A resistência cotidiana dos povos indígenas durante a ditadura de Alfredo Stroessner no Paraguai (1954-1989)

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A RESISTÊNCIA COTIDIANA DOS POVOS INDÍGENAS DURANTE A DITADURA DE ALFREDO STROESSNER NO PARAGUAI (1954-1989) Paulo Alves Pereira Júnior1

1. INTRODUÇÃO Em meados de 1954, Alfredo Stroessner assumiu a presidência do Paraguai. Logo nos primeiros anos, seu governo desarticulou as ações opositoras de determinados correligionários da agremiação oficial – Partido Colorado – e de membros de outas associações político-partidárias, como o Partido Liberal e o Partido Febrerista. Desde a década de 1960, a ditadura cívico-militar2 estruturou um mecanismo repressor que desbaratou diversos movimentos armados, perseguiu cidadãos e censurou veículos da imprensa. Nos anos 1970, o país iniciou as obras da Usina Hidrelétrica de Itaipu e teve seu Produto Interno Bruto elevado. Já no decênio seguinte, com a construção de Itaipu finalizada e com a intensificação do sistema de corrupção nas instituições públicas, os índices inflacionários aumentaram e o produto interno diminuiu. Por conta da ampliação da pobreza e da desigualdade social, distintos setores intensificaram os protestos contra a presidência de Stroessner. Nesse ínterim, as crises internas do Partido Colorado acentuaram-se, desmembrando a agremiação em duas facções: os tradicionalistas – opositores ao stronismo3 – e os militantes – apoiadores da ordem política vigente. Diante dessa situação, a estrutura política da ditadura perdeu forças e abriu possibilidades para insurreições. Na noite de 02 de fevereiro de 1989, Andrés Rodríguez orquestrou uma quartelada que depôs Stroessner. Ao assumir provisoriamente a presidência, Rodríguez iniciou uma abertura política e comprometeu-se a respeitar os princípios democráticos. Ademais, convocou eleições gerais para maio do mesmo ano. Eleito constitucionalmente com 75,9% dos votos, governou até 1993, quando foi substituído por Juan Carlos Wasmosy. Durante a ditadura de Stroessner, os grupos indígenas tiveram seus direitos violados por funcionários estatais e paraestatais. Na década de 1960, León Cadogan externou em artigos lançados em revistas e jornais as dificuldades enfrentadas pelos povos nativos em território paraguaio. No decênio seguinte, Miguel Chase-Sardi (1971), Mark Münzel (1974) e Richard Arens (1976) publicaram estudos denunciando as propostas de assimilação forçada dos indígenas à sociedade e os casos de assassinatos e de escravização decorrentes dessa política governamental. Por conta da repercussão negativa, o regime negou as acusações. Não obstante, a opressão a esse grupo prosseguia. Na última década da ditadura, Barbara Bentley (1980), Calvin Redekop (1980) e Cristina Olazan (1987) publicaram trabalhos sobre a situação dos povos indígenas no Paraguai e as políticas estatais aplicadas a eles. Após a deposição de Stroessner, Angela Brachetti (1991) discutiu a importância das missões católicas na defesa dos grupos nativos e Stephen Kidd (1994) analisou as ações do governo de Rodríguez 1 Mestrando em história – UNESP/FCLAs. 2 Benjamín Arditi (1992) define o governo de Stroessner como um poder militar dominante na política que contou com o apoio expressivo de uma parte da sociedade. 3 Apesar de encontrarmos em algumas obras as terminologias stronato ou stroessnerismo, adotaremos a expressão stronismo, frequentemente utilizada pelos pesquisadores paraguaios que estudam a ditadura de Stroessner.

