Com o tÌtulo ìDe bem o corpo que vocÍ temî. Na matÈria h depoimentos de mulheres que est„o fora do padr„o de beleza afirmado a todo o tempo pela prÛpria revista. Mulheres gordinhas, baixinhas, com seios muito grandes ou muito pequenos. E o texto se apresenta da seguinte forma: ìAssumir seu ponto fraco e perceber que ele na verdade È forte ñ fortÌssimo ñ pode ser a chave para vocÍ fazer as pazes com o espelhoî (ediÁ„o janeiro, p. 120)

Página da matéria citada ao lado. A modelo Hellen Jabour, a atriz Camila Rodrigues e a cantora Wanessa Camargo. Março de 2006, página 106.

76

4.1. Liberdade, independÍncia e direito de consumir Nova È uma revista feita para a mulher consumidora. Toda a felicidade, o prazer, a liberdade, a independÍncia, a beleza, a conquista, a vitÛria, o sucesso das mulheres representadas na revista est„o, de alguma forma, associados ao ato de consumir. Esta associaÁ„o est presente nas matÈrias, nas fotos e nas propagandas. E essa caracterÌstica a torna atraente para todos que desejam se comunicar com esse p˙blico. A mulher, ent„o, faz parte da caracterizaÁ„o da imprensa feminina, seja como receptora e, ‡s vezes, como produtora tambÈm. Todavia, a circunst‚ncia de alguns veÌculos serem redigidos por mulheres n„o È uma condiÁ„o necess ria para que os qualifiquemos de femininos. O grande elemento definidor ainda È o sexo de suas consumidoras. (BUITONI, 1986, p.08) SILVA (1999) aponta para uma outra quest„o. Ele acredita que, quando a mulher parte para a conquista de espaÁo na sociedade, ela se equipara um pouco ao homem. No entanto, SGARBIERI (2003) acredita que ìa estrutura da sociedade influi diretamente na formaÁ„o da identidadeî. Desta forma, ela define a sociedade como uma estrutura de grupos que seguem o fundamento de ìpoder e statusî. E esse poder È usado pelo que podemos denominar como dominante, aquele que exerce ìforÁaî e voz sobre os dominados. … ele quem dita os valores e normas de uma sociedade. E, como diz a citaÁ„o de SGARBIERI (2003), o sexo tambÈm È um fator de segregaÁ„o dentro de uma

[...] os indivÌduos nascem j inseridos numa estrutura e, simplesmente em funÁ„o do sexo ou classe social, entre outros itens, s„o ëcolocadosí num ou noutro grupo. (SGARBIERI, 2003, p.128)

77

sociedade. Neste caso, numa sociedade patriarcal, a mulher j tem sua posiÁ„o definida, a que os homens ìescolheramî ou ìdeterminaramî. O poder estava nas m„os dos homens da sociedade, que ditavam as normas e os valores a serem seguidos. Como posiÁ„o ì impostaî,

‡s

mulheres

ficavam

com

a

responsabilidade pela casa, com os filhos e o marido. Pode-se atÈ dizer que tinham mais deveres do que direitos. Mas para SGARBIERI (2003) os grupos sociais considerados inferiores fortalecem sua identidade como grupo e tentam de alguma forma reverter o quadro, o que ela chama de ìmudanÁa socialî. Para exemplificar isso, ela cita trÍs exemplos: primeiro, o grupo inferior pode absor ver caracterÌsticas consideradas por eles positivas do superior; segundo, ela chama de ìcriatividade socialî: o inferior tenta criar dentro de suas possibilidades uma nova imagem, no entanto positiva. Uma forma de fortalecer sua identidade social; e em terceiro, o grupo inferior enfrenta o outro por meio de ìresistÍnciasî, sejam passivas ou ativas. Um enfretamento. Isso È possÌvel ser percebido na resistÍncia da mulher sobre o domÌnio do masculino. Assim surgiram os movimentos de mulheres, uma forma de resistÍncia que ao mesmo tempo fortalece a identidade tanto social quanto cultural delas, reivindicando seus direitos. As mulheres lutam por seus direitos, e, como SILVA (1999) exemplificou acima, elas se equiparam ao masculino quando adquirem valores e interesses anteriormente permitidos apenas aos homens. Apesar da diferenÁa ser simbolicamente construÌda, a quest„o torna-se mais complexa na medida em que um processo de investimento na identidade, mesmo de uma minoria, leva sempre ‡ exclus„o do outro.

78

ì Para mim, masturbar-se È namorar a si mesma ñ e gosto de me amar todos os dias. Sei que pode soar estranho,

mas

decidi

dar

um

tempo

nos

relacionamentos e, h quatro meses, me dedico ao conhecimento dos meus prÛprios pontos de Íxtase em longas sessıes de sexo soloî A citaÁ„o acima È um exemplo da mudanÁa de atitude da mulher atualmente. Um ato ainda considerado masculino È declarado por uma leitora com delicadeza e sinceridade. A conquista aÌ n„o È sÛ de espaÁo, mas de sentimentos e prazeres tambÈm, embora possamos considerar que, se levada ao extremo, qualquer atitude de absoluta auto-suficiÍncia produz exclus„o e narcisismo.Durante toda sess„o Sexo Lacrado (publicada na ediÁ„o de janeiro), s „ o relatados v rios depoimentos de algumas leitoras sobre suas fantasias sexuais. A grande caracterÌstica da Nova È exatamente essa: a quest„o sexual. Mas nem sempre como o caso citado anteriormente. Muitas vezes a mulher aparece como ìobjetoî de prazer. No entanto, esse objeto È representado como algo que vai ìdarî prazer, e n„o ì sentirî. A quest„o n„o È satisfazer a si mesma, mas sim o outro. E mais uma vez isso È colocado de forma subjetiva. No mesmo relato acima a leitora termina o depoimento dizendo: ì[...] considero importante viver essa

fase

pela

qual

estou

passando,

de

autoconhecimento [...]. AlÈm do quÍ, estou me preparando para compartilhar essas fantasias com o amor que me aguarda em algum lugar, por que n„o?î. Apesar de se satisfazer com o que faz, o que tem feito parece um ritual de aprendizado para um futuro parceiro.

Janeiro de 2006, página 106

79

No entanto, n„o se pode esquecer de uma coisa: o fato de uma mulher poder dizer o que realmente pensa ou faz com seu corpo ou com sua mente mostra que a mudanÁa foi dr stica. Em qual Època ela poderia dizer seus desejos e vontades sexuais desta forma? Em que outros meios de comunicaÁ„o?

4.2. Capas: a vitrine impressa Como vimos anteriormente, as capas da revista sofreram mudanÁas ao longo dos tempos. A principal foi o estilo da foto. Antes a estampa era o rosto de uma mulher em close. Atualmente a imagem È de corpo inteiro. Em Nova, em particular, alÈm de ser de corpo inteiro, a mulher sempre est vestida com trajes mÌnimos, geralmente biquÌni ou maiÙ. As fotos sempre s„o de modelos, artistas ou outras mulheres famosas. AlÈm disso, outro grande atrativo da revista s„o as manchetes de capa. Como o culto ao corpo e a ditadura da beleza se tornaram novos sÌmbolos de dominaÁ„o sobre a mulher hoje, mais do que natural que as capas estampem mulheres bonitas, pele bem cuidada, magras (padr„o de beleza utilizado) e bem resolvidas ou que pelo menos demonstrem ser. Como MIRA mesmo descreve: ìAs revistas j

n„o tratam

apenas do lar ou da moda, mas tambÈm da beleza da mulherî (2001, p.48). Cada capa representa um ideal de mulher a ser alcanÁado. E ela ainda destaca a import‚ncia da ind˙stria hollywoodiana para tal feito. E uma boa capa faz a diferenÁa na hora da compra. Principalmente pelo fato, como lembra BUITONI (1986), de as revistas ficarem expostas em bancas. A que

Aliadas ‡ estÈtica hollywoodiana, cuja dramaticidade exige o close, as revistas comeÁam a explorar a beleza e a maquiagem do rosto da mulher e descobrem que a capa ideal È aquela que mostra um rosto feminino, bonito e sorridente. Por influÍncia do cinema norte-americano esses elementos s„o incorporados [...] (MIRA, 2003, p.48) O grande elo entre o cinema e o p˙blico respons vel por essa ìcinematografizaÁ„o do cotidianoî eram as revistas, que tinham suas p ginas povoadas por astros de Hollywood. Rostos e corpos que viraram modelos, dando origem [...] a todo o universo de consumo que nos envolveî (MIRA, 2001, p.32)

