A representação feminina no legislativo paranaense (2006)

June 30, 2017 | Autor: Camila Tribess | Categoria: Mulheres, Participação Política Feminina
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Universidade: Universidade Federal do Paraná Comitê Acadêmico: Gênero e Sociedade – Representações, Cidadania e Trabalho. Título do Trabalho: A Representação Feminina no Legislativo Paranaense Autores: Camila Tribess1 e Renato Monseff Perissinotto2 (Orientador). Email dos Autores: [email protected] e [email protected] Palavras-Chave: Representação Feminina, Poder Legislativo Paranaense, Perfil Político, Trajetória Política.

Introdução Desde 1951, ano em que a primeira mulher foi eleita para uma cadeira no legislativo paranaense, até a legislatura de 2003, apenas 10 mulheres passaram pela Assembléia Legislativa do Paraná – ALEP. Sendo que quatro delas foram eleitas nesta última legislatura (2003) e duas foram reeleitas (1999 e 2003). O ano de 2003 foi o mais significativo desse ponto de vista, pois nesta legislatura assumiu o maior número de mulheres na história da ALEP. Apesar de ainda ser um número muito baixo proporcionalmente, em relação à legislatura anterior houve um aumento significativo da inserção feminina. Existem alguns fatores que podem ter contribuído para esse aumento: o maior número de candidatas, o reflexo da política de cotas de gênero nos partidos ou até mesmo uma maior abertura social, tendo em vista que pela primeira vez na história do Paraná uma mulher foi eleita também deputada federal3. As eleições de 2002 foram de fato diferentes das anteriores no Paraná e é importante que se aprofundem as análises sobre este período de legislatura. Este panorama nos coloca uma questão importante: qual o perfil das mulheres que são eleitas para o legislativo do Paraná? Traçar um perfil das parlamentares paranaenses se torna essencial nesse contexto para podermos identificar quem são essas mulheres, quais grupos elas representam e que trajetória uma mulher percorre antes de se tornar deputada estadual no Paraná, ou seja, quais são os capitais políticos e sociais necessários para a entrada no legislativo paranaense. Ou colocando a questão

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Aluna pesquisadora do Núcleo de Sociologia Política da UFPR e aluna bolsista do Grupo PET de Ciências Sociais. 2 Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFPR e coordenador do Núcleo de Sociologia Política. 3 Referência à deputada Clair da Flora Martins, eleita em 2002 pelo PT.

de uma outra maneira: por que e como essas mulheres conseguem superar as dificuldades que usualmente se colocam às outras mulheres para se tornarem postulantes a cargos políticos? O Núcleo de Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná entrevistou os deputados e deputadas da 15ª legislatura, que se iniciou no ano de 2003. Essas entrevistas contêm três blocos, sendo o primeiro sobre a trajetória política do deputado, outro sobre seus valores políticos e o terceiro sobre a origem social. Nesse trabalho utilizarei as informações referentes à trajetória política e à origem social, utilizando apenas a questão sobre o autoposicionamento no espectro ideológico do bloco sobre valores. O texto inicia com uma contextualização histórica da participação feminina no Brasil como um todo e especialmente no Paraná e com uma breve reflexão sobre o atual sistema de cotas de gênero nas candidaturas ao legislativo. Em seguida traço o perfil social e profissional das atuais deputadas mulheres da Assembléia Legislativa do Paraná e suas trajetórias política e partidária, para então tecer algumas considerações.

Contextualização O voto feminino foi implementado no Brasil com o código eleitoral de 1932 e permitiu a eleição da primeira deputada federal, pelo estado de São Paulo, no mesmo ano, para a Assembléia Constituinte. A partir da eleição de Carlota Pereira de Queirós (São Paulo) em 1932 e depois de Berta Lutz (Distrito Federal, hoje Rio de Janeiro) em 1934 o Brasil passa por um período de regime autoritário, o Estado Novo de Getúlio Vargas, e volta ao regime democrático apenas em 1947 com nova Assembléia Constituinte, dessa vez, sem nenhuma representação feminina. Há uma nova mobilização pela igualdade de representação política entre homens e mulheres. No Paraná, apenas em 1951 a primeira mulher é eleita para a Assembléia Legislativa, Iraci Ribeiro Viana, eleita pelo PDS. Essa eleição se configura como uma exceção, visto que nos anos seguintes nenhuma mulher volta à ALEP e o Brasil entra, novamente, em um sistema político autoritário, que desta vez se estende de 1965 até 1985 com a ditadura militar. Após esse período uma mulher é eleita para a Assembléia Legislativa Paranaense, ainda no período de redemocratização, em 1983. A partir da redemocratização há a eleição de duas mulheres na legislatura de 1987, uma em 1991, nenhuma em 1995 e uma em 1999 com a posterior entrada de uma suplente. Somente