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em relação à situação dos indígenas e a organização desse setor. Em 2007, foi lançado a obra de René D. Harder Horst, cujo escopo foi evidenciar a participação política dos indígenas durante o stronismo. No ano seguinte, o Grupo Internacional de Trabajo sobre Asuntos Indígenas (IWGIA) copilou artigos de diversos autores – como Bartolomé Clavero, Bartolomeu Melià, Jorge Aníbal Servín – com o propósito de discutir a violação aos direitos dos povos Aché pelos governos paraguaios. Exceto as produções mencionadas, grande parte dos estudos sobre a ditadura não considera os povos indígenas como atores políticos e históricos. Essas pesquisas estão preocupadas, a priori, com aspectos político-partidários e socioeconômicos e segregam a experiência das comunidades originárias. Durante as décadas de 1990 e 2000, foram criados distintos movimentos sociais que exigiram reparações financeiras e históricas. Esse agrupamento era formado por indivíduos que tiveram seus direitos violados direta ou indiretamente pelo stronismo. Uma das conquistas dessas ações foi a criação da Comisión de Verdad y Justicia (CVJ), cujo escopo foi investigar os crimes cometidos por funcionários públicos durante os três decênios do governo de Stroessner. Em agosto de 2008, os Informes Finais da CVJ – intitulados Anive haguã oiko – foram entregues aos Três Poderes do país e amplamente divulgados. À vista disso, o presente trabalho tem como objetivo identificar a resistência cotidiana desenvolvida pelos povos indígenas durante a ditadura de Stroessner através dos relatos existentes no tomo III do Informe Final da CVJ. Utilizaremos os referenciais teórico-metodológicos propostos por Michel de Certeau (1980) para explorar caminhos para a nossa problemática inicial, sempre estimando a particularidade em torno da nossa fonte. Ao refletir sobre a vida cotidiana, Certeau afirma que dentro desse espaço desenvolvem-se as práticas de dois tipos: estratégias e táticas. A primeira refere-se às atividades impostas por um grupo “dominante”. Já a segunda, relaciona-se às ações de sujeitos que se encontram em um local controlado e observado pelo “inimigo”. Dentro desse ambiente, os indivíduos aproveitam as brechas existentes para traçar possíveis saídas (CERTEAU, 1998, p. 99-101). A tática é entendida de diversas maneiras, como a vitória do “fraco” sobre o mais “forte” (caracterizado como um poderoso ou a violência sobre algo), os pequenos sucessos de distintos atores sociais, a arte de dar golpes no campo de outros, a astúcia dos “caçadores” e as simulações polimorfas (CERTEAU, 1998, p. 47). Esse conceito abre outras possibilidades, quando introduzido no caso paraguaio. As guerrilhas armadas que atuaram contra as forças autoritárias do stronismo caracterizam-se como estratégias, pois foram atitudes proporcionadas pelo isolamento de um grupo de querer e poder (geralmente ligado a um partido político), gerando distintas relações exteriores (com os camponeses, por exemplo), visando atingir um alvo ou uma ameaça externa (o governo de Stroessner) e procurando um local de poder próprio. Em nossas análises, aplicaremos a noção de tática/resistência cotidiana4 apenas às atividades articuladas pelos povos indígenas, que se apropriaram dos “jogos” desenvolvidos pelas estruturas ditatoriais ao criarem saídas de um espaço vigiado e controlado por órgãos repressores.

2. A TRAJETÓRIA DOS POVOS INDÍGENAS NO PARAGUAI E A RESISTÊNCIA AO GOVERNO DE STROESSNER A ditadura de Alfredo Stroessner reprimiu os direitos indígenas, afetando os projetos de vida, as culturas tradicionais, a cosmovisão e a territorialidade desse grupo. Após a deposição do ditador, o Estado avançou na proteção de garantias a tal setor, auxiliado pelas organizações sociais. A rati4 O termo “resistência cotidiana” não foi utilizado por Certeau. Não obstante, uma vez que o autor pensa a renitência a parir do âmbito do cotidiano, não vemos nenhum empecilho para a utilização do conceito.