80

chama mais atenÁ„o (pela fotografia, claro!) È a que tem mais probabilidade de ser comprada, Principalmente quando se trata de revista feminina, em que a imagem È tudo. BUITONI (1986) destaca a import‚ncia disso e de que mostrar uma mulher na capa È algo recente. Aqui no Brasil, onde as revistas femininas dependem fundamentalmente da banca, uma capa agrad vel vende mais. Isso acontece tambÈm no exterior (BUITONI, 1986, p.58) Fotos de mulher na capa tornaram-se freq¸entes na dÈcada de 50 nas revistas francesas, italianas, alem„s e americanas; Elle foi uma pioneira. (BUITONI, 1986, p.58) Mas alÈm da foto ou da imagem em si, È preciso compreender porque estampar uma mulher na capa È algo t„o atrativo aos olhos de suas consumidoras. Como vimos anteriormente, de acordo com a editora da revista, F tima Ali, em entrevista a MIRA, a capa de Nova ìÈ uma fantasia fÌsica do que a mulher imagina que È, ou que gostaria de ser em termos de liberaÁ„o do prÛprio corpoî (ALI apud MIRA, 2001, p.133). Olhar forte, provocador e firme s„o caracterÌsticas das mulheres das capas de Nova, encontradas nas quatro ediÁ„o que analisei. As capas geralmente s„o tem ticas. E esse tema n„o tem uma seq¸Íncia a ser seguida. Pode tanto estar de acordo com a estaÁ„o do ano, como com o gosto da modelo ou qualquer outra coisa. Na verdade, ao que parece, a revista tenta captar o estilo da mulher que ser capa e constrÛi o cen rio em cima disso. Independente do contexto a

81

que se apresenta a capa, o que importa È a imagem da mulher que ela quer passar. De acordo com MIRA, ìa imagem ou fantasia projetada na capa de Nova È o da mulher liberada, conscientemente provocante e conquistadoraî (MIRA, 2001, p.132). Ela ainda define essa nova Mulher com sendo ìdona do seu corpo, da sua sexualidade; È uma mulher ‡ procura do prazer e, principalmente, ‡ procura de homensî (MIRA, 2001, p.134). Mas toda essa seduÁ„o, apresentada nas capas, È definida por Maria Quartim de Moraes, em MIRA (2001), como consciente e da vontade da prÛpria mulher, mas de uma forma paradoxal. MIRA ainda completa dizendo que a mulher ìconstrÛi

Em Nova, a mulher È provocativa porque quer e n„o porque o homem assim o deseja: ela È objeto sexual assumido. A alternativa ‡ imagem tradicional da m„e/esposa/dona de casa e, pois, o objeto sexual que gosta de seu papel. Cria-se uma mulher paradoxal que, por um lado, afirma-se sexualmente como mulher ativa e, por outro, reitera a imagem passiva de objeto de prazer. Nisso consiste seu erotismo. (MORAES apud MIRA, 2001, p.134)

sua feminilidade em funÁ„o do olhar masculino, reduzindo-se a objeto do seu desejoî (2001, p.134). Ela recorre a uma citaÁ„o de Edgard Morin, que afirma: ìo reino da mulher-objeto È a outra face do reino da mulher-sujeitoî (MORIN apud MIRA, 2001, p.135). HARAWAY adverte que, em muitos casos, a mulher È c˙mplice de sua prÛpria sujeiÁ„o e n„o apenas manipulada como sugerem as teorias crÌticas. A nova mulher da revista Nova, muito se assemelha ‡ nova mulher da canÁ„o interpretada por Simone, ambas construÌdas a partir do olhar, dos interesses e das expectativas masculinas.

Uma Nova Mulher Simone Composição: Paulo Debétio - Paulinho Rezende Que venha essa nova mulher de dentro de mim, Com olhos felinos felizes e mãos de cetim

Os marxismos [...] tÍm dificuldades em compreender a falsa consciÍncia e a cumplicidade das pessoas no processo de sua prÛpria dominaÁ„o, no capitalismo tardio. [...] o que se perde, com esses rearranjos, especialmente do ponto de vista das mulheres, est , com f r e q ¸ Í n c i a, ligado a formas virulentas de opress„o, as quais, em face da violÍncia existente, s„o nostalgicamente naturalizadas (HARAWAY, 2000, p.89).

82

E venha sem medo das sombras, que rondam o meu coração, E ponha nos sonhos dos homens A sede voraz, da paixão Que venha de dentro de mim, ou de onde vier, Com toda malícia e segredos que eu não souber Que tenha o cio das onças e lute com todas as forças, Conquiste o direito de ser uma nova mulher Livre, livre, livre para o amor....quero ser assim, quero ser assim Senhora das minhas vontades E dona de mim livre, livre, livre para o amor, quero ser assim, Quero ser assim, senhora das Minha vontades e dona de mim.... Que venha de dentro de mim, ou de onde vier, Com toda malícia e segredos que eu não souber Que tenha o cio das corças e lute com todas as forças, Conquiste o direito de ser uma nova mulher Livre, livre, livre para o amor quero ser assim, quero ser assim, Senhora das minhas vontades E dona de mim livre, livre, livre para o amor, quero ser assim, Quero ser assim, senhora das Minhas vontades e dona de mim.... Que venha essa nova mulher de dentro de mim Que venha de dentro de mim ou de onde vier Que venha essa nova mulher de dentro de mim

A seguir, apresentamos as capas da quatro ediÁıes analisadas nesse trabalho, destacando suas respectivas chamadas.

83

1. Janeiro: ∑

ìSexo lacrado, coleÁ„o histÛrias reaisî (EM DESTAQUE);



ìDescubra quem ele È num ˙nico olharî ;



ì Penteado ìwetíníwildî. … f cil. VocÍ faz com o cabelo molhado. E ‡ noite fica

fabulosamente sexy.î; ∑

As mulheres v„o longe. Eles ficam para tr s. Como acertar o descompasso no

amorî .

84

2. Fevereiro: · ìO jogo da ambiÁ„o que vocÍ tem que aprender para subir bem alto sem arrependimentoî (EM DESTAQUE); ∑ ì Fingir? Ficar na saudade? Ir para o chuveirinho? Nunca! Encontramos 8 PosiÁıes para o orgasmo;î ∑ ìConfissıes exclusivas, explosivas, extra-ardidas de Bruna Surfistinha;î ∑ ìManual para ter o melhor cabelo de sua vidaî; ∑ ìCorpo perfeito neste fim de semana! 50 truques instant‚neos que v„o convencer atÈ o espelhoî; ∑ Mapa de Nova das praias mais sexy do Brasil. Com toneladas de homem para beijar!

85

3. MarÁo: foram publicadas duas capas ∑ ìStrip show! Curso exclusivo para vocÍ...î (EM DESTAQUE); ∑ ìA receita de beleza que sÛ contei a NOVAî ∑ ì9 liÁıes da mulher com o melhor emprego do mundoî ∑ ì Paz interior. O mundo pode estar caindo e vocÍ mantÈm uma calma inabal vel. O segredo dos lamas!î ∑ ì$$$ ganhe atÈ 15 mil reais detectando tendÍncias. E mias 6 trabalhos muito promissoresî ∑ ìComo por um fim nas armaÁıes daquela mal-amadaî

∑ ìSecar. Secar, secar ou assumir

o

excesso

de

gostosura? Uma repÛrter gente como gente pesquisa o dilema nosso de casa dia: o peso

86

4. Abril: com direito a ediÁ„o especial. ∑

ìChocosex! 5 cestas de P scoa erÛticas.

Cheias de pecado e delÌciasî (EM DESTAQUE); ∑

ì O que os homens acham de transar

naqueles dias? Nosso plant„o sexual d respostas francas a questıes Ìntimasî; ∑

ìComo zerar uma dÌvida em 5 liÁıes e ver

tudo azul outra vezî; ∑

ì O grande dossiÍ da traiÁ„o. Pesquisa-

bomba, exclusiva, com 5900 homens e mulheres, de abalar nossas convicÁıesî; ∑

ìStrip-Nova. Saullo, do BBB6. Se as fotos falassem vocÍ ouviria os suspiros da

fotÛgrafa, da produtora...î; ∑

ìConsulta de beleza gr tis! Titan, PSR-3, Prevage. 8 dermatologistas top entregam suas armas secretas contra acne,

rugas,

manchas,

flacidezî; ∑ ìSozinha aos 30? Tire essa pedra do salto alto.î ∑ ìBÙnus! O guia se sa˙de da mulher de Novaî.

87

… importante destacar que as chamadas das capas compıem com a foto o modelo de mulher desej vel e, portanto, proposto. Os valores, as preocupaÁıes e os interesses que devem ter essa nova mulher s„o repetidos e destacados: sexo, orgasmo, sexy, beleza, traiÁ„o, corpo perfeito, feliz com seu corpo e, como recompensa, $$$$$$$$. Nessa perspectiva podemos pensar que a revista pıe em pr tica um controle social atravÈs da modulaÁ„o e domesticaÁ„o do corpo das mulheres aos interesses do consumo e do patriarcalismo. Trata-se de uma forma de biopoder, conceito de Foucault que designa uma perspectiva de poder tendo por objeto o corpo da populaÁ„o e suas condiÁıes de reproduÁ„o, sua vida. (PERLBART, 2002) Por que investir no controle do corpo, para, a partir dele, controlar a subjetividade e o comportamento das pessoas? Para VEIGA-NETO, È, sobretudo no corpo, que inscrevem-se os marcadores identit rios, aqueles sÌmbolos culturais que funcionam para classificar, diferenciar, agrupar e ordenar.