no ano de 2003 é que existe um aumento significativo de mulheres eleitas para a ALEP. São eleitas quatro mulheres, o que equivale a 7,1% do total de deputados estaduais nessa legislatura, a maior média já alcançada no estado do Paraná, mas ainda muito abaixo dos 12,5% da média nacional para legislaturas estaduais (Rodrigues, 2004b). A implementação do sistema de cotas nas eleições, adotado a partir de 1995 e reformulado em 1997, prevê que 30% dos candidatos dos partidos em todas as esferas legislativas sejam mulheres, o que garante em parte uma maior representatividade, mas ainda exclui do poder executivo essa representação, sendo que as cotas são adotadas, a princípio, apenas nas eleições proporcionais4. No Paraná os efeitos dessa política afirmativa são visíveis. Em 1994, um ano antes da implementação das cotas de gênero, nenhuma mulher foi eleita para o legislativo paranaense. Já nas eleições seguintes, em 1998, uma mulher foi eleita como titular e, posteriormente, outra mulher assumiu como suplente, mas só depois de oito anos da implementação das cotas, nas eleições de 2002, é que, mesmo de maneira ainda tímida, essa política começa a ter seus efeitos visíveis nas eleições do estado. Em âmbito nacional esse crescimento não ocorreu. Rodrigues (2001) apresenta números que demonstram a baixa eficácia das cotas quando comparadas às eleições anteriores a elas, mas também afirma que ainda é cedo para que se refutem as cotas de gênero, visto que esse tipo de política afirmativa trouxe resultados positivos em vários países, inclusive latino-americanos. Mesmo se considerarmos países com listas fechadas para o legislativo, como França e Argentina, as políticas afirmativas se mostram eficazes, possibilitando ampla participação feminina na esfera política, seja ela municipal, estadual ou nacional (Rodrigues, 2004a). O questionamento da forma como essa política foi implementada no Brasil e qual o papel dos partidos quanto ao apoio efetivo, político e financeiro, para as campanhas femininas é necessário. Parece óbvio que o lançamento de candidaturas femininas apenas para cumprir uma legislação não colabora com a efetiva afirmação da mulher na esfera política. (Boselli, 2003; Rodrigues, 2004a e 2004b). A política de cotas para mulheres gera diversas controvérsias. Muitas argumentações reconhecem que as cotas são importantes, mas que não aumentam de fato a participação feminina. Outras colocam que este sistema é o único passível para que se criem grupos ativos de mulheres dentro dos partidos (Tabak, 2002). De uma forma ou de outra, a discussão iniciada pelo

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Existem alguns projetos de leis e emendas que prevêem a utilização das cotas para as eleições majoritárias também, mas que ainda estão em discussão e aprimoramento.

sistema de cotas traz uma visibilidade necessária ao problema da representação feminina na política e é de extrema importância para garantir, ao menos no âmbito eleitoral, um percentual de representatividade feminina e abrir, dessa forma, caminhos para a ampliação do debate e da mobilização feminina.

As Deputadas Paranaenses Neste trabalho utilizo os dados da pesquisa realizada no ano de 2005 pelo Núcleo de Sociologia Política da Universidade Federal do Paraná, que através de entrevistas com os deputados e deputadas recolheu dados sobre a origem social, a trajetória política e os valores dos parlamentares. Nosso universo é muito reduzido, se limita às quatro mulheres eleitas para a Assembléia Legislativa no ano de 2003, e uma delas não nos concedeu a entrevista, sendo seus dados retirados de fontes paralelas5. As deputadas do nosso universo são em sua maioria brancas e católicas, sendo que uma se declara negra e de religião espírita. Esse índice pode ser considerado alto, visto que a proporção geral de deputados não brancos (negros e pardos) na ALEP é muito baixa, apenas nove em um universo de 84 deputados. Esse dado é de extrema importância se considerarmos que ao lado do preconceito de gênero, o de raça é também muito forte, o que torna a mulher negra a que encontra maior dificuldade de inserção na vida política. Todas as deputadas da 15ª Legislatura advêm do que conceituamos como estrato médio da sociedade, três da área urbana e uma da área rural. Seus pais eram assalariados de empresas privadas em três casos e pequeno proprietário rural no último caso. As mães das deputadas apresentam um panorama diferente do padrão encontrado entre os deputados em geral, visto que metade destas mães exerceram atividades profissionais, enquanto que no quadro geral, a grande maioria das mães foi declarada como “dona de casa”. Nenhuma das deputadas nasceu em Curitiba, e das quatro, três não são naturais do Paraná, sendo duas de Santa Catarina, uma do Rio Grande do Sul e uma do interior do estado - Londrina. Este fato aponta para um recrutamento não provinciano das deputadas mulheres, porém todas ocuparam cargos públicos em cidades do Paraná antes de serem eleitas para a ALEP. Estes cargos são, em três casos, de vereança e apenas um caso de coordenação de programas de

