A RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR POR DEFEITOS ORIGINÁRIOS DO ÂMBITO DE ATIVIDADE DO COMERCIANTE

June 5, 2017 | Autor: Guilherme Reinig | Categoria: Direito Civil, Direito Do Consumidor, Responsabilidade Civil
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A RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR POR DEFEITOS ORIGINÁRIOS DO ÂMBITO DE ATIVIDADE DO COMERCIANTE

A RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR POR DEFEITOS ORIGINÁRIOS DO ÂMBITO DE ATIVIDADE DO COMERCIANTE Revista de Direito do Consumidor | vol. 89/2013 | p. 109 | Set / 2013DTR\2013\9275 Guilherme Henrique Lima Reinig Mestre e Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP. Advogado. Área do Direito: Civil; Consumidor Resumo: O presente artigo faz uma revisão crítica da jurisprudência do STJ em relação a alguns aspectos do vasto tema da responsabilidade pelo fato do produto, em especial quanto à responsabilidade por defeitos originários do âmbito de atividade do comerciante. A análise parte do Caso "Arrozina" (REsp 980.860/SP), no qual o tribunal responsabilizou o produtor por danos causados por produto alimentício adquirido com prazo de validade vencido. Após passar pela evolução da responsabilidade civil do produtor, o artigo cuida dos pressupostos do regime de responsabilidade do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, em especial do defeito do produto. Em seguida, trata da excludente da culpa exclusiva de terceiro e aborda o problema da solidariedade na responsabilidade pelo fato do produto. Por fim, propõe solução diversa daquela acolhida pela jurisprudência do STJ. Palavras-chave: Responsabilidade civil - Código de Defesa do Consumidor - Fato do produto Defeito - Comerciante - Culpa exclusiva de terceiro. Abstract: The present article analyses critically some aspects of the judicial development relating to products liability, particularly the liability for defects originated in the retailer's sphere of activity. The analysis focus on the "Arrozina" decision, issued by Superior Court of Justice (STJ). The Court held a producer liable for damages caused to consumers by a food product sold after its expiration date. After describing the evolution of product liability the present article explains the liability requisites contained in article 12 of the Consumer Defense Code (CDC), particularly product defect. Then it analyses the defense of third-party fault and examines the problem of joint and several liability. Finally the present article holds a different solution from that adopted by STJ. Keywords: Liability - Consumer Defense Code (CDC) - Products liability - Defect - Retailer Third-party fault defense. Sumário:

1. INTRODUÇÃO O tema da responsabilidade civil do produtor já foi enfrentado diversas vezes pelo STJ. O “Tribunal da Cidadania” revela em suas decisões grande preocupação com a exigência de proteção do consumidor contra produtos perigosos e defeituosos. Em atenção ao princípio da defesa do consumidor a jurisprudência da Corte tende a privilegiar o interesse de integridade das vítimas de acidentes de consumo, salvaguardando, deste modo, seu direito básico à vida, à saúde e à segurança patrimonial. O objetivo é louvável. No entanto, seu atendimento deve se pautar em critérios legais, o que, aliás, é um aspecto fundamental do vetor da harmonização das relações entre produtores e consumidores. Soluções que extrapolam estes limites perdem sua razão de ser. Nesse sentido faz-se oportuna uma revisão crítica da jurisprudência do STJ em relação a alguns aspectos do vasto tema da responsabilidade pelo fato do produto, cujos contornos legais repousam no conteúdo dos arts. 12 e 13 da Lei 8.078, de 11.09.1990, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). 2. O CASO ARROZINA A 3.ª T. do STJ enfrentou, em sessão de julgamento de 23.04.2009, o caso conhecido como “arrozina tradicional”, que traz à baila pontos centrais da problemática da responsabilidade civil do produtor.1 A escolha deste julgado se justifica principalmente por ele envolver questões relacionadas ao conceito de defeito do produto e sua relação com as excludentes de responsabilidade, em Página 1