… sobretudo no corpo que se tornam manifestas as marcas que nos posicionam: ser (ou n„o ser) baixo, negro, magro, loiro, deficiente, etc.; ter (ou n„o ter) tal ou qual sexo, idade, lÌngua, etc.; partilhar (ou n„o partilhar) de tal ou qual costume, tradiÁ„o, territÛrio, classe social, etc. Essas marcas, cujos significados nem s„o est veis, nem tÍm a mesma import‚ncia ou penetraÁ„o relativa, combinam-se e r e c o m b i n a m - s e permanentemente entre si e È principalmente no corpo que se tornam visÌveis. AlÈm disso, existe

88

hoje, mais do que nunca, um poderoso arsenal de dispositivos e instituiÁıes ñ para citar os mais estudados: a mÌdia, a ind˙stria cultural, a telem tica, a escolarizaÁ„o de massa, o marketing polÌtico ñ capazes de, a cada momento, criar novos marcadores ou ressignificar os j existentes, reorientando constantemente os pertencimentos e os ìusosî que se podem fazer desses pertencimentos. (PERLBART, 2002, p.36)

4.2 Moda, fama, amor, beleza, sexo, trabalho, sa˙de, lazer e sorte: produtos disponÌveis nas editorias. Como vimos nos capÌtulos anteriores, durante a histÛria foram criadas revistas femininas e feministas. O que diferenciava era o teor dos assuntos abordados: uma tinha seu interesse voltado mais no p˙blico consumidor, as mulheres, e a outra sobre questionamentos entre as diferenÁas de gÍneros, em relaÁ„o aos direitos na sociedade (BUITONI, 1986). Mas, e hoje? O que caracteriza uma revista como sendo feminina, alÈm do seu p˙blico alvo? BUITONI questiona essa caracterizaÁ„o quando chama atenÁ„o para o conte˙do dessas revistas. E o conte˙do, n „ o s e r ve tambÈm para caracterizar? Moda, beleza, culin ria, decoraÁ„o, trabalhos manuais n„o identificam uma revista feminina? E o tipo de linguagem, geralmente mais pessoal e afetiva, n„o ajudaria na classificaÁ„o? (BUITONI, 1986, p.08)

Se a definiÁ„o de BUITONI realmente caracteriza as revistas femininas, ent„o podemos dizer que Nova È

89

uma revista totalmente feminina, voltada para um ˙nico p˙blico: as mulheres. No inÌcio os periÛdicos femininos sempre tiveram como carro chefe a literatura e a moda. No entanto, vamos perceber que a moda È um assunto que se mantÈm muito forte em Nova, mas a literatura, n„o se encontra mais. Mas MIRA (2001) chama a atenÁ„o para as diferenÁas de abordagem das revistas femininas ao longo do tempo. O processo de emancipaÁ„o da mulher, a chamada segunda onda feminista dos anos 60, levou as revistas femininas a abordar novos temas como o trabalho, a vida sexual dentro e fora do lar e atÈ mesmo a polÌtica (MIRA, 2001, p.100) Hoje, Nova se divide nas seguintes editorias: Amor e sexo; Beleza e sa˙de; Vida e trabalho; … quente È nova; Moda e estilo; e Gente famosa. AlÈm de NotÌcias da redaÁ„o, Opini„o livre, HorÛscopo, Nova conta tudo, AnotaÁıes de viagem, Terapia de 5 minutos, Nova de ouro, Nova online, Na ediÁ„o de ... (o mÍs anterior), EndereÁos e, ao final, Quadrinhos da Radical Chic. 4.3.1. Amor e Sexo Fazem parte dessa editoria as seÁıes ìHomem de Plant„oî, ìMensagem pra vocÍî, ìSexpertî , ìPara ele lerî , ìCoisas de Casalî , ìHistÛria de amorî e ìClube do livro erÛticoî. Podemos considerar essa como a principal editoria da revista. Sempre com temas relacionados ao prazer, posiÁıes para o ato sexual, fantasias e todos os assuntos

ìDois temas s„o mais importantes na fÛrmula NOVA/ Cosmopolitan. Artigos e reportagens para a leitora que tem ou est em busca de um relacionamento amoroso. Ajudam a entender melhor os homens, tornar a relaÁ„o mais feliz. TambÈm resolvem as principais d˙vidas sobre sexo, e ensinam as melhores maneiras de ter mais prazer na cama.î(tirado do site http:/ /elle.abril.com.br/midia_kit/ nova/m_revista.html)

90

possÌveis relacionados sobre sexo. A seÁ„o mais recente È a ìHomem de plant„oî, que teve sua estrÈia na ediÁ„o de janeiro. Nela o jornalista Adriano Silva d o ponto de vista masculino sobre relacionamentos, sexo e amor. Logo na primeira veiculaÁ„o, na p gina 52, veio com o tÌtulo: ìMuita mulherî. Durante todo o texto Adriano fala sobre a nova atitude das mulheres, decididas, que quando querem um homem n„o medem esforÁos. A partir dessa observaÁ„o, ele conta histÛrias de amigos que dizem que n„o se relacionam sÈrio ìpela grande quantidade que h hoje em dia de mulheres lindas, sexys, inteligentes, bem resolvidas e...solteirasî. Ele ainda enfatiza a quest„o com definiÁıes prÛprias: ì Os papÈis tradicionais do homem a da mulher no tabuleiro da seduÁ„o foram chacoalhados. Com essa sensaÁ„o geral de que h trÍs fÍmeas ‡ procura para cada macho solteiro, os homens ficam numa posiÁ„o confort vel. Afinal, quem precisa sair para caÁar quando a geladeira est

cheia de comida pronta

para servir?î (frase mais machista impossÌvel!) Destaque para a conclus„o que o jornalista d para tais atitudes. N„o basta ter as mulheres falando e fazendo o que est„o com vontade. Utilizar isso para colocar o homem num patamar a cima do delas È algo que continua a acontecer, pois esse tipo de atitude ainda n„o È bem vista na sociedade atual. FOULCAULT, em entrevista ao site The Advocate (http:// www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/) fala que ìa sexualidade faz parte de nossa conduta. Ela faz parte da liberdade em nosso usufruto deste mundoî. E ainda acrescenta: ìo sexo n„o È uma fatalidade; ele È uma possibilidade de aceder a uma vida criativaî. Como

Janeiro de 2006, p. 52

91

podemos ent„o questionar posicionamentos como o do jornalista apresentado anteriormente, sobre o sexo, ou o que fazer dele ou com ele, se de alguma forma todos usufruem e obtÈm algum benefÌcio dele. No final da matÈria o jornalista d

dicas para as

mulheres de como devem agir com os homens. Ainda mais hoje em dia que o ìtabuleiroî foi ìchacoalhadoî e mudaram-se as posiÁıes e atitudes, como admite o jornalista: ì Talvez o melhor caminho seja desencanar de regras preestabelecidas, daquilo que as competidoras est„o fazem ou deixando de fazer. E ser vocÍ mesma. [...] Talvez o caminho para a felicidade seja seguir seus prÛprios instintos e impulsosî. Nas outras ediÁıes, a mesma seÁ„o aparece com os tÌtulos: ìViva o sexo oralî (ed. marÁo, p.59), sobre homens que n„o gostam de fazer sexo oral em suas parceiras; ìPor que homem gosta tanto de pornografia?î (ed. abril, p.50), em que explica porque os homens gostam de pornografia e como isso poderia ajudar na relaÁ„o, quebrando a rotina dos casais; e ìVo c Í È ciumenta?î (ed. fevereiro, p.51). Como a ediÁ„o foi no mÍs do carnaval, o jornalista d

dicas para que a

mulher n„o tenha ci˙me do parceiro durante a festa. Em ìHistÛria de amorî em cada ediÁ„o o casal Beto e Chris conta algum fato da vida a dois. Desde como lidar com determinadas situaÁıes atÈ a primeira compra de algum produto juntos. A ediÁ„ o d e fevereiro, p gina 67, por exemplo, o tÌtulo foi ìNa alegria e no ci˙meî, em que o casal fala sobre situaÁıes do cotidiano que podem levar ao ci˙me. ìUm colega de

92

trabalho da Chris anda fazendo o Beto ficar preocupado. Ela, por sua vez, recebeu uma mensagem que a deixou contrariada. Como eles est„o lidando com essas minicrises da vida a dois?î Eles ainda interagem com a leitora, perguntam o que ela acha de determinada situaÁ„o que foi apresentada. Exemplo: ì VocÍ, leitora, acha que tenho culpa se alguÈm escreve mensagens por livre e espont‚nea vontade?î ñ pergunta feita por Beto, sobre o ci˙me da namora por causa de uma mensagem no orkut. No final da p gina h um e-mail para quem quiser fazer algum coment rio sobre o caso apresentado. Nas outras ediÁıes os tÌtulos foram:

Fevereiro de 2006, p.68

ì Prova de amorî ñ sobre sugestıes do que se deve fazer para demonstrar o amor ao outro. (ed. marÁo, p gina 67) ì Nossa festa priveî ñ em que o casal cumpriu o desafio enviado por uma leitora: fazer compras em um sex shop, e contam como foi a experiÍncia.(ed. abril, p gina 80) ì Casal que compete junto...î ñ quando a Chris atende ao pedido do namorado e entra numa academia para participar junto com ele de uma maratona. (ed. janeiro, p gina 68) ì Mensagem pra vocÍî, seÁ„o que tambÈm faz parte dessa editoria, funciona como resposta a uma carta do leitor. A leitora envia uma carta com alguma quest„o relativa ‡ vida afetiva e quem responde s„o os homens. As perguntas s„o das mais variadas: ìEstou h

trÍs anos com um homem que adoro.

