A Representação do Jornalismo no seriado The Newsroom (TCC)

June 15, 2017 | Autor: A. Oliveira | Categoria: Teoria do Jornalismo, Ficção Seriada Televisiva, Serialização, Estratégias Narrativas
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ANA CAROLINA SOUZA DE OLIVEIRA

A REPRESENTAÇÃO DO JORNALISMO NO SERIADO THE NEWSROOM

SÃO CRISTÓVÃO 2014

ANA CAROLINA SOUZA DE OLIVEIRA

Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe – UFS.

Orientadora: Greice Schneider

SÃO CRISTÓVÃO 2014

ANA CAROLINA SOUZA DE OLIVEIRA

Trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe – UFS.

_________________________________________ Greice Schneider – Orientadora (UFS)

_________________________________________ Josenildo Luiz Guerra (UFS)

_________________________________________ Lílian Cristina Monteiro França (UFS)

Aprovam em ____ de ______________ de _________.

AGRADECIMENTOS

Uma das minhas personagens preferidas da ficção, Alaska Young, enfrenta em sua curta história o dilema entre ficar presa no labirinto que a vida constrói ou sair rapidamente e procurar seguir em frente. Durante a execução deste trabalho, enfrentei lutas diárias para resolver um labirinto que conecta dois mundos, uma linha tênue entre o universo real e o imaginário. Com certeza não é um processo rápido e fácil, porém é extremamente satisfatório quando concluído. Para completar esta fase, algumas pessoas foram essenciais para tudo ocorrer como planejado. Primeiramente, agradeço aos meus pais por me ajudarem a enfrentar todos os labirintos da vida, dedico esse trabalho a vocês. Obrigada pelo consolo nos momentos mais difíceis, pelo amor incondicional e por serem os maiores incentivadores dos meus sonhos. As minhas conquistas sempre serão dedicadas a vocês. Agradeço à Bárbara, Cleanderson, Hugo, Leandro, Liliane e Pedro por tornarem a jornada acadêmica muito mais leve e engraçada. Vocês foram essenciais durante o confinamento monográfico, seja pelo empréstimo de um livro ou pelo simples envio de um Snapchat. Espero que a vida trilhe nossos caminhos em uma mesma direção e torço pelo sucesso de cada um. Agradeço aos professores pelo aprendizado concedido durante os quatro anos do curso, em especial à Beatriz Colucci, Carlos Franciscato, Josenildo Guerra, Lílian França e Sônia Aguiar. Admiro a dedicação e paixão de todos pelo Jornalismo. Um agradecimento mais que especial para a minha querida orientadora, Greice Schneider, marinheira de primeira viagem. Não podia ter escolhido uma professora melhor para percorrer o labirinto do meu objeto. Obrigada pela dedicação, pelo apoio, por puxar os meus limites desde a primeira reunião, por montar um quebra-cabeça delicado comigo e por ser essa pessoa sensacional. Vou ter sempre o privilégio de dizer que fui a sua primeira orientanda e desejo tudo de melhor na sua carreira. Por fim, agradeço a Deus, por tudo.

RESUMO

Desde o início do século XX, o profissional de imprensa possui presença contínua nas produções audiovisuais americanas, criando diversas concepções sobre o jornalismo. Nesse sentido, o estudo em questão objetiva demonstrar a representação do da profissão dentro do universo ficcional de um programa telejornalístico construído na primeira temporada do seriado televisivo da emissora HBO, The Newsroom, criada pelo dramaturgo Aaron Sorkin. A pesquisa utiliza como referencial de análise conceitos teóricos do campo jornalístico, observando nas ações e discursos dos personagens quais funções são específicas da profissão e quais dizem respeito às estratégias narrativas do produto audiovisual.

Palavras-chave: Teoria do jornalismo, Serialização, Estratégias narrativas, Mundos ficcionais.

ABSTRACT

Since the beginning of the XXth century, the journalist frequently appears as a character in American audiovisual productions, creating different misconceptions about the profession. This work aims to demonstrate how the newsperson is portrayed inside the fictional world of a cable news program built in the first season of The Newsroom, HBO television series created by Aaron Sorkin. In order to approach the representation of the press in the series, the analysis will identify how some theoretical concepts taken from the field of journalism theory will appear in the narrative, especially in the way characters are built.

Keywords: Journalism theory, Serialization, Narrative strategies, Fictional worlds.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................8 1– JORNALISMO EM UM PRODUTO AUDIOVISUAL..............................12 1.1 – O jornalismo como tema central das narrativas audiovisuais...................12 1.2 – A história do jornalismo americano nos newspaper movies.....................16 1.3 – Ficção seriada televisiva...........................................................................19 2 – THE NEWSROOM.....................................................................................21 2.1 – Estrutura dos episódios.............................................................................21 2.1.1 – Princípios editoriais: Mundo ficcional x Mundo real............................22 2.2 – Mundo ficcional: a redação do News Night..............................................25 2.3 – Construção dos personagens.....................................................................27 2.4 – Personagens de The Newsroom.................................................................29 3 – AS REPRESENTAÇÕES JORNALÍSTICAS EM THE NEWSROOM.....35 3.1 – Didatismo em The Newsroom...................................................................35 3.2 – Jornalismo opinativo.................................................................................41 3.3 – Quarto poder..............................................................................................45 3.4 – Ética...........................................................................................................49 3.5 – Pressão Institucional..................................................................................53 NOTAS CONCLUSIVAS..................................................................................57 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................60 FICHA TÉCNICA.............................................................................................64

INTRODUÇÃO

A pesquisa pretende analisar de que forma o jornalismo é retratado na primeira temporada do seriado televisivo da HBO1, The Newsroom. O problema estrutura-se a partir das rotinas, ações e discursos dos personagens criados pelo dramaturgo americano Aaron Sorkin, utilizando pressupostos do campo jornalístico e da construção de narrativas ficcionais para diferenciar os dois tipos de mundo: real x ficcional. Com estreia nos EUA em 2012, The Newsroom (A redação do jornal, em tradução livre) ambienta-se em uma redação de telejornal fictício. O próprio nome da série já identifica o espaço em que as ações serão executadas. Os conteúdos noticiosos do telejornal ficcional, News Night (Noite de notícias, em tradução livre), são em grande parte eventos reais e identificáveis, ocorridos em um passado recente. O seriado apresenta uma cobertura própria para essas notícias, propondo, em retrospecto,como elas deveriam ter sido abordadas no mundo real. A escolha desse objeto teve como motivação pessoal o interesse pela ficção seriada, que nesse caso utiliza recursos fílmicos para compor um produto televisivo, além da descoberta de um campo de conhecimento muito vasto e em constante crescimento no jornalismo, interessado em explorar a profissão em narrativas ficcionais. Estudar histórias nas quais o jornalismo aparece como tema contribui para um melhor diagnóstico dos valores atribuídos à figura do jornalista em determinado contexto cultural, pois narrativas, mesmo que descoladas da realidade, oferecem sintomas valiosos para entender sua época. Devido ao grande número de trabalhos sobre filmes que retratam a profissão, explora-se a ficção seriada televisiva para desenvolver esta pesquisa. Algumas diferenças entre obras feitas para o cinema e para seriados televisivos podem ser encontradas no tempo de duração, permitindo na serialização um tempo maior para desenvolver representações e ações dos personagens; no close e na estrutura de montagem, considerando o tempo de exibição das imagens, ritmo de montagem, 1

“HBO (Home Box Office) é um canal de televisão por assinatura com uma programação dedicada a filmes lançados em cinema, filmes de produção própria e séries originais semanais. É um canal exclusivo para assinantes das operadoras em que está presente e não passa comerciais tradicionais, permitindo a representação de temas como violência intensa e sexo explícito”. (MOREIRA, 2007, p. 10).

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movimento da câmera e edição das cenas; e os ganchos utilizados nos intervalos comerciais, responsáveis pelo ritmo da narrativa. O principal intuito deste trabalho é compreender, a partir da análise do objeto, as seguintes questões: De que forma o jornalismo é construído em um ambiente ficcional? Quais funções jornalísticas os personagens desempenham na trama? Quais conceitos do jornalismo o seriado pretende enquadrar naquele ambiente? Todas essas perguntas são norteadas pelo fato de que o universo criado é essencialmente ficcional e possui estratégias narrativas próprias para seu funcionamento, diferenciando quais funções são próprias da profissão e as que dizem respeito à narrativa ficcional. Na construção do mundo imaginário do telejornal, há um contrato próprio da narrativa que oculta algumas práticas do jornalismo em função do tempo e da necessidade de uma administração parcimoniosa das informações. A escolha de notícias relativamente atuais, facilmente reconhecidas pelo telespectador do seriado, foi uma estratégia fílmica para economizar explicações na narrativa. Como não é preciso detalhar o conteúdo noticioso no momento que o telejornal vai ao ar na série, cada episódio prioriza qual processo de interpretação da notícia irá concentrar as ações dos personagens. Pode ser o surgimento da informação, os debates na reunião de pauta ou a edição. Para abordar o problema da representação do jornalismo na série, optou-se por se concentrar em análise de conteúdo, buscando identificar, no próprio texto fílmico, a manifestação de conceitos próprios do jornalismo no discurso dos personagens, além de isolar as estratégias propriamente narrativas necessárias para a construção de um universo ficcional verossímil. Durante a análise de The Newsroom, foram executados diversos tipos de relatórios, interessados em captar quais temas e valores jornalísticos que surgiam em cena, quais os discursos desenvolvidos pela profissão através dos personagens e como os conflitos profissionais se desenvolviam no decorrer dos episódios. A partir da junção desses relatos foi possível estabelecer os elos entre o material destrinchado, compreendendo como eles se associam. A divisão do trabalho estrutura-se em três capítulos. O primeiro capítulo apresenta um panorama sobre a inserção do jornalismo como tema central em produtos audiovisuais, identificando como os dois se relacionam desde a primeira película que 9

retratou a profissão no século XX e os parâmetros para a construção de personagens e símbolos que estereotipam o profissional de imprensa; a história do jornalismo americano nos newspaper movies; que apresenta os períodos históricos do jornalismo americano mais abordados nas obras fílmicas; e a ficção seriada televisiva, visando explicar como o cinema influenciou na concepção desse formato e suas características principais. O segundo capítulo introduz o mundo de The Newsroom, onde encontramos o uso de uma redação telejornalística para criar os conflitos narrativos. O primeiro tópico aborda a estrutura dos episódios, explicando como cada capítulo é desenvolvido através de uma notícia derivada do mundo real e quais os princípios editoriais utilizados para tratar o conteúdo noticioso. Logo após, no tópico Mundo ficcional: a redação do News Night, observam-se as regras da redação do telejornal, identificando as divergências entre os interesses dos donos da empresa e a redação do jornal, relatando o que cada parte defende. No tópico Construção dos personagens, há um esclarecimento de como montar personagens a partir de princípios empáticos, com conflitos e objetivos; quais os elementos essenciais para construir um herói; e também sua relação com o espectador. O último tópico desta seção, Personagens de The Newsroom, identifica a função jornalística de cada personagem na trama e o que eles tentam provocar no telespectador do seriado. O terceiro capítulo diz respeito à análise propriamente dita das representações jornalísticas no objeto. O estudo foi dividido em cinco partes, a partir da apuração dos temas frequentemente debatidos pelos personagens ao longo dos dez episódios da primeira temporada do seriado. As categorias são: Didatismo em The Newsroom, que expõe como há uma pretensão de ensinar um tipo de jornalismo através do discurso dos personagens; Jornalismo opinativo, mostrando como a escolha do gênero discursivo funciona como uma estratégia narrativa para que os personagens pudessem exibir uma vertente jornalística; Quarto poder, um conceito reivindicado pelos personagens a todo o momento na trama, remetendo a um determinado período da história do jornalismo; Ética, tema intrínseco aos deveres da profissão, e do posicionamento de superioridade moral dos protagonistas; e Pressão institucional, que relata o conflito entre o corpo dirigente e a equipe jornalística, demonstrando como essa equipe desafia as relações empresariais em um discurso que não é feito entre iguais. 10

Cada peça fílmica possui uma abordagem particular, sendo assim difícil de coincidir com a identificação de uma lei geral da natureza do filme. Compreender os objetos audiovisuais é saber o que ele tem de singular, único e específico. Portanto, a pesquisa tem uma perspectiva analítica, capaz de orientar o olhar sobre os elementos simbólicos, significados e o discurso presente na obra. Posto isso, o objeto empírico estudado encontra-se sob o formato de uma obra audiovisual, que não é propriamente de natureza jornalística. Porém, o ambiente, a narrativa, o enredo, os personagens e toda a atmosfera construída na obra giram em torno de um universo representativo e supostamente típico do jornalismo.

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1º Capítulo – JORNALISMO EM UM PRODUTO AUDIOVISUAL Este capítulo faz uma ampla abordagem da relação entre o jornalismo e a narrativa audiovisual, abrangendo de que forma a profissão despertou interesse, em um primeiro momento, para as telas de cinema e o modo como o espaço fílmico atribui uma série de estereótipos e simbolismos à profissão, presentes na construção das tramas e dos personagens; a história do jornalismo nos newspaper movies, apresentando quais momentos do contexto histórico do jornalismo americano são apresentados nas obras audiovisuais que retratam a profissão; e a ficção seriada televisiva, que aborda como o cinema contribuiu para esse segmento fílmico e suas características essenciais.

1.1 O jornalismo como tema central das narrativas audiovisuais Desde o começo do século XX, a indústria cinematográfica americana reúne uma série de títulos que exploram o universo jornalístico na ficção, chamados de newspaper movies (filmes de jornalismo), com várias perspectivas e estereótipos diferenciados, criando diversos mitos e símbolos tanto para a profissão quanto para o próprio jornalista. A primeira película2 ficcional a retratar o universo de um jornalista nos Estados Unidos foi The Power of the press, produzida em 1909, pelo diretor americano Van Dyke Brook. Sandra Berger (2002) explica que “ninguém soube traduzir tão bem o imaginário coletivo que associa a profissão à investigação, à aventura, à independência, ao arrojo, e, igualmente, ao cinismo, à falta de escrúpulos, à arrogância, como o cinema americano” (BERGER, 2002, p.17).

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Há uma vasta bibliografia sobre o estudo de filmes que abordam as relações entre o jornalismo e cinema, tanto no Brasil como em outros países. Algumas referências no campo são: Stella Senra (1997), Isabel Travancas (2001), Wilson Gomes (2003), Reinaldo Pereira (2003), Christa Berger (2002), Lisandro Nogueira (2003). A partir das diferentes vertentes da profissão, conceitos do jornalismo, estereótipos e funções próprias da narrativa ficcional, há uma extensa quantidade de análises sobre a construção do universo jornalístico em filmes americanos como Jejum do amor (1940), Cidadão Kane (1941), A montanha dos sete abutres (1951), A primeira página (1974), Todos os homens do presidente (1976), Ausência de malícia (1981), Sob fogo cerrado (1983), O quarto poder (1997), O informante (1999), O âncora: A lenda de Ron Burgundy (2004). Em um estudo feito por Christa Berger e parceiros (2002), cerca de 785 filmes abordam de alguma forma o universo do jornalismo, sendo que 586 destes foram produzidos nos Estados Unidos.