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ficação da Convenção Americana de Direitos Humanos em 1989, a redação do Capítulo Quinto da Constituição Nacional de 1992 e a legitimação das disposições do Convênio Nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), homologada pela Lei Nº 234 de 1993, formam o corpus jurídico sobre a proteção dos direitos dos indígenas. Entretanto, tais prerrogativas não foram ativadas, já que a maioria dos crimes cometidos contra os nativos continua sem reparação. Por conta do desrespeito às garantias dos povos originários, a CVJ decidiu incorporar em seu Informe Final uma seção sobre a situação dessas comunidades durante o stronismo e a fase de transição democrática. Os testemunhos dos indígenas convidados pela Comissão foram apresentados na audiência pública “Pueblos Indígenas y Dictadura”, realizada pela CVJ em julho de 2008 (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 149-150). O capítulo existente no tomo III do Informe Final apresenta os crimes contra os indígenas de 1954 a 2003. Além disso, expõe a trajetória política, social e jurídica dos povos originários no Paraguai, a partir das Constituições Nacionais, dos recenseamentos demográficos, dos tratados internacionais e dos informes de distintas organizações indigenistas. Em um segundo momento, identifica os casos de tortura, execução, escravidão e estupro cometidos pelo governo contra diversas comunidades a partir de uma lógica de exclusão. Além disso, a ditadura possuía uma dinâmica de apropriação dos recursos naturais que pertenciam aos nativos. Há, entre esse grupo, uma estreita conexão entre o direito à vida e a de seus territórios (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 151-154). Os povos indígenas, reconhecidos pela Constituição Nacional de 1992 como sociedades existentes antes da formação do Estado paraguaio, estão divididos em dezessete nações (ou dezenove, segundo algumas reivindicações recentes), correspondente a cinco famílias linguísticas: 1) Guaraní: composta por seis povos (Guaraní ocidentais, Guaraní Ñandéva, Pa’i-Tavyterá, Mbya Guaraní, Ava Guaraní e Aché); 2) Maskoy: formada por cinco comunidades (Guaná, Enenxet, Sanapaná, Angaité e Enxet ou Enlhet); 3) Mataco-Mataguayo: integrado por três nações (Nivaclé, Maká e Manjuy); 4) Zamuco: construído a partir de quatro comunidades (Ayoreode, Yshyro, Tbytosos e Tomárahos); 5) Guaicurú: composta pelos povos Toba ou Qom (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 157-159).5 Em 1942, foi criada a Asociación Indigenista del Paraguay, composta por intelectuais e filantrópicos. Após sete anos, fundou-se a Curaduría de Indios Mby’a Guaraníes del Guairá, cuja função era “adaptar” os nativos à sociedade. Tal órgão, desativado em 1968, visava tutelar os nativos que não poderiam fazer uso de seus direitos jurídicos. Durante o governo de Stroessner, e mediante os testemunhos de crimes de lesa-humanidade contra o Povo Aché em 1957, o Ministério do Interior emitiu uma circular comunicando que sob nenhum pretexto os Guayakí poderiam ser mortos, atropelados ou sequestrados. Diante disso, a Corte Suprema de Justiça emitiu outro ofício, sinalizando que asseguraria os direitos dos povos originários e os trataria em pé de igualdade em relação aos cidadãos paraguaios. Tais medidas foram ditadas em um ambiente de enfrentamento entre indígenas, que resistiam à assimilação social e ao abandono de suas glebas, e os colonos beneficiários da política de expansão das fronteiras agrícolas, desenvolvida pelo stronismo (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 167-168). No ano seguinte, foi criado o Departamento de Asuntos Indígenas (DAI), dependente do Ministerio de Defensa Nacional, que pretendia assegurar a segurança territorial do país e adotar medidas 5 Há um problema na classificação dos povos linguísticos Maskoy, já que as comunidades do Sul e do Norte são distintas, tanto no quesito sociolinguístico, quanto no âmbito geográfico. Por respeito ao leitor, decidimos incluir a população Guaicurú (não citada no Informe Final). A incorporação desse dado não altera as informações encontradas no documento, tampouco pretende desvalorizar a pesquisa da CVJ.

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para colonizar nativos dispersos – visando adaptá-los à vida sedentária. A partir dessa conjuntura, foi estabelecida, em 1963, o Instituto de Bienestar Rural (IBR), que objetivava iniciar o processo de regularização das terras dos nativos. Além disso, também visava promover o desenvolvimento econômico e social no país, através da organização dos agrupamentos indígenas. Quatro anos depois, foi proclamada a Constituição Nacional de 1967, que não apresentava nenhuma garantia aos povos originários (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 169-170). Em 1975, o governo criou o Instituto Paraguayo del Indígena (INDI) – substituto do DAI – que proporcionou reuniões com instituições indígenas e indigenistas, com o objetivo de discutir a situação desse setor. Em um desses encontros, a Asociación Indigenista del Paraguay apresentou ao INDI o projeto de estabelecer um regime jurídico para as comunidades nativas, com o objetivo de garantir propriedades territoriais para esses grupos. Após anos de lutas, foi sancionada, em 1981, a lei que criou o “Estatuto das Comunidades Indígenas” e garantiu o reconhecimento da personalidade jurídica dos povos originários e o seu direito à terra (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 170-171). Como externado anteriormente, os indígenas só tiveram suas prerrogativas garantidas após a ditadura stronista. Essa conquista foi fruto de uma longa batalha iniciada nas primeiras décadas da centúria passada e que ganhou força durante o governo de Stroessner. Entretanto, seus direitos fundamentais continuam sendo infringidos. Os crimes exercidos contra eles, executados pelos órgãos públicos, são explorados no último capítulo do volume III do Informe Final da CVJ. A equipe da Comissão colheu certos testemunhos, com o propósito de responsabilizar o Estado em relação às infrações cometidas. Dessa forma, o documento reconhece a autodefinição, a identidade cultural (os idiomas e as tradições), o direito legal aos recursos naturais inerentes ao território (como a água e a fauna) e a participação política dos povos originários. A fonte analisa os casos de assassinatos, de violências sexuais contra as mulheres, de apropriações ilegais de terras, de comercialização de crianças, de torturas e de escravidão executados contra os Povos Aché, Mby’a Guaraní, Enxet, Ayoreo, Maskoy, Avá Guaraní, Paî Tavyterâ e Toba Qom. Diante do autoritarismo, muitos nativos resistiram ao stronismo de distintas maneiras. Através de Assembleias Indígenas, reivindicaram seus direitos territoriais e a valorização de suas culturas e de suas organizações socioeconômicas. Contando com o apoio de parcelas da imprensa escrita nacional, de grupos político-sociais e de intelectuais, diversas comunidades que outrora eram rivais passaram a lutar contra um único inimigo: a ditadura de Stroessner. Não obstante, certos indígenas apoiaram – de forma velada ou de maneira concreta – o regime, seja por conveniência ou por medo da repressão. Outros estabeleceram táticas às estratégias estatais. Uma dessas ações é lembrada pelo Aché Roberto Cheigi, o qual afirma que não: (…) queríamos permitir que los apâ, (paraguayos) invadieran nuestro territorio, robar a nuestros niños, abrir picada y vender nuestra madera. Cada vez nuestra área se reducía más, ya faltaba comida, así que entrábamos también a robar mandioca y maíz de la chacra de los blancos, hasta llegamos a faenar sus animales. Los paraguayos respondían a estos actos a balazos. Nos perseguían hasta el monte, mataban a mansalva a cuantos indígenas que encontraban a sus pasos, abusaban de las mujeres y robaban a los niños que luego eran comercializados (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 181).