Acontece que de uns meses pra c tenho sentido uma forte atraÁ„o por um gerente da empresa. Conto ao meu namorado?î

Janeiro de 2006, p.54

93

A reposta de um dos rapazes È de que ìn„o vale ficar em cima do muro para n„o magoar ninguÈmî e que a pessoa tem que pensar muito antes de deixar um relacionamento por outra pessoa pelas simples atraÁ„o. ìEstou saindo com o Renato h quatro meses e ele È o homem, perfeito: vive me elogiando, È carinhoso e divertido, diz que me ama. O problema È que eu n„o estou afim. Como dispens -lo sem ferir os sentimentos deleî. Aqui um dos rapazes responde: ì Pode ser sofrido no inÌcio, mas ele vai superar. Todo mundo consegueî. E

Abril de 2006, p.52

durante as repostas eles dizem que È difÌcil n„o magoar a outra pessoas. Essa seÁ„o tambÈm n„o aprece na ediÁ„o de marÁo. Na seÁ„o ìSexpertî s„o apresentadas algumas dicas sobre sexo, apresentaÁ„o de produtos ou materiais sexuais. No entanto, as informaÁıes s„o dispostas em pequenas notas e n„o matÈrias ou reportagens. Na ediÁ„o de fevereiro, p gina 56, por exemplo, o tema È ìPor que o sexo Tao È t„o bom?î, sobre o aumento de casais ocidentais nesse tipo de pr tica, com direito a an lise de uma sexÛloga. Os produtos da vez s„o dois: o lanÁamento da camisinha lÌquida ìspray antisÈptico que forma uma pelÌcula no canal vagina e atua como barreira para prevenir a gravidezî - o produto È mais voltado para as mulheres; e o ìvibrador hi-tech, acionado por comandos via mensagens de texto (sms) no celularî. AlÈm do que foi apresentado, ainda tem uma ˙ltima nota sobre fantasias sexuais, e o fetiche destacado È o homem se vestir de mÈdico.

Fevereiro de 2006, p.56

94

Na ediÁ„o janeiro, p gina 60, a dica È sobre ìOs 10 mandamentos do strip-teaseî, em que uma professora de artes sensuais, Stella Alves, solta a seguinte dica: ìN „ o basta apenas tirar a roupaî. E daÌ em diante s„o 10 dicas de como fazer um prefeito strip-tease para o parceiro. Os produtos desta ediÁ„o s„o: ìkit algema: alÈm da algema, vem com tudo para tortur -lo com estiloî; ìkit baton: vibraÁıes bem disfarÁadas para surpreendÍ-loî; e ìkit sadomasÙ: vocÍ no comando da a Á „ o. Ele pedir bis!î. Essa seÁ„o sÛ n„o foi encontrada na ediÁ„o de marÁo. Percebe-se que o consumo est

presente em cada

momento. Na seÁ„o apresentada anteriormente, n„o bastava apenas dar as dicas sobre sexo, ou qualquer outra informaÁ„o, mas È fundamental apresentar produtos sexuais que est„o sempre indicados para o consumo, uma vez que sempre vem o nome da loja junto ao produto.

ì A revista È uma janela, uma vitrini ñ geralmente colorida (e aÌ entram os an˙ncios, que ajudam a compor um mundo diferente dos an˙ncios no jornal)î. (BUITONI, 1986, p.18)

A oferta incessante de produtos vinculados a matÈrias ou notas È exemplo do incentivo ao consumismo, atitude essa alimentada pela mÌdia a toda hora. E no caso das revistas, em especial as femininas, BUITONI (1986, p.18) acrescenta que ìnas revistas anunciamse mercadorias visando a criaÁ„o ou reforÁo de h bitos de consumo [... ]î.

Janeiro de 2006, p. 60

95

Outra seÁ„o que tambÈm faz parte da editoria ìAmor e Sexoî È ìPara ele lerî. Com a formataÁ„o parecida com a da seÁ„o ìSexpertî, aqui o foco È o homem leitor, j que se subentende que o p˙blico de Nova È feminino. A cima, no canto esquerdo da p gina, consta um cÌrculo com a frase ìmostre ao seu amorî. Notas com dicas do que falar com sua parceira e dicas de como a fazer feliz s„o algumas das liÁıes encontradas nessa seÁ„o, alÈm de alguns produtos, mas dessa vez nem todos s„o erÛticos e nenhum tem ligaÁ„o com as notas publicadas ali. S„o dicas de presentes, na verdade. Na ediÁ„o de abril, p gina 51, por exemplo, a dica È um pingente para celular. J na de fevereiro, p gina 53, a dica È uma calcinha sensual. Todos sempre seguidos do nome da loja e o preÁo. AlÈm disso, no canto da p gina h uma parte com o tÌtulo ìO que ela diz....E o que ela realmente quer dizerî , em que È feita uma ìtraduÁ„o do pensamento

Abril de 2006, p.51

feminino que pode facilitar a vida a doisî. Essa seÁ„o tambÈm n„o foi encontrada na ediÁ„o de marÁo. Outra seÁ„o È a ìCoisas de casalî. TambÈm com a diagramaÁ„o igual a de ìSexpertî e ìPara ele lerî, essa seÁ„o traz dicas para a leitora que j encontrou o seu parceiro ideal, sua cara metade e histÛrias de alguns casais, contadas por eles mesmos. Com uma fÛrmula parecida com a das outras duas seÁıes, ìCoisas de casalî tambÈm traz sugest„o de produtos erÛticos, encontrados na ediÁ„o de fevereiro, p gina 57. Aparecem questıes do tipo: ìCada vez mais perto deleî (ed. abril, p gina 62); ìFÈrias a dois (sem stress)î (ed.fevereiro, p gina 57). Ainda h , em algumas e d i Á ı e s, perguntas do tipo: ìN„o fazemos mais programas a dois e agora?î (ed. abril, p gina 62) e

Fevereiro de 2006, p. 57

96

ì N„o consigo parar de comparar o meu namoro com o das minhas amigas. E o pior: acho o romance delas melhor do que o meu. O que faÁo?î (ed.janeiro, p.61) Essas ˙ltimas seÁıes contam com o mesmo padr„o de diagramaÁ„o e as formas de abordagem de determinados temas tambÈm È igual. A diferenÁa est apenas no tema em si, a abordagem para cada caso. Um primeiro com foco voltado para o poder sexual e de seduÁ„o da mulher (solteira, claro!); o segundo voltado para o olhar dele, o parceiro, com dicas para ele pelo olhar dela; e o terceiro, para quem j encontrou

seu

par,

com

questıes

sobre

relacionamentos, dicas e depoimentos. Junto ‡ seÁ„o, menos em ìHomem de plant„oî e ì Mensagem pra vocÍî, as fotos sempre s„o bem sugestivas, o que faz parte da funÁ„o da revista. De acordo com BUITONI

Nos periÛdicos para a mulher, as fotos de pessoas que possam ser individualizadas, seja a artista famosa ou a m„e de famÌlia, buscam documentar a realidade. [...] PoderÌamos contrapor as fotos que se pretendem informativas ‡s fotos que seriam persuasivas ñ ou sugestivas; recheadas de i l u s „ o e i m a g i n a Á „ o, elas estimulam, induzem, conduzem (BUITONI, 1986, p.19)

E por ˙ltimo: ìClube do livro erÛticoî. Aqui em cada ediÁ„o È transcrito um trecho ou uma pequena histÛria de algum livro relacionado ao ato sexual em si. Na ediÁ„o de fevereiro, p gina 68, foi contado um trecho

Fevereiro de 2006, p.68

97

do livro ìDe volta ao vale das bonecasî, de Rae Lawrence, pseudÙnimo de escritora Ruth Liebmann. Com o tÌtulo: ìO primeiro orgasmoî, ela conta cada detalhes da primeira noite de um casal que foi criado junto desde pequeno e que acabou se apaixonando. Em cada ediÁ„o È escolhido outro livro e contada outra histÛria. 4.3.2. Beleza e Sa˙de Podemos dizer que essa editoria complementa a outra, j

que beleza e sexo s„o temas que andam juntos.