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especial a do art. 12, § 3.º, III, do CDC, exigindo, nesta esteira, que se indague sobre o papel do nexo de causalidade como pressuposto da responsabilidade pelo fato do produto. Além disso, o Caso Arrozina requer se precise o alcance da regra do art. 7.º, parágrafo único, do CDC, segundo o qual “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”. Tais considerações teóricas, bem como a inquestionável relevância prática da decisão, servem como ponto de partida para uma análise crítica da jurisprudência do STJ. Tratava-se de duas irmãs gêmeas com três meses de idade que, em maio de 1999, consumiram o produto alimentício “arrozina tradicional”. Este, ao ser adquirido pelos pais das crianças, estava com prazo de validade vencido desde 20.02.1998, motivo pelo qual as gêmeas passaram mal. Levadas a um hospital diagnosticou-se que estavam com gastroenterite aguda. As vítimas, representadas por seu genitor, ajuizaram demanda diretamente em face da fabricante do produto, pleiteando sua condenação ao pagamento de indenização a título de danos materiais e morais. O pedido foi julgado improcedente em primeira instância, ao argumento de que a culpa pela manutenção das gôndolas de produto deteriorado e com prazo de validade vencido é exclusiva do comerciante, o que afasta a responsabilidade do produtor. A sentença foi reformada pelo TJSP, o qual acolheu a tese de que a excludente prevista no art. 14, § 3.º, II, do CDC, não abrange o comerciante ou o retalhista. Como fundamento, a Corte paulista afirmou que “os integrantes da cadeia produtiva jamais podem ser terceiros uns em relação aos outros, para efeito de responsabilidade, sob pena de quebrar o princípio da solidariedade, em detrimento do consumidor”.2 O produtor interpôs recurso especial contra o acórdão da Justiça paulista, alegando violação ao art. 12, § 3.º, III, da Lei 8.078/1990, bem como dissídio jurisprudencial. A 3.ª T. do STJ conheceu do recurso para lhe negar provimento por maioria, nos termos do voto da relatora, Min. Nancy Andrighi. A Corte esposou o entendimento de que o comerciante não é terceiro em relação ao produtor, não sendo aplicável, nesta hipótese, a excludente de responsabilidade por culpa exclusiva de terceiro. Como argumento, asseverou que “o sistema adotado pelo CDC insere o comerciante e o fabricante na cadeia de produção e distribuição do produto viciado, e por isso não podem ser considerados terceiros estranhos à relação de consumo”. A decisão está em sintonia com o entendimento prevalecente na doutrina brasileira.3 Isto, todavia, não a imuniza contra críticas. Antes, porém, de passar a elas, cumpre apontar que em março de 2012 o STJ analisou o caso de dois consumidores que ganharam bombons de chocolate e, ao ingeri-los, constaram a presença de ovos e larvas de insetos em seu interior, o que lhes teria causado repulsa, nojo e insegurança.4 A relatora do recurso, Min. Nancy Andrighi, entendeu pela configuração de dano moral e votou por seu provimento, afastando o entendimento do tribunal de origem, o qual, considerando a ausência de dano à saúde e à integridade física dos consumidores, havia concluído pela existência de “meros dissabores do dia-a-dia”. Em voto vista, o Min. Massami Uyeda conferiu enfoque diverso ao problema e concluiu que o consumo de produto com prazo de validade vencido não pode gerar dever de indenização por dano moral, no que foi acompanhado pela maioria. Entretanto, registrou “a importante circunstância de que a hipótese em comento difere-se daquelas as quais, o consumidor adquire o bem, perante o mercado, por exemplo, em um supermercado. Aqui, cuida-se, na verdade, de hipótese em que, os recorrentes ganharam, de parente próximo, o produto com prazo de validade vencido” (destaque nosso). Impende fazer uma breve observação crítica em relação a este apontamento, pois se relaciona diretamente com o problema enfrentado no Caso Arrozina. Embora o Ministro não seja expresso quanto ao sentido de sua observação, é evidente que ela não pretende apenas indicar que as circunstâncias envolvidas nos dois casos eram diversas. Em verdade, houve uma ressalva à continuidade do entendimento acolhido no julgado da arrozina. Ressalte-se que nesta ocasião o Ministro acompanhou o voto da então também relatora, Min. Nancy Andrighi. Nestes termos, o atual entendimento do STJ pode ser sintetizado da seguinte forma: o produtor não responde por danos relacionados ao consumo de produto fora do prazo de validade, salvo se este já houvesse expirado antes da aquisição pelo consumidor junto ao último integrante da Página 2

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cadeia de distribuição. Desta forma, o recente julgado da Corte Superior não modifica o entendimento inaugurado com o acórdão proferido no Caso Arrozina, sendo ainda oportunas as críticas que passam a lhe ser dirigidas. 3. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO PRODUTOR: A TELEOLOGIA DO ART. 12 DO CDC Seguindo linha doutrinária que enfoca o problema a partir da questão de o comerciante integrar ou não a chamada cadeia de produção e distribuição e, desta forma, ser ou não terceiro em relação ao produtor, o STJ não adotou uma perspectiva de análise consentânea com o desenvolvimento da responsabilidade civil do produtor. Diversas razões de ordem econômica e social, como a crescente complexidade tecnológica dos bens de consumo, a produção e a distribuição em massa, a inexistência em regra de uma relação direta entre o consumidor e o fabricante do produto etc., levaram a uma concentração da responsabilidade no produtor, pois é ele “quem reúne melhores condições para controlar a fonte de perigo, prevenir a ocorrência de danos para terceiros e, estes ocorrendo, suportar as consequências danosas do defeito”.5 O produtor, portanto, passou a ser a figura central no sistema distributivo, falando-se na “desfuncionalização” do comerciante.6 Diante da complexidade, estandardização e despersonalização dos produtos, este deixou de exercer o papel de conselheiro do adquirente, limitando-se à função de armazenagem e distribuição de produtos, com a consequência prática de não ser legítimo, em princípio, atribuir-lhe a responsabilidade por defeitos cuja origem localiza-se na fase de produção. Neste sentido, a realidade subjacente à problemática da responsabilidade civil do produtor já indica uma crítica à tendência inaugurada pelo Caso Arrozina e aparentemente revertida pelo julgado de 2012, ainda não disponibilizado. É duvidável que o regime específico da responsabilidade civil do produtor tenha sido erigido para responsabilizar o produtor por periculosidades originárias da esfera de atuação do comerciante, uma vez que a armazenagem e a distribuição continuam a ser atividades precípuas deste e sobre as quais o produtor dificilmente teria capacidade de efetivo controle.7 Não é isto, com efeito, o que decorre da teleologia que inspira o art. 12 do CDC. E, nesta linha, os seus pressupostos, quando devidamente analisados, exigem se afaste a responsabilidade do produtor nestes casos. 4. O DEFEITO DO PRODUTO COMO PRINCIPAL PRESSUPOSTO DO REGIME DE RESPONSABILIDADE DO ART. 12 DO CDC 4.1 Dos pressupostos positivos às excludentes Em qualquer regime de responsabilidade existe uma ordem lógica para a verificação da ocorrência dos requisitos legais. Com a responsabilidade civil pelo fato do produto isto não é diferente. Antes de se passar à análise das excludentes de responsabilidade, deve-se verificar se as circunstâncias do caso concreto subsumem-se aos elementos constituintes dos pressupostos positivos estabelecidos em lei. É claro que o julgador, se identificar desde logo alguma eximente, poderá afastar de imediato a possibilidade de responsabilidade sem necessariamente indagar sobre aqueles elementos, o que se justifica por razões de ordem prática. No entanto, o inverso jamais pode ser aceito: reconhecer a responsabilidade com fundamento na não configuração de determinada excludente, sem antes questionar se todos os pressupostos encontram-se presentes, seria trocar os pés pelas mãos. Em regra, impõe-se que se proceda os pressupostos às excludentes. Não foi, todavia, o que ocorreu no julgamento do Caso Arrozina tradicional. A estrutura do voto da relatora do acórdão denuncia tal impropriedade,8 não havendo nele referência a qualquer circunstância relevante do ponto de vista da concretização do conceito de defeito do produto,9 apesar de ser este o elemento central da hipótese de incidência do citado dispositivo.10 Em verdade, o STJ pulou uma etapa imprescindível para uma análise exauriente do conteúdo da fattispecie do art. 12 do CDC. Somente após a investigação da ocorrência em concreto dos pressupostos exigidos pelo caput desse artigo, em especial o do defeito do produto, é que se pode passar para as hipóteses de exclusão de responsabilidade ou, mais especificamente, àquela prevista no inc. III de seu § 3.º. Página 3

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4.2 Considerações gerais sobre o caput do art. 12 do CDC O art. 12, caput, do CDC estatui que “o fabricante, o produtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações sobre sua utilização”. A ocorrência, em concreto, dos elementos integrantes do suporte fático da norma implica o dever de reparação do produtor em relação à vítima do acidente. Quanto ao responsável, faz-se a distinção entre (a) produtor real, (b) produtor aparente, também chamado de quase-produtor, e (c) importador, também chamado de produtor presumido. O comerciante não é mencionado no art. 12, caput, do CDC. Sua responsabilidade é disciplinada no art. 13. O titular do direito subjetivo à reparação dos danos é, em princípio, o consumidor do produto, cujo conceito legal encontra-se no art. 2.