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De tantas profissões existentes, por que o jornalismo é uma das profissões que se destacam e permanecem sendo retratado continuadamente nas telas de cinema? Por que não encontramos com frequência filmes sobre o universo de engenheiros elétricos e nutricionistas, por exemplo? O jornalista possui um apelo diferenciado, pois está inserido de forma direta com os eventos do cotidiano, em contato com o que vira história, que interessa tanto a quem fabrica (cinema) quanto a quem recebe (espectador). O jornalismo parece desfrutar de uma posição privilegiada no que diz respeito à criação da imagem de seu profissional. Por serem, de imediato, públicas as figuras da grande imprensa, por ser a exposição o requisito primeiro do exercício do jornalismo, mais que uma contingência, a transformação em imagem desse profissional parece construir uma etapa ou um estágio da sua atividade (SENRA, 1997, p.13-14).

De modo a entender a narrativa de The Newsroom, é necessário compreender o modelo clássico que se consagrou nos produtos cinematográficos americanos, visando observar de que forma os personagens são construídos dentro de um espaço dinâmico, com conflitos, situações psicológicas, pontos de virada e criação de estereótipos simbólicos. Reinaldo Pereira (2003) explica que os personagens são “individualizados” e organizados em torno “de uma ação que se desenvolve dentro de um princípio de causalidade, ou seja, o personagem apresenta-se com um objetivo claro dentro da trama – mesmo que pessoal – e um papel a desempenhar que pode culminar em vitória ou fracasso” (PEREIRA, 2003, p.4-5). Esse modelo clássico também é encontrado em outras narrativas ficcionais, como as telenovelas, seriados televisivos, histórias em quadrinhos e a literatura. O personagem jornalista geralmente funciona como peça central da narrativa, quem conduz a trama. Na criação de um ambiente plausível para o espectador, moldado a partir da “suspensão da descrença”3, o personagem atua com um suposto compromisso com a verdade factual, para garantir um referencial de verossimilhança à história. De acordo com Stella Senra (1997), o cinema encontrou no jornalismo um companheiro para garantir um registro “objetivo” do mundo visível. “Esta transparência, incorporada pela visão do jornalista, que faz com que as imagens do filme apareçam como pura ‘emanação’ do seu olhar, vem consolidar o seu caráter ‘espontâneo’ e ‘sem artifício’ – 3

Umberto Eco (1994) afirma que “o leitor tem de saber que o que está sendo narrado é uma história imaginária, mas nem por isso deve pensar que o escritor está contando mentiras (...). Aceitamos o acordo ficcional e fingimos que o que é narrado de fato aconteceu” (ECO, 1994, p.81).

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comumente considerado como um padrão de qualidade cinematográfica” (SENRA, 1997, p.39). Geralmente, a falsa espontaneidade e naturalidade das ações dos personagens, compostas por efeitos fílmicos, criam no espectador a noção de que o que transparece em cena é real. A relação entre produtores e consumidores de cinema, de acordo com Patrícia Meireles e Maurício Caleiro (2012), é atingida por elementos necessários à coerência de uma imagem. Dessa forma, “a sequência dos fatos observados no desenvolvimento contínuo e coerente de uma ideia será refletida na postura adotada pelo público” (MEIRELES E CALEIRO, 2012, p.4). O espectador é influenciado e moldado por suposições implantadas pelas produções fílmicas, que manipulam distorcidamente a representação da imprensa, atribuindo ao personagem o cargo de herói jornalista. O cinema nunca fugiu do fato de o jornalista estar inserido em um contexto urbano4, local onde ele desenvolve sua rotina, busca os eventos cotidianos e está ligado diretamente com as questões da sociedade. Isabel Travancas (2001) afirma que o jornalista surge no cinema como o herói urbano do século XX e identifica-se com a democracia, com os valores públicos, com o bem comum e, como já foi dito, a “verdade”. Christa Berger (2002) complementa o seu pensamento dizendo que: Herói é a primeira definição para o tipo ideal criado com esmero para dar forma e sentido ao jornalista dentro do contexto também enaltecido do jornalismo, em sua diversificadas aparições (jornal, rádio, tevê) e no decorrer do tempo. Interessante observar que esta imagem de herói funciona tanto para o bem como para o mal (Berger, 2002, p.17).

Geralmente, a heroicização desse profissional possui duas vertentes: A primeira mostra uma pessoa dinâmica em seu trabalho; que consegue fazer várias atividades com sucesso e ao mesmo tempo; conhece de tudo um pouco e sempre tem uma resposta pronta5; utiliza as melhores fontes noticiosas; e mantém boas relações interpessoais com diversos tipos de personalidades. Por outro lado, mas que faz com que o público possua um tipo de empatia e sentimento solidário6 com o personagem, o jornalista possui traços 4

Stella Senra (1997) explica que, de todas as figuras, o jornalista tem sido provavelmente o personagem em maior sintonia com a cidade, onde sua atuação parece implicar na integração perfeita de uma atividade profissional com este espaço físico. 5 Stella Senra (1997) explica que o diálogo rápido e inteligente é um jogo de ação e reação, representando continuidade e traz qualidade ao produto. 6 A comiseração é um dos elementos indispensáveis para construir um herói, alguém que o espectador possa torcer através de uma sequência de reviravoltas, com um sentimento contínuo de esperança para um

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de individualismo, sem laços familiares, possui alguns vícios, é antissocial, arrogante e dedica tempo integral ao trabalho em favor da justiça, da verdade e do seu papel social, já que não tem nada a perder, pois tudo a que se dedica na vida é o seu trabalho. De um modo ou de outro, o jornalista é retratado7 como um excelente profissional, reivindica o quarto poder, é objetivo e, por mais que passe por dificuldades no trabalho, consegue solucionar todos os problemas no fim da trama. Quanto ao vilão, este tipo de personagem comumente é representado pelo profissional “que não mede esforços para conseguir seus objetivos e dar um ‘furo’ de reportagem” (TRAVANCAS, 2001, p.2). Ao contrário do jornalista herói, modelo ético e íntegro do jornalismo, o vilão não possui nenhuma obrigação com os princípios éticos profissionais. Para criticar o sensacionalismo e os profissionais que trabalham com esse tipo de comunicação, há uma extravagância na construção das ações e personalidades desses personagens. Essas narrativas geralmente contemplam o modo como é feito o espetáculo das notícias, como o profissional cede facilmente aos interesses da instituição, a falta de veracidade da notícia, como o jornalista é submetido a esse ramo da comunicação e a forma como os espectadores são alienados pela mídia. No caso dos tabloides, por exemplo, as narrativas comumente utilizam ícones bem sucedidos do ramo, que se infiltram na alta sociedade com intuito de revelar os conflitos interpessoais e fofocas sem nenhuma relevância para a sociedade. O poder também está presente no vilão jornalista, só que de forma contrária ao poder do herói. Por deter voz em um veículo de informação, pode difamar a qualquer momento a imagem de alguém ou divulgar fatos irreais sobre determinados eventos, em prol dos interesses da instituição regente, ou até mesmo por problemas pessoais. Entre outras questões, o entretenimento, o apelo emocional e a falta de fontes seguras também são alvos de crítica quando se aborda o “mau” jornalismo. A repetição dessas narrativas ficcionais, combinando os elementos expostos na criação de símbolos e estereótipos para a profissão, pode produzir no espectador um tipo

desfecho feliz. As questões sobre padecimento já eram abordadas por Aristóteles, afirmando que “se o herói trágico cai no infortúnio, tal acontece não porque ele seja vil e malvado, mas por força de algum erro". (ARISTÓTELES apud BOCAYUVA, 2008, p.47-48). Portanto, essa situação paradoxal na vida do herói causa o efeito de piedade no receptor. 7 Alguns filmes clássicos que abordam o jornalista como herói são: Adorável vagabundo (1941), Sob fogo cerrado (1983), O informante (1999).

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incomum de intertextualidade. Ao falar sobre a construção de mundos ficcionais, Umberto Eco (1994) explica que quando são acrescentados indivíduos, eventos e outros atributos do mundo real a uma história ficcional, nós somos tentados a misturar o mundo artificial construído com a realidade. À medida que personagens similares migram constantemente em diversos universos imaginários, eles acabam adquirindo cidadania no mundo real, libertando-se da história em que foram construídos. Para entender como essas tendências narrativas do cinema convergem dentro de um contexto histórico do jornalismo americano, o próximo tópico apresenta quais períodos da profissão costumam ser retratados nos newspaper movies.

1.2 A história do jornalismo americano nos newspaper movies

Com a existência de diversos filmes sobre a imprensa americana, vários conceitos equivocados sobre como ela funciona já foram disseminados e tomados como transcrição do real. Ainda há uma forte romantização dos personagens nas tramas e um desejo de justiça atribuído ao jornalismo que lhe configura um papel social e político de imensa responsabilidade. Sobre esse cargo político atribuído ao jornalista, Reinaldo Pereira (2003) explica que, no cinema americano, a imprensa é abordada “de acordo com uma ‘teoria liberal’ que a concebe como uma fiscal crítica e independente do papel do Estado e de outras instituições existentes na sociedade, o chamado “Quarto Poder da Nação” que resguarda os direitos dos cidadãos” (PEREIRA, 2003, p.6). Muito mais que apenas um informante, o jornalista passa a ter controle do poder e um papel civilizatório para com a sociedade, em prol do desenvolvimento do povo americano. Quando alguém tem o objetivo de civilizar, por trás haverá uma ideologia regente. Patrícia Meireles e Maurício Caleiro (2012) apontam que “a distorção desse recurso simbólico (saber), recorrente a uma lógica político-social, revela em formações discursivas uma construção argumentativa pré-estabelecida da imprensa como uma instância social que distorce e estabelece critérios persuasivos a esse conceito” (MEIRELES E CALEIRO, 2012, p.8). Isso acontece quando utilizam na trama 16

elementos políticos para conduzir a narrativa que, em um contexto do jornalismo, nos leva a um período longínquo da profissão, 200 anos atrás. Esse período político pertence ao início do século XIX, em pleno auge da democracia nos EUA, quando o jornalismo era essencialmente opinativo e possuía uma postura ideológica e política pelos jornalistas na sociedade, devido ao aumento do índice de politização dos americanos, apesar de grande parte da sociedade não ser alfabetizada. Como os jornais não possuíam a estrutura necessária para a cobertura de matérias factuais, o conteúdo resumia-se basicamente em economia e política. Com os avanços tecnológicos, por volta dos anos 1930 nos EUA, o jornalismo passou por grandes modificações em seus processos e técnicas para entrar em sintonia com um novo mercado (MELO, 2005). Nesse momento, os profissionais precisaram compreender como atuar em um espaço segmentado, em que o objetivo maior não era o compromisso com a verossimilhança dos fatos, mas sim com o lucro, abandonando o que era chamado de jornalismo partidário. No fim do século XIX, a segunda geração da imprensa popular se estruturou. Os jornais ficaram mais baratos e direcionados para a população. Os donos de jornal passaram a focar seus objetivos nos lucros, dando abertura ao surgimento do jornalismo não só noticioso e factual, mas sensacionalista. Surgiram novas regras, como a utilização de gráficos e fotografias. Nessa fase, o sensacionalismo permaneceu, chamado de jornalismo amarelo ou marrom, com fatos inventados e divulgados, mesmo que depois fossem seguidos de um desmentido. (MELO, 2005, p.6)

Diversos filmes abordam e criticam o jornalismo que emerge no fim do século XIX, o jornalismo sensacionalista. O aumento da população alfabetizada ao redor dos EUA despertou o interesse dos donos de jornal em popularizar as notícias, comercializando matérias que não poupavam o uso de mentiras que poderiam ser esclarecidas, ou não, após a publicação. Com isso, o jornalismo também começa a dar espaço para a humanização dos conteúdos nos veículos, transformando a imprensa em um local solidário, quase um psicólogo, a dispor de um compromisso direto com o leitor. Ao fazer uma associação desse período da profissão com o jornalismo produzido no cinema, Stella Senra (1997) afirma que: É justamente desse comércio de sentimentos entre o jornal e o seu público que o cinema tirará proveitos nas obras dedicadas aos temas jornalísticos: pois se o leitor “acredita” no jornalista porque este detém o crédito das suas emoções, não será difícil transferir para a sua personagem a mesma devoção que o público sempre manifestou em relação às figuras da ficção. (SENRA, 1997, p.44)

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Partindo para um contexto mais atual, final do século XX e começo do século XXI, observa-se um jornalismo em fase de transição nos EUA e no mundo. As redações substituíram as antigas máquinas de datilografar por computadores, exigindo do profissional aperfeiçoamento das técnicas para competir em um novo mercado globalizado e interação em um espaço multimídia. A população, que apenas recebia a informação, agora pode interagir e também pode ser divulgadora de informação, pois possui um intelecto crítico mais desenvolvido. É neste espaço atual do jornalismo que o objeto empírico estudado ambienta-se, mas os conceitos que regem esse mundo ficcional têm uma proximidade maior com caráter político da profissão presentes no início do século XIX, o jornalismo dito como o “Quarto Poder”. A partir desse contraste entre período e conceitos criados na narrativa, compreendendo o contexto do jornalismo americano, é que se pode desconstruir o objeto e traçar uma linha tênue entre a ficção e a realidade, visando obter um panorama da insistência dos produtos audiovisuais americanos em abordar a imprensa e quais aspectos ela pretende propor, resgatar, criticar ou simplesmente contar uma história. Devido ao formato seriado de The Newsroom, o mundo imaginário construído possibilita um contato maior com o espectador, que acompanha a criação daquele ambiente através de uma narrativa mais longa. A depender da qualidade como são desenvolvidas as narrativas e o tipo de espectador, as ações presentes na serialização de ambientes plausíveis podem transparecer verossimilhança em níveis diferenciados para quem assiste.

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1.3 Ficção seriada televisiva

O cinema foi quem ofereceu o modelo de seriado encontrado hoje na televisão, logo no começo do século XX. Os filmes com esse formato eram exibidos em partes, com seus roteiros inventados na hora e sem finalização para as histórias. O amadorismo, segundo Lilian Moreira (2007), conduzia as séries em uma narrativa descontínua, sem ligação umas com as outras, pois os personagens desapareciam e os atores eram constantemente trocados. Em um contexto atual, a autora define a narrativa seriada televisiva da seguinte forma: Os seriados, caso em que cada emissão é uma história completa e autônoma, com começo, meio e fim e o que se repete no episódio seguinte são apenas os personagens principais calcados numa mesma intenção narrativa. Ou seja, utiliza-se de um protótipo básico que se multiplica em variantes diversas. (MOREIRA, 2007, p.8)

Esse protótipo básico diz respeito à repetição8 do conteúdo de diversos produtos dos meios de comunicação de massa. Umberto Eco (1989) relata que os quadrinhos cômicos, o filme comercial, a música dançante e o então chamado seriado de televisão “fingem” ser sempre diferentes, quando, na verdade, nos contam sempre a mesma história: “Temos uma situação fixa e um certo número de personagens principais da mesma forma fixos, em torno dos quais giram personagens secundários que mudam, exatamente para dar a impressão de que a história seguinte é diferente da anterior” (ECO, 1989, p.123). Na televisão, existem diferentes tipos e formas narrativas em séries, que geralmente se estruturam a partir do gênero textual, da audiência e do tempo. As minisséries possuem uma duração muito curta, portanto exploram os eventos e as ações dos personagens de maneira mais rápida, enquanto uma novela possui uma história em aberto, que pode ser modificada a qualquer momento a depender do sucesso do personagem, da capacidade de desenvolver as situações com qualidade e do gosto do público. Para preencher as demandas da emissora de forma mais adequada, Anna Balogh (2002) relata que “cada formato tem uma presença consagrada em um horário 8

A estética da repetição é um assunto muito debatido e complexo, que envolve tanto os meios de comunicação de massa quanto formas artísticas do passado, discursos modernos e pós-modernos. Para mais informações, estudiosos como Umberto Eco (1989), Omar Calabrese (1987) e Lorenzo Vilches (1999) são referências no assunto.