Nesta editoria podemos encontrar, alÈm de outras seÁıes que aparecem em uma ediÁ„o ou outra, a seÁ„o ìRepÛrter de Belezaî, que est

em todas as

revistas analisadas. Nela est„o dicas de beleza para a leitora, mas o mais importante È o poder da foto que fica de fundo na p gina. Ali s, podemos dizer que ela funciona como ilustraÁ„o do produto. AtÈ aÌ tudo bem. Isso se n„o fosse a forma como a modelo est nesta foto. J foi apresentado um exemplo no capÌtulo 3, da ediÁ„o de marÁo, p gina 30. Outro exemplo È o da ediÁ„o de janeiro, p gina 26. A nota, logo abaixo da p gina, ao lado esquerdo, d dicas para prevenir as rugas. Ocupando quase toda a p gina est a foto da modelo, close bem fechado no rosto da modela e ela suspendendo os Ûculos escuros. Na verdade o que deveria chamar a atenÁ„o eram os olhos da modelo, j que as rugas mais comuns das mulheres s„o ao redor dele. No entanto, nota-se o olhar sensual da modelol. AlÈm disso, na p gina 27, que tambÈm faz parte da seÁ„o, vem a propaganda de alguns produtos de beleza: cremes, maquiagens, shampoos, entre outros. Uma lista de seis produtos, com nome da marca, caracterÌsticas de cada um (para o que serve) e preÁo.

ìItens absolutamente essenciais na vida da leitora de NOVA. Vaidosa, muito feminina e sensual, ela faz quest„o de estar a par de todas as novidades dos ˙ltimos lanÁamentos, tambÈm porque estar bonita e bem cuidada È uma das armas que nossa leitora usa para conquistar postos na carreira.î (tirado do site http:// elle.abril.com.br/midia_kit/ nova/m_revista.html)

98

Ao lado, na mesma p gina vem um pequeno texto sobre o mal estar do suor e no final nomes de desodorantes, tambÈm com preÁo e marca. Isso tudo sem esquecer da outra mulher ao fundo vestida de biquÌni, segurando um ventilador virado para ela e uma feiÁ„o sexy. Percebe-se novamente que tudo tem conotaÁ„o sexual, tudo È erotizado. Texto e imagem s„o complementos em uma revista. Um acrescenta o outro. BUITONI destaca isso, principalmente quando se trata de revista feminina. Imagem/texto: essa, a dupla intimamente ligada dentro da revista, com mais atraÁ„o ainda se for feminina. A imagem vira texto, com sÈries de fotos construindo verdadeiras ìfrases visuaisî; e o texto vira imagem quando recorre a figuras de estilo que nos fazem visualizar a pessoa ou a cena, ou sugerem emoÁıes e sentimentos. O texto imagÈtico, a imagem textual: um casamento que deu certo nas revistas, principalmente femininas (BUITONI, 1986, p.19).

J na ediÁ„o de abril, p gina 35, o tema È celulite e a propaganda de um aparelho para reduzir a flacidez na regi„o gl˙tea. E mais uma vez a foto vem ilustrar toda a quest„o. Neste caso o foco È o bumbum feminino. Na foto ele est em close, lÛgico que sÛ com a calcinha do biquÌni, o que faz parte da linguagem que j

foi mostrada. E encostando nele est

um

aparelho, no modelo de uma arma de brinquedo, exemplificando o aparelho radiofÙnico apresentado no texto.

Janeiro de 2006, página 27

99

4.3.3. Vida e Trabalho MIRA (2001) cita que, na Època em que Nova foi criada, o momento era de mudanÁas. As mulheres comeÁavam a viver numa ìnova realidadeî, com a descoberta da pÌlula anticoncepcional, a entrada da mulher no mercado de trabalho, entre outros. Ent„o ìem funÁ„o dessa nova realidade, a revista passa a falar sobre empregos, profissıes, carreiras disponÌveis para as mulheres, focalizando alÈm do lar, o ambiente de trabalhoî (MIRA, 2001, p.128). Tanto que em 1978 È inaugurada a seÁ„o ìEconomia e NegÛciosî(MIRA, 2001). No entanto, poderemos perceber que muito mudou desde sua criaÁ„o, j que hoje essa seÁ„o n„o

ì Profissional trabalhadora e ambiciosa, a leitora de NOVA n„o descansar enquanto n„o conseguir o emprego dos seus sonhos, um bom sal rio, um cargo que ela julga ‡ altura de suas habilidades. As reportagens dessas seÁıes ajudam tambÈm a realizar sonho de montar o negÛcio prÛprio e ensinam a essa mulher incrivelmente independente a administrar bem o seu prÛprio dinheiro e sendo assim a busca do auto-conhecimento.î (tirado http:// do site elle.abril.com.br/midia_kit/ nova/m_revista.html)

existe mais. A editoria ìVida e Trabalhoî È o ˙nico momento em que aparecem assuntos ligados ao mercado de trabalho. PorÈm, a forma como se aborda o assunto È bem sutil. Em a ìConsultoria de Carreiraî, o psiquiatra e palestrante organizacional Roberto Shinyashiki d conselhos sobre temas relacionados ao ambiente de trabalho. Por exemplo: na ediÁ„o de abril, p gina 74, o tÌtulo È ìO mito da faculdade de grifeî. Em que o psiquiatra fala sobre o peso que tem o nome da faculdade que a pessoa estudou na hora de conseguir um emprego. Essa seÁ„o n„o foi encontrada na ediÁ„o de marÁo. Geralmente ensina como se comportar no ambiente de trabalho, como agir em determinadas situaÁıes, entre outros. Outra seÁ„o È a ìWorkshopî, que aparece nas ediÁıes de fevereiro e abril. Essa seÁ„o traz pequenas notas, no mesmo formato da seÁ„o ìSexpertî , ìPra ele lerî e ì Coisas de casalî, da editoria ìAmor e sexoî, com o

Abril de 2006, p.74

100

tema trabalho. Na ediÁ„o de abril, p gina 76, por exemplo, o tÌtulo principal È ìO horÛscopo da viradaî , em que a revista se baseia num livro para mostrar o perfil de cada pessoa em momentos de mudanÁas, de acordo com o signo de cada um. Destaque mais uma vez para a foto que ilustra a cena. Acima do texto est

a imagem de uma modelo, bem vestida, tipo

executiva, de pernas cruzadas, segurando uma caneta. No entanto a feiÁ„o da modelo È sedutora. Como que, estar naquela posiÁ„o tambÈm tivesse relaÁ„o com ser sensual. AlÈm disso, ainda tem na parte de cima da p gina a propaganda de um produto, como sempre, com nome da loja e preÁo.

4.3.4. Moda e estilo Com a seÁ„o ìRepÛrter de Modaî, a editoria traz as ˙ltimas tendÍncias do cen rio da moda. Apresenta os tons, as cores, as texturas, os assessÛrios e os calÁados do momento. Praticamente uma vitrine impressa, j que junto a tudo isso vem o nome das lojas e os respectivos preÁos.

Março de 2006, p.26 e 27

Abril de 2006, p. 76

ìMaterial de alta temperatura para a mulher de NOVA, que n„o abre m„o de ter sempre no guarda roupas as peÁas que s„o a ˙ltima moda. Claro, desde que se adaptem ao seu estilo: sensual quando est com o namorado ou vai para a balada, conquistador e vitorioso na vida profissional. As peÁas b sicas que lha d„o a aparÍncia de um milh„o de dÛlares, se misturam ao modelo ultra-sexy.î (tirado do site http://elle.abril.com.br/ midia_kit/nova/m_revista.html)

101

A seÁ„o que mais chama a atenÁ„o nessa editoria È a ìBanho de Novaî. Uma leitora È escolhida, atravÈs de uma seleÁ„o (elas enviam foto de rosto e corpo, alÈm de informarem a altura, peso, idade, profiss„o...). A leitora escolhida passa por uma ìtransformaÁ„oî, como os tÌpicos quadros dos programas veiculados para a massa: Xuxa, Gugu, entre outros. … feita uma maquiagem e cabelo, alÈm de vestir uma roupa que esteja na moda e que seja bem sensual. Tudo como se fosse ser a capa de Nova. Ent„o È tirada uma foto, em pose bem diferente do que a leitora em quest„o costuma ser. Essa seÁ„o mostra todo o estereÛtipo do que seria uma mulher-Nova. Com direito a depoimento da leitora em quest„o. Frases do tipo: ìAcho que meu amor queria me ver sempre assimî (ediÁ„o abril, p gina 64) Ou

Abril de 2006, p.64

ì Iniciei um novo ciclo depois das fotosî (ediÁ„o janeiro, p gina 62) E ao lado da foto e do depoimento vem o passo a passo de tudo que foi feito com a leitora, o produto que foi usado, alÈm do nome do profissional que fez a transformaÁ„o. Esse novo padr„o em que a mulher tem que se encaixar, sem tempo de escolher ou atÈ de pensar sobre a quest„o ou atÈ de questionar se È isso que ela quer, È resultado de um processo pelo qual todo o mundo tem passado, com constantes mudanÁas, novidades a toda hora. Simplesmente, a mulher parece ser tratada como sujeito a ser manipulado por essa tal modernidade, quando se trata de alguÈm que consome e ao mesmo tempo como objeto de prazer

Janeiro de 2006, p.62

102

para o masculino, quando se trata de sexo, mas tambÈm ser consumidora de sexo. Percebendo que a imprensa passa a ser utilizada para transformar ou visualizar a mulher como consumidora, È que SULLEROT, citada por MIRA, afirma que ìa imprensa deixa de ser uma informaÁ„o para ser uma comunicaÁ„oî (2001, p.49). … nesse contexto bastante complexo, que envolve o conjunto das transformaÁıes a que chamamos ì modernidadeî, que a imprensa feminina se expande e que a mulher se torna sujeito. A tens„o entre a mulher como sujeito consumidor e a mulher que busca sua cidadania foi incorporada pela imprensa feminina. (MIRA, 2001, p.49) SULLEROT, citada por MIRA, identifica ainda que È nesse momento que as imprensas feminina e feminista ìv „ o incansavelmente se imitar, se interpenetrar, atÈ finalmente se confundirem no momento da explos„o da imprensa feminina de massaî (SULLEROT apud MIRA, 2001, p.49). Tratar a mulher como sujeito, o que a princÌpio podese considerar como uma forma de valorizar e reconhecer essa mulher, na verdade È uma estratÈgia de convencimento e uma forma de ganhar o gosto e a confianÁa da leitora, para que essa queira consumir uma mercadoria: a revista. E isso È uma estratÈgia j conhecida na publicidade, conforme explica MIRA:

E nessa seÁ„o fica claro a quest„o do culto a beleza, em especial ao corpo, que fica mais evidenciado na foto da leitora, como nas capas da revista apresentadas anteriormente.

