A respeito da ontologia do trabalho e a crítica marxiana

July 15, 2017 | Autor: Anselmo Alfredo | Categoria: Human Geography, Ontology, Karl Marx, Ontology Related Works
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A respeito da ontologia do trabalho e a crítica marxiana Anselmo Alfredo DG/FFLCH/USP A noção de dialética tem se estendido ao longo do conhecimento moderno e seu momento talvez o mais sistematizado tenha assim se constituído por um movimento que se fez como inerente e, portanto, necessário a sua própria lógica contraditória. A sistematização da dialética se incorpora como sua forma científica contrapondo-se à efetividade real que se apresenta como não dialética, fundada nos pressupostos unilaterais, mas de um real ambíguo, diferente de si para consigo mesmo que, entretanto, se faz pela contradição. Isto porque a mera afirmação do real é o negar a contradição e, assim, negação, de modo que é na relação sujeito objeto que se dá a sua própria efetividade. Dialeticamente pensando, entretanto, a necessidade de sua sistematização é expressão da ausência de uma consciência dialética, necessidade de seu próprio ser enquanto tal. A sua apresentação, enfim, em sua forma de conhecimento de si mesmo, pode ser considerada segundo uma necessidade que revela o seu próprio ocaso dada a necessidade contraditória de a contradição enquanto forma do ser se tornar consciência. Nesta medida, se isto escapa a Hegel- em que tudo levaria à consciência da contradição - ao que tudo indica se compõe como objeto da forma de exposição marxiana de O Capital retomar a dialética enquanto relação sujeito objeto dada a necessidade da reprodução das relações sociais de produção realizar a consciência não dialética enquanto forma do ser. Atingir a consciência da universalidade dialética do real seria, nos termos da Fenomenologia do Espírito e da Ciência da Lógica de Hegel, a própria superação da relação sujeito objeto como forma efetivada da doutrina do conceito. Se o sentido dialético da especulação hegeliana vem sob a constelação de uma superação entre sujeito objeto, em contrapartida, a dialética hegeliana em Marx de O Capital atinge um sentido forte de negatividade, na medida em que a negação de Hegel não se faz como um mero rejeitar cínico da mesma, mas sim como incorporação negativa, isto é, a dialética de Hegel está lá, porém, negada. Não estaria aí uma determinação de essência do que em Marx de O Capital se conforma numa constelação mediada pelo fetichismo? Incorporação de Hegel, aliás, por demais dialética, já que a sua identidade enquanto tal se faz pela posição do negativo na relação dos contrários, o que traz um sentido muito

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original aos termos da materialidade, historicidade e da dialética que fundou o talvez mais divulgado do que conhecido materialismo histórico e dialético. Se dialética conforma-se aí como o que põe os sentidos da contradição, aliás, na decisiva herança de Hegel em Marx, considere-se que para Marx o real se torna efetivo na medida em que se faz na relação sujeito objeto. Desta feita, a própria existência do ser, aqui em questão a forma social capital, não se faz sem que isto se conforme num processo contraditório entre aparência e essência de modo que o real vem à existência. O que se tem no velho Marx, portanto, é o reconhecimento de que a forma social capital se efetiva enquanto uma fenomenologia do espírito especialíssima, onde a fetichização do real é o que se faz como a forma de ser da própria relação sujeito objeto de modo que a contradição na dialética de O Capital atinge uma constelação que se faz com outros sentidos, conteúdos, cuja resultante é o fetichismo como a forma de consciência a repor uma contradição que, então, não se racionaliza nos termos da lógica hegeliana. Daí a possibilidade de verificarmos em Marx que o capital se faz como uma razão irracional. Fiquemos por ora com os termos do que se põe o tripé deste método. Dada a dialética como mediação dos termos componentes de uma balança de três pratos (materialismo histórico e dialético) é de se reconhecer que os mesmos devem se propor de cada um para consigo mesmo uma contradição fundante de sua própria identidade, sem o que não se é, aliás, possível retirar daí um sentido de dialética. Nesta medida, a materialidade do real capital, enquanto forma social, tem de se pôr sob os pressupostos de uma contradição ancorada entre físico e metafísico, entre matéria e abstração. Recorde-se aqui, de passagem, a oportuna crítica de Marx aos fisiocratas. O fundamento desta crítica se faz sob uma abordagem em que a crítica é o reconhecimento de que a estrita materialidade da mediação trabalho se coloca como uma forma de consciência que se restringe às determinações materiais do real. Num primeiro momento destaca-se que, dada a forma da relação sujeito objeto do real, não se é possível tecer uma contundente crítica ao mesmo se não se elege a forma de consciência como um seu momento inalienável. A crítica à economia política estaria fundada nesta necessidade. Como segundo, tem-se a necessidade de considerar a estrita materialidade do real como uma forma de consciência a ser superada pela crítica. A posição de um pensamento a respeito da forma social capital, entretanto, elege a necessidade de se compreender os sentidos de uma sociabilidade determinada por abstrações, por metafísicas, para que se atinjam os ditames da contradição identitária do próprio materialismo. Marx traça sua 2