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Tais como: página oficial da Assembléia Legislativa Paranaense; página pessoal da deputada; dados obtidos na página do Partido Progressista; artigos de jornais e revistas do estado.

assistência social, o que indica, seguindo os padrões de experiência política encontrados nos deputados em geral, que as mulheres que se elegem para a legislatura estadual já possuem experiência de legislaturas municipais. Duas das quatro deputadas possuem curso superior completo, uma possui curso superior incompleto e a quarta possui o ensino médio completo, o que nos revela um nível de escolaridade relativamente alto entre as deputadas mulheres. Este padrão é encontrado também nos dados gerais dos deputados, sendo que mais de 66% dos deputados possuem ensino superior, completo ou incompleto. Mas uma diferença interessante é que entre as mulheres, nenhuma possui especialização, enquanto que entre os homens, cerca de 20% têm especialização, mestrado ou doutorado. Esse fato pode ser explicado, talvez, pela ainda baixa presença de mulheres nos graus mais elevados de especialização profissional e pela profissão declarada pelas deputadas. Das que possuem curso superior uma declara-se empresária e a outra política profissional e não são ligadas, portanto, aos ramos que tradicionalmente exigem uma maior especialização acadêmica. Entre a outra metade que é considerada como de nível educacional médio, uma se declara funcionária assalariada de empresa privada e a outra como pequena proprietária rural, o que evidencia serem de um estrato social mais baixo que aquelas que possuem ensino superior. Todas as deputadas exerceram algum tipo de cargo público antes de entrarem para a ALEP, o que evidencia que o recrutamento feminino privilegia uma experiência anterior na vida política, porém não em carreira partidária visto que nenhuma das deputadas exerceu qualquer tipo de direção partidária entes de ingressar no legislativo paranaense. A relação com cargos administrativos parece não influir no recrutamento feminino, visto que, metade teve experiência prévia e a outra metade não. Um dado interessante é que as mesmas deputadas que exerceram cargos administrativos são as que possuem ensino superior completo. As deputadas do nosso universo militam ou militaram em movimentos feministas ou de organização de mulheres, o que sugere que este tipo de atividade auxilia no recrutamento das parlamentares, além de que três das quatro deputadas consideram que estes movimentos foram de essencial importância para sua eleição e a quarta considera que obteve da imprensa o principal apoio para sua campanha. A inserção nos movimentos feministas nos demonstra uma formação política e ideológica mais aprofundada e voltada especialmente para as questões dos direitos femininos. Essa militância auxilia na captação de votos entre as próprias mulheres e ter a base eleitoral voltada

para os assuntos referentes à participação feminina e propostas que englobem a defesa dos direitos femininos e de combate à opressão e discriminação às mulheres se apresenta como recurso importante nas campanhas. Ao estarem intimamente ligadas com esses movimentos, as mulheres candidatas e posteriormente eleitas têm uma base eleitoral que lhes permite uma atuação voltada, principalmente, às questões que são normalmente denominadas de “femininas”. Este fato pode ter duas interpretações: a primeira de que o fato de as mulheres voltarem sua atuação para as questões femininas no legislativo é positivo e necessário para a diminuição da desigualdade, porém também pode ser visto como uma espécie de divisão do trabalho parlamentar, em que as mulheres, mesmo estando nas posições de poder, não participam das decisões políticas mais amplas e se limitam às questões de gênero. Porém, as deputadas tendem a se destacar também nas funções administrativas da ALEP, o que enfraquece esta segunda interpretação. A atuação das mulheres nas bancadas e na direção da ALEP se define da seguinte forma: uma das deputadas foi líder de bancada na ALEP, fato conseguido, provavelmente, por ser seu segundo mandato (ela foi eleita também em 1999), visto que, mesmo entre os deputados homens, dificilmente se alcança uma liderança de bancada no primeiro mandato; e duas das quatro deputadas exerceram alguma função administrativa na ALEP, como 3ª vice-presidente (Arlete Caramês) e como secretária (Cida Borghetti). Este fato demonstra que, vencida a barreira eleitoral, as mulheres na ALEP conseguem destacar-se dentro da Assembléia e alcançam os cargos de direção e liderança, mesmo em uma Assembléia em que a mesa diretora possui grande poder de decisão e forte centralismo na figura do presidente, como apontam algumas pesquisas sobre a elite política paranaense.6 Três, das quatro deputadas trocaram de partido pelo menos uma vez durante sua trajetória política, a exceção se encontra na parlamentar do Partido dos Trabalhadores, que por sua história no país se mostra como um dos partidos com maior índice de fidelidade partidária. Entre as deputadas que mudaram de partido nota-se uma considerável fidelidade ideológica, visto que uma se manteve sempre em partidos de direita (PDS, PFL e PP), outra se manteve em partidos de