A imprensa feminina [...] adota uma tÈcnica j conhecida na publicidade, a personalizaÁ„o. O tom das matÈrias muda, dirigindose ‡ leitora. Focalizando o rosto da mulher, a revista aumenta seu grau de aproximaÁ„o. (MIRA, 2001, p.50)

103

AtravÈs da elaboraÁ„o de uma narrativa do ìeuî, a leitura pode fortalecer o seu ego, recuperar sua auto-estima e tentar realizar em sua vida as mudanÁas que a revista e o prÛprio movimento das mulheres lhe propıem. [...] A construÁ„o da autoimagem, da identidade feminina, [...] deixa de se referir apenas ‡ moda e seus artifÌcios para inscrever-se mais profundamente no corpo, na forma fÌsica. (MIRA, 2001, p.146)

4.3.5. Gente famosa Nessa editoria a leitora vai encontrar duas seÁıes apenas. Uma com a matÈria e entrevista com a modelo ou artista que est

na capa da ediÁ„o em

quest„o; a outra com algum sexy simbol masculino do momento.

ìNossa leitora È jovem, antenada e ativa. Assiste ao jornal, ‡ novela das 8, ‡s sÈries da TV a cabo, gosta de m˙sica e cinema. Seus Ìdolos s„o aqueles que est„o na capa de NOVAî (tirado do site http://elle.abril.com.br/ midia_kit/nova/m_revista.html)

Na ediÁ„o de marÁo, p gina 90, com o tÌtulo ì13 Coisas que me fazem assimî a artista da vez È a cantora Ivete Sangalo. Em duas p ginas de matÈria, a cantora conta exatamente as 13 coisas mais importantes da vida dela e que a deixam feliz. E no

Março de 2006, p.93

104

J na ediÁ„o de fevereiro, p gina 104, o destaque foi a nova atriz do momento, Paola Oliveira. Na matÈria ela fala sobre sua trajetÛria atÈ chegar a primeira novela. E para aproximar a leitora da artista, no canto da p gina diz ìEla tambÈm tem dilemas de belezaî. Mas uma forma ilusÛria de tentar mostrar que apesar de ela ser artista, ela tem problemas, e vocÍ pode ter os mesmo problemas que ela. J

entre os homens, podemos destacar da mesma

ediÁ„o de Paola, o jogador de futebol, Ronaldo. Com

Fevereiro de 2006, p.107

o tÌtulo ìFenÙmeno do amorî, a matÈria faz toda a retrospectiva da vida amorosa do jogador, com direito a foto das ex-namoradas. Na ediÁ„o de janeiro foi a vez do ator americano, Brad Pitt. A matÈria fala sobre sua vida e carreira, sem muita novidade a acrescentar. O destaque fica sempre em funÁ„o da beleza do ator.

Fevereiro de 2006, p.80

Janeiro de 2006, p. 72

105

Destaque tambÈm na ediÁ„o de marÁo, p gina 70, para o ator Reinaldo Gianecchini, que, ali s, tambÈm foi capa desta ediÁ„o. Nessa ediÁ„o foram feitas duas capas: a principal, com a cantora Ivete Sangalo e a contra capa, que foi feita uma pequena ediÁ„o de algumas p ginas, de Nova Homem, com Reinaldo na capa. Nas p ginas de Nova Homem foram feitas matÈrias sÛ sobre os homens. MatÈrias sobre ìComo encontrar sua cara metadeî, ìO sexo que eles querem fazerî, ìA posiÁ„o sexual favorita dele diz...î, entre outras. 4.3.6 … quente, È Nova! Essa È a ˙nica editoria em que aparecem informaÁıes sobre cultura, arte, na seÁ„o ìAgite e Useî. No entanto, o espaÁo destinado a esses assuntos È de apenas uma p gina. Percebe-se que realmente esse n„o È o foco principal, nem o interesse da revista. Outra seÁ„o dessa editoria, encontrada em todas as ediÁıes analisadas, È a ìSegredo de Estrelaî. Sempre

Abril de 2006, p.41

fala sobre algum artista, um fato que aconteceu com ele, ou a opini„o dele em relaÁ„o a alguma coisa. O foco È o artista: pode ser homem, mulher, brasileiro ou de outra nacionalidade. No entanto, os assuntos abordados n„o tÍm relaÁ„o com a arte ou o trabalho do ator. Por exemplo: na ediÁ„o de abril, p gina 48, o foco s„o os estilos de beijo. E para ilustrar, foi analisado o beijo do casal Henri Castelli (ator) e Isabeli Fontana (modelo). Foram publicadas trÍs fotos do casal se beijando e analisadas um por uma. Na ediÁ„o de marÁo, p gina 50, o assunto foi os cachorrinhos dos artistas: ì Amigos fiÈisî , c o m depoimentos da jornalista Ana Paula Padr„o, do ator Thiago Lacerda, entre outros.

Março de 2006, p. 50

106

Vale lembrar que mesmo fora de uma editoria especÌfica, as matÈrias de capa s„o um dos principais atrativos para quem compra. Como vimos nos subcapÌtulo sobre Capas, todas as ediÁıes vÍm com alguma manchete com mais destaque e sempre relativa a sexo. Na ediÁ„o de fevereiro, por exemplo, o tÌtulo È ì8 posiÁıes para o orgasmo j î. Dentro da revista, p gina 124, a matÈria fala sobre as oito posiÁıes para que se alcance o orgasmo mais r pido, com direito a foto ilustrativa. J

na ediÁ„o de abril o tema foi a p scoa, com a

manchete ìChocosex! 5 cestas de P scoa erÛticas, cheias de pecado e delÌciasî .

Abril de 2006, p.122

Fevereiro de 2006, p.124

107

5. A OPINI√O FEMININA Nunca chegou uma revista nova. Mesmo assim, n„o tem import‚ncia que cheguem velhas, a maioria com alguns rasgıes e muitos riscos de caneta. Bigodes nas figuras de mulher; chifres na cabeÁa dos homens; datas que parecem de nascimento ou de partida; apontamentos de jogo; tri‚ngulos trespassados por setas rijas, desenhados pelos adolescentes; essas coisas assim. Mas isto tambÈm È saud vel porque montamos quebra-cabeÁas de modo a ajuntar uma meia-p gina do pavilh„o 17 com um outro terÁo de p gina do pavilh„o 28 e mais umas linhas quebradas de outras celas, e... heureca! ó ganhamos a histÛria completa, ìnovinhaî em folha! Que diferenÁa faz de uma revista nova? E ainda nos divertimos com a montagem! Soares Feitosa ñ Jornal da Poesia http://www.revista.agulha.nom.br/salomao3.html

Para analisar como as mulheres vÍem a representaÁ„o da mulher na Nova, perguntamos a algumas mulheres (leitoras ou n„o) sobre suas opiniıes a respeito do assunto. S„o pessoas de diferentes faixas et rias, classes sociais e profissıes. Veremos ainda que algumas nem tÍm o h bito de ler revistas femininas.

Maria Am lia Queiroz, 42 anos, TurismÛloga - VocÍ conhece alguma revista feminina? Qual? Sim, Elle, Cl udia, Nova... - Com que freq¸Íncia vocÍ lÍ a(s) revista(s) citada(s) a cima? Raramente. - VocÍ se identifica com as mulheres que aparecem na capa? Por quÍ? N„o, porque geralmente s„o atrizes da novela das oito ou do Big Brother que est„o em evidÍncia no momento. - Os assuntos abordados pela Nova condizem com a realidade das mulheres hoje? Algumas vezes sim, pois a proposta da revista È justamente apresentar assuntos atuais, geralmente relacionados ao tema de alguma novela ou mini sÈrie da Globo. Existem entrevistas e campanhas interessantes dependendo do(a) entrevistado(a).