crítica repondo em sua análise do capital o percurso da filosofia moderna que está em Kant e Hegel, qual seja, resgatar os sentidos da crítica na medida em que se torna necessário retirar a metafísica da lata de lixo da filosofia. Se em Kant isto aparece como crítica da razão pura, tal crítica como o salvar a razão pura de sua condição exotérica, em Hegel a crítica à metafísica de Kant é o reconhecer que a metafísica é o próprio objeto, posto que forma de transcendência de si para consigo mesmo e relação sujeito objeto, torna o conhecimento da coisa um conhecimento de si mesmo enquanto consciência. Deriva-se daí uma perda do sujeito diante do conhecimento da contradição posta nos silogismos do conceito entre Universal-Particular-Individual. A unidade entre Kant e Hegel, ao que pese o diálogo crítico explícito de Hegel para com Kant, é o da unidade entre crítica e metafísica. Marx recupera este movimento tornando sua leitura sobre o capital não somente um pensamento filosófico, mas, especialmente, compreendendo que a crítica se faz no reconhecimento da contradição entre físico e metafísico. Assim, as determinações metafísicas, em sua contradição entre a materialidade se fazem como uma relação sujeito objeto em que a fenomenalização do real em sua inerente forma sujeito objeto define uma analogia entre trabalho abstrato e matéria, mais do que entre trabalho concreto e trabalho abstrato. Nesta última fica o vago lógico da explicitação da passagem do trabalho concreto à experiência na medida em que, posto na forma mercadoria, cujo fetichismo é a mediação necessária, é justamente este concreto que se perde como necessidade da relação contraditória, mas fetichista, valor de uso e valor de troca. Isto implica que não seria possível dizer a respeito de um caráter fetichista da forma social se a contradição se desse por duas formas que desvelassem um processo de alteridade, de modo a efetivar uma relação entre forma e conteúdo. Estaríamos nos estritos termos da relação forma conteúdo hegeliana, sem a genial negação de Marx de O Capital. Caso isto se desse, incorreríamos na negativa de uma expressão vulgarizada de Marx em que seria desnecessária a própria ciência, pois não são exatamente as determinações do trabalho concreto que se apagam, ao mesmo tempo em que deixam de ser determinantes na forma do real capital se pôr? Nesta medida, a abstração trabalho, já que se faz como tempo de trabalho se define como algo que não está na condição física, material, natural da mercadoria e, por isso mesmo, carece desta condição para definir uma forma de linguagem de modo que o capital possa, nos termos ditos mais acima, vir à existência, isto é, tornar-se experienciável ou ainda, efetivar-se 3