A partir desse relato, notamos como foi o sistema de expropriação de terras indígenas, de violações sexuais e de roubo e comercialização de crianças, realizado pelos agentes estatais e por pessoas

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ligadas ao governo (empresários e camponeses). Através desse testemunho, observamos que o povo Aché desenvolveu uma tática arriscada: o furto de alimentos das “propriedades” de paraguaios. Mesmo cientes dos perigos que corriam, enfrentaram o medo e passaram a jogar no mesmo espaço das forças inimigas. Por conta da fome e da elevação da pobreza, decorrentes da desapropriação forçadas de glebas pelos “brancos”, sentiram-se na obrigação de reagirem a tais ações autoritárias, roubando alimentos de uma leiva que pertencia a eles. Consideramos que essas atitudes foram planejadas, pois não apenas furtaram mandioca e milho, mas chegaram a abater os animais do sítio. Isso significa mais do que um simples procedimento pautado pela carência de algo, uma vez que tais assassinatos são interpretados como um recado ou uma demonstração de força. Ao trucidar os animais, advertiram tais proprietários da consequência de seus crimes e do quão perigosos seriam. Nesse período, muitos colonos exploraram a mão-de-obra indígena, aplicando sobre eles um mecanismo de servidão por endividamento. Tal como citamos anteriormente, esses agricultores – e também policiais e militares – sequestraram, escravizaram e traficaram muitas crianças indígenas. Além de serem usados como força de trabalho, serviram como escravos sexuais. Um dos maiores comerciantes de povos originários no interior paraguaio foi o fazendeiro Manuel Jesús Pereira. Ele caçou, escravizou, abusou sexualmente, torturou e assassinou distintos Aché por mais de duas décadas. Mesmo possuindo plena ciência desses crimes, o regime o nomeou como administrador da Colonia Nacional Guayaquí, reserva do Povo Aché. Pereira respondia ao Ministerio de Defensa. Assim, era um agente paraestatal. Apoiado pelo stronismo, intensificou seus crimes e passou a roubar terras tradicionais. Selecionamos três depoimentos que realçam a experiência dos nativos que foram violentados pelos atos arbitrários desse caçador. Margarita Jeichagi, da Comunidad Aché de Chupa Pou, em Canindeyú, afirma que logo de: (…) mucho tiempo yo salí del monte y fui llevada con otra gente a Cerro Morotî. Allí presencié varias agresiones cometidas por Pereira. Le pegaba con machete a los Aché y abusaba de las jóvenes, muchas de ellas salían de la pieza todas ensangrentadas, esto ocurría, sobre todo cuando Pereira estaba borracho. El siempre amenazaba a los Aché para evitar que huyeran. Un joven Aché se escapó del campamento porque vio cómo Pereira maltrataba a los indígenas, después de mucho tiempo, encontraron sus huesos en el monte (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 188).