108

- A editora de Nova diz que a mulher da capa da revista ìÈ uma fantasia fÌsica do que a mulher imagina que È, ou que gostaria de ser em termos de liberaÁ„o do prÛprio corpo. Ou seja, se sentir bonita, mostrar seu corpo sem repress„o, sem se sentir mal por isso. Ter uma sensaÁ„o de liberdade do prÛprio corpoî. AlÈm disso, ela cita outras caracterÌsticas como, uma revista para mulheres independentes, seguras e confiantes. Qual sua opini„o a respeito disso? Concordo atÈ certo ponto. Geralmente o que se apresenta na capa s„o fotos altamente retocadas em programas de computador que n„o permite com que o leitor enxergue a real beleza. O que existe È um estereÛtipo de beleza que as revistas de um modo geral lanÁam que de certa forma determina um padr„o. Principalmente para o p˙blico adolescente que cada vez mais realiza tratamentos e cirurgias estÈticas de forma bastante precoce. Mas, sobre as mulheres que se sentem mais seguras e independentes, geralmente essas situaÁıes est„o atreladas a sua formaÁ„o acadÍmica e profissional, ou seja, n„o basta ser bonita, È preciso estudar e se preparar para se obter uma boa colocaÁ„o no mercado de trabalho. Isso sim, È que lhes permite alcanÁar altos cargos em empresas, destacando-se de forma a termos atualmente um grande n˙mero de mulheres ocupando cargos que eram exclusivos do universo masculino.

Djeisan Lettieri Silva Maria, 28 anos, Jornalista - VocÍ conhece alguma revista feminina? Qual? Sim. Nova e Claudia - Com que freq¸Íncia vocÍ lÍ a(s) revista(s) citada(s) a cima? Fui assinante da Nova por 1 ano, mas sinceramente cansei de ler tanta bobagem, de que ìeuî teria que ser assim ou assado. A revista mais parece um guia do impossÌvel. - No caso da revista Nova, vocÍ se identifica com as mulheres que aparecem na capa? Por quÍ? N„o. As mulheres parecem estereotipadas, quer dizer, parecem um sÛ tipo de mulher: aquela que È gostosa, È magra, tem cabelo liso, sempre maquiada, sempre pronta para fazer sexo

- VocÍ acha que os assuntos abordados pela Nova condizem com a realidade das mulheres hoje?

109

N„o. Porque a maioria das brasileiras n„o tem um padr„o de vida das mulheres de classe mÈdia alta, que acredito, a revista se refere. AlÈm disso, ninguÈm consegue ter tempo para ser tudo que a revista propıe: fazer gin stica, fazer dieta, fazer sexo sempre e ainda com in˙meras variaÁıes, cuidar de famÌlia, etc. - A editora de Nova diz que a mulher da capa da revista ìÈ uma fantasia fÌsica do que a mulher imagina que È, ou que gostaria de ser em termos de liberaÁ„o do prÛprio corpo. Ou seja, se sentir bonita, mostrar seu corpo sem repress„o, sem se sentir mal por isso. Ter uma sensaÁ„o de liberdade do prÛprio corpoî. AlÈm disso, ela cita outras caracterÌsticas como, uma revista para mulheres independentes, seguras e confiantes. Qual sua opini„o a respeito disso? Acredito que ninguÈm È t„o segura assim. Todas as mulheres que conheÁo, ìnormaisî, tÍm inseguranÁa. Acredito que a revista È ìsurrealî, mostra uma realidade que n„o existe, n„o traz informaÁıes ˙teis e reais na medida em que n„o se refere a uma mulher real, pois esse tipo descrito pela editora n„o existe. Acredito que contribui para fortalecer somente um estereotipo,† porque nem todas as mulheres querem esse ideal na vida. Acredito que a revista poderia ser feita para um p˙blico-alvo sim, no caso mulheres de classe mÈdia alta, solteiras, mas poderia tambÈm ser mais real, falar de coisas que realmente acontecem com esse p˙blico e n„o ficar criando uma realidade que as mulheres n„o vivem e nem alcanÁam. Dessa forma criaria identificaÁ„o e n„o distanciamento, como foi no meu caso.

Ivana Bello, 40 anos, Professora - VocÍ conhece alguma revista feminina? Qual? Sim. Cl udia e Nova - Com que freq¸Íncia vocÍ lÍ a(s) revista(s) citada(s) a cima? Esporadicamente. - No caso da revista Nova, vocÍ se identifica com as mulheres que aparecem na capa? Por quÍ? ¿s vezes, sim. Pelo dinamismo, disposiÁ„o e independÍncia que passam, atravÈs da imagem.

110

- VocÍ acha que os assuntos abordados pela Nova condizem com a realidade das mulheres hoje? Alguns sim. - A editora de Nova diz que a mulher da capa da revista ìÈ uma fantasia fÌsica do que a mulher imagina que È, ou que gostaria de ser em termos de liberaÁ„o do prÛprio corpo. Ou seja, se sentir bonita, mostrar seu corpo sem repress„o, sem se sentir mal por isso. Ter uma sensaÁ„o de liberdade do prÛprio corpoî. AlÈm disso, ela cita outras caracterÌsticas como, uma revista para mulheres independentes, seguras e confiantes. Qual sua opini„o a respeito disso?

Se a revista aponta para isso, penso que est acompanhando/aproveitando o momento em que vivemos na sociedade atual, pois a mulher conquista mais espaÁo a cada sÈculo, dÈcada, ano, enfim. Ao fazer a junÁ„o do momento com o desejo das mulheres de serem bonitas, independentes, livres, a tendÍncia da revista È atrair mais consumidores e ampliar sua vendagem. No entanto, observo uma contradiÁ„o, porque tudo isso que a revista prega se conflita com a mensagem implÌcita/explÌcita de que a felicidade mesmo est em ìconquistar seu homemî. Com isso, toda a independÍncia e a liberdade pregada, na verdade se torna escrava de um valor social e n„o num bem pessoal.

Dilma Queiroz Bello, 70 anos, Procuradora JurÌdica aposentada - VocÍ conhece alguma revista feminina? Qual? Sim. ConheÁo por exemplo a revista Contigo. - Com que freq¸Íncia vocÍ lÍ a(s) revista(s) citada(s) a cima? N„o tenho necessariamente esse h bito. - No caso da revista Nova, vocÍ se identifica com as mulheres que aparecem na capa? Por quÍ? N„o. Porque pertenÁo a essa geraÁ„o, embora eu seja uma mulher de opiniıes um tanto liberais, n„o sÛ a respeito do corpo, mas sobre tudo. Entendo que hoje, esse tabu n„o exista, cada pessoa deve procurar, ou melhor, escolher para sua felicidade a conduta que lhe for peculiar, sem culpa.

111

- VocÍ acha que os assuntos abordados pela Nova condizem com a realidade das mulheres hoje? Isso È muito relativo. Porque se na sua maioria a mulher ainda guarda seus recatos, a minoria se expıe. Mulheres especiais para isso, que ganham muito dinheiro para mostrar sua sensualidade, a sua nudez. No geral, nem todas tem um corpo escultural, que poderia expor. Isso È pra quem pode e por isso n„o condizem com a realidade de todas as mulheres de hoje. - A editora de Nova diz que a mulher da capa da revista ìÈ uma fantasia fÌsica do que a mulher imagina que È, ou que gostaria de ser em termos de liberaÁ„o do prÛprio corpo. Ou seja, se sentir bonita, mostrar seu corpo sem repress„o, sem se sentir mal por isso. Ter uma sensaÁ„o de liberdade do prÛprio corpoî. AlÈm disso, ela cita outras caracterÌsticas como, uma revista para mulheres independentes, seguras e confiantes. Qual sua opini„o a respeito disso?

N„o sei se uma revista voltada para mulheres independentes, seguras e confiantes sobreviveria com as vendas. Viver de fantasia È um perÌodo muito curto na vida de uma mulher, ou mesmo de qualquer ser humano, porque do ponto de vista existencial, independÍncia tem limite, seguranÁa e confianÁa tambÈm. Esse perÌodo passa. Veja bem, em se tratando de revista, o que mais interessa È o sensualismo, sensacionalismo e outras criaÁıes fictÌcias, objetivando a tiragem para uma venda bastante lucrativa, explorando sem dÛ o pudor do sexo fr gil. Se vocÍ È bonita e tem um corpo escultural, use desse privilÈgio em seu favor. Tenha como renda o seu talento e nunca seu corpo exposto desavergonhadamente numa revista.

6. CONCLUS√O Pra rua me levar N„o vou viver como alguÈm que sÛ espera um novo amor, H outras coisas no caminho por onde eu vou, ¿s vezes ando sÛ trocando passos com a solid„o, Momentos que s„o meus e que n„o abro m„o J sei olhar o rio por onde a vida passa, Sem me precipitar e nem perder a hora, Escuto num silÍncio que h em mim e basta, Outro tempo comeÁou, pra mim agora. Ana Carolina

Como vimos durante o trabalho, a histÛria da mulher foi contada com tons de inferiorizaÁ„o social e cultural e subordinaÁ„o.