º, caput, do CDC. Porém, o art. 17 do mesmo diploma legal determina que, para efeitos do disposto quanto à responsabilidade pelo fato do produto, “equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do defeito”. Observadas as exigências referentes ao causador do dano e ao lesado, a responsabilidade fundada no citado dispositivo somente exsurge se atendidos os seguintes pressupostos: (a) dano, (b) defeito do produto e (c) nexo de causalidade entre o dano e o defeito do produto. São estes, do ponto de vista lógico, os elementos para os quais o jurista deve se voltar antes de passar à indagação de eventual excludente de responsabilidade. Como o caso enfrentado pelo STJ não apresenta circunstância que suscite debate teórico sobre o dano indenizável, a análise se restringe aos pressupostos do defeito do produto e do nexo de causalidade, cujas funções devem ser especificadas dentro do regime de responsabilidade instituído pelo art. 12 do CDC. 4.3 Defeito do produto e nexo de causalidade 4.3.1 A função do nexo de causalidade na responsabilidade pelo fato do produto É comum confundir-se o pressuposto do defeito do produto com o do nexo de causalidade.11 Tal erro decorre de uma falsa assunção. Afirma-se, muitas vezes, que o nexo de causalidade refere-se à relação entre a atividade do produtor e os danos sofridos pelo consumidor, o que explica por que alguns autores transferem a questão da configuração de fortuito externo ou força maior para o problema da existência de defeito do produto. Contudo, é necessário delinear a função de cada um destes dois pressupostos no regime de responsabilidade do art. 12 do CDC. A redação do caput deste dispositivo é clara ao determinar que a relação de causalidade a ser identificada é aquela entre os danos sofridos pela vítima e o defeito do produto. O nexo de causalidade exerce, pois, um papel delimitado na responsabilidade civil do produtor. Embora mantenha sua importância, não atua como principal critério para a decisão de haver ou não responsabilidade no caso concreto. Com efeito, o art. 12, caput, do CDC, ao estabelecer que o produtor responde, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeito de seu produto, visa substituir o elemento culpa pelo conceito de defeito como principal critério de responsabilização. 12 Eventual desatenção a esta peculiaridade pode levar ao obscurecimento da distinção entre os conceitos de defeito e de nexo de causalidade, em prejuízo à exata compreensão do suporte fático da norma. Em geral, o legislador, ao prescindir do elemento culpa como elemento constitutivo do dever de reparação, não indica um novo critério para lhe fazer as vezes, como, por exemplo, ocorre em relação aos donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro (arts. 932, IV e 933 do CC/2002) ou também em relação ao transportador (art. 734 do CC/2002). Como consequência, as fronteiras da responsabilidade passam a ser traçadas no âmbito do nexo de causalidade,13 principalmente através da excludente do caso fortuito externo ou da força maior. Não é isso, todavia, o que ocorre com o art. 12 do CDC. Ao elevar o conceito de defeito do produto a pressuposto necessário à responsabilização, o dispositivo faz com que a imputação de determinado evento lesivo ao produtor seja decidida precipuamente pela concretização do referido conceito. Por conseguinte, a função do nexo de causalidade se adstringe à verificação da existência de relação entre os danos sofridos pela vítima e o defeito do produto e não da pertinência do evento lesivo à Página 4

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atividade do produtor. Se, por um lado, há uma menor complexidade ou relevância do nexo de causalidade para o tema da responsabilidade pelo fato do produto, por outro, exige-se muita atenção quanto ao problema da concretização do conceito de defeito. Daí a imprescindibilidade da distinção entre os dois elementos, evitando que o julgador adote uma perspectiva de análise centrada na ideia de nexo de causalidade e, consequentemente, deixe de lado os parâmetros estabelecidos pelo legislador no art. 12, § 1.º, do CDC. 4.3.2 O defeito do produto O art. 12, § 1.º, estabelece critérios para a constatação da existência de defeito. O dispositivo reza que “o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera” e indica três circunstâncias a serem levadas em consideração: (a) a apresentação do produto; (b) o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; e (c) a época em que foi colocado em circulação. Esta última circunstância é a que interessa para a análise do problema aqui enfrentado. Do ponto de vista temporal, o juízo acerca de determinado produto ser ou não defeituoso diz respeito ao instante em que ele foi colocado em circulação. Isto decorre do disposto no art. 12, § 1.º, III, do CDC. A época, ou melhor, o momento em que o produto foi colocado em circulação, é, pois, decisivo para a constatação da segurança que legitimamente dele se espera,14 consistindo num parâmetro básico para a delimitação dos riscos a serem atribuídos ao produtor. A determinação do art. 12, § 1.º, III, do CDC, explica-se, primeiramente, pela possibilidade de os padrões de segurança exigidos pela sociedade aumentarem ao longo do tempo. Diversos fatores, mas principalmente o progressivo desenvolvimento de novas tecnologias,15 concorrem para que a segurança que legitimamente se espera do produto não seja constante,16 sendo, logo, necessária a fixação de um instante para a avaliação da correspondência da segurança oferecida pelo produto com aquela exigida pela sociedade. Como este instante é aquele em que o produto é colocado em circulação, este não poderá ser considerado defeituoso, ainda que haja uma posterior elevação das legítimas expectativas de segurança. Tal aspecto se relaciona com a previsão contida no art. 12, § 2.