enquanto relação sujeito-objeto. É nesta relação que a metafísica social se faz consciência e assim se põe como pura materialidade. Nos termos de Marx, ...Como nenhuma mercadoria pode figurar como equivalente de si mesma, portanto, tão pouco podendo fazer de sua própria pele natural expressão de seu próprio valor, ela tem de relacionar-se como equivalente a outra mercadoria, ou fazer da pele natural de outra mercadoria sua própria forma de valor.(Liv. I, Tomo I, p. 60). Em se tratando, como sabemos, da forma dinheiro, tem-se aqui uma naturalização do valor, mas que não se revela enquanto tal, pois a expressão conceitual, isto é, que rege as determinações categoriais do capital enquanto forma de consciência, isto é, relação sujeito objeto, se faz na forma D-M-D’ de modo que a alteridade entre metafísico e físico fica bloqueada e esta última aparece como forma totalizadora de uma contradição que, assim, apresenta-se como não contraditória. A forma preço, em sua expressão de preço, portanto, naturaliza o valor como algo próprio do dinheiro e, nesta analogia, o trabalho concreto não se faz como momento da forma de consciência, porque tempo de trabalho (valor) é posto na mercadoria em sua materialidade fisiocrática, determinando a forma de consciência necessária de ser criticada. Define-se, portanto, uma relação entre valor (abstração tempo de trabalho) e valor de uso, exteriorizada na sua forma preço (materialidade tomada como física da mercadoria). Tem-se daí um sentido dialético de coisificação. Esta se apresenta não como mera expressão material de uma realidade que se põe fora de mim, seguindo os passos da metafísica kantiana. Ao contrário, na crítica de Hegel a Kant, que se repõe em Marx de O Capital, a coisa é a forma de consciência que entende a unilateralidade de uma identidade que é contraditória. Admite-se, numa contradição do argumento, que se tem algo como independente do pensamento, sendo isso já forma do pensar - ausência da metafísica fundante do real - retira de si a possibilidade da contradição enquanto forma de pensamento e, assim, da própria crítica, já que é uma positividade/reafirmação para com o real. É parte da identidade da mercadoria efetivá-la, na relação sujeito objeto, portanto, como mero objeto, produto do trabalho concreto. Como lembra Marx, a produção de mercadoria é ao mesmo tempo a produção de seu fetichismo. Sua estrita materialidade enquanto objeto é a forma de consciência que deste fetichismo se fenomenaliza. A coisificação que a mercadoria define como forma de consciência é a admissão que o valor está na física dinheiro e, portanto, não se põe como uma determinação social. De qualquer modo, para efeito de nosso debate aqui, tem-se a 4

abstração trabalho se apresentar como mera coisa material que não só se coisifica na mercadoria, mas também na tomada de consciência de si enquanto trabalho em sua materialidade física de nervos, cérebros e músculos, daí uma coisificação do trabalho. Em última instância, remeter-se a Marx a partir de citações que reafirmem o trabalho não incorreria tanto numa ontologia do trabalho, não posta no Marx de O Capital, quanto numa desvinculação de sua noção de história dialética? É de se diferenciar citações esparsas da forma lógico categorial em O Capital e a relação entre forma e conteúdo que tais passagens têm ou não têm com a obra como um todo! Aliás, a ontologia não se remete a uma negação da dialética histórica da tríade em discussão? Pois que transistoriciza categorias históricas!!! Quando falamos em história em O Capital é necessário observar aí os termos de uma ruptura significativa, tanto da história como objetividade, quanto da dialética do jovem em relação ao velho Marx. Neste último a forma social capital se faz como uma realidade cuja completude se encerra em si, condição de sua própria dialética. Discussão que resguarda a necessidade de se considerar a contradição entre lógica e história. Tomemos em primeiro lugar os sentidos de Marx partir das abstrações lógicas da forma social. Longe de se colocar como um caminho do mais simples ao mais complexo evidenciam-se as determinações lógicas de um processo histórico ímpar que, do ponto de vista da própria exposição remete à coerência (contraditória) de seu início estar no fim sob a forma da acumulação primitiva, os dois últimos capítulos do primeiro volume editado pelo pensador. Nesta medida, o argumento que se segue é o de que as abstrações lógicas se pautam como determinantes da forma de ser do próprio processo histórico, ao contrário de se colocar uma ontologia do tempo em que este, deduzido como incriticável se põe como um princípio transcendental a partir do que se dá toda a formação categorial do capital. As determinações lógicas, como acumulação, entretanto, ao serem primitivas expressam esta contradição enquanto história, pois que a formação categorial do capital já se põe determinada pela lógica da acumulação. Circunscreve-se um conceito determinante cujas categorias não estão formadas, mas se fazem pela posição do conceito sem elas. Este é um sentido essencial de acumulação primitiva. Desta maneira, a destituição dos modos de produção pretéritos no capital é uma negação da própria historicidade que daí se origina, na medida em que o capital passa a se constituir como uma própria auto referência. Se apoiar sobre a decomposição do feudalismo é já uma imagem antitética, em que o passado ao capital, isto é, o pré5