Contada n„o por ela mesma, mas por representaÁıes

masculinas da Època, que detinham o poder atravÈs de instituiÁıes, como governo, igreja, famÌlia, entre outros. E pelo que percebemos nesta histÛria ìcontadaî, as mulheres acabavam se encaixando nesse formato, reproduzindo o que descreviam sobre elas, com submiss„o e subordinaÁ„o. No entanto, em algum momento, algumas mulheres se deram conta de que algo estava errado. E surgiram v rios questionamentos, como: por que elas eram consideradas inferiores aos homens se eram t„o seres humanos quanto eles? Por que n„o tinham os mesmo direitos e acesso a coisas e lugares como eles? O que as diferenciava deles, excluindo os aspectos biolÛgicos de separaÁ„o social? Percebemos que, apesar da luta das mulheres e do surgimento de periÛdicos feministas, hoje esse meio (a revista) n„o È t„o bem utilizada quanto deveria. A Nova vende uma idÈia de mulher que nem sempre se adequa a realidade, uma vez que constatamos a inexistÍncia de uma mulher ìrealî. Essa mulher, apresentada pela Nova, na verdade n„o existe, j que mostramos que n„o h um padr„o ˙nico de mulher, nem que ser mulher tem apenas um sentido. Sentido esse atribuÌdo, nesse caso, pela uni„o: mÌdia, figura masculina e poder. O trabalho tentou mostrar que a revista na verdade fortalece o clichÍ de que a ˙nica coisa que interessa a mulher È encontrar o tal prÌncipe encantado. Que na verdade, tudo o que È mostrado na revista (como se vestir, fazer sexo, se maquiar, malhar...) gira em torno de estar pronta para ìfisgarî o homem idealizado. Mais tarde, na dÈcada de 90, as pÛs-feministas comeÁam a questionar a sexualidade, tanto como ter opÁ„o de se relacionar com quem quiser, como a ter a liberdade de sentir

prazer da forma que quiser. Nesse ponto a revista faz o papel que se propıe, j

que È

voltada para o sexo e o ensinamento sobre ele, em suas matÈrias. Se pensarmos bem, seria difÌcil imaginar, nos dias de hoje, uma mulher que trabalhou durante o dia, chegar em casa e desenvolver afazeres domÈsticos e ainda estar pronta a noite para aplicar tudo o que foi dito na Nova. Isso porque no mundo dominado pela cultura masculina, esses afazeres s„o colocados como ìobrigaÁıesî femininas. … bom lembrar que isso È algo ì impostoî, tornado ìnaturalî, j que È culturalmente aceito. Todo esse assunto em volta da representaÁ„o da mulher na revista prova que na verdade nada È representado. O que existe È uma produÁ„o fantasiosa de um ˙nico modelo de mulher, que nem todas as mulheres aceitam como verdade, como foi visto nos depoimentos. … bom lembrar que atÈ para obter informaÁıes de leitoras sobre a revista, n„o foi algo f cil, j que houve muita dificuldade em achar leitoras assÌduas. O que encontrei foram pessoas que conheciam a revista, de ter lido pelo menos uma vez e uma que j foi assinante, mas que deixou de adquirir a Nova por achar que a revista aborda assuntos repetitivos e praticamente impossÌveis de aplicar na pr tica. Visto que o forte da revista, alÈm das matÈrias sobre sexo, È o visual, as mulheres da capa, proponho atÈ uma hipÛtese de que hoje o grande questionamento da mulher È o direito a envelhecer. Com a ditadura da beleza e todas as opÁıes estÈticas para se manter jovem, as mulheres s„o cobradas todos os dias a sempre estarem lindas, magras, dentro de um padr„o de beleza estipulado pela sociedade, ao olhar masculino. Isso pelas roupas, pela maquiagem e pelas jÛias usadas pelas artistas na capa, alÈm da pele bem tratada. Mais uma forma de ilus„o. Tudo isso mostra que n„o mudou muita coisa em relaÁ„o a representaÁ„o da mulher, tanto da forma como ela È vista, quanto querem que ela seja vista.

7.BIBLIOGRAFIA BUITONI, DulcÌlia Schroeder. Imprensa Feminina. S„o Paulo: ¡tica, 1986 ________________________.Mulher de Papel: A representaÁ„o da mulher pela imprensa feminina brasileira. S„o Paulo: Loyola, 1981. BUTLER, Judith. Problemas de gÍnero: Feminismo e subvers„o da identidade. Rio de Janeiro: CivilizaÁ„o Brasileira, 2003. CASTTELS, Manoel. O Poder da Identidade. 3 ed. S„o Paulo: Paz e Terra, 2001. ECOSTEGUY, Ana Carolina. Estudos Culturais: uma introduÁ„o. In SILVA, Tomaz Tadeu da (org). O que È afinal Estudos Culturais? 3.ed.Belo Horizonte, MG: AutÍntica, 2004 GOLDENBERG, Miriam (coord). Os Novos Desejos: das academias de gin stica as agÍncias de encontro. Rio de Janeiro e S„o Paulo: Record, 2000. HALL, Stuart. A identidade cultural na pÛs-modernidade. 4.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. HARAWAY, Donna. ìManifesto ciborgue: ciÍncia, tecnologia e feminismo-socialista no final do sÈc.XX.î In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org). Antropologia do Ciborgue: as vertigens do pÛs-humano. Belo Horizonte: AutÍntica, 2000. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. O breve sÈculo XX. 1914-1991. S„o Paulo: Companhia das Letras, 1995. MANSBRIDGE, Jane. ì What is the feminist movement?î. In FERREE e MARTIN (orgs.), 1995. MCCRAKEN, Ellen. Decoding womenís magazines. From Mademoiselle to Ms. Londres: Mac Millan, 1993. MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revistas: a segmentaÁ„o da cultura no sÈculo XX. S„o Paulo: Olho dí¡gua/Fapesp, 2001. MORIN, Edgar. Cultura de massa no sÈculo XX. Rio de Janeiro: Forense Universit ria, 1990.

MUSZKAT, Malvina; SEABRA, Zelita. Identidade Feminina. 2.ed. PetrÛpolis: Vozes, 1985 ROSALDO, Michelle Zimbalist; LAMPHERE, Louise (coord). A mulher, a cultura, a sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. V.31. SGARBIERI, Astrid Nilsson. A mulher brasileira: representaÁıes na mÌdia. In LUCENA-GHILARDI, Maria InÍs (org.). RepresentaÁıes do feminino. Campinas, SP: ¡tomo, 2003. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introduÁ„o ‡s teorias do currÌculo. Belo Horizonte: AutÍntica, 1999. SULLEROT, Evelyne. La presse fÈminine. Paris: Colin, 1963. TELES, Maria AmÈlia de Almeida. Breve histÛria do feminismo no Brasil. 1™ ed. S„o Paulo: editora brasiliense, 1993.

VEIGA-NETO, Alfredo. As idades do corpo: (material) idades, (divers) idades, (corporal) idades, (ident) idades... In. GARCIA, Regina Leite (org.). O corpo que fala dentro e fora da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

WHITTIER, Nancy. Feminist Generations: the Persistence of the Radical Womenís Moviment. FiladÈlfia: Temple University Press, 1995.

DIGITAIS ALMEIDA, Ligia Martins de. GigolÙ, n„o. Companheiro (MatÈria do ObservatÛria da Imprensa, em 25/10/2005). Fonte: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=352FDS002 Acesso em 26/04/2006 BERNARDI, Yara. Os 70 anos do voto feminino. Fonte:http://www.consuladodamulher.com.br/apps/jsp/consulado/site/direito_geral/ direito_geral_informacao_1533.jsp. Acesso 09/06/2006.

CORR A, Thomaz Souto. Uma breve histÛria das grandes revistas. Fonte : http://cursoabril.abril.com.br/coluna/materia_84318.shtml Acesso em 15/04/2003

FOUCAULT, Michel. Da amizade como modo de vida (Entrevista a R. de Ceccaty e J. Bitoux, publicada no jornal Gai Pied, em abril de 1981). Fonte: http://www.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/. Acesso em 10/04/2006.

FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault e a an lise do discurso em educaÁ„o. Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742001000300009. Acesso em 15/05/2006 GARCIA, Loreley Gomes. As quatro faces da deusa: MÈtis, Atenas, ¡rtemis e nÛs mesmas. Fonte: http://www.tesseract.psc.br/asquatrofacesdadeusa.doc. Acesso em: 16/10/2002. LEITE, Rosalina de Santa Cruz Leite. Brasil Mulher e NÛs Mulheres: origens da imprensa feminista brasileira. Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2003000100014&script=sci_arttext. Acesso em 20/06/2006.

PELBART, Peter P‡l. BiopolÌtica e BiopotÍncia no coraÁ„o do ImpÈrio. Fonte: http://multitudes.samizdat.net/Biopolitica-e-Biopotencia-no.html. Acesso em 19 /06/2006.

PINTO, Celi Regina Jardim. Uma histÛria do feminismo no Brasil. S„o Paulo: FundaÁ„o Perseu Abramo, 2003. Fonte: http://www.scielo.br/pdf/ref/v12n2/23971.pdf Acesso em 06/05/2006

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.