A Reprodução Social da Desigualdade: Uma Introdução [Sumário]

September 1, 2017 | Autor: Joelton Nascimento | Categoria: Social and Political Philosophy, Sociologia, Politica social, Problemas sociais
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A reprodução social da desigualdade UMA INTRODUÇÃO

Joelton Nascimento

A REPRODUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE

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JOELTON NASCIMENTO

A REPRODUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE Uma introdução

Primeira Edição São Paulo 2015

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A REPRODUÇÃO SOCIAL DA DESIGUALDADE Creative Commons

, 2015, Joelton Nascimento

Este trabalho foi licenciado com a Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 1.0 Genérica. Para ver uma cópia desta licença, visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc/1.0/

Capa: PerSe Fotografia na capa: Afeganistão (Pixabay) Domínio Público.

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Dedico este livro aos meus alunos, do presente, do passado e do futuro, e especialmente a André Manfrinate (in memoriam)

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Sumário Apresentação ................................................................... 8 O que é a desigualdade? ................................................ 12 As origens da desigualdade ........................................... 20 As desigualdades à porta da modernidade .................... 32 A ascensão dos “moinhos satânicos” ............................ 46 As desigualdades e o espectro do comunismo .............. 54 Desigualdade e bem-estar social ................................... 66 Desigualdade e a saída neoliberal................................. 82 América Latina, século XXI: um passo adiante? ......... 94 A desigualdade no mundo hoje ................................... 104 Excurso sobre as relações sociais de fetiche .............. 112 A civilização ainda é rentável? .................................... 120 Bibliografia .................................................................. 129 Sobre o autor ............................................................... 132

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Apresentação Em 26 de setembro de 2014, o liberiano Thomas Duncan foi ao Pronto-Socorro de Dallas, Texas, para se tratar dos sintomas de uma forte infecção. Ele informou à enfermeira que chegara da Libéria havia poucos dias; ela, entretanto, não repassou a informação adiante. Duncan recebeu uma receita de antibióticos e foi enviado para casa. Dois dias depois voltou para o Hospital em uma ambulância por conta da piora aguda dos sintomas. Finalmente, foi diagnosticado com Ebola, o mais mortal dos vírus conhecido pelo homem. Duncan entrou em contato com 80 pessoas desde que o avião que o trazia da Libéria pousou em Dallas. Se qualquer uma destas pessoas contrair o vírus seria o primeiro relato documentado de um ser humano infectado por Ebola fora da África. Em fevereiro de 2014 um surto de Ebola, o maior já registrado em toda a história, começou a causar a morte de homens, mulheres e crianças em Guiné, na África. Em seguida, o surto se espalhou para Serra Leoa, Libéria e Nigéria. Em setembro daquele ano ouviu-se o pronunciamento oficial de Joanne Liu, presidente da Organização Não-Governamental Médicos Sem Fronteiras, de que o surto seguia descontrolado. Em suas palavras, "O anúncio da OMS (Organização Mundial da Saúde) no dia 8 de agosto dizendo que a epidemia era uma 'emergência pública de saúde de preocupação internacional' não levou a nenhuma ação efetiva, e os países se juntaram em uma coalizão global de inércia". Retenha essa expressão, coalizão global de inércia. Em 27 de agosto de 2014, as pessoas mantidas isoladas em quarentena na favela de West Point, na Monróvia, capital da Libéria, se manifestaram contra o isolamento, resistindo aos que o impunham. As mais difíceis condições de vida do mundo, onde falta de tudo, ainda eram acrescidas da terrível condição de sítio e de