Esse testemunho explana a forma de como Pereira tratava os Aché, vistos por ele como “coisas” que poderiam ser torturadas e assassinadas sem nenhum motivo aparente. Sobre as violações sexuais cometidas pelo fazendeiro, Marta Chevugi, de Kuetuguy - VillaYgatimi, Canindeyú, relata que em: “Cerro Morotî, me consta que Pereira abusaba sexualmente de las jovencitas (...)” (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 188). Escravizados, violentados e explorados, os Aché estavam sob a tutela de Manuel Jesús e serviam tanto nos trabalhos braçais quanto no serviço doméstico, como endossa P.K., vítima do caçador e que também reside em Kuetuguy: “En Cerro Morotî Pereira le pegaba a los Aché que no hacían bien su trabajo, los Aché le servían en su casa, le cebaban mate, trabajaban en la chacra” (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 188). Diante dessa situação opressora, vários Aché escaparam do “domínio” de Pereira e se esconderam dos funcionários estatais e paraestatais. Separamos três testemunhos que abordam esse tema. O Aché Antonio Mbepegi atesta que passou: (…) mucho tiempo, y salí del monte a invitación de Máximo Chevugi, un Aché que salió del monte muchos años antes y trabajaba con Manuel Pereira, él nos dijo para que saliéramos, que afuera había comida en abundancia y si seguíamos en el monte seríamos aniquilados por

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los militares y paraguayos. Confiamos en la palabra de Máximo y así dejamos el monte, pero el cambio de ambiente fue terrible, el cambio de alimentación mató a mucha gente, creo yo, cerca de 500 personas. Varios días no pudimos comer nada, la comida de los paraguayos nos resultaba amarga, incomible. Niños, jóvenes y ancianos lloraban de la impotencia, pedíamos a grito que nos dejaran volver al monte, estábamos atrapados en un lugar al cual no estábamos acostumbrados, algunos huyeron, pero rápidamente los ayudantes de Pereira los perseguían y los traían de vuelta al campamento, donde recibían sus castigos por haber intentado huir (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 187).

Já o Aché José Kuategi, da comunidade de Puerto Barra, localizada no distrito de Naranjal, departamento do Alto Paraná, recorda que em:

(…) unos de los atropellos que sufrimos, mataron a mi esposa y a varios Aché, pero no recuerdo los nombres. Vivíamos con mucho miedo nos escondíamos monte adentro. Apenas escuchábamos los disparos ya corríamos a cualquier parte en busca de refugio. Nos escondíamos en las espesuras del bosque por miedo a que los paraguayos nos mataran y que robaran nuestros hijos. Un día supimos que un Aché nos estaba buscando para sacarnos del monte, pero nosotros evitábamos encontrarnos con él por temor a que sea igual que los paraguayos, además sabíamos que podíamos pasar hambre y otras dificultades durante el traslado. El nombre del Aché, es Lorenzo Krachogi que vive actualmente aquí en Puerto Barra. Portaba arma, pero no le disparaba a nadie (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 182-183).

Marcos Chevugi, Aché que vive em Kuetuguy, localizado no distrito de Villa Ygatimi, em Canindeyú, relembra momentos difíceis de sua vida. Na época da ditadura, Marcos afirma que depois: (…) de la muerte de mi padre, fui a vivir con mi madrina, como dicen ustedes, con otro grupo de Aché, nuevamente los paraguayos ingresaron al monte donde estábamos y mataron a mi madre Kajepurâgi y a la hermana de mi madre Pikygi (mi tía) y una anciana de nombre Mbrikugi. Fue un desastre ese día, yo me salvé por que corrí (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 184).

O seguinte relato é do Aché Joaquín Achipurâgi, morador de Arroyo Bandera, localizado no distrito de Villa Ygatimi, em Canindeyú. Ele informa que foi: (…) cazado y vendido a una familia paraguaya cerca de Curuguaty, mis dos hermanos menores también, yo era el más grande, crecí con ellos, estudié en la escuela del lugar. En la escuela y también los vecinos me decían que yo era Guayakí, un indio. Un día me animé y comencé a tomar contacto con otros jóvenes que estaban en la misma situación. Me escapé de la casa, viví un tiempo en la comunidad de Chupa pou y luego me casé con una mujer de mi pueblo, de ahí vine aquí a Arroyo Bandera, donde vivo actualmente. A uno de mis hermanos nunca más lo vi, mis padres fueron asesinados por los paraguayos cuando éramos aun muy pequeños, unos paraguayos se apoderaron de nosotros y nos sacaron del monte (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 189).