capitalista não se põe mais como operacionalidade a uma lógica que assim é autorreferente, a condição de si enquanto capital é a internalização do negativo de modo que se faz como algo cuja identidade é a sua própria diferença, prescindindo do outro para se identificar enquanto capital, pois que ele é o outro de si mesmo. Nesta primeira aproximação - há outra a ser registrada - já se põe um sentido contundente de que a história do capital é a ruptura para com o outro pondo a si mesmo como sua própria historicidade. O desfazer de modos de produção seria a forma prático lógica desta efetividade. Deriva-se daí, entretanto, que as categorias postas numa transcendência, na forma das Formações Econômicas Pré-capitalistas estariam fundadas na necessidade de tal transcendência ter por pressuposto a compreensão da especificidade da sociabilidade capitalista que, aliás, contradiz o sentido de questionamentos sobre formas pretéritas negando, assim, os passos iluministas de Engels, de que a anatomia humana explicita a do macaco -. Se a forma social determina as formas de pensamento, como perguntar ao passado sem que isto seja já uma expressão do presente enquanto forma de consciência? Isto, portanto, pode se colocar como os sentidos de uma crítica à transhistoricidade das categorias do capital, pois que expressão de uma consciência que detém a forma da abstração monetária, de modo que toda particularidade social pode ser antevista segundo esta ou aquela categoria moderna, mais especialmente a de trabalho. Para rememorar, Marx não chamou a isto, em O Capital, de robinsonadas? Retomemos ainda o percurso a respeito da fenomenologia capital exposto mais acima. Se a efetividade é a relação sujeito objeto e esta se dá na forma do fetichismo, há uma determinação das relações categoriais que se pontua como a forma de consciência, de modo que o fetichismo, ao mesmo tempo é a transcendentalidade kantiana categorial que impede uma transcendentalidade da consciência em relação às categorias (ADORNO), porque estas formam aquela. Assim, a perspectiva ontológica busca transcender as categorias na história, independentemente de esta autonomia do ser em si lá se colocar já como uma forma de consciência estritamente moderna. No movimento da contradição, em sua dialética negativa, Adorno ressalta que a própria ontologia se faz como uma consciência necessária a uma realidade em contínua transformação. Onde nada está assegurado, dada a sua identidade contraditória onde o universal é a passagem, fundam-se os termos de uma consciência tranquila porque apegada a algo fixo e imutável, uma garantia, na boa consciência de economia política. A transcendência histórica se põe como uma necessidade coisificante da condiçãoo auto 6

referente e contraditória do capital, mas se esta é uma crítica necessária para o précapitalista de que forma isto não se configura para o seu devir? Posta a relação categorial cuja mediação e resultado é o próprio fetichismo, como derivar daí uma possibilidade de se constituir outra constelação categorial que já não seja a própria reposição do presente, ou estaríamos sendo materialistas históricos e dialéticos nos pondo fora do próprio método almejado. Mesmo do ponto de vista de uma transistoricidade da categoria trabalho isto já se põe, entretanto, como forma presente de consciência na medida em que se aprisiona a consciência nestes limites categoriais, constituindo, aliás, o que em Marx pode se apresentar como segunda natureza, pois ainda que determinações sociais, as categorias ao não se explicitarem em sua lógica imanente aparecem como que sendo uma lei social, mas sob o estatuto lógico de uma realidade natural. Fica-nos a necessidade de se pontuar os sentidos de uma perspectiva marxiana de crítica ao capital. Na negativa forma de ser da fenomenologia do espírito de Hegel, Marx apresenta o real como irracional, do que se desdobra um sentido significativo de sua própria crítica. A irracionalidade capitalista, longe de ser uma mera ininteligibilidade se faz como uma lógica auto negativa, isto é, a sua negação enquanto esta lógica é a sua própria razão suficiente. A perspectiva marxiana de O Capital, entretanto, não é a de fundar uma metafilosofia que, através de um pensamento iluminado se constituam os termos de uma nova relação categorial. Longe da perspectiva de se constituir uma utopia, Marx delineia a compreensão de que as contradições categoriais levam-no à compreensão de que diante de sua própria perspectiva de método ele não se faria como o demiurgo do vir-a-ser, mas sim que a crítica seria possível no interior das categorias sociais que compunham o seu próprio pensamento. Pensar para além das mesmas seria uma contradição nos próprios termos em relação à perspectiva de um método materialista, ou seja, se as determinações sociais se constituem como formas de pensamento, a relação sujeito objeto a isto está limitada. Isto, aliás, põe acento na necessidade de se pensar a negatividade identitária de sujeito. Sendo esta a forma de consciência que se faz fundada pelas condições categoriais de seu próprio tempo, a expressão de sua própria ação enquanto sujeito se reitera na mera reposição daquilo que se almeja superar. A contradição entre o universal capital e a consciência individual de sujeito não se resolve na medida em que a forma de consciência sujeito se faz como aquilo que se limita a uma mera reposição do social como antípoda identitário de sua 7

vontade de ser sujeito. Ser sujeito, posto na condição de classe, de indivíduo, etc. é a forma de consciência fundada na contradição de si enquanto sociedade de modo que se faz, o sujeito, como forma da objetividade que ilude buscar superar. O sujeito é um objeto, enfim. Assim, a consciência de indivíduo, sujeito, está posta como a ilusão necessária da objetividade do real que se torna incriticável – aí já a necessidade de sua crítica – porque aderida a uma condição material de uma pessoa, de carne, nervos e cérebro que torna o subjetivo\sujeito uma consciência fisiocrática. Reconhece-se, entretanto, que Marx se põe sob um pensamento iluminista negado, admitindo, entretanto, uma zona não iluminada do real que se constitui numa determinação reprodutora, mas que lhe é, de qualquer modo imanente. Longe de um beco sem saída, torniquete, apenas reconhece que a passagem como superação não se torna explícita à forma de consciência socializada enquanto capital. Derivar daí uma categoria transcendente mais revela a forma de limitação de nosso pensamento em relação à prédisposição categorial do capital, que mesmo em sua concepção de vir-a-ser mantém a categoria fundante do presente, do que redefine daí um sentido deste devir como superação. Em outros termos, manter categorias do capital para uma eternidade é revelador de nossa incapacidade de pensar categorias para além da estruturação categorial do capital e, assim, revela o oposto do que pretende. A crítica de Marx, entretanto, ao admitir esta zona de sombra como inerente à forma de consciência moderna pressupõe que aquela razão hegeliana negada, nos termos de uma irracionalidade, torna possível se compreendida seguindo os pressupostos de uma história auto referente posta na contradição entre acumulação e crise, pois que esta se faz como a negatividade inerente e, assim, como identidade do próprio capital. A noção de trabalho em sua gelatina social, tempo de trabalho, se faz contradita na relação entre trabalho necessário e mais trabalho, de modo que o desenvolvimento das forças produtivas leva a uma extensão do mais trabalho concomitante e inversamente proporcional ao tempo de trabalho necessário, a ponto que a própria contradição indentitária se destitui. Nesta medida, a contradição em Marx, n’O Capital, tem um sentido de não adequação, na forma de uma não conservação no terceiro termo, da superação dos termos contraditórios, pois que é necessário contradizer e não reafirmar o real. A irracionalidade se faz na medida em que a razão movente dos termos da contradição destitui a própria razão que os identifica. Constituise aqui, entretanto, os sentidos da dialética que compõe o terceiro prato da balança, mas 8

que medeia tanto materialismo como histórico. Dialética, portanto, fundada na negação, não permite tirar daqui uma categorização afirmativa do capital, constituindo-se a dialética a forma de ser da crítica, pois se não é negativa, afirma-se o real e sua categorização constituinte. Não estaria aí a necessidade de se rever uma ontologia do ser social, nos termos lukacsianos, fundada na ontologia do trabalho? Nesta linha, o que se faz em termos de crítica é reafirmar o trabalho, no interior de sua formação crítica, como se isto se o fizesse em termos de uma teoria crítica, embora sempre tangenciando certo quê de positividade, mesmo diante do que Mandel e Kurz consideraram como a terceira revolução industrial, baseada na microeletrônica em que tanto do ponto de vista relativo como absoluto se tem uma drástica e significativa redução da produção de mais valia, ainda que sua taxa possa ser cada vez maior. Se é para centrarmos, entretanto, um dissertar sobre a dialética marxiana do trabalho, esta está diante da contradição em que trabalho é não trabalho, de modo que o não trabalho, isto é, aquela atividade mediada por um tempo social médio que não mais encontra-se em condições de remunerar os custos de sua própria exploração, não se faz como seu fim, mas como sua negativa forma de ser. Isto traz derivações importantes para se considerar do ponto de vista da crítica. Considere-se, para Marx, o enigma do capital, qual seja, a sua enorme capacidade de expansão num momento de não menos grandiosa redução de sua capacidade de produzir valor, naquilo que considerou ser a lei da queda tendencial da taxa de lucro. O enigma é o de que o capital detém formas de si contraditórias, mas que postas pela única e mesma lei, a da queda da taxa de lucro. Assim, a crise do capital, como forma de ser da negatividade de sua categoria substancial é, ao mesmo tempo, um fundamento de fenômenos expansivos do capital, inclusive do aumento de sua massa de investimentos, como forma de, na redução relativa da mais valia, dada pelo aumento da taxa de maisvalia, compensar-se pelo aumento da massa de produção de mais valia, o que implica num crescimento inversamente proporcional da massa de trabalhadores postos na relação entre capital e trabalho. A sua expansão, ainda que apareça como mera capacidade de acumulação, é forma fetichista de sua própria crise. Este talvez seja o modo possível de vislumbrar no desenvolvimento do capital os termos de uma negatividade que corrobore para uma crítica não positiva do mesmo em que tudo está posto para reafirmar o mesmo. Leitura, aliás, que faltou ao confuso argumento de Harvey em sua precária leitura sobre o enigma do capital. 9

O que destaco, aqui, é o que se nos ficou como um dos legados da crítica marxiana para as formas de reprodução social capitalista no assim considerado século XXI. A questão em aberto e que gesta as distintas formas de abordagem da crítica e que paira sobre nós de forma objetiva é a de como podemos falar de capital num momento em que a sua massa substancial, o valor, não mais se põe para repor a reprodução ampliada de sua acumulação. Ainda que haja mais valia, a relação entre massa e taxa de mais valia põe os custos de sua exploração acima do que ela mesma pode remunerar. Se se tem hoje que reafirmar o trabalho em sua leitura ontológica isto não se faz sem ser uma necessidade de sua forma crítica que recorre a uma visão romântica, mas não menos problemática, sobre os sentidos categoriais do capital, o que mais revela os termos de sua crise do que uma eternidade posta sob o viés de sua transistoricidade, dado que uma e outra são o mesmo, isto é, a transistoricidade é a forma de consciência de sua determinação crítica. Quando Marx apresenta certa independência da circulação monetária com relação à produção de valor, mercadorias, embora baseado em tal produção, evidencia-se a formação de uma relação sujeito objeto que se põe nos termos do que chama de capital fictício. Ainda que se fale de um capital produtivo, nos termos do século XIX, Marx está apresentando uma forma de consciência que se faz pela ficcionalização das categorias do capital e que, enquanto tal, põe a condição da forma social ainda que sua substancialidade esteja negada. A pertinência e coerência desta análise marxiana, em O Capital, está em ressaltar as determinações não só metafísicas da reprodução social capital, mas, especialmente, de centrar sua análise sob o destaque de uma forma de consciência fetichista. Afinal, Marx apropria-se do fetichismo do dinheiro - caminho confesso nos primeiros capítulos do volume I, sobre a forma mercadoria - para resgatar as posições lógicas da dialética entre essência e aparência, a qual permeia os três volumes de sua obra madura. A distinção entre essência e aparência se faz como contradição fundante do fenômeno, entretanto, fala-se de uma aparência na forma do preço, como aparência do valor que se dá pela materialidade física do próprio dinheiro. Que quiproquós não se gestam na relação sujeito objeto que se constitui enquanto esta forma social? Se, como examinamos mais acima, a aparência não expressa a essência, mas toma o seu lugar e atua como se ela fosse, as determinações do dinheiro ganham em universalidade na medida em que a universalidade do valor se faz negativamente. Assim, a mera presença 10

da expressão do valor se efetiva como se fosse o próprio valor, tornando o dinheiro e o preço formas que efetivam o próprio capital enquanto forma social (Giannotti). Nesta medida, o real é ficcional, a ficção é real. Se o preço se torna um quiproquó do valor, nos termos de uma reprodução fictícia do capital, tem-se um quiproquó que é propriamente conceitual. Passamos de um conceito fetichista que é o capital – dada a sua crise imanente – para o fetichismo como conceito. Retomam-se aqui as determinações metafísicas – relação entre preço e valor – como repositoras da forma crítica do ser capital que são obscurecidas pela consciência material e física da própria reprodução, sendo o fetichismo a forma universal da sociabilidade capital. Materializado no dinheiro, torna este a sua forma deificada de consciência moderna em que sua mera presença, representando o valor , é já efetividade deste último, enquanto forma social. Enfim, o dinheiro é o Deus universal que une todas as religiões... Algumas perguntas então se seguem: O negativo do trabalho, em não sendo a ausência do trabalho, mas uma forma de ser do mesmo, não implicaria em ver textos como o capital fictício, queda tendencial da taxa de lucro, a grande indústria dos Grundrisse, como imprescindíveis para problematizarmos o trabalho como categoria central da sociedade moderna? A transistoricidade da categoria do trabalho não implica numa visão reafirmativa, necessária para a reposição crítica do capital, sob uma consciência fundada na fisiocracia?

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