º, do CDC. O dispositivo determina que “o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado” e deve ser entendido como uma defluência do critério estabelecido no art. 12, § 1.º, III, do CDC. O melhoramento a que a lei se refere é aquele relacionado com a segurança do produto. Ainda que a disponibilização de um produto mais seguro implique mudanças no padrão de segurança do mercado, os produtos que já haviam entrado em circulação não poderão ser considerados defeituosos em razão tão somente daquela circunstância. Todavia, não é apenas a possibilidade de posterior aumento das expectativas de segurança que justifica a fixação do momento da entrada em circulação do produto como instante decisivo para a aferição de sua defectibilidade. A regra do art. 12, § 1.º, III, do CDC, também possui outra implicação, de fundamental importância para o problema envolvido no Caso Arrozina tradicional. Com efeito, a colocação do produto em circulação representa a decisão do produtor sobre os riscos e possíveis benefícios relacionados à comercialização do bem, assinalando o instante em que este deixa sua esfera de controle para ingressar no mercado. Isto é fundamental para a delimitação dos riscos que lhe deverão ser imputados, motivo pelo qual o art. 7.º, b, da Diretiva 85/374/CEE dispõe expressamente que “o produtor não é responsável nos termos da presente Directiva se provar: (…) b) que, tendo em conta as circunstâncias, se pode considerar que o defeito que causou o dano não existia no momento em que o produto foi por ele colocado em circulação ou que este defeito surgiu posteriormente” (destaque nosso). O CDC possui dispositivo semelhante. O art. 12, § 3.º, II, determina que o produtor não será responsabilizado quando provar “que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste”. No entanto, parte majoritária da doutrina lhe atribui sentido diferente daquele da norma da Diretiva Europeia e considera haver a inversão ope legis do ônus da prova quanto à existência de defeito no produto. Esta conclusão é criticável, mesmo que não se exclua a possibilidade de inversão do ônus da prova através de outros dispositivos legais.17 Embora o legislador brasileiro tenha adotado uma redação Página 5

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distinta daquela do art. 7.º, b, da Diretiva 85/374/CEE, o art. 12, § 3.º, II, do CDC, deve ser interpretado no sentido de que o produtor não responderá se demonstrar que o defeito surgiu em momento posterior àquele em que colocou o produto em circulação. Ainda que se possa cogitar da necessidade de prova positiva desta circunstância,18 a defesa do art. 7.º, b, da Diretiva, encontra paralelo naquele dispositivo legal. Sem embargo, a referida defesa é uma decorrência natural da própria definição legal de defeito, não havendo, portanto, a necessidade de previsão expressa nesse sentido. Com efeito, um princípio básico da responsabilidade civil do produtor é que este somente se responsabiliza se o defeito do produto já existia quando ele o colocou em circulação. É esta a justificativa que se dá ao art. 7.º, b, da Diretiva Europeia.19 Este pressuposto também vale para o direito brasileiro, aceite-se ou não a ilação aqui defendida quanto ao art. 12, § 3.º, II. Em última instância, o produtor exime-se da responsabilidade ao demonstrar que a periculosidade surgiu em momento posterior àquele em que colocou o produto em circulação, pois isto decorre da própria natureza da definição de defeito do produto, conceito-chave do regime de responsabilidade pelo fato do produto. Isto não quer dizer que a demonstração da inexistência de defeito no momento em que o produtor coloca o produto em circulação significará a exoneração daqueles que lhe seguirem na cadeia de produção e distribuição. O conceito jurídico de defeito é relativo (Relativität des Fehlerbegriffs): a constatação de determinado produto ser ou não defeituoso é feita em relação àquele contra o qual a vítima pretende fazer valer sua pretensão.20 Em outras palavras, pode-se considerar que um mesmo produto não apresenta defeito em relação a um produtor, mas o apresenta em relação a outro, dependendo da posição ocupada por eles na cadeia de produção e distribuição. Suponha-se, por exemplo, que o usuário de uma máquina de cortar gramas sofra lesões, pois o parafuso que prendia a lâmina deste se desprendeu em razão de desgaste precoce de seu material. Evidentemente o consumidor terá direito a exigir indenização do produtor final. O mesmo, todavia, não ocorrerá necessariamente em relação aos fornecedores da parte componente e da matéria prima. Em princípio, o metal vendido ao fabricante de parafusos não poderá ser considerado defeituoso, pois no