Esses depoimentos entrelaçam-se a partir de um único ponto: a fuga. Antes de entrarmos especificamente nesse aspecto, exploraremos a riqueza de cada testemunho apresentado. Antonio mostra-nos como os Aché eram atraídos por Pereira para serem explorados. Ludibriado por Máximo Chevugi, um indígena que trabalhava para o caçador, Antonio – acompanhado de um grupo

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– seguiu para a propriedade do fazendeiro e, quando chegou, pôde notar as péssimas condições em que viviam as crianças, os jovens e os idosos. Por conta disso, muitos nativos bramiram para que pudessem voltar às suas terras, mas tal pedido foi negado. Alguns conseguiram fugir, mas eram capturados e torturados pelos capangas de Manuel Jesús. O testemunho de Antonio é importante por dois motivos. Primeiro, contradiz o discurso de Pereira. Quando questionado pelas autoridades e por intelectuais indigenistas, alegou que os nativos o buscava, pois queriam ter proteção e boa qualidade de vida. Na realidade, eles eram enganados por certos Aché que trabalhavam para o caçador. Em segundo lugar, a fuga dos indígenas condiciona-se às situações insalubres em que estavam inseridos, já que passavam mal com a comida dada pelos paraguaios. Sujeitando-se a exploração por estarem famintos, muitos fugiram justamente por conta dos alimentos intragáveis servidos pelos capangas de Pereira. José relembra um acontecimento traumático em sua vida: o assassinato de sua esposa e de integrantes de seu grupo. Com medo de tornarem-se vítimas, os sobreviventes fugiram para os bosques, escondendo-se dos empregados do caçador. Certo dia, souberam que um Aché – de nome Lorenzo – estava-os buscando, mas continuaram a fugir, temendo que ele os conduzisse à fazenda. Provavelmente, Lorenzo era um dos empregados de Pereira e tinha a missão de recrutar outros indígenas para serem escravizados. Assim como no depoimento de Antonio, observamos a figura do nativo que ludibriava outros a mando de Manuel Jesús. Não obstante, há um elemento novo: esse agrupamento tinha noção de que seria explorado e que passaria fome. Essas informações eram espalhadas pela região por outros indígenas. Vale lembrar que a tradição oral é um dos elementos mais importantes da cultura dos povos originários. Outra singularidade trazida a partir do testemunho de José é que a fuga se pautava pelo medo de serem assassinados, torturados ou explorados pelos capatazes do caçador. Sabendo da situação de outros membros de seu povo e traumatizados com as experiências passadas, optaram por se esconder. As memórias narradas por Marcos remetem – assim como nos relatos anteriores – às vivências traumáticas de sua vida. Após a morte de seu pai, foi viver com sua “madrinha” em um agrupamento Aché. Tempos depois, certos caçadores invadiram o monte onde viviam poucos indígenas e executaram sua mãe e sua tia, juntamente com uma anciã. Ele conseguiu correr e se salvou do massacre. Assim como nos outros testemunhos, a fuga de Marcos condiciona-se ao temor de ser executado. Sua narrativa também externaliza o papel dos mecanismos de repressão do regime. Como observamos, alguns paraguaios (não sabemos se eram policiais, militares, caçadores ou camponeses) assassinaram um grupo de nativos sem nenhum motivo aparente. Essa ação associa-se à ideia de “limpeza étnica”, pertencente ao discurso xenófobo e racista do governo. As políticas públicas de integração dos indígenas à sociedade não eram mais do que formas de genocídio e de extravio de terras tradicionais. Joaquín relembra momentos traumáticos de sua juventude. Residia, juntamente com sua família, em uma comunidade no interior do país. Certo dia, determinados caçadores invadiram o local, assassinaram seus pais e ele foi vendido, assim como seus irmãos, a uma família na cidade. Por conta do preconceito étnico-racial que sofria na escola e na vizinhança, resolveu fugir e passou a viver em uma comunidade indígena. Tal relato nos apresenta os impactos das políticas de integração desenvolvidas pelo governo de Stroessner. É importante destacar que os Aché foram os mais escravizados e comercializados pelo fato de terem a pigmentação da pele mais clara do que a dos outros nativos. No entanto, isso não impediu o preconceito social. Há aqui outro aspecto: o racismo presente na sociedade paraguaia e no discurso oficial do governo.