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todos os problemas que isto implica. Os pobres estavam agora isolados na presença do mais mortal dos vírus conhecidos, como se a vida que levam já não fosse suficientemente cercada de privações, dores e misérias. Para conter a tentativa dos liberianos isolados de furar o cerco, o exército abriu fogo contra alguns dos que tentavam fugir. Ali estava, portanto, o cume do desespero: favelados de um dos países mais pobres do mundo, isolados e mantidos sem qualquer cuidado médico para morrerem pela ação de um dos microrganismos mais letais que se tem notícia; ao tentar escapar desta morte quase certa são alvejados por tiros de fuzis. Um (a)cúmulo de segregação, crueldade e abandono. As últimas notícias dão conta de que uma cura para o Ebola está próxima de se efetivar, dando testemunho de que a miséria na África só não é efetivamente combatida com a colaboração dos países desenvolvidos pelo fato de não ser contagiosa. Enquanto se celebra o desenvolvimento econômico e a “nova classe média” na Índia, nas periferias de estados como Delhi, Punjab, Meghalaya e Haryana as pessoas estão literalmente encolhendo em face da desnutrição e das condições sanitárias precárias na qual elas vivem. Entre meados dos anos 80 e meados dos anos 2000 o peso e a altura média de homens e mulheres na faixa dos 20 anos diminuiu nestes estados, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde, como um testemunho biológico da pobreza ali vivida. Segundo dados veiculados pela Oxfam em janeiro de 2015 oriundos de uma pesquisa do Credit Suisse, no ano de 2014 apenas 1% dos mais ricos do mundo açambarcaram 48% de toda riqueza produzida no planeta, enquanto que os outros 99% dos adultos, incluindo os liberianos de West Point, de Delhi, Punjab, Meghalaya e de Haryana dividem o restante dos 52% das riquezas produzidas por todos. Os mesmos pesquisadores concluíram que até 2016 haverá uma assustadora virada e o 1% de super-ricos terão mais renda e patrimônio que os 99% restantes da humanidade.

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Os índices de desigualdade aferidos nos últimos anos são testemunho de que nossas sociedades, banhadas que estão em processos de racionalidade instrumental que governa nossas máquinas automatizadas nas fábricas, nossos aparelhos de comunicação, nossos computadores pessoais e nossos veículos automotores, possuem um forte núcleo socialmente irracional, um vórtice que leva a profundas disparidades e que colocam em contraste os sucessos obtidos nos campos das ciências, da tecnologia e da medicina com os modos de vida e existência social e biológica em regiões cada vez maiores repletas de miséria e de carências. Por que em meio a tantas evidências, permanecemos, e não só em relação ao Ebola, em uma coalizão global de inércia? Este livro é um convite à reflexão sobre este problema. Ele é composto de vários textos inéditos e de alguns textos que escrevi para provocar o debate entre meus alunos ao longo dos meus quase dez anos de ensino na graduação. Eles formam capítulos curtos, de caráter didático, que pretendem ser um convite para uma imersão mais profunda em leituras e reflexões sobre um tema tão urgente de nosso tempo que é a desigualdade social.

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O que é a desigualdade? Neste capítulo definiremos algumas das concepções centrais às quais no referiremos ao longo deste livro Como o título deste livro sugere, não faremos um percurso genérico sobre a desigualdade. Nossa intenção é, antes, falar sobre a reprodução social da desigualdade e isto significa perguntar como a desigualdade social se tornou aquilo que ela é; e isso implica também questionar por que ela permanece sendo o que é. Somente pensando sobre isso poderemos discutir mais consequentemente o futuro da desigualdade social em nosso país e em nosso mundo. Ainda que mais adiante nos dediquemos a discutir a criação da desigualdade entre os homens, tema enfrentado por Rousseau em um clássico opúsculo do século XVIII que também teremos a oportunidade de examinar mais à frente, nosso foco se manterá na reprodução social das desigualdades e isso significa que nos concentraremos no modo como estas desigualdades se perpetuaram no tempo e no espaço nas sociedades humanas. Ademais, um enfoque ainda mais preciso é dado à desigualdade da modernidade capitalista, e este enfoque será feito pela razão de que se trata de um tempo histórico onde as desigualdades sociais possuem um peculiar modo de reprodução. Portanto, este livro é um convite à reflexão a partir da seguinte questão: como e por que as desigualdades sociais se reproduzem hoje? Uma questão que se desdobra em outras que podemos nos fazer ao longo de nossa reflexão: como é possível a brutal desigualdade social em um tempo histórico que logrou um avanço tecnológico e médico tão profundos? Como isto é possível? Pensemos um pouco nisso. Hoje um só produtor agrícola norteamericano pode alimentar 126 pessoas com seu trabalho e