momento em que foi transferido a este não apresentava qualquer falha que pudesse caracterizar defeito do produto. Do mesmo modo, não há se falar em defeito do parafuso, a não ser, é claro, que o seu fabricante soubesse ou devesse saber que ele era destinado à construção de um produto que exigisse maior resistência de seu material. Assim, embora o defeito do produto final resida na inadequação do material utilizado na fabricação do parafuso, somente há se falar em defeito do produto em relação ao produtor final e não em relação aos demais fornecedores. Isto decorre da acepção técnico-jurídica do conceito de defeito do produto, o que não pode ser contornado pela afirmação de que o produto seria defeituoso em relação tanto ao produtor final quanto aos fornecedores da matéria-prima e da parte componente, mas imputável somente ao primeiro. Esta linha de raciocínio desconsidera o conceito previsto no art. 12, § 1.º, do CDC, confundindo o pressuposto do defeito com o do nexo de causalidade, que diz respeito à relação entre defeito e dano e não entre este e a atividade do produtor. Ressalte-se que a evolução da responsabilidade civil do produtor visou, dentre outros aspectos, evitar que o produtor final não respondesse caso comprovado que o problema de segurança não lhe seria imputável, mas a outro integrante da cadeia de produção. Anteriormente, o produtor final podia alegar que, embora houvesse colocado em circulação um produto que não atendia às legítimas expectativas de segurança, tal circunstância era imputável exclusivamente ao fornecedor da matéria-prima ou da parte componente, argumento do qual o produtor aparente21 e o importador também poderiam se valer para escapar de uma responsabilidade solidária com o fabricante real. Sem o estabelecimento de um regime baseado na noção de defeito, bastaria a eles comprovar que a periculosidade originou-se no âmbito de atividade do fabricante real e que, por razões técnicas ou econômicas, não lhes seria exigível que identificassem a falha de segurança. Nesses termos, uma das principais modificações da responsabilidade civil do produtor em relação ao regime tradicional consistiu na ampliação do círculo de responsáveis e da responsabilidade de cada um deles quanto a danos causados por defeitos originados na órbita de atuação de terceiro. Desde que o problema de segurança já esteja presente no momento em que o produtor coloca o produto em circulação, este responderá pelos danos daí decorrentes.22 A contrario sensu, se no momento em que for colocado em circulação, o produto oferecer a Página 6

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segurança legitimamente esperada, o produtor não será responsabilizado pelo posterior surgimento de uma não correspondência com a segurança exigida. Consta, por exemplo, nas justificativas do projeto do qual originou a ProdHaftG alemã 23 que o § 1 I nr. 2 daquela lei, que corresponde ao art. 7.º, b, da Diretiva 85/374/CEE, esclarece que não se pode imputar ao produtor defeitos causados após a colocação do produto em circulação, como, por exemplo, em razão de seu manejo inadequado na cadeia de distribuição.24 Como já destacado, esta conclusão deflui da própria definição legal de defeito, não sendo necessária norma expressa neste sentido. Eventual diferença do Direito brasileiro em relação à disciplina da Diretiva Europeia restringir-se-ia, pois, ao aspecto probatório.25 Sem embargo, deve-se concluir que, qualquer que seja a interpretação adotada quanto ao ônus probatório, o produtor não responderá por periculosidade originada no âmbito de atuação do distribuidor ou comerciante. Nesta hipótese não há se falar de defeito, no sentido do disposto no art. 12, § 1.º, do CDC, em especial em seu inc. III. Resta, todavia, definir o que se entende por colocação do produto no mercado. 4.3.3 A colocação do produto no mercado O CDC não contém uma definição do que seja o ato de colocação do produto no mercado. A Diretiva 85/374/CEE também é silente nesse aspecto, o mesmo ocorrendo, por exemplo, com o Decreto-lei português e a ProdHaftG alemã. Afirma-se, todavia, ser desnecessária a previsão expressa de um conceito de colocação do produto no mercado, pois ele decorreria do sentido natural da expressão literal.26 Verifica-se, por exemplo, nas justificativas da ProdHaftG que o legislador alemão partiu do pressuposto de que um produto é colocado no mercado quando o produtor o transfere, em razão de sua livre decisão, a uma pessoa exterior à sua esfera de produção.27 Quanto à Diretiva 85/374/CEE, entende-se que o legislador comunitário refere-se à definição do art. 2.