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Em especial pesquisas realizadas pelo Núcleo de Pesquisa em Comunicação Política da UFPR sob a coordenação dos professores Nelson Rosário de Souza e Luciana Fernandes Veiga.

esquerda (PCB, PC do B e PMDB) e a última se manteve em partidos de centro (PPB e PPS).7 Essa trajetória partidária também condiz com a autodefinição ideológica de cada uma das deputadas.

Conclusões Diante desses dados podemos apontar para alguns padrões encontrados entre as deputadas estaduais eleitas no Paraná na atual legislatura, o mais claro deles é a importância dos movimentos de mulheres na atividade política e na eleição dessas deputadas. Além da participação nos movimentos as deputadas também reconhecem como indispensável o apoio destes para suas candidaturas e legislaturas. As deputadas paranaenses são do estrato médio da sociedade e possuem escolaridade relativamente alta, apesar de não possuírem especialização, panorama diferente do quadro geral da ALEP. Possuem experiência prévia de legislatura municipal ou atuação política local e não possuem carreira de direção partidária. Apesar de não serem, em sua maioria, naturais do Paraná, suas experiências políticas ocorreram nesse estado. Todas as deputadas apresentam grande fidelidade ideológica, há mudanças de partido, mas as parlamentares tendem a circular entre partidos de mesma linha ideológica. Outra característica das parlamentares paranaenses é sua inserção nos cargos de direção dentro da ALEP o que nos demonstra que, vencida a barreira para a entrada no legislativo, a atuação feminina se destaca. Podemos observar este fato também pelo alto índice de reapresentação das deputadas mulheres, das quatro deputadas dessa legislatura (2003/2006), duas estão em seu segundo mandato, ou seja, todas as deputadas que legislaram no período de 1999 a 2002 foram reeleitas. A participação feminina na política paranaense vem crescendo paulatinamente, com alta relativa principalmente após a implementação das cotas de gênero para as eleições proporcionais, fato que se diferencia do panorama nacional. Essas mulheres, apesar de ainda poucas, representam, em questão de gênero, mais de 50% dos eleitores do estado (3.348.343 eleitores do sexo feminino)8 e demonstram que os movimentos sociais voltados à organização de mulheres 7

Esta divisão do espectro ideológico foi feita com base na orientação predominante na literatura e na atuação específica dos partidos no Paraná. A mesma divisão é utilizada em outros trabalhos do Núcleo de Sociologia Política da UFPR. 8 Dados das eleições de 2002, segundo o IBGE. Disponível em www.ibge.gov.br Acesso em 14 jul 2006.

são essenciais para a politização e inserção destas mulheres no campo político, além de serem, de forma destacada, a base eleitoral que sustenta a candidatura e o mandato dessas deputadas. As deputadas são mulheres brancas e negras, da direita e da esquerda, envolvidas em movimentos de mulheres agricultoras ou em organizações beneficentes da classe média, que trazem um novo panorama para o legislativo estadual, abrindo um caminho que no Paraná foi tardiamente iniciado e que só agora começa a se rotinizar, com o aumento gradual da participação feminina na política estadual. A participação feminina ainda é tímida e proporcionalmente subrepresentada, mas aponta para uma situação em que, ao entrar na esfera política, essas mulheres tendem não só a se destacar, mas também a permanecer nesta atividade.

Referências: BOSELLI, Giane. O Desafio da Política de Cotas na Conquista da Igualdade. Linha Direta, São Paulo. Ano 13 - nº 595, p.4-5, dez 2003. Disponível em www.cfemea.org.br, acesso em 14 jul 2006. RODRIGUES, Almira. Mulheres: Movimentos Sociais e Partidos Políticos. Anais do Seminário Nacional de Formação Política: Mulheres Socialistas. Cfemea: Brasília, jan 2001. Disponível em www.cfemea.org.br, acesso em: 14 jul 2006. RODRIGUES, Almira. Reforma Política e Ações Afirmativas. Cfemea: Brasília, jan 2004a. Disponível em www.cfemea.org.br, acesso em: 14 jul 2006. RODRIGUES, Almira. Reforma Política e Participação. Cfemea: Brasília, jul 2004b. Disponível em www.cfemea.org.br, acesso em: 14 jul 2006. TABAK, Fanny. Mulheres Públicas: Participação Política & Poder. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2002.

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