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com a tecnologia disponível, entretanto, o número de pobres e miseráveis aumenta a cada dia nos Estados Unidos1. É um fato conhecido de todos o enorme avanço da medicina nos últimos anos, que, sem sombra de dúvida, tem hoje a possibilidade técnica e científica de curar e salvar mais vidas do que nunca teve, entretanto, a diferença na expectativa média de vida dos países é simplesmente brutal. Vamos aos extremos. A expectativa média de vida no Japão é de 84 anos e em Serra Leoa, 46, uma diferença de 38 anos!2 Nem seria preciso lembrar os números do Brasil, um dos países mais injustos do planeta. Eu lembraria apenas que se trata da sétima economia mais produtiva do mundo3, mas ainda estamos em 79ª em termos de Desenvolvimento Humano das populações4, além de um pouco mais de 10 milhões de pessoas na extrema pobreza5. E aqui seria importante deixar claro as definições com as quais faremos o nosso percurso. Em primeiro lugar, precisamos definir o que seja a desigualdade social. Parece-nos que o sociólogo sueco Göran Therborn nos deu um bom ponto de partida ao escrever o seguinte:

...a desigualdade é uma violação da dignidade humana; é uma negação da possibilidade de desenvolvimento da capacidade humana de todos. Ela assume diversas formas e tem diversos efeitos: morte prematura, morte por doenças, humilhação, sujeição, discriminação, exclusão do conhecimento ou da vida social geral, pobreza, desapoderamento, stress, Segundo o US Census Bureau, em 2012 a pobreza no Estados Unidos atingiu 16% da população, a maior marca desde 1993. Cf. http://goo.gl/wNDDL 2 Cf. os dados no site da Organização Mundial da Saúde. Disponível em: http://goo.gl/amgxn 3 UOL. Brasil é 7ª maior economia, e China deve passar EUA logo, diz Banco Mundial. 30/04/2014. Disponível em: http://goo.gl/c0HpJ2 4 BORGES, Bruna; CALGARO, Fernanda. IDH do Brasil melhora e supera média da AL; país é o 79º em ranking mundial. Uol. 24/07/2014. Disponível: http://goo.gl/yrrpRQ 5 G1. Após 10 anos de queda, número de miseráveis volta a subir no Brasil. 05/11/2014. Disponível em: http://goo.gl/JR7y2Z 1

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insegurança, ansiedade, falta de autoconfiança e orgulho de si mesmo e a exclusão de oportunidades e de chances de vida. Desigualdade, então, não é apenas sobre o tamanho de nossas carteiras. É uma ordem socio-cultural, que (para a maioria de nós) reduz nossas capacidades de funcionarmos como seres humanos, nossa saúde, nossa auto-estima, nosso senso de si, assim como nossos recursos para agir e participar deste mundo.6 Entretanto, tão instrutivo como afirmar o que é a desigualdade, é concentrar esforços em pensar o que a desigualdade não é. Em primeiro lugar, desigualdade não é diferença. As diferenças são naturais, como por exemplo, a etnia, o sexo, a idade, ou escolhidas (estilo de vida, preferências de consumo, etc.) e a desigualdade é socialmente construída e socialmente reproduzida. Rousseau chamava isso de “desigualdades naturais”7, mas para que não haja equívocos, chamaremos, nesse livro, estas distinções entre os indivíduos de diferenças. A desigualdade é uma falta, uma negação social de acesso a três aspectos da sociabilidade: a vida, a existência e os recursos. A vida é negada a uma grande parte da população mundial, o que percebemos sem qualquer dificuldade ao mirarmos na expectativa média de vida dos países do mundo. Como vimos há pouco a diferença entre o Japão e Serra Leoa é de 38 anos; uma desigualdade de 38 anos na expectativa média de vida entre um país e outro não pode de modo algum ser explicado pelas diferenças entre os indivíduos, por sua constituição genética (genotípica ou fenotípica), muito menos por suas escolhas individuais, logo, se trata da resultante de uma construção e reprodução social e, por isso é uma desigualdade. THERBORN, Göran, The Killing Fields of Inequality. Malden: Polity Press, 2013 (e-book). 7 ROUSSEAU, J. J. A Origem da desigualdade entre os homens. Tradução: Ciro Mioranza. São Paulo: Lafonte, 2012. 6

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