º, d, da European Convention on Products Liability in regard to Personal Injury and Death,28-29 segundo o qual um produto é colocado em circulação quando o produtor o entregou a outra pessoa. De fato, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia já decidiu que “deve considerar-se que um produto foi colocado em circulação, na acepção do artigo 11 da Directiva, quando o mesmo tenha saído do processo de fabrico realizado pelo produtor e tenha entrado num processo de comercialização em que se encontre no estado de oferta ao público com vista a ser utilizado ou consumido”.30 É esta, com efeito, a definição que melhor reflete o instante da assunção pelo produtor dos riscos relacionados à comercialização do produto. Desta forma, basta, para que haja a colocação do produto em circulação, que, saindo da esfera do produtor, ele se faça avançar na cadeia de produção e distribuição em direção a seu consumidor ou usuário.31 Disso resulta que o instante da colocação do produto no mercado não pode ser determinado de forma unitária para todos os integrantes da cadeia de produção e distribuição. Ele diz respeito ao momento em que o produto sai da órbita de controle do responsável. Assim, por exemplo, a entrada em circulação de um mesmo produto é distinta em relação ao fornecedor de parte componente e ao fabricante final (assembler), não sendo sustentável afirmar que um produto somente entra no mercado quando deixa a esfera do último integrante da cadeia de produção e distribuição. Caso contrário poder-se-ia defender que o produtor, na hipótese de acidente ocorrido antes da aquisição do produto pelo adquirente final, não responde pelos danos sofridos pela vítima, já que não haveria se falar em colocação do produto em circulação. A verdade é que, ao transmitir o produto a terceiro, ainda que integrante da cadeia de produção e de distribuição, o produtor já passa a se submeter ao regime de responsabilidade do art. 12 do CDC, sendo, pois, natural considerar tal instante como o decisivo para a aferição da correspondência do produto com as legítimas expectativas de segurança. 32

Anote-se, por fim, que há na doutrina brasileira autores que afirmam expressamente ser o momento da entrada em circulação do produto aquele em que este entra na cadeia de distribuição. Tratando ainda do regime de responsabilidade anterior à Lei 8.078/1990, Luis Gastão Paes de Barros Leães33 assevera que “a possibilidade de dano surge a partir do momento em que o fabricante lança a mercadoria defeituosa no comércio, deslocando-a para a esfera jurídica de outrem”. Zelmo Denari34 afirma que “colocar o produto no mercado de consumo significa introduzi-lo no ciclo produtivo, de uma forma voluntária e consciente”. Por sua vez, Adalberto de Souza Pasqualotto35 defende que “o produto é considerado em circulação quando sai da esfera de organização e controle do fabricante. Página 7

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A esse conceito - segue o autor - serve subsidiariamente o de tradição da coisa, com a transferência dos riscos de conservação e perecimento. O que define a responsabilidade do fabricante é a entrega voluntária do produto a um terceiro, pessoalmente ou por remessa, trate-se de um distribuidor, de um adquirente ou de um usuário, e ainda que a título de experiência”. É esta, efetivamente, a definição correta para o conceito de colocação do produto no mercado. Destarte, se o produto corresponder com as legítimas expectativas de segurança no instante de sua transferência para um distribuidor ou comerciante, o produtor não poderá ser responsabilizado, segundo o disposto no art. 12 do CDC. De fato, em relação a ele não há se falar em defeito, ainda que, após o instante em que este tenha colocado o produto em circulação, algum fato ou circunstância atribuível ao comerciante implique na posterior não correspondência da segurança oferecida pelo produto com aquela legitimamente esperada. Nesta hipótese, não restará outra alternativa à vítima senão exigir indenização do comerciante, com fundamento no art. 13 do CDC. 5. A EXCLUDENTE DA CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO Numa análise lógica dos elementos necessários à responsabilização do produtor, não seria, então, preciso indagar da excludente prevista no art. 12, § 3.º, III, do CDC. Ausente o pressuposto da existência de defeito do produto, o produtor não se responsabiliza pelos danos sofridos pela vítima do acidente de consumo ocasionado por uma periculosidade originada na esfera de atuação do comerciante. Cumpre, entretanto, verificar qual a verdadeira função desta excludente no regime de responsabilidade pelo fato do produto. O dispositivo citado reza que “o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: (…) III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”. É evidente que a excludente se relaciona com o requisito do nexo de causalidade. Ocorre, porém, que, ao tratar do tema, muitos autores partem do falso pressuposto de que o nexo de causalidade diz respeito à relação entre os danos sofridos pela vítima do evento e a atividade do responsável. Nessa linha, Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin36 afirma o seguinte: “a