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A fuga de Joaquín condiciona-se a fatores socioculturais. Devido à discriminação e ao fato de estar inserido em um espaço alheio, com tradições e costumes distintos, o jovem Aché acreditou que escapando daquela realidade e voltando às origens se libertaria do ambiente que o oprimia. Como destacado nas narrativas apresentadas anteriormente, os distintos subterfúgios realizados pelos indígenas possuíam diferentes motivos e inseriam-se em um contexto único para cada situação. Entretanto, entendendo a fuga como uma ação que reflete o sentimento de liberdade ou de salvação de uma situação estabelecida, acreditamos que as formas de escapes foram táticas estabelecidas pelos sujeitos e grupos. Encontrando brechas dentro de um mecanismo estabelecido por forças externas, conseguiram vencer o aparelho repressivo do regime ao escaparem com vida das diferentes situações e alcançarem a liberdade individual ou coletiva. Uma das políticas do stronismo para os povos originários foi a integração deles à sociedade nacional, através do trabalho forçado – e poucas vezes assalariado – em missões religiosas e fazendas particulares. Integrados ao sistema Ocidental, aos poucos perderam suas culturas, suas tradições e suas religiões. Muitos foram cristianizados e educados a partir do espanhol, outros passaram a ter uma visão capitalista sobre a produção e alguns negaram sua identidade. Entre as décadas de 1970 e 1980, o movimento indígena no Paraguai foi intensificado. Várias assembleias foram criadas. Em tais espaços, discutiram temas como a devolução de terras tradicionais, a doação de glebas comunitárias para as tribos, a reparação das violações aos seus direitos, o fim das políticas de integração e a reafirmação de suas identidades étnicas. O fortalecimento de suas culturas e tradições era uma pauta importante para o movimento e contrariou as ações integracionistas e de proletarização dos nativos desenvolvidas pelo governo. Na Audiência sobre os Povos Indígenas, organizada pela CVJ em 2008, os Paî Tavyterâ Ignacio Vargas, Josefín Chamorro e Nelson Benítez, membros da Asociación Paí Recopavé, apresentaram o seguinte relato: Quieren aprovechar este espacio para darse a conocer. Agradecen la oportunidad de estar en la audiencia. Son dieciséis comunidades ubicadas en Capitán Bado. Todo lo que se dijo se aplica también a lo vivido por ellos durante la dictadura. Han sido abandonados por las autoridades contrariamente a la ley y los intereses de los indígenas. Esto ha sido por muchos años. En 1968 empezaron a llegar los blancos con proyectos y también la persecución por parte de los brasileños. En el año 80 sufrieron dos desalojos, pero resistieron, aunque casi los mataron. Esto fue muy triste, él era un niño. Su padre, Raúl Chamarro era entonces líder, murió él y quedó en reemplazo de su Padre. El juez que los desalojó fue Leongino Benítez Caballero. Están entre 45 familias y en ese tiempo era todo muy triste. Por eso cree que todos los indígenas de esa época, en ambas regiones del país, sufrieron lo mismo. Cómo hacerse fuerte frente a esto? Fortaleciendo sus culturas para recuperar lo que les robaron los paraguayos (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 226).

O testemunho dos Paî Tavyterâ levanta aspectos essenciais para entendermos a repressão estatal contra essas comunidades. As ações de suas tribos não interessavam ao regime. Em 1968, os agentes públicos ocuparam suas áreas para implantar as políticas de integração. Paralelamente, agricultores brasileiros começaram a persegui-los, em virtude de suas glebas. No ano de 1980, os membros desses agrupamentos foram expulsos pelas forças repressivas do stronismo e, apesar de muitos resistirem, tiveram suas terras desapropriadas. A parir desse acontecimento, passaram a viver em péssimas condições. Uma das formas de resistência que encontraram foi o fortalecimento de suas culturas. Frente às políticas de integração, reafirmaram sua identidade étnica-cultural e

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revalorizaram seus costumes e sua cosmovisão. Dessa maneira, aproveitaram-se das brechas do sistema e acentuaram seus elementos identitários para reforçar a mobilização contra a ditadura e o não desaparecimento de suas tradições. Durante toda a década de 1980, a organização indígena foi expressiva e contribuiu para enfraquecer o governo de Stroessner. Com o fim do stronismo e o início da democratização no país, esse movimento conseguiu – após muitas pressões – incluir na Constituição Nacional de 1992 várias garantias aos povos indígenas residentes no território paraguaio. Entretanto, as vítimas dos mecanismos repressivos do governo de Stroessner ainda não foram reparadas pelo Estado. Ademais, os crimes cometidos contra eles continuam atualmente. Tal como mencionado, a equipe da CVJ conduziu a investigação sobre as violações proporcionadas contra as comunidades nativas até 2003. Por esse motivo, muitas denúncias apresentadas à Comissão remetem a delitos decorrentes da década de 1990. Podemos observar tais questões a partir do relato da Aché Margarita Mboway:

Queremos olvidar nuestra historia, una historia oscura y dolorosa, cuando nuestro pueblo fue cazado como animales por la dictadura y nadie aún lo ha reparado. Lo llevamos dentro de nosotros como yo. Hemos perdido nuestros hogares y no tenemos pan para comer; me han quitado la vida de mi padre y un hermano a quien aún no puedo encontrar; la dictadura me quitó mi madre buscando a sus hijos, allí encontró a la muerte. El etnocidio sigue al igual que la discriminación; aunque no somos torturados físicamente pero sí sicológicamente, al no dar a nuestros hijos indígenas los derechos que dan a los hijos de blanco, en la salud, la educación, en el desprecio a las mujeres y en la no restitución de las tierras robadas. Esto nos mata lentamente. No podemos hacer un país si no reconocemos que somos un país pluricultural y pluriétnico… (COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA, 2003, p. 153-154).

Margarita lembra que seu povo quer esquecer os traumas vivenciados pela ditadura. Além disso, realça que exigem reparação estatal frente aos crimes cometidos durante o regime e que se desdobram até hoje, como a fome, as torturas psicológicas e físicas e a falta de glebas. Ainda existem muitas outras formas de violações aos direitos indígenas, como a desatenção e a negligência de órgãos públicos, a descriminação e o desprezo das mulheres nativas na sociedade. Por fim, os indígenas, nesse documento, são perfilados como atores políticos expressivos. Assim, são vistos como protagonistas de sua própria história. Mais do que informar, denunciar e esclarecer os crimes cometidos durante o governo do ditador Alfredo Stroessner, notamos na fonte a preocupação em apresentar as condições dos povos originários no país, ainda marginalizados socialmente e tendo suas garantias violadas constantemente.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estudar a resistência dos indígenas durante o stronismo a partir do viés do cotidiano é interessante, já que, em uma sociedade marcada por uma estrutura autoritária que desarticulou o espaço público, as atitudes desse período – juntamente com as memórias sobre elas – recaíram sobre o âmbito do privado. Por conta da “ausência” de organizações sociopolíticas “significativas”, a legitimidade dessas lembranças incidiu na esfera do pessoal. A partir dos testemunhos sobre experiência dos povos originários, afirmamos que as táticas estabelecidas por eles não emanaram de uma perspectiva partidária, ideológica ou classista, mas a partir de uma noção cultural acerca da realidade na qual estavam inseridos. É importante realçar que essas oposições também possuíram, em diversos casos, implicações político-econômicas.

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4. FONTE COMISIÓN DE VERDAD Y JUSTICIA. Informe final: Las violaciones de derechos de algunos grupos en situación de vulnerabilidad y riesgo (tomo III). Asunción: CVJ, 2008.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARDITI, Benjamin. Adíos a Stroessner. La Reconstrucción de la política en el Paraguay. Asunción: Centro de Documentación y Estudios (CDE), 1992. ARENS, Richard (Org.). Genocide in Paraguay. Philadelphia: Temple University Press, 1976. BENTLEY, Barbara (Org.). Projects with Indigenous People of Paraguay: Past and Future. New York: Survival International, 1980. BRACHETTI, Angela. “El trabajo misionario de la iglesia católica entre los indígenas del Paraguay”. In: Suplemento Antropológico, vol. 26, nº 02, 1991, p. 225-288. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Tradução: Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1998. CHASE-SARDI, Miguel. “La situación actual de los indígenas del Paraguay”. In: Suplemento antropológico, vol. 06, 1971, p. 09-98. CLAVERO, Bartolomé et al. Los Aché del Paraguay: Discusión de un Genocidio. Paraguay: Grupo Internacional de Trabajo sobre Asuntos Indígenas, 2008. HORST, René D. Harder. The Stroessner Regime and Indigenous Resistance in Paraguay. Gainesville: Florida University Press, 2007. KIDD, Stephen W. “Los indígenas del Paraguay durante la transición”. In: Revista Paraguaya de Sociología, nº 90, 1994, p. 209-229. OLAZAR, Cristina. “Rol y participación de la mujer indígena y campesina en el Paraguay”. In: Participación política de la mujer en el Cono Sur. Buenos Aires: Fundación Friedrich Naumann para la Libertad, 1987, p. 159-167. MÜNZEL, Mark. The Aché: Genocide Continues in Paraguay. Copenhagen: International Work Group for Indigenous Affairs, 1974. REDEKOP, Calvin. Strangers become neighbors: Mennonite and Indigenous relations in the Paraguayan Chaco. Scottdale, Pennsylvania: Herald Press, 1980.

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