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determinado, prevendo um público-alvo e dentro de ofertas de gênero que se repetem com as pequenas diferenças de praxe e que mantêm a curiosidade do espectador cativo” (BALOGH, 2002, p.8). Em relação aos tipos dos episódios, existem séries em que cada capítulo contém um começo, meio e fim, chamadas de episodic series. Isso geralmente acontece com séries de mistério e investigação, pois os personagens irão desvendar casos diferentes a cada episódio. Outras séries possuem histórias que se desenvolvem através dos episódios, o chamado continuing serial. Em seu progresso, existe uma constante sequência de pequenos clímaces para manter o interesse do público, com uma sucessão de complicações, reviravoltas, ocultações e orientações falsas, visando que cada uma dessas instalações seja concluída com um evento final de suspense. Os seriados que adotam narrativas flexíveis, como acontece com The Newsroom, são um tipo híbrido de episodic series e continuing serial. A cada episódio alguns conflitos são solucionados, mas outros permanecem durante toda a história e só serão desencadeados no final da trama. O objeto desta pesquisa trata de pelo menos um tipo de evento noticioso em cada episódio, obtendo ao fim o fechamento da notícia. Porém, encontramos conflitos no plano de fundo que são inerentes à maioria dos episódios, como a pressão institucional e os altos e baixos na implantação de um jornalismo opinativo. Com a identificação de como o objeto estudado está inserido na narrativa ficcional televisiva, obtemos um posicionamento prévio do universo construído em The Newsroom, mais ligado ao seu formato. O próximo capítulo concentra-se em explorar com mais abrangência a sua estrutura e as regras próprias da narrativa, a fim de entender como funciona o mundo imaginário da série.

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2º Capítulo – THE NEWSROOM Este capítulo tem por objetivo traçar um panorama sobre a primeira temporada da série de TV The Newsroom (2012), do canal HBO, criada pelo dramaturgo Aaron Sorkin. É importante ter uma prévia familiaridade com as regras deste ambiente antes de ingressar propriamente na análise, a fim de compreender cada peça que monta o quebracabeça do objeto. Entre os elementos essenciais a serem abordados encontram-se a Estrutura dos episódios, que explica como é desenvolvida a escolha dos eventos noticiosos no News Night; os Princípios editoriais: Mundo ficcional x Mundo real construídos na série, que diferencia os conceitos estabelecidos dentro e fora do mundo ficcional; a Construção dos personagens, que identifica conceitos de empatia e estratégias narrativas para conceber personagens; e os Personagens de The Newsroom, demonstrando as funções jornalísticas que os personagens desempenham na trama.

2. 1. Estrutura dos episódios A história aborda a rotina da redação de um telejornal chamado News Night (Noite de notícias, em tradução livre), no horário nobre noturno do canal a cabo ACN (Atlantis Cable News), que possui grande audiência nos EUA. A primeira temporada da série possui 10 episódios e cada um deles gira em torno de algum evento noticioso ocorrido em um passado recente, mais especificamente em notícias dos anos de 20102011. A partir do momento em que uma notícia é posta em pauta na redação do News Night, coloca-se disponível para o telespectador do seriado uma legenda referente à data do acontecimento. Esse recurso de identificação auxilia o espectador a ser transferido imediatamente ao contexto histórico em que a notícia aconteceu. Porém, algumas vezes esse mecanismo é utilizado para criar expectativa a quem assiste a série, como acontece no sétimo episódio da primeira temporada, divulgando apenas a data e não o evento que seria abordado na trama. O evento dizia respeito a 01 de maio de 2011, captura de Osama Bin Laden. A maioria dos espectadores sabe o que aquela data significa, mas,

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devido à expectativa dos personagens, o clima de aguardo criado na trama influencia o modo como o espectador reage ao fato. Essa abordagem narrativa, focada no reconhecimento dos eventos nos episódios, favorece a narrativa de duas formas: há uma economia de explicações para o público, que já possui uma familiaridade com as notícias; e também há um reconhecimento por parte do espectador que premia a sua capacidade de prever o que será exposto na trama ao reconhecer as notícias derivadas do mundo real, fazendo com que esse espectador se sinta recompensado e pense que tem domínio sobre o enredo. Umberto Eco (1989) explica que o receptor fica feliz pelo fato de se descobrir capaz de adivinhar o que acontecerá, já que vivenciou aquela história alguma vez. “Satisfazemonos porque encontramos o que esperávamos, mas não atribuímos este ‘encontro’ à estrutura da narrativa, e sim à nossa astúcia divinatória” (ECO, 1989, p.124). As notícias cobertas na série possuem caráter essencialmente político e econômico, cujo gênero é classificado pela emissora HBO como drama político9. Entre elas, encontramos algumas que obtiveram repercussão mundial, como o caso da explosão da plataforma Deepwater Horizon no Golfo do México, em 20 de abril de 2010; os protestos no Egito, em fevereiro de 2011, reivindicando a saída do presidente Hosni Mubarak; e a captura de Osama Bin Laden pelos EUA, em 01 de maio de 2011.

2.1.1 Princípios editoriais: Mundo ficcional x Mundo real A abordagem utilizada no modo de transmitir a notícia ao telespectador que assiste o News Night não é feita da mesma forma do que normalmente acontece na cobertura real dos telejornais. Através de um passo a passo, com um toque didático, os personagens da redação do seriado revelam ao telespectador o modo supostamente mais correto de cobrir as notícias, dando a ideia de como aqueles eventos noticiosos que aconteceram de verdade poderiam ter sido cobertos. O autor situa o público sobre a

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De acordo com o livro “Gêneros cinematográficos” (2010), de Luís Nogueira, o drama político “visa questionar ou promover certos paradigmas ou valores políticos vigentes e as suas implicações ao nível civilizacional, social ou individual, retratando épocas ou acontecimentos decisivos na história das sociedades ou das nações, sobretudo ao nível das suas ideias fundadoras ou dos seus regimes de governo” (NOGUEIRA, 2010, p.25).

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linha editorial que o jornal irá seguir logo nos dois primeiros episódios, instaurando alguns princípios necessários para reger o ideal proposto. No segundo episódio da série, quatro regras sobre o fazer jornalístico são sugeridas durante uma reunião de pauta, determinando as seguintes diretrizes: 1) Esta é a informação que precisamos? 2) Essa é a melhor forma de passarmos o argumento? 3) É uma história com contexto histórico? 4) Existe mesmo dois lados de uma história? Dentro dessa perspectiva de relevância da informação, a redação do seriado preocupa-se com a qualidade da notícia passada para o cidadão americano. Também há uma discordância da equipe em explorar matérias tanto com apelo emocional, que emanam uma postura sensacionalista, quanto com espetáculos negativos, acabando com a ideia de que bad news is good news (Notícia ruim é notícia boa, em tradução livre) e implantando o conceito de que good news is good news (Notícia boa é notícia boa, em tradução livre). É possível estabelecer uma relação entre os critérios de noticiabilidade abordados nas teorias do jornalismo e os princípios editoriais defendidos pelos personagens da série. Encontramos no campo da comunicação a utilização dos valores/ notícia como guia para relevância noticiosa no jornalismo, selecionando um conjunto de elementos controlados pelo órgão informativo, que controla e gere os acontecimentos. Mauro Wolf (1985) define algumas categorias quando fala de valores/notícia no jornalismo, que derivam de alguns pressupostos implícitos ou de considerações relativas: a) às características substantivas das notícias; ao seu conteúdo; que estão diretamente ligados à importância e o interesse da notícia; b) à disponibilidade do material, que se refere à acessibilidade do acontecimento para o jornalista; e aos critérios relativos ao produto informativo, que se explica em termos de consonância com os procedimentos produtivos, possibilidades técnicas e organizativas, com as restrições de realização e limites próprios de cada meio de comunicação. Também estão relacionados à categoria de produto os critérios de brevidade, a ideologia da notícia na história dos sistemas informativos e do jornalismo (que esclarece o dito jornalístico “bad news is good news”) e a atualidade; 23

c) ao público, pois a finalidade do jornalismo é divulgar um produto relevante que desperte atenção e interesse dos seus consumidores. Para que isso ocorra, os órgãos de informação precisam promover pesquisas sobre a característica da audiência, os seus hábitos e as suas preferências; d) à concorrência, referindo-se à competição para conseguir um notícia antes de outros veículos, que acaba por contribuir parâmetros profissionais e modelos de referência.

Quando comparadas as duas propostas de jornalismo, percebe-se a divergência entre os conceitos presentes nas teorias do jornalismo e o que é apresentado na série, que pode ser explicado pelo evidente caráter de entretenimento de uma série televisiva, fazendo com que as rotinas jornalísticas sejam distorcidas em prol dos contratos da narrativa, preocupada em instaurar conflitos nos personagens. Portanto, os critérios de eleição dos fatos criados na série são limitados aos valores ideológicos dos profissionais que atuam na redação do telejornal fictício e não pretendem seguir todos os valores estipulados nas teorias da comunicação. Há uma preocupação com o que é notícia; com os processos de produção para gerar uma informação; com a acessibilidade, obtendo as melhores fontes possíveis; com a brevidade e a atualidade; com a concorrência, já que existe a pretensão de ser um jornal padrão na divulgação de notícias, apesar de não ser necessariamente o primeiro10 em passar a notícia; porém há divergências de valores quando se trata do público. Um dos aspectos exigidos pelos profissionais11 do News Night é que o conteúdo não seja influenciado pela audiência. Dessa forma, observa-se um discurso contrário ao aos critérios de noticiabilidade do jornalismo, devido às seguintes questões: Como pensar em notícias que sejam de interesse da população, se a audiência não desempenha nenhuma influencia na escolha da informação? Como pensar em “preocupação com o cidadão americano”, se não há interferência da pesquisa de campo para conhecê-los?

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Em alguns casos há uma resistência em ser o primeiro a passar a notícia, pois pretendem ser o melhor e mais credível. Ex: Caso da deputada baleada no quarto episódio, Gabrielle Giffords. Enquanto um médico não anunciasse a sua morte, para a redação do News Night ela ainda estava viva, mesmo com todos os melhores telejornais afirmando que ela havia falecido. (1.4 - 54’15’’ a 57’27’’). 11 Mackenzie McHale, produtora executiva, e Charlie Skinner, presidente da divisão de notícias.

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Uma das características identificadas por Mauro Wolf (1985) nos valores/notícia do campo jornalístico demonstra que não é papel do jornalista satisfazer o público, sua função é apresentar conteúdos informativos, porém “a referência às necessidades e às exigências dos destinatários é constante e, nas próprias rotinas produtivas, estão encarnados pressupostos implícitos acerca do público” (WOLF, 1985, p.191). Essa imagem que o profissional possui sobre o que é interessante para seu público deriva do fato de estar imerso no mundo das notícias, por estar em uma melhor posição para discernir o que pode ser relevante, mas é preciso o uso de estratégias, ou seja, pesquisas por parte do órgão institucional para o melhor domínio e ampla visão sobre as características da audiência.

No seriado, a empresa ACN cobra resultados sobre índices de audiência, criando um conflito observado em grande parte dos episódios da primeira temporada. Há uma preocupação da redação do jornal em não mostrar os índices de audiência ao âncora do telejornal, Will McAvoy, para não desvirtuá-lo do que estão propondo para a cobertura das notícias, enquanto os donos da empresa contestam essa posição. Para entender melhor esse conflito ideológico, a próxima etapa explica o funcionamento do mundo ficcional de The Newsroom.

2.2 Mundo ficcional: a redação do News Night

O mundo construído na série utiliza uma redação de telejornal para instaurar um modo de fazer jornalismo. Para entender como as relações funcionam nesse espaço, é preciso ter em mente que existem dois discursos opostos dentro da empresa ficcional. Os profissionais da redação do News Night acreditam que, para fazer as melhores notícias na TV, a audiência não pode influenciar no conteúdo; enquanto a empresa ACN precisa estabelecer laços comerciais para manter os negócios da emissora. Ao falar sobre as relações dentro de um universo empresarial jornalístico, Josenildo Guerra (2008) explica que a organização é uma célula institucional. Cada organização funciona a partir da manifestação empírica que a instituição determina, com a corporificação de um conjunto de diretrizes normativas do dever-ser da atividade jornalística. 25

Os personagens da redação do telejornal fictício pretendem reivindicar o Quarto Poder transformando o estúdio do telejornal em um verdadeiro tribunal, pois, segundo eles, o cidadão americano precisa de um advogado, de um líder de opinião pública que forme um eleitorado bem informado. De acordo com o discurso dos personagens da redação do News Night, essa é uma obrigação moral que o jornalismo tem para com a população, apresentar os diversos lados de uma situação e julgar qual é a posição mais correta. Para adotar esse formato de telejornal, algumas regras foram estabelecidas pelos personagens da redação: nenhuma interferência da audiência e dos anunciantes na escolha do material noticioso; abordagem das matérias sem uso de apelo emocional; pluralidade e qualidade das fontes; popularização das good news e, dessa forma, fazer com que o público se interesse pelo conteúdo; o âncora do News Night deixa de ser imparcial, expondo abertamente sua posição política; e despreocupação em ser o primeiro a noticiar um fato, mas sim em ser a melhor cobertura. Por outro lado, os donos do jornal possuem um posicionamento claro sobre as normas que regem a empresa ACN e o telejornal. Eles preocupam-se com a mudança do índice de audiência; com a falta de matérias de interesse humano; e com os negócios, já que os anunciantes também não estão satisfeitos com o ataque que recebem do jornal que investem. Uma empresa só funciona quando há consenso entre as partes, portanto desafiar continuadamente os donos de uma instituição jornalística e permanecer prestando serviços à mesma é um caso difícil de acontecer. Esse conflito aparece na trama como um mecanismo narrativo necessário para estabelecer laços empáticos, posicionando a equipe da redação como jornalistas preocupados com o cidadão e os empresários da emissora como o extremo sistema capitalista, interessados apenas em lucrar. No contexto do campo da comunicação, quando fala sobre fatias de mercado na televisão, Bourdieu (1997) propõe que há um campo de força com dominantes e dominados, em que há relações constantes e permanentes de desigualdade. Para saber o que o jornalista vai dizer ou escrever, o que achará evidente ou impensável, é preciso conhecer qual posição ele ocupa nesse espaço. Os debates propostos pelo jornalista dependem da posição dos órgãos de imprensa. Em The Newsroom, os anunciantes que possuem influência na emissora ACN passam a ser criticados no telejornal por 26

determinada força política ilícita que exercem para obter sucesso com os eleitores, portanto eles acabam pressionando os donos do jornal sobre essa postura adotada pela redação do telejornal. É justamente nesse momento que há uma cobrança muito maior por matérias que desvirtuem o espectador de qualquer acontecimento com consequências políticas. O universo da redação do News Night aborda um discurso didático em relação à profissão jornalística. Dessa forma, a série utiliza os personagens do telejornal ficcional para defender uma forma de fazer jornalismo, encontrando a intenção de que alguém conte alguma coisa na narrativa, o que o autor defende é expresso através do discurso dos personagens. O próximo tópico aborda quais aspectos e motivações que o autor precisa ter em mente no processo de construção dos personagens em uma narrativa.

2.3 Construção dos personagens

É através dos personagens que o espectador irá experimentar as emoções dentro da história. Cada um deles possui uma função narrativa e, para compreender a forma como são construídos em The Newsroom, é importante abordar algumas técnicas de desenvolvimento de personagens, como motivação, conflitos e conceitos da teoria de empatia narrativa na identificação com personagens. Segundo Michael Hauge (2011), os personagens ficcionais de cinema e televisão apresentam quatro facetas: configuração física, personalidade, função na trama e seus antecedentes. Para que essa construção obtenha sucesso, o criador precisa fazer combinações e modificações para trazer traços de originalidade à história, pois os espectadores não são envolvidos por um produto cheio de clichês e que já assistiram inúmeras vezes. Portanto, a chave para mover as histórias é a criação de motivações, desejos e objetivos para os personagens. Porém, apenas motivação não é suficiente para fazer o roteiro funcionar. Os personagens precisam enfrentar conflitos e obstáculos para alcançar os objetivos. Hauge (2011) também explica que: “Emoções crescem com conflitos, não de desejo. As cenas mais envolventes emocionalmente em qualquer roteiro ou filme são aquelas que envolvem

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obstáculos irresistíveis que o personagem precisa enfrentar. Elas podem ser de confrontos diretos com vilões ou forças da natureza, antecipação de grandes obstáculos que estão por vir, um personagem lutando com conflitos interiores, ou até o momento que o herói é recompensado por ter encontrado a habilidade ou coragem pra superar um obstáculo. Mas desejo está lá só para mover a história adiante; é a extensão, a profundidade e a originalidade do conflito que mantém os leitores virando a página”. (HAUGE, 2011, p.20/43, tradução livre).

O herói é o personagem cuja motivação conduz o enredo, é o foco central da narrativa, o que mais aparece na tela e, geralmente, é com quem o público mais se identifica. Para criar o herói que se adapte melhor à história, é necessário estabelecer uma empatia com o público, deixando o personagem agradável, além dos requisitos atrativos e traços de originalidade. Suzanne Keen (2006) explica que a identificação com um personagem geralmente oferece empatia, mesmo quando o leitor e o personagem da ficção não possuem nada em comum. Mas, empatia por um personagem parece exigir apenas mínimos elementos de identificação, situação e sentimento, sem necessariamente caracterizações complexas ou realistas. Algumas especificidades de caracterização contribuem para essa identificação: nomeação, descrição, representação das ações, atribuição de qualidade ao discurso, funções nas trajetórias do enredo, modo de representação da consciência, entre outros. Escritores não possuem controle total sobre a reação que seus personagens criam nos leitores e sentir empatia por um personagem não corresponde exatamente com o que o autor desejou levantar na trama. Quando invoca uma situação de empatia, ele apenas espera alcançar leitores com experiências apropriadamente correlacionadas. As escolhas genéricas e formais feitas pelos autores na elaboração de mundos ficcionais convidam (ou retardam) as respostas empáticas dos leitores. “Isso significa que, para alguns leitores, o uso de convenções formuladas pelo autor em um thriller ou romance aumentaria a ressonância empática, enquanto para outros leitores (talvez mais educados e antenados em efeitos literários) representações incomuns ou surpreendentes promovem aproximação e abrem o caminho para leitura empática”. (KEEN, 2006, p.910, tradução livre).

O jornalismo se mostrou, desde o início do cinema americano, um tema bastante empático para o desenvolvimento de uma atmosfera com personagens da área, pois “a 28

sobrevivência de um mesmo herói ao longo de tantos anos é significativa tanto do interesse do público pelo personagem, quanto da sua adequação ao tratamento cinematográfico” (SENRA, 1997, p.37). É muito provável que o cinema tenha contribuído como teste vocacional para muitos dos aspirantes a jornalista que, ao chegar à academia, acabam descobrindo que muitas das práticas presentes nos jornalistas das telas de cinema são irreais. É possível afirmar que o cinema colaborou com a construção de uma imagem,ou melhor, de algumas imagens do jornalista; representações que certamente influenciaram na escolha profissional de futuros repórteres. Quantas carreiras jornalísticas não devem ter nascido no “escurinho” de uma sala de cinema? (TRAVANCAS, 2001, p.1-2)

No seriado do objeto estudado, o autor já deixa claro no primeiro episódio quais as relações de empatia que pretende estabelecer em relação aos personagens, por quem devemos torcer e por quem devemos manter certa repulsa. Conseguimos distinguir o herói que conduzirá a trama; os personagens que darão suporte ao herói, motivando-o a alcançar os seus objetivos; o antipático; os casais românticos; e os secundários, que adicionam mais complexidade à trama. Para uma melhor explanação de com os personagens são apresentados em The Newsroom, o próximo tópico explica quais funções jornalísticas os personagens desempenham na trama.

2.4 Personagens de The Newsroom Basicamente oito personagens atuam na redação do News Night. Eles aparecem em todos os 10 episódios da primeira temporada e desempenham alguma atividade que contribui na desenvoltura da série. Os donos da emissora ACN aparecem esporadicamente e possuem a função de cobrança e pressão institucional. Em relação ao jornalismo, cada personagem possui um discurso muito particular sobre a profissão, como se fossem peças com visões específicas sobre o papel de um profissional de imprensa. Alguns personagens convergem no pensamento jornalístico, outros aderem parcialmente ao que a redação do News Night propõe.

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Will McAvoy Will McAvoy é o segundo âncora mais assistido da TV e um típico herói em conflito com sua profissão, pois a todo o momento oscila sobre a sua posição em relação a questões como ética, audiência e abordagem de estilo jornalístico.

Seu

sucesso é resultado da sua postura inofensiva, sem ofender ninguém, por isso o chamam de Jay Leno12 dos âncoras. Porém, apesar de possuir muito sucesso enquanto está no ar, na redação ele não é nem um pouco popular, já que não se importa muito com as pessoas com quem trabalha no dia-a-dia. Aos poucos, ele percebe a importância de um bom relacionamento com os profissionais que o cercam e reconhece a dedicação oferecida por cada um no trabalho. É justamente essa ambiguidade de personalidade que faz com que ele não seja um herói empático à primeira vista. A adoção de um jornal com caráter opinativo e muito mais ligado a assuntos que possam gerar um debate entre o povo americano, sem corresponder às pressões empresariais e sem se preocupar com a audiência, provoca nele resistência e descrença em um primeiro momento. Ele possui certo grau de fixação pelos números da audiência e pela sua popularidade, mas, apesar disso, fazer um jornal com “notícias de verdade” é um dos desejos que ele jamais pensou em concretizar. No decorrer dos capítulos, observa-se um Will McAvoy oscilando entre duas questões sobre a sua posição no telejornal: ceder à realidade da empresa ou aproveitar o momento utópico em que se encontra no News Night. Essas oscilações do personagem preenchem uma necessidade narrativa, pois sem motivação e objetivos a alcançar, não existe razão para torcer por um personagem, principalmente se tratando de um herói, em que a empatia precisa existir para que o espectador demonstre interesse pela história.

Charlie Skinner Charlie Skinner é o presidente da divisão de notícias do News Night. Charlie é uma espécie de protetor de Will McAvoy e uma das poucas pessoas que o conhecem tão bem, portanto ele é bastante respeitado pelo âncora. 12

Jay Leno é apresentador de um talk show americano, intitulado The tonight show with Jay Leno. O formato do programa é semelhante ao “Programa do Jô” no Brasil.

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Ele é um profissional jornalístico à moda antiga e um tanto saudosista, pois tudo que aprendeu e admira na sua longa carreira profissional é derivado das lendas do jornalismo americano. Foi o responsável por transformar o cenário do telejornal em uma espécie de tribunal e enfrentar a empresa ao dizer que não pode fazer um noticiário de acordo com os interesses institucionais. Sua função na trama é estabelecer que tipo de escola do jornalismo o News Night pretende seguir. Um jornalismo opinativo que guie as escolhas e avanços da população americana, espelhado nos grandes jornalistas que já serviram e influenciaram na história do país. Mesmo que Will passe por um processo de aceitação sobre essa proposta, Charlie sempre terá um jeito de guiar o âncora sobre qual caminho seguir. O jornalista conta com a ajuda de Mackenzie MacHale para obter pleno êxito no objetivo.

MacKenzie McHale A produtora executiva do telejornal, junto com Charlie Skinner, faz o time que conduz Will a uma jornada quixotesca13, em que ela ocuparia o papel de Dulcinéia, Charlie seria o Don Quixote, Will seria Sancho Pança e os outros profissionais da redação seriam os cavalos. Seu papel é utilizar o QI e o talento de Will para fins patrióticos. Mackenzie é a personagem que trata o jornalismo de forma mais romântica no seriado. Em relação ao discurso do seriado, seu papel na trama é mostrar o papel didático da profissão, a professora da escola News Night de jornalismo. Sua função no nível da história é por em prática a vontade de Charlie, mostrar que é possível fazer um jornalismo em que as good news prevaleçam acima de qualquer imposição institucional, pois ela é indiferente a índices, competição e consequências sobre os contratos comerciais; que exista uma popularização dessas notícias, eliminando todas as notícias banais que não contribuem com o progresso da nação; que todo o conteúdo produzido possua credibilidade no final; e que, mais do que tudo, exista respeito ao jornalismo, pois ela está reivindicando o Quarto Poder como função social do jornalismo. 13

De acordo com a “Routledge Encyclopedia of Narrative Theory” (2005), há romances em que o protagonista é ligado explicitamente ou a um tipo de Dom Quixote, criando uma premissa básica entre fantasia ou realidade alternativa. Em The Newsroom, Will McAvoy oscila entre realidade (imposições empresariais) e fantasia (desejos da redação do News Night).

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Em nenhum momento ela fica balanceada sobre seu pensamento profissional, pois funciona como o centro moral da equipe do telejornal. Prefere fazer um jornal para 100 pessoas do que fazer um para 1000 que discordem com as suas propostas jornalísticas. Portanto, ela também é um personagem com função muito estável sobre a profissão.

Don Keefer Don Keefer, ex- produtor executivo de News Night, personagem antipático e pessimista em relação ao que se pretende estabelecer na redação do jornal. Não romantiza o jornalismo e prefere não desafiar a empresa. Seu ponto de vista sobre o formato que o jornal adquire é que ninguém assistirá a uma sala de aula e a audiência não continuará a mesma. Porém, ao longo dos episódios, ele sempre está ajudando de alguma forma na produção dos conteúdos.

Jim Harper Jim Harper é o produtor sênior do telejornal, que chegou à redação com a equipe de MacKenzie McHale. Ele é muito semelhante a Charlie e respira jornalismo 24/7, é a personificação do jornalismo 24 horas. Poucos são os momentos em que ele possui outras funções na trama que não estejam relacionadas ao seu comprometimento ou contato com alguma prática do jornalismo. Além disso, ele é a tentativa da trama de pregar o mito do jornalista investigativo brilhante, que desvenda todos os mistérios com sabedoria e sagacidade para mudar o mundo. Para que esse personagem seja aceito e até credível, a estratégia básica é a escolha de um rapaz jovem, bonito, cavalheiro e charmoso.

Sloan Sabbith Jornalista pós-doutorada em economia, muito inteligente e bonita. O que a define na trama é muito mais a beleza do que a inteligência. Passa a integrar a equipe no News 32

Night a convite de Mackenzie McHale, que acredita que os espectadores só irão prestar atenção nas matérias econômicas se houver uma mulher elegante reportando. É o tipo de personagem que vive em provação a todo o momento devido à aparência, mostrando o quão inteligente não aparenta ser. Poderia ganhar muito dinheiro no setor econômico, mas se satisfaz contribuindo para o telejornal. Aos poucos, Sloan passa a expandir o seu conteúdo na ACN e até enfrenta conflitos éticos para não prejudicar as fontes.

Neal Sampat É o personagem que faz uma ponte com o jornalismo na era digital e possui todo um discurso sobre convergência tecnológica. É um tipo de self-made journalist (jornalista feito por si próprio, a sua maneira) e está sempre procurando notícias que não passou aos olhos da redação. Ele escreve para o blog de Will McAvoy e possui muitas habilidades com tecnologia da informação. É possível observar neste personagem a personificação do espectador da série, pois, mesmo fazendo parte daquela atmosfera, ele mais observa do que atua. Isso faz com que o público tenha um alto grau de empatia com ele.

Margaret Jordan Começou como estagiária e foi promovida a produtora associada. Margaret é um pouco atrapalhada tanto no modo de ser como no modo de se comportar profissionalmente, porém algumas vezes é quem salva a notícia, conseguindo os melhores furos nas coberturas. Ela é o tipo de personagem criado para promover a novela romântica da série, dentro da redação. É namorada de Don Keefer, mas apaixona-se por Jim Harper. Esse triângulo amoroso coloca a jovem entre os dois jornalistas que defendem causas diferentes na profissão, portanto a torcida para que ela fique com Jim é mais forte, pois os dois apresentam a mesma linha de pensamento e Jim não foi construído para ser antipático. 33

As relações entre os personagens na trama podem ser percebidas através do esquema abaixo:

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3º Capítulo – AS REPRESENTAÇÕES JORNALÍSTICAS EM THE NEWSROOM

Esta seção tem como objetivo a análise das representações do papel jornalístico que a série possui no decorrer dos 10 capítulos da primeira temporada. A escolha dos tópicos abordados deu-se a partir da observação das temáticas e conflitos contínuos sobre a profissão que o seriado estabelece e se propõe a enfrentar. Os tópicos apresentam transcrições dos discursos que mais se identificam com cada tema, destacados basicamente pelas vozes dos três personagens principais14: Will McAvoy (âncora do News Night), Mackenzie McHale (produtora executiva) e Charlie Skinner (presidente da divisão de notícias). As categorias são: Didatismo em The Newsroom, retratando a forma como o seriado cria parâmetros no ensino de um modo de fazer jornalismo através do discurso dos personagens; Jornalismo opinativo, destacando como o jogo de intenções deste gênero discursivo influencia a postura adotada pelo âncora Will McAvoy; Quarto poder, que comenta o caráter político e o poder do jornalista na série; Ética, demonstrando os conflitos éticos explícitos e ocultos presentes naquele ambiente de telejornal fictício; e Pressão institucional, que diz respeito às determinações da emissora contra a posição quase sempre irredutível do telejornal, em um conflito de classes divergentes.

3.1 Didatismo em The Newsroom A série propõe uma abordagem muito particular de jornalismo cujo funcionamento pressupõe a concentração na qualidade do fato noticioso livre da interferência dos interesses impostos pela empresa. A partir desse formato, é possível observar através do discurso dos personagens não só uma representação de uma certa ideia heroica de jornalismo, mas também a ambição de tentar estabelecer qual a melhor forma de fazê-lo.

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A inserção de trechos das falas dos personagens na íntegra é utilizada para aproximar o discurso da série à pesquisa, auxiliando em uma melhor compreensão das funções propostas pela atmosfera de The Newsroom.

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Essa tentativa de construir um ideal de parâmetro telejornalístico acaba conferindo à série um teor didático sobre o ofício. Encontramos em The Newsroom a pretensão de doutrinar o espectador sobre qual seria a melhor forma de fazer jornalismo. Esse teor didático fica claro na adoção do jornalismo opinativo e do jornalismo como um Quarto Poder no discurso dos personagens do News Night. Além disso, há ainda um didatismo inerente a toda narrativa ficcional, que desempenha a função de inserir o espectador dentro de um ambiente no qual ele ainda não conhece. Por se tratar de uma ficção, que retrata o universo de telejornal com regras próprias daquele mundo construído, alguns pressupostos precisam ser estabelecidos para guiar o público, divergindo a série do telejornal real, cujas explicações desse tipo não são necessárias. Quando fala sobre o ensino do jornalismo no cinema, Lisandro Nogueira (2003) argumenta que em cada diálogo existe a intenção de instaurar um tipo de pedagogia moral. A explicação das causas e efeitos no melodrama facilita a identificação do público tanto com o tema quanto com os personagens. “Estes necessitam ser didáticos15, prontos para serem assimilados, e sua trajetória já está claramente especificada na ação porque seus destinados já estão traçados” (NOGUEIRA, 2003, p.2). A primeira manifestação didática do seriado pode ser presenciada através da vinheta de abertura. Ela começa com flashs das transmissões em preto e branco de telejornais reais do passado, com alguns dos mais respeitados jornalistas dos Estados Unidos, e termina com imagens dos bastidores do News Night. É possível notar, nas duas partes, o trabalho de uma equipe dedicada a sua profissão, as salas de transmissão sempre cheias, além da rotina atarefada e corrida. A transição entre os jornalistas renomados dos EUA e os jornalistas do News Night tenta criar uma ponte entre as dimensões mitológicas de personagens históricos e os personagens fictícios da história da série, para que os personagens da série sejam percebidos como pessoas que realmente existem. Junto com a trilha sonora romântica, cuja melodia se repete nas duas

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Além do didatismo que visa ensinar uma maneira de fazer jornalismo em The Newsroom, toda narrativa precisa ser didática a fim de criar uma relação com o leitor. A “Routledge Encyclopedia of Narrative Theory” (2005) demonstra essa identidade narrativa a partir da visão de Ricoeur, emprestada da poética de Aristóteles, em que explica a noção de personagens sendo moldados pelas suas ações e experiências. O que faz com que os personagens sejam reconhecidos pela audiência são as séries ordenadas de eventos aos quais participam, provocando os efeitos necessários para a configuração do enredo.

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partes, a vinheta tem a função de apresentar ao público o tipo do jornalismo adotado na série, o resgate de um telejornal opinativo capaz de fazer história. As vinhetas de abertura de séries, segundo Anna Balogh (2002), nos introduzem a esse mundo do seriado todos os dias. A utilização de trilha sonora tanto na vinheta quanto em outros momentos da trama guia o telespectador16 a sentir o que o autor deseja que ele sinta. Na vinheta de abertura de The Newsroom, a música romântica utilizada funciona para ditar o ritmo regular do trabalho da imprensa; ela começa lenta, quando expõe algumas cenas dos jornalistas dos EUA e fica mais rápida a partir da grande sequência de imagens que mostram a agilidade da redação do News Night. Por fim, ela diminui o ritmo novamente quando mostra a imagem de Will McAvoy sentado no estúdio. O efeito da trilha sonora romântica envolve uma mistura de motivação e nostalgia, uma saudade idealizada sentida a cada vez que o espectador assiste ao seriado. Existe um padrão a ser retomado no News Night e aquelas pessoas estão se esforçando ao máximo para concretizar esse desejo, por isso que é necessário mostrar os jornalistas que fizeram história nos EUA, como se fossem lembranças de um passado feliz. Essa é uma estratégia utilizada na vinheta e em outros momentos da trama, principalmente quando as habilidades jornalísticas dos personagens são exaltadas, mostrando que aquele jornalismo precisa de um holofote. Mackenzie McHale, produtora executiva, é a personagem programada para dar as regras sobre o jornalismo aos profissionais da redação. A reunião de pauta do segundo episódio17 reafirma a presença de um tom didático. A jornalista assume uma postura professoral ao ser apresentada ao lado de um quadro branco para explicar o novo formato do jornal, enquanto seus alunos tiram as dúvidas sobre as regras levantando as mãos. Além disso, Mackenzie McHale faz com que os alunos repitam as propostas explícitas no quadro através da criação de siglas para uma melhor assimilação.

A posição de Don Keefer, personagem antipático, é contrária à da

produtora executiva. Para ele, ninguém assistirá a uma “aulinha” noticiosa. Porém, será mesmo que a audiência do News Night não estaria interessada em assistir a um noticiário que priorizasse a discussão das questões relevantes para a política e economia 16

O tipo de emoção que o receptor sentirá depende da intensidade de empatia com as situações vividas pelos personagens, que pode ser influenciado pelas próprias atitudes, valores e crenças dos espectadores. (Routledge Encyclopedia of Narrative Theory, 2005, p.136). 17 Estas regras estão presentes no tópico 2.1.1 Princípios editoriais: Mundo ficcional x Mundo real, p. 22.

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do país? Mais que isso, será que a audiência de The Newsroom não estaria interessada em observar esse universo alternativo do jornalismo que a série criou e torcer para que os personagens atinjam seus objetivos? Podemos criar um diagnóstico da audiência do News Night através dos índices expostos no decorrer dos episódios. A audiência caiu um pouco, porém não a ponto do News Night retornar ao jornal informativo. Portanto, há uma aceitação do formato pelos telespectadores daquele jornal televisivo. Em relação aos telespectadores da série, mais importante do que assistir uma aula sobre o jornalismo, é obter uma visão alternativa para uma notícia que já aconteceu na realidade e esperar um novo diagnóstico sobre aquele fato, através de personagens que despertam simpatia no público. Quando Don Keefer, personagem construído para ser antipático, afirma que ninguém quer uma aula do News Night, ele apenas provoca a vontade do telespectador de The Newsroom de assistir a essa “aulinha”. Dessa forma, observamos que o News Night cumpre a função de ser a escola noticiosa do interesse público, estabelecendo através de um debate democrático a educação do povo americano. No terceiro episódio, Will McAvoy abre o jornal com um pedido de desculpas para o telespectador devido aos erros previamente adotados pelo telejornal, por concordar em seguir os interesses da emissora. Nesse discurso, ele expressa claramente as normas e objetivos principais do jornal, afirmando que tem a função de informar e educar os cidadãos. Essa cena cria uma atmosfera de expectativa no receptor. Com uma trilha sonora ritmada por ponteiros de um relógio18, acompanha-se toda a preparação do pedido de desculpa de Will McAvoy, convocando a equipe para esse momento divisor de águas para o programa. Nessa cena, existe uma montagem paralela na passagem do seu discurso. As imagens mesclam todo o percurso da construção do texto do âncora, em que é possível ver a dedicação da redação para que 18

“Em inúmeros filmes sobre jornais e jornalistas ele é focalizado, seja o grande mostrador da redação ou o do pulso do repórter. Não há jornalista sem estreita relação com o tempo. Relação esta que, como destaquei em minha dissertação (1983), influi na adesão deste profissional com o seu trabalho, dividindo sua vida em tempo do trabalho e do não-trabalho e gerando uma visão de mundo e um estilo de vida particulares.” (TRAVANCAS, 2001, p.3). Essa relação com um tempo não existe apenas no mundo ficcional, Nelson Traquina explica, nas teorias do jornalismo, que ser jornalista implica possuir uma capacidade performativa avaliada pela aptidão de dominar o tempo em vez de ser vítima dele, pois as organizações jornalísticas funcionam dentro de um ciclo estruturado em função de marcos temporais. Dessa forma, o jornalista deixa de ser vitimado pela cadência frenética imposta pelas horas de fechamento e passa a controlar o tempo.

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esse momento dê certo, pois abdicaram dos únicos momentos livres para desenvolver o texto; e também mostram trechos do âncora e a expectativa dos profissionais nos bastidores do News Night. Para o seriado, é muito mais interessante exibir os bastidores do fazer jornalístico, com suas rotinas e práticas; e a reação por parte das próprias pessoas que habituam aquele ambiente, pois aproxima o telespectador do que está sendo construído no mundo fictício, algo muito distinto da experiência de assistir à transmissão de um telejornal, no qual somos confrontados com uma imagem estática do âncora no estúdio. WILL MCAVOY: “Então hoje estou começando esse noticiário juntando-me ao Sr. Clarke nas desculpas ao povo americano pelo nosso erro. O erro desse programa, no tempo em que fui seu responsável, em não informar e educar o eleitorado americano. Que fique claro que não me desculpo em nome de todos os jornalistas de televisão, tampouco todos esses jornalistas devem desculpas. Falo por mim. Fui cúmplice de uma lenta, repetida, não reconhecida e não consertada série de erros, que nos trouxe até agora.” (1.3 – 3’56’’ a 4’28’’)

Apesar do âncora não ter atribuído nenhuma responsabilidade a outros jornalistas sobre não educar o eleitorado, indiretamente ele critica a maneira profissional que eles continuam adotando e se autodenomina modelo de divulgação de notícias. Mesmo insatisfeito com os próprios erros, Will McAvoy admite ter previamente aceitado noticiar os fatos de acordo com os interesses da empresa. Expõe que a partir daquele momento não iriam mais ser vendidos para a audiência e, para afirmar a sua credibilidade e compromisso como profissional, cita e afirma que se encontra no nível de alguns dos jornalistas estadunidenses mais respeitados na área, conhecidos por posições críticas e memoráveis em jornais televisivos no passado. Ser honesto na transmissão do News Night causa três impactos para a narrativa: reafirma a posição de herói do âncora, capaz de admitir o erro em pleno telejornal; aumenta a credibilidade do jornal, devido ao discurso que pretende ser justo com o cidadão; e a tenta elevar o padrão do News Night em relação ao telejornal fora do mundo ficcional, pois a admissão dos erros nas condições em que Will McAvoy fez, desafiando os interesses empresariais, é algo raro de acontecer no mundo real. WILL MCAVOY: (...) O motivo de errarmos não é um mistério. Nós nos vendemos para as audiências[...] Agora aqueles noticiários de redes televisivas, ancorados na história por jornalistas honestos, com nomes como Murrow, Reasoner, Huntley, Brinkley, Buckley, Cronkite, Rather e

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Russert19... agora eles (outros telejornalistas) precisam competir com gente como eu [...]E esse negócio foi bom para nós, mas News Night está saindo desse negócio agora. Pode ser uma surpresa para vocês (telespectadores) que alguns dos maiores jornalistas americanos estão trabalhando, cabeças excepcionais com anos de experiência e uma inabalável devoção a reportar notícias. Mas essas vozes são uma minoria agora, e não têm chance contra o circo quando o circo chega. Estão em menor número. Estou saindo do circo e trocando de times. Vou jogar com os caras que estão levando a pior. Estou comovido que eles ainda achem que podem vencer e espero que possam me ensinar algo. (1.3- 4’56’’ a 6’54’’)

Quando Will McAvoy diz que “agora eles precisam competir com gente como eu”, ele subentende que os outros jornais não têm nenhuma chance de competição, porque o News Night é indiscutivelmente o melhor e único capaz de influenciar corretamente o espectador. Dessa forma, pode-se constatar que ele está apto a seguir o legado deixado pelos antigos colegas de profissão. Por último, o âncora explica minuciosamente para o cidadão a sua postura em relação ao jornal e afirma que a responsabilidade sobre qualquer que seja o conteúdo veiculado no telejornal é inteiramente dele e de MacKenzie McHale, produtora executiva. WILL MCAVOY: De agora em diante, decidiremos o que vai ao ar e como é apresentado a vocês (telespectadores) baseado na verdade que nada é mais importante para uma democracia que um eleitorado bem informado. Tentaremos contextualizar amplamente a informação, pois sabemos que poucas notícias nascem no momento que aparece em nosso receptor. Seremos o campeão de fatos e o inimigo moral da insinuação, especulação, hipérbole e bobagem. Não somos garçons de restaurante servindo histórias que vocês pediram do jeito que gostam. Nem somos computadores jogando apenas os fatos porque a notícia é útil apenas no contexto da humanidade. Não me esforçarei a esconder minhas opiniões pessoais. Tentarei ao máximo expor a vocês opiniões informadas que sejam diferentes das minhas. Podem se perguntar quem somos nós para decidir isso. "Nós" somos Mackenzie McHale e eu. A Srtª McHale é nossa produtora executiva. Ela regula os recursos de mais de 100 repórteres, produtores, analistas e técnicos, e todos podem ver suas credenciais. Sou o Editor Chefe do News Night e tomo a decisão final em tudo visto e ouvido nesse programa. Quem somos nós para fazermos essas decisões? Somos a elite da mídia. (1.3- 6’55’’ a 8’6’’)

Apesar de ser um discurso pouco provável de acontecer em um contexto real, o que reafirma o valor heroico do jornalista para o telespectador da série nessa cena é a sua coragem em desafiar o sistema. Rebeldia e teimosia são essenciais para dar poder ao 19

Esse é um grupo de telejornalistas estadunidenses famosos e prestigiados no EUA até hoje. São exemplo de influência na opinião pública americana e conhecidos por terem reportado as notícias com honestidade, sagacidade e credibilidade.

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herói, que nesse caso não detém tanta força quanto o corpo dirigente da empresa ACN. O jornalista possui tanta convicção dos seus ideais que parece surreal para a redação que aquele momento seja verdadeiro, pois apesar de todos estarem cientes do texto, a tensão na expressão de cada um coloca Will McAvoy em um pedestal, como verdadeiro líder de uma nação. O termo “Elite da mídia” é utilizado para posicionar o News Night como parâmetro jornalístico de integridade e credibilidade, ao qual apenas jornalistas sérios são capazes de usufruir tal título.

Devido a essa postura do jornalista que se coloca capaz de influenciar uma população, o jornalismo opinativo também influencia no didatismo. Essa relação dá-se devido à adoção de um discurso persuasivo, com o objetivo de ditar o que é certo através de um veículo de comunicação. Para melhor entender a forma como Will McAvoy passa a argumentar em The Newsroom, o próximo tópico aborda as relações entre jornalismo e opinião na série.

3.2 Jornalismo opinativo Observa-se no jornalismo opinativo do telejornal News Night um discurso que não se resume à mera transmissão de informações, mas aos efeitos de sentido produzidos a partir do texto. A escolha do jornalismo opinativo como gênero discursivo no seriado foi um meio de expor uma visão específica do jornalismo através dos personagens: uma imprensa que tem a função de educar, que resulta no discurso persuasivo de Will McAvoy no telejornal. Logo no primeiro episódio, a trama nos situa acerca da desconfiança com a qual Will McAvoy trata o jornalismo opinativo, pois acredita que impor opinião criaria conflitos com parceiros da emissora e perda de audiência, o que resultaria em conflitos com a os donos da ACN. O âncora passa por uma série de oscilações sobre a adoção desse gênero no telejornal, necessárias narrativamente para a criação de um conflito de personalidade durante a história. A cena de abertura de The Newroom acontece em um evento universitário sobre política, ao qual Will McAvoy foi convidado. Observa-se na escolha do cenário e do tema a estratégia de expor imediatamente ao telespectador da série como o herói se 41

encaixa em um seriado essencialmente político, já que falar de política requer a adoção de uma posição e a universidade é um local onde as reflexões e debates sobre diversos temas, como também os políticos, ganham voz. Will McAvoy inicia o discurso sem demonstrar a sua opinião, pois faz um telejornal informativo e não deseja que seus ideais possam comprometer a linha editorial do News Night. O moderador do debate pressiona o jornalista a demonstrar os seus valores e posições políticas, mas por um longo tempo ele insiste em se esquivar e manter uma posição neutra. Observa-se na cena, pelo modo como a câmera se desloca rapidamente em torno de Will McAvoy, e pela sua expressão angustiada, que aquele momento não lhe está sendo nem um pouco agradável. Há um conflito interior que ele tenta deixar despercebido tratando o assunto do debate com humor e indiferença. MODERADOR: Desde que começou, você quase religiosamente evita declarar ou mesmo implicar uma aliança política. É porque, enquanto âncora de telejornal, sente que a integridade da transmissão fica comprometida? WILL MCAVOY: Parece uma boa resposta. Fico com ela. MODERADOR: Havia uma pequena nota no website da Vanity Fair de Marshall Westbrook...talvez tenha visto...Onde ele te chama de "Jay Leno dos âncoras." É popular porque não incomoda ninguém (...) Como se sente a respeito disso? WILL MCAVOY: Com inveja do tamanho da audiência do Jay. MODERADOR: Está disposto a dizer aqui, essa noite se você se inclina para a direita ou esquerda? WILL MCAVOY: Votei em candidatos que disputam por ambos partidos principais. (1.1- 2’23’’ a 3’10’’)

O moderador o instiga a responder a pergunta feita por uma universitária: Por que a América é o melhor país do mundo? Will McAvoy cede por um momento e responde à universitária com arrogância, deixando a plateia atônita, pois pela primeira vez o âncora expôs sua opinião crítica. Uma opinião insatisfeita com o jornalismo atual, pois, na sua concepção, a população americana encontra-se mal informada. Porém, já no final, ele adota um ar nostálgico e romântico quando relata as lutas e questões dignas de reconhecimento do jornalismo, em uma mistura de medo, desapontamento e vontade de rever aquela realidade outra vez. É nesse momento que o telespectador da série entende, independente das oscilações que Will McAvoy sofre durante a trama, qual a posição que o profissional tem sobre a profissão. A partir daqui, a questão que fica é: como e quem Will terá de enfrentar para concretizar o seu objetivo de ser opinativo?

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UNIVERSITÁRIA: Pode dizer por que a América é o melhor país do mundo? [...] WILL: Nossa Constituição é uma obra-prima. James Madison foi um gênio. A Declaração da Independência, para mim, é a peça única e grandiosa da escritura americana. Não parece satisfeito. MODERADOR: Um é o conjunto de leis e o outro uma declaração de guerra. Quero um momento humano de você. E as pessoas? Por que a América... WILL: Não é o melhor país do mundo, professor. É a minha resposta. [...] Sim. Vamos falar disso (...) Sabe por que o povo não gosta de liberais? Porque perdem. Se os liberais são tão espertos, por que diabos sempre perdem? E com cara séria dirá aos alunos que a América é uma pátria tão maravilhosa que somos os únicos no mundo a ter liberdade? Canadá tem liberdade. Japão tem liberdade. Reino Unido, França, Itália, Alemanha, Espanha, Austrália, Bélgica têm liberdade! De 207 estados soberanos do mundo, uns 180 têm liberdade. [...] Garota da irmandade só no caso de, acidentalmente, um dia vagar pelas urnas uma das coisas que deveria saber é que não há evidência que apoie a afirmação de que somos o melhor país. Somos o 17° em alfabetização, 27° em matemática, 22° em ciência, 49° em expectativa de vida, 178° em mortalidade infantil, 3° em média de renda familiar, 4° em trabalho forçado, e 4° em exportação. Lideramos o mundo em apenas três categorias: número de cidadãos, per capita na prisão, de adultos que creem que anjos são reais, e gastos com defesa, gastamos mais do que 26 países juntos, 25 dos quais são aliados. Nada disso é culpa de universitários de 20 anos, mas, ainda assim, vocês são, sem dúvida, membros do pior período de todas as gerações de todos os períodos. Quando me pergunta o que nos torna o melhor país do mundo, não sei do que você está falando. (...) Nos levantamos para o que era certo. Lutamos por razões morais. Passamos leis, derrubamos leis por razões morais. Travamos guerra contra a pobreza, não contra os pobres. Nos sacrificamos. Cuidamos dos nossos vizinhos. Pusemos o dinheiro onde a boca estava e nunca batemos no peito. Construímos ótimas coisas grandes, fizemos impiedosos avanços tecnológicos, exploramos o universo, curamos doenças, cultivamos os maiores artistas do mundo e a maior economia mundial. Alcançamos as estrelas... agimos como homens. Queríamos inteligência. Não a menosprezamos. Não nos fez sentir inferiores. Não nos identificamos por quem votamos nas últimas eleições e nós... não nos assustávamos facilmente. Somos capazes de ser todas essas coisas e fizemos todas essas coisas porque fomos informados por grandes homens que eram reverenciados. O primeiro passo para resolver um problema é reconhecer que ele existe. América não é mais o melhor país do mundo. (1.1- 3’18’’ a 7’52’’)

A capacidade de levantar os fatos sobre a sociedade, de forma tão rápida20 e supostamente natural presente nos personagens de The Newsroom é típica dos filmes que representam o jornalismo americano, criando a ideia de que os profissionais da área sabem de tudo um pouco. Ao exaltar a capacidade jornalística de Will McAvoy, o efeito que o discurso quer provocar no telespectador é de que esse profissional pode mudar os rumos de uma população, pois ele é supostamente apto a identificar as diversas falhas e 20

Stella Senra (1997) também afirma que a hiperatividade do jornalista põe em evidência uma das principais qualidades que o jornalista possui, ou pelo menos as que o cinema diz que tem. Seu permanente estado de alerta e capacidade de reagir imediatamente fazem dele um “homem de ação”.

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necessidades da sociedade. Stella Senra (1997) afirma que “a transformação do diálogo em mais um modo da ação testemunha a função da palavra como instrumento privilegiado do jornalista e ressalta o seu modo particular de uso por esse profissional, desencadeando consequências e operando transformações” (SENRA, 1997, p.82). Portanto, esse diálogo auxilia na compreensão de que Will McAvoy é uma pessoa inteligente; está inserido no contexto histórico da sua nação; conhece com profundidade as fraquezas, nobrezas e necessidades do seu país e do mundo; e tem a habilidade moral para discernir o que é certo e o que é errado. Portanto, não restam dúvidas sobre o caráter heroico construído para o personagem que, em um primeiro momento, mostravase cínico21. Como é necessário para a narrativa que o herói nem sempre esteja convicto sobre os seus propósitos, Charlie Skinner é o personagem que tem a função de expor um discurso que relembre Will McAvoy sobre o seu compromisso opinativo: “Âncoras tendo suas opiniões não é um fenômeno. Murrow teve e foi o fim de McCarthy. Cronkite teve e foi o fim do Vietnã” (1.1). Mais uma vez as celebridades americanas do jornalismo opinativo estão presentes no discurso, para que Will McAvoy possa se espelhar em profissionais não-ficcionais com o mesmo estilo. Falar sobre opinião no jornalismo requer a noção de que existe um jogo de intenções dentro de um discurso. A prioridade no jornalismo opinativo, segundo Maria Angélica Martins (2009), é convencer, adquirindo adeptos a uma ideia e impondo-se como expressão de uma verdade. Se na informação os fatos respondem uma sequência lógica, ordenada pelas clássicas perguntas do lead Como?Onde?Quando? Por quê; “na opinião o enunciador constrói um raciocínio com base em ideias, tece considerações a respeito de um tema com a finalidade de expor, explanar, explicar ou interpretar essas ideias. Portanto, se a informação prende-se a fatos, o objeto da opinião é a crítica” (MARTINS, 2009, p.8). Em relação à credibilidade na construção de um texto opinativo, a autora afirma que é necessária a utilização de um discurso persuasivo por parte do enunciador, a fim de estabelecer um fazer-crer sobre o enunciatário, em que a intencionalidade do emissor se manifesta para obter a aceitabilidade do receptor. 21

Michael Schudson (apud SENRA, 1997) explica o cinismo como uma qualidade de privilegiados, de quem está “por dentro”. “O cinismo dos jornalistas revela um desprezo pelas ‘ilusões populares’, por aqueles que ‘não sabem o que se passa’ por trás das aparências, e demonstra, no fundo, não o seu escárnio em relação à realidade, mas sua obstinação e apego à concretude dos fatos” (Michael Schudson apud SENRA, 1997, p.49).

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Alguns efeitos semânticos utilizados por quem porta essa posição jornalística são a utilização de jogo de palavras, figuras de linguagem, ironia, retórica, autoritarismo e juízo de valor. Esses efeitos semânticos são utilizados no discurso de Will McAvoy tanto durante a apresentação do jornal quanto quando ele desenvolve outras atividades na história. É uma necessidade do regime ficcional que sempre que possível ele se mostre inteligente e capaz de responder até a menor das brincadeiras. O âncora sempre tem algo a dizer, afirmando que ele é capaz de expressar uma opinião sobre diversos assuntos abordados na trama. No seriado, a utilização do estilo opinativo através do discurso de Will McAvoy faz toda a diferença para tornar o herói mais atrativo. Se o telejornal fosse informativo, a trama provavelmente não apostaria no jornalismo como enfoque para desenvolver os conflitos da história. Portanto, observa-se que a utilização do jornalismo opinativo no News Night faz parte de uma estratégia narrativa. A existência desse gênero textual no campo do jornalismo ajudou na criação de uma visão particular da profissão, expressa pelos personagens através de um discurso mascarado como jornalístico. Devido à teimosia do ãncora e pressões institucionais, algumas vezes o formato entra em risco de prosseguir no telejornal. Mas, uma vez que Will McAvoy relembra o seu papel moral e de liderança para com a sociedade, em todo o contexto quixotesco da redação, o herói volta a lidar com o seu poder social, estritamente ligado a uma concepção de Quarto Poder.

3.3 Quarto Poder No seriado, o Quarto Poder é o tema mais debatido entre os personagens, dentre os quais Mackenzie McHale é a mais relevante, pois tem o papel de ser o centro moral daquele ambiente jornalístico. O forte ataque político e a preocupação com a civilidade presente no News Night também pretende ressaltar que o jornalismo tem o poder de interferir nos debates da população, refletindo como a imprensa instaurada na série é tratada como o Quarto Poder. MACKENZIE MACHALE: Reivindicar o Quarto Poder. Reivindicar o jornalismo como uma profissão honrosa. Um telejornal noturno que exibe um debate digno de uma grande nação. Civilidade, respeito e retorno ao que é importante. O fim da fofoca e da espionagem. Falando a verdade para estúpidos. Nenhum ponto demográfico suave. Um lugar onde

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todos nos reunimos. Chegamos à gota d'água. Sei que sabe disso. Haverá uma enorme conversa. É o governo um instrumento do bem ou é cada um por si? Há algo maior que queremos alcançar ou é o egoísmo baseado no comodismo? Você (Will McAvoy) e eu temos uma chance de estar entre as poucas pessoas que pode enquadrar esse debate. (1.141’57’’ a 42’45’’)

A partir deste discurso da produtora executiva do News Night, encontramos uma ligação do que está sendo construído na série com o contexto histórico do jornalismo no início do século XIX, quando a profissão era considerada por alguns como uma parte integrante da teoria democrática do Estado. O historiador George Boyce (apud Nelson Traquina, 2004) relata que a imprensa atuava como um elo indispensável entre as instituições do governo e a opinião pública. Os jornais eram vistos como um meio de exprimir as injustiças e assegurar proteção contra uma tirania insensível, assentando uma postura de desconfiança em relação ao poder do governo. Portanto, havia uma ideia de que os jornalistas atuavam como “vigilantes do poder político” e assumiam o “Quarto Poder”, ao lado dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Quando fazemos essa ponte entre o Quarto Poder presente em uma fase do jornalismo e o Quarto Poder pregado por Mackenzie na série, observa-se no discurso da personagem a natureza político-didática da notícia que pretende produzir no News Night. O seriado não tem o objetivo de retratar um período do jornalismo de dois séculos atrás, pois o ambiente da série é construído em um espaço democrático atual, mas sim resgatar um conceito que supostamente exprime o dever do profissional de imprensa. Através do discurso de MacKenzie McHale, há a intenção de que o telespectador tanto do News Night quanto da série acredite que o jornalismo seja o Quarto Poder. Nos dias de hoje, em que podemos escolher a informação que queremos receber, a produtora executiva acredita que nem toda informação disponível é correta e, para que haja um eleitorado consciente, ela entende que possui a habilidade de expor ao público as melhores versões possíveis da notícia para formar um bom debate. Quanto ao âncora do News Night, ele deve se portar como um líder no programa, de maneira íntegra e moral, ignorando qualquer outro tipo de pressão que o impeça de cumprir a sua missão, o seu chamado profissional. MACKENZIE MCHALE: Nada é mais importante em uma democracia do que um eleitorado bem informado [...] Sem informação, ou, pior, informação errada, pode levar a decisões catastróficas e impedir

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qualquer tentativa de um bom debate. Por isto produzo notícias. [...] Vim aqui aproveitar seu QI e seu talento e usá-los para algum fim patriótico. Quem disse que bom noticiário não pode ser popular?[...] Sabe o que esqueceu no seu sermão? Que a América é o único país no planeta que, desde sempre, disse repetidas vezes que podemos fazer melhor. Faz parte do nosso DNA. As pessoas vão querer notícias se as dermos com dignidade. (1.1- 37’40’’ a 39’25’’)

O presidente da divisão de notícias, Charlie Skinner, define o estúdio de gravação como um tribunal, onde apenas as testemunhas-chave são chamadas. Will McAvoy funcionaria como um advogado de ambos os lados, examinando as testemunhas e revelando os fatos. Charlie Skinner define o modelo como surpreendente e incrivelmente óbvio. É como se os candidatos passassem por um tipo de teste, no qual apenas os melhores seguiriam para a próxima fase. Will McAvoy chegou a dizer que, em um debate entre candidatos políticos capazes de governar o país, o nível das perguntas precisa ser elevado. WILL MCAVOY: As perguntas têm de ser mais difíceis. Eles têm (candidatos) de ser capazes de conciliar sua campanha com os fatos. Interrompidos se não respondem à pergunta. E serem chamados quando contradizem os fatos. Nossa função é achar dois candidatos que darão aos eleitores os melhores argumentos.(1.9- 37’3’’ a 37’17’’)

Porém, generalizar a adoção de um advogado em um telejornal para denunciar todas as decisões e interesses da população, pensando que todos precisam seguir os ideais regidos por essa equipe jornalística é uma noção extremista de definir o que pode ser certo ou errado. O campo jornalístico possui de fato um poder, mas não como o Quarto Poder e sim como um ator a mais de influência na sociedade. Outros atores sociais também possuem poder na sociedade, como os movimentos sociais e os sindicados, porém não é da responsabilidade desses órgãos determinar verdades sobre toda uma população. Essa é outra estratégia narrativa que enquadra o personagem como herói, para que o telespectador tanto da série quanto do telejornal fictício torça pelo jornalista justiceiro da nação. As relações presentes na sociedade são as mais diversas e complexas para que o telejornal News Night julgue ser capaz atuar como um Quarto Poder. O que esse veículo pode fazer é mostrar as diferentes facetas de determinados cenários da sociedade e deixar que o julgamento seja feito pelo próprio telespectador. Um exemplo para esse fato encontra-se em uma das transmissões do telejornal fictício, quando Will 47

McAvoy instigou o entrevistado, Sr. Wall, sobre a posição do senador com que ele trabalhava, Sr. Santorum, em relação à homossexualidade e à negritude da fonte, já que o senador era contra a relação homoafetiva e racista. WILL MCAVOY: De que forma o casamento do Sr. Santorum é ameaçado pelo casal de vizinhos gay serem casados? SR. WALL: Will, estava feliz em trabalhar no gabinete do senador, terei orgulho em servir e apoiá-lo se ele escolher concorrer. Mas não significa que vou ter que concordar em todas as questões. WILL MCAVOY: Casamento gay está permitido em cinco estados bem como no distrito de Columbia. Tem o casamento dele sofrido por causa disso? Ele queixou-se sobre ele e a Sr.ª Santorum estarem brigando mais e conversando menos? SR. WALL: Claro que não. WILL MCAVOY: Houve alguma infidelidade nos sete anos ou incapacidade de se relacionar com os filhos por causa da legalização docasamento homossexual? SR.WALL: Essas perguntas são absurdas, senhor. WILL MCAVOY: Temo que tenha que ser. Pois essa afirmação é absurda. Agora, você pode dar um motivo pelo qual o casamento dele com a Sr.ª Santorum está ameaçado por casais gays tendo o direito de casar? SR. WALL: Eu... Não posso dar nenhum. (1.6- 44’36’’ a 45’14’’)

Por muito tempo o entrevistado tentou se esquivar da insistência de Will McAvoy em tentar impor um assunto que dizia respeito ao caráter pessoal da fonte. Mackenzie McHale o alertou a parar de atacar a fonte e terminar a entrevista, mas o jornalista continuou interrompendo-o com uma postura alterada, constrangendo-o e tentando se satisfazer com algumas das respostas, o que jamais aconteceu. Há um desvio de conduta na atitude do âncora que compromete a sua credibilidade, pois seus desejos pessoais sobrepuseram o que estava em pauta, expondo o que o entrevistado merece sentir em relação ao senador. Independente do preconceito que o candidato possa sentir por determinadas fatias da sociedade, Will McAvoy não tem poder de ditar o que Sr. Wall precisa sentir em relação ao Sr. Santorum. Além disso, ele foge do assunto ao qual estava sendo debatido para manchar a imagem do candidato, utilizando do preconceito Sr. Santorum como uma forma de influenciar a população a não votar nele nas eleições. WILL MCAVOY: Incomoda saber que Sr. Santorum pensa que existe algo errado com você e precisa de conserto? SR. WALL: Espere! Eu estou cansado e cheio desses ataques equivocados contra um ótimo homem e um grande servidor público. WILL MCAVOY: [...] Então, estou pedindo para que explique por que trabalharia para um homem que acha você inferior? SR. WALL: [...] Eu o apoio porque, de todos os candidatos, acredito que seja

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o único cuja paixão pela questão do aborto é igual a minha. E acredito que tenha competência para ser um bom presidente.[...] Sou mais que uma coisa.Como pôde me reduzir pela cor da minha pele ou pela minha orientação sexual? Existem pessoas como eu, milhares que morreram para ter liberdade, para definir suas vidas por si próprios. Como ousa pretender decidir o que acho que é importante? Sim, quando se trata de igualdade para a comunidade gay, o senador Santorum está errado. Mas estou muito mais insultado por sua arrogante insinuação de que preciso sua proteção. [...] Eu vim a este programa, porque Rick Santorum acredita que o direito de matar uma criança em gestação não é inalienável. E estou do lado do Rick Santorum. E estou do lado da Igreja Católica. Não sou definido pela minha negritude. Não sou definido pela minha homossexualidade. E se não se encaixa a sua expectativa limitada de quem eu deveria ser, eu não dou a mínima, porque eu não serei definido por você também. Portanto, coloque isso na sua cabeça. Eu não preciso de sua ajuda. (1.6- 47’8’’ a 49’4’’)

Nas teorias do jornalismo, Nelson Traquina (2005) defende que a maneira de agir dos jornalistas corresponde à ação e não à reflexão. O jornalista é um profissional pragmático, prático e ágil, não tem a função de propor padrões entre os acontecimentos. Dessa forma, Traquina afirma que o papel social do profissional de imprensa é apenas reportar as notícias de acordo com os critérios de noticiabilidade, valores/notícia, que possam interessar toda a população. A interpretação e o juízo de valor dado ao conteúdo noticioso serão impostos pelo espectador, através da sua capacidade pessoal de análise. A partir do que é proposto por Traquina, observa-se que o telejornal News Night generaliza a superficialidade do que há de notícia no campo midiático, subestimando a capacidade intelectual dos cidadãos na escolha do que pode ser certo para si mesmo. Will McAvoy extrapola em seu discurso quando utiliza as suas crenças pessoais como poder de influência para os cidadãos americanos, esquecendo os limites éticos da profissão, tratados com mais detalhe no próximo tópico.

3.4 Ética A equipe do News Night trata a todo o momento sobre questões como a verdade, liberdade de expressão e moral jornalística, temas caros à ética profissional. Existem dois casos explícitos de conflitos éticos debatidos na trama: um ligado à fonte de informação, deixando em risco a credibilidade da fonte; e outro ligado à busca inconsequente pela notícia, desconsiderando o sigilo da fonte. Os implícitos, porém notáveis, são os que dizem respeito ao “poder” do jornalista e os relativos aos 49

constrangimentos organizacionais, que a série não entra em detalhes sobre o caráter antiético. O primeiro caso diz respeito à falta de credibilidade da fonte, quando Mackenzie McHale usa o namorado, Wade Campbell, repetidamente como fonte informativa para debates de cunho político no telejornal. Porém, nenhuma pessoa da equipe do jornal estava a par da pretensão da fonte de se candidatar ao cargo de deputado no Congresso e a produtora executiva apenas pensava que o companheiro cogitava ao cargo político. CHARLIE SKINNER: Sabia que Wade Campbell pretende ser deputado? MACKENZIE MCHALE: Ele está pensando, só isso. CHARLIE SKINNER: É bem mais do que isso. Esteve na reunião com a Cúpula dos Democratas. Está sendo cogitado ao lugar de Anthony Weiner. MACKENZIE MCHALE : Anthony Weiner vai concorrer de novo. WILL MCAVOY: Ele pode sair para prefeito. MACKENZIE MCHALE: Não sabia disso. CHARLIE SKINNER: Ele participou cinco vezes do programa em seis semanas. MACKENZIE MCHALE: Qual será a história? CHARLIE SKINNER: Será que você tenta que seu namorado seja eleito no Congresso. O que acha? MACKENZIE MCHALE: Quando põe desse jeito vejo que poderia soar assim. [...] CHARLIE SKINNER: Agora estamos inconsistentes com a ética. WILL MCAVOY: É só o que parece. CHARLIE SKINNER: O que mais importa? Estamos sendo comidos vivos pela vida de tabloide. WILL MCAVOY: Chefe, é a Mac. É muito ética. (1.5- 11’40’’ a 12’51’’)

A credibilidade do News Night ficou comprometida com a aparição contínua de Wade Campbell, mesmo com a “inocência” de Mackenzie em relação ao caso. Há também uma falha da equipe, que não soube averiguar a intenção da fonte, principalmente se tratando de um fato político. Esse é um erro que acontece quando o jornalista deposita intensa confiança em suas fontes, quando elas esbanjam credibilidade, o que aconteceu com Wade Campbell aparecendo cinco vezes nas transmissões do telejornal. Analisando pelo lado ético da profissão, um veículo de comunicação possui determinada influência em um contexto social. Francisco Karam (1997), quando fala sobre a mediação que os meios de comunicação exercem sobre a realidade, afirma que a pluralidade de versões trouxe consigo “a necessidade de distinguir os acontecimentos de relevância pública e a responsabilidade de publicá-los,

50

prevendo as consequências e atendendo princípios de pluralidade social”. (KARAM, 1997, p.53) Os conflitos éticos na série aparecem para mostrar que os personagens também cometem falhas na profissão, que não são 100% perfeitos. É uma estratégia narrativa para criar simpatia com o espectador, acrescentando um pouco mais de humanidade aos personagens. Mas, quando a falha acontece com Will McAvoy ou Mackenzie McHale, há a intenção da trama de fazer com que o erro apareça de forma indireta, como aconteceu com a produtora executiva, que levou o namorado ao News Night diversas vezes sem saber que ele queria concorrer a uma posição política. É importante para The Newsroom que os personagens principais cometam erros com a menor frequência possível, principalmente o herói, para não perder o laço empático com o telespectador do seriado. Portanto, o debate ético mais explícito na redação do News Night acontece com a personagem secundária Sloan Sabbith, que procura a ajuda de Will McAvoy com uma

fonte,

levando-nos

ao

conflito

ético

referente

à busca inconsequente pela notícia. WILL MCAVOY: Não há truque. Apenas não pare até ele falar a verdade. SLOAN SABBITH: O que quer dizer com não parar? WILL MCAVOY: Quero dizer não pare. Sloan, vejo o programa das 16h e você é brilhante. Mas deixa os convidados falarem coisas que você sabe que não são verdade. E você vai em frente. Faça as perguntas seguintes e demonstre com fatos como o convidado mente. Não pode só ficar lá e ser mediadora para a mentira que o entrevistado passar para os espectadores. Não estão vindo passar um filme. [...] Você consciente e passivamente permite alguém mentir no ar. Talvez você não seja a traficante, mas o traficante está dentro do seu carro. Talvez você consiga, ou não. (1.6- 24’38’’ a 25’15’’)

Seguindo o conselho do colega, a economista apresenta o telejornal com a ideia de que precisa conseguir os índices

22

certos a qualquer custo. Sua postura estava

alterada, violou o sigilo da declaração em off, começou a falar em japonês na transmissão e atacou o entrevistado em busca da informação. Falando sobre métodos ilícitos na obtenção da informação, Karam (1997) afirma que essa insistência do profissional, considerada como invasão, “pode ser tida como indispensável no sentido de proteger e garantir que o público diverso não seja logrado somente pelas declarações oficiais ou submetidas ao interesse particularizado de empresas, governo, organismos 22

A notícia dizia respeito a um reator nuclear no Japão que havia subido do nível 3 para o 7. Mas, a economista só sabia a respeito do nível 7 devido a uma entrevista em off que tinha conseguido mais cedo, enquanto que, no telejornal, o entrevistado confirmou que o índice estava em uma escala de nível 4.

51

públicos e privados ou interesse pessoal” (KARAM, 1997, p.103). Ao saber do ocorrido, o presidente Charlie Skinner declara suspensão à Sloan Sabbith, retirando a credibilidade da profissional. O presidente da divisão de notícias também insiste em chamá-la de garota repetidas vezes durante a discussão, estabelecendo através da diferença de idade o grau de experiência que ele possui. SLOAN SABBITH: Certo, sei que estávamos em um terreno eticamente e linguisticamente vagos, mas... CHARLIE SKINNER: No ar, ele falou que os reatores estavam indo para 7? SLOAN SABBITH: Ele disse na pré-entrevista. A empresa pôs a intérprete ao lado dele e o trabalho era mais que traduzir, porque não estava traduzindo... CHARLIE SKINNER: Não noticiamos o que você pensa, Sloan. [...] E bem agora, os japoneses que estão lendo online as informações do seu noticiário, estão fugindo de suas malditas casas. Agora me diga o que ele disse esta noite no ar. SLOAN SABBITH:Ele disse que os reatores eram 5. CHARLIE SKINNER: Mas você disse que ele falou que iriam passar para 7. SLOAN SABBITH: Deixei claro que foi na pré-entrevista. CHARLIE SKINNER: Primeiro, não vamos nos iludir. Não havia nada claro nesta entrevista. SLOAN SABBITH: Pedi para saírem para conversar em particular e em... CHARLIE SKINNER: Não, termine essa frase. SLOAN SABBITH: Não oficialmente. CHARLIE SKINNER: Boa sorte em conseguir uma fonte para falar com você novamente. Você não tem nenhum valor para mim, como repórter agora. [...] Tenho que suspendê-la enquanto fazemos investigações externas para olhar todos os relatórios que apresentou nesses dois anos para descobrir que outras coisas que você inventou. (1.6- 28’35’’ a 30’59’’)

O episódio com Sr. Wall23, fonte constantemente instigada pelo âncora do telejornal, é um caso antiético que a série não aborda como tal. O ataque de Will McAvoy, invadindo a privacidade do cidadão com assuntos que não lhe diziam respeito, é um caso que Francisco Karam (1997) identifica o jornalista como “um chato insistente”, invasor da privacidade alheia. O julgamento moral feito por Will McAvoy, severo com a fonte, atendia a uma moral particular do jornalista e “não coincidia com a própria autocrítica moral aos comportamentos éticos condenáveis socialmente, mas aceitos na intimidade do indivíduo, sob justificativas bastante pessoais e pouco transparentes”. (KARAM, 1997, p.104).

23

Retratado no tópico sobre Quarto Poder, p.45.

52

Em relação à ética que existe nas relações entre a redação do News Night e os donos da ACN, há um jogo de interesses entre ambas as partes. Por parte da redação existe a pretensão de adotar um telejornal sem interferência da audiência, dos interesses da empresa, dos anunciantes, o que acaba por gerar uma relação independente de produção noticiosa, sendo que deve haver um acordo entre as partes. Por outro lado, o corpo dirigente da ACN tem a intenção de sabotar os próprios funcionários, criando um contexto, através dos tabloides, para fazer com que Will McAvoy seja demitido da empresa, devido ao ataque político que o jornalista impõe em sua visão profissional. A liberdade da informação deve estar ancorada “em valores sociais que envolvam tanto o universo da feitura do jornalismo (incluindo o profissional, os meios de comunicação e seus proprietários), quanto o público envolvido na esfera social e o universo de fontes (incluindo suas subjetividades) em um determinado caso” (KARAM, 1997, p.73). É importante que nesse meio exista uma conexão moral de compreensão da atividade informativa, para que o veículo possa transparecer credibilidade e não contradição de ideias. O próximo tópico abordará essas tensões entre corpo dirigente empresarial e a equipe da redação do News Night , estabelecendo o modo como essas relações estão presentes no objeto empírico.

3.5 Pressão Institucional No seriado, os conflitos relativos à pressão institucional, provocada pelo corpo dirigente da ACN, são tratados com resistência por parte da equipe da redação, composta pelos funcionários e a presidência da redação do News Night. O telejornal, que antes possuía formato informativo e cedia às intenções da corporação, quebra qualquer tipo de relação de interesses que a empresa exercia sobre o trabalho e adere ao estilo opinativo. Charlie Skinner, presidente da divisão de notícias, possui o auxílio de Mackenzie McHale para prosseguir com essa missão que, sem a ajuda da produtora, não conseguiria o apoio de Will McAvoy. CHARLIE SKNINNER: Estou velho para ser governado por medo de estúpidos(...)Por muito tempo, queria muito assistir as notícias em minha TV à noite. Então percebi... Eu comando esse setor. Ela (Mackenzie McHale) é indiferente aos índices, competição, preocupações das empresas e, às consequências. Sou Dom Quixote, você (Will McAvoy) pode ser Sancho, ela será Dulcinéia, e todos os outros, o cavalo. (1.1- 4’1’’ a 4’44’)

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A forte pressão institucional presente no seriado é um conflito muito mais ligado a uma função narrativa de criar um obstáculo para os objetivos dos personagens (herói e personagens que o apoiam), do que com as práticas fundamentais do jornalismo, critérios correspondentes aos princípios editoriais24 do News Night. Quando Reese Lansing e sua mãe Leona Lansing, donos da empresa ACN, aparecem no seriado, eles reivindicam os índices de audiência do telejornal, matérias de interesse humano e privilégio para os parceiros. Porém, sempre ameaçam a retirada de Will McAvoy do telejornal, nunca assumem uma atitude de líder, pois existe a intenção do seriado em revelar as consequências para as ações da equipe da redação do News Night apenas no fim da trama e também de fazer com que os personagens empáticos possam executar seus ideais. Além disso, o ambiente desse mundo ficcional é construído ao redor de Wall Street25, em Nova York, portanto não há como a empresa ser indiferente ao comércio, aos índices e à competição na Atlantic Cable News e seus produtos informativos. Em uma relação entre empresa e equipe jornalísticas, a conversa não é feita entre iguais, já que existe um nível de superioridade sobre os interesses expressos pela empresa. Em The Newsroom, os personagens adotam uma postura de extrema defesa ao seu papel jornalístico na ACN, faltando com respeito e violando os limites éticos quando insinuam que o corpo dirigente não possui direitos de influência na sua própria transmissão. Devido à adoção dessa postura independente por parte de dos funcionários da redação, há um desequilíbrio sobre a posição do telejornal para com o seu papel jornalístico. CHARLIE SKINNER: Arquitetei uma situação em que uma produtora executiva (Mackenzie McHale) com habilidades únicas traz o melhor de um âncora, para fazerem um noticiário de orgulhar esta empresa. Fizemos o noticiário. [...] Não fingimos que certos fatos estão em debate para aparentar justiça a pessoas que não acreditam neles. Balanço é irrelevante para mim. Não tem relação com verdade, lógica ou realidade. Ele não foi ao ar dizendo para darem chance à paz. Mas evolução? O júri está de volta nessa. LEONA LANSING: Ele humilhou candidatos congressistas na minha transmissão. CHARLIE SKINNER: Não é sua, Leona. LEONA LANSING: Com licença. 24

A divergência dos princípios editoriais do News Night em relação aos valores/notícia concebidos pelo jornalismo encontra-se no tópico 2.1.1 Princípios editoriais: Mundo ficcional x Mundo real, p.22. 25 Wall Street é o local em Nova York considerado como o coração histórico do atual Distrito Financeiro da cidade, onde se localiza a bolsa de valores mais importante dos Estados Unidos e do mundo.

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CHARLIE SKINNER: Ele precisa continuar. A América elegeu o congresso mais perigoso e desrespeitoso que já vi. [...]Leona, não pode esperar que ajeitemos o noticiário de acordo com os interesses da empresa. LEONA LANSING: Vamos começar de novo. E, desta vez, desista da ideia que esta é uma conversa entre iguais em que eu argumento e você contraargumenta e concordamos em discordar. [...] Tenho negócios perante este congresso, Charlie. E não importa o que pense dessas pessoas (parceiros da empresa), até mesmo o que eu penso delas, elas têm a chave do futuro da AWM. Algo mais que uns chicletes e preciso pedir permissão. Não faço as regras, mas obedeço a elas. CHARLIE SKINNER: Organizações de noticiários... LEONA LANSING: Cuidado com o sermão. CHARLIE SKINNER: ...tem a responsabilidade pública com a capacidade de informar e influenciar a conversa nacional. LEONA LANSING: Eu sei. Por isso comprei um. Eles não são mais candidatos, são congressistas e ele (Will McAvoy) vai pegar leve. (1.351’36’’ a 55’17’’)

No contexto em que o jornalismo do News Night está inserido, onde o comércio possui certa influência na empresa, a falta de um acordo entre as partes provoca uma ambiguidade de ideias e interesses que faz com que, em algum momento, alguém se veja obrigado a ceder. Esse conflito geralmente pende para o lado mais fraco, o que acaba acontecendo com a redação do News Night. Sobre a relação entre mercado capitalista e valor/notícia no campo jornalístico, Francisco Karam (1997) relata que, apesar da informação ter momentos e espaços de profundo interesse público, “não supera os interesses empresariais, mercadológicos e comerciais (...) o jornalismo subsumido à “verdade” do Estado (...) anula o movimento de realidade e o indivíduo que o integra, para torná-lo um apêndice do presente e futuro já delimitados de antemão”. (KARAM, 1997, p.47-48). No nível do discurso narrativo, o espectador tende a torcer pelo elo mais fraco, que muita vezes é o herói em conflito. Em The Newsroom, a redação do News Night é o elo mais fraco, em que Will McAvoy encontra-se em risco de perder o emprego. O espectador do seriado fica na expectativa de que o âncora consiga concretizar o seu objetivo de transformar o modo como o jornalismo é feito no telejornal fictício, acima dos ideais impostos pela empresa, adquirindo um sentimento protetor pelo personagem. Apesar dos empresários da ACN não aparecem na trama como vilões, a história enquadra o discurso da redação do telejornal como mais correto do que o do corpo dirigente. Porém, a visão limitada da redação em relação ao mercado não oferece um olhar mais amplo sobre os deveres do jornalismo dentro de um contexto mercadológico, 55

prejudicando a aceitação do discurso por parte do telespectador da série como verossímil. Ou seja, o espectador está lidando com um contrato ficcional, ao qual uma história inverossímil está situada em um ambiente verossímil. O público sabe que aquele discurso não é plausível em um contexto real, mas mesmo assim simpatiza e torce para que a equipe da redação consiga realizar os seus objetivos, pois laços já foram feitos entre o espectador e o personagem.

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NOTAS CONCLUSIVAS

Sobre a reflexão exposta no estudo sobre a primeira temporada do seriado ficcional The Newsroom, é possível observar que as representações construídas neste mundo estão interligadas por um discurso essencialmente didático, que tenta doutrinar os telespectadores tanto do News Night quanto do seriado sobre como o jornalismo deveria funcionar e qual o tipo de informação que deveríamos receber. Com o auxílio da análise de conteúdo observou-se quais os sentidos submersos em um universo imaginário criado, primordialmente, para entreter. A identificação de temas que convergiram entre si na pesquisa foi o modo escolhido para disponibilizar as impressões sobre as representações presentes no objeto, fazendo um contraste do mundo concebido na narrativa ficcional com pressupostos teóricos do campo jornalístico. As diversas discrepâncias entre os conceitos da profissão utilizados na equipe do telejornal ficcional em relação aos fazeres jornalístico estão estritamente ligadas a recursos narrativos, que contorcem os conceitos da profissão em prol da dramaticidade do discurso exposto, com intenção de romantizar a figura do jornalista ideal. A concepção de personagens justiceiros, notado como o resgate do conceito de Quarto Poder, auxiliou na construção de um discurso com extremismo dramático e político, tal como se designa o gênero do seriado pela emissora HBO. Além de ser uma estratégia narrativa, podemos encontrar uma crítica relacionada ao contexto contemporâneo ao qual o jornalismo se encontra. Com os avanços tecnológicos, a abundância de informações também gerou um quadro de desinformação, pois a instantaneidade noticiosa dificulta a atualização plena com os eventos que acontecem ao nosso redor. Além disso, temos o privilégio de escolher e priorizar as informações que mais nos interessam, deixando discussões necessárias, como política e economia, em um segundo plano. Ao mesmo tempo em que há uma grande possibilidade de se informar, a sensação é de que não conseguimos suprir totalmente às demandas noticiosas. Parece sintomático que um canal como a HBO, que constrói sua credibilidade em torno da suposta independência de sua programação, tenha disponibilizado o horário

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nobre do domingo26 para transmitir The Newsroom, que se coloca como um contraponto ao estado que o jornalismo se encontra ultimamente. Dessa forma, observamos que existe o estabelecimento de um discurso reflexivo sobre o momento atual, pois ao tentar resgatar conceitos ultrapassados e tentar conceber soluções para a profissão, encontramos o sintoma de insatisfação com o presente do jornalismo. Essa é uma explicação para o didatismo nas diversas ações dos personagens, seja em relação aos princípios editoriais ou ao discurso que ultrapassa os limites éticos da profissão. Fora do mundo ficcional, as atitudes do herói civilizatório poderiam ser consideradas prepotentes, narcisistas e antiéticas, pois os padrões jornalísticos contêm pressupostos que não enquadram o profissional como um membro da Liga da Justiça. Porém, no mundo imaginário construído pelo seriado, a postura de Will McAvoy foi construída para ser aceita com plausibilidade, pois, dentro das regras daquele espaço, é verossímil (e até desejável) que o âncora pelo qual o público torce tenha o poder para mudar o rumo de uma nação. Além disso, personagens foram construídos para ajudá-lo em seu percurso, com certas doses de estratégias empáticas e narrativas para prender a atenção do espectador. Finalizando as concepções sobre esse universo, o jogo de palavras utilizado no texto dos personagens e o cuidado com os discursos proferidos por Will McAvoy, concebendo-o como um jornalista inteligente e engajado com diversos assuntos, quando não extrapola os limites da dramaticidade, provoca no espectador do seriado a ideia de que aquele profissional é mesmo um exemplo de jornalista a se seguir, quando na verdade não passa de recursos narrativos para romantizar o que o profissional é capaz de fazer. Possíveis desdobramentos sobre a tese desenvolvida neste trabalho poderiam ser obtidos com a análise da segunda e terceira temporada de The Newsroom. Como sugestão, a pesquisa poderia observar se a obra mantém a mesma abordagem da inicial ou até delimitar a análise sobre os eventos noticiosos que norteiam os episódios, verificando a relevância dos fatos. Outras séries mais atuais também retratam o jornalista na ficção, como House of Cards (2013), drama político do site Netflix. Uma 26

De acordo com o Nielsen, empresa que monitora a audiência nos EUA, a noite de domingo é a mais assistida da semana na TV americana, com uma média de 124.2 milhões de espectadores usando suas televisões.

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outra sugestão seria fazer um estudo sobre as personalidades jornalísticas atuais da ficção seriada, observando quais funções esses personagens desempenham em um contexto atual do jornalismo.

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REFERÊNCIA NEWSROOM

DAS

LEGENDAS

TRANSCRITAS

DO

SERIADO

THE

LEGENDIS SUB / Twitter:@Legendis Acessado em: http://legendas.tv/busca?q=The%20Newsroom%20-201a%20Temporada

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FICHA TÉCNICA THE NEWSROOM

Fonte: http://blog.zap2it.com/frominsidethebox/2012/06/the-newsroom-aaron-sorkinand-the-never-was-and-never-will-be-of-it-all.html Este drama de bastidores confere de perto o dia-a-dia de um programa de notícias de uma TV a cabo na fictícia ACN Network, com especial atenção nas vidas na frente e por trás das câmeras do crítico âncora man Will McAvoy, da nova produtora executiva, MacKenzie McHale, o estafe da redação, o chefe da divisão de notícias, Charlie Skinner, e da proprietária da corporação, Leona Lasing. Superando um tumultuado primeiro dia – cujo clímax acontece quando uma notícia de última hora dá conta que uma plataforma petrolífera acaba de explodir no Golfo do México – a equipe se embrenha em uma missão patriótica e quixotesca para “levar a melhor notícia ao ar” frente obstáculos comerciais e corporativos, sem contar seus próprios envolvimentos pessoais. Ficha Técnica Título Original: The Newsroom Gênero: Drama Político Tempo de Duração: 586 minutos Ano de Lançamento (EUA): 2012 Emissora: Home Box Office (HBO) Criador: Aaron Sorkin Diretores: Alan Poul, Greg Mottola, Jeremy Podeswa, Lesli Linka Glatter Roteiro: Aaron Sorkin, Brendan Fehily, Corinne

Kingsbury, Gideon Yago, Paul Redford, Amy Rice, Cinque Henderson, David Handelman, Ian Reichbach Produção executiva: Aaron Sorkin, Alan Poul, Scott Rudin Música: Alex Wurman, Johnny Klimek Fotografia: Todd McMullen Direção de Arte: Jeff Schoen Edição: Howard Leder, Michelle Tesoro, Rob Seidenglanz, Ron Rosen

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Elenco

Will McAvoy (Jeff Daniels)

MacKenzie McHale (Emily Mortimer)

Charlie Skinner (Sam Waterston)

Don Keefer (Thomas Sadoski)

Jim Harper (John Gallagher Jr.)

Neal Sampat (Dev Patel)

Margaret Jordan (Alison Pill)

Sloan Sabbith (Olivia Munn)

Fonte das fotos: http://www.hbo.com/#/the-newsroom/cast-and-crew

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