excludente do fato de terceiro ataca o próprio nexo de causalidade, já que deixa de haver qualquer relação entre o prejuízo do consumidor e a atividade do sujeito do responsável primariamente” (itálico nosso). Contudo, o texto do art. 12 do CDC é claro quanto à causalidade referir-se à relação entre a lesão sofrida pela vítima e o defeito do produto, conforme já demonstrado acima. Observe-se que o mesmo autor supracitado afirma expressamente, em outra passagem de seu texto, que “o defeito, como causador do acidente de consumo, é o elemento gerador da responsabilidade objetiva no regime do Código” (itálico nosso).37 Ora, então por que não se ater a esta perspectiva? Em verdade, há na análise prevalecente na doutrina consumerista nacional uma inversão da lógica estabelecida pelo legislador e difundida no direito comparado. É inegável que o comerciante insere-se na cadeia de produção e distribuição, como afirmado na decisão do STJ e repetido à saciedade pelos autores brasileiros. Erra-se, no entanto, quanto à premissa adotada para a solução do problema enfrentado no Caso Arrozina tradicional: o nexo de causalidade não é o único pressuposto e sequer o principal do art. 12 do CDC, não podendo ser utilizado como sucedâneo para a análise do elemento nuclear deste regime de responsabilidade, ou seja, o defeito do produto. É este que estabelece a moldura na qual se protege o interesse de integridade dos consumidores e de terceiros,38 incumbindo ao âmbito do nexo de causalidade o juízo específico acerca de o evento lesivo representar ou não a realização do risco decorrente do defeito do produto.39 Assim, a questão da ocorrência de culpa ou fato exclusivo de terceiro, bem como de qualquer outra hipótese que afaste o nexo de causalidade, pressupõe, do ponto de vista lógico, a configuração de defeito do produto. E sua análise se adstringe à indagação de eventual rompimento da relação de causa e efeito entre o defeito do produto e os danos sofridos pela vítima, ocupando um papel bem delimitado na responsabilidade civil do produtor. Isso pode ser ilustrado com alguns exemplos. Afirma-se que na França um sujeito utilizou-se, como arma, de um pedaço de queijo parmesão ressecado em formato de cunha.40 A criatividade do assassino rendeu-lhe a morte de sua vítima, a qual evidentemente não pode ser atribuída ao fabricante do produto. Como não se pode cogitar em defeito do produto,41 o fabricante não responde civilmente, sendo desnecessário questionar se o ato do criminoso rompe o nexo de causalidade entre o defeito e os danos sofridos pela vítima. De modo inverso, o consumidor que é levemente ferido por um eletrodoméstico defeituoso e que, a caminho do hospital, é atropelado por um Página 8

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motorista embriagado não poderá exigir indenização pelos danos relacionados ao acidente de trânsito. Nessa hipótese, malgrado existir defeito do produto, a culpa exclusiva de terceiro rompe o nexo de causalidade entre aquele e os danos sofridos pela vítima. Todavia, o proprietário de um automóvel que para no meio da estrada em razão de um defeito e é apanhado, nesta ocasião, pelo veículo que lhe segue atrás, terá direito à indenização, pois, ao contrário do exemplo do eletrodoméstico, o acidente deve ser visto como a realização de um risco decorrente do defeito do produto.42 Nos três exemplos, fica claro que o pressuposto do nexo de causalidade não se confunde com o do defeito do produto. Isto posto, a falha da decisão do STJ, no Caso Arrozina, e da doutrina que a embasou reside em ignorar o verdadeiro papel ao qual se destina o requisito do nexo de causalidade, confundindo-o com o do defeito do produto. Ao indagar acerca da configuração in concreto da hipótese do art. 12, § 3.º, do CDC, o STJ utilizou o liame causal como parâmetro para a atribuição ao produtor dos danos sofridos pela vítima, deixando de lado os critérios estabelecidos pelo legislador no § 1.º do mesmo dispositivo legal. Ao confundir o requisito do defeito com o do nexo de causalidade, o Tribunal expandiu a função deste em detrimento daquele e, de forma indireta, reduziu toda a problemática da concretização do conceito de defeito a uma questão que não lhe diz respeito, ou seja, a de o comerciante ser ou não terceiro, no sentido do disposto no art. 12, § 3.º, III, do CDC. E disto para a responsabilização basta um passo: considerar que a palavra “terceiro” relaciona-se a toda a cadeia de produção e distribuição, ensejando que qualquer fato ou circunstância a ela relacionada seja discricionariamente atribuído à responsabilidade do produtor. A impropriedade desta perspectiva fica evidente quando se cogita de hipóteses em que a responsabilização do produtor seria totalmente contrária ao espírito que anima as leis civis, transbordando, outrossim, o escopo das regras e princípios protetivos. Responde o pequeno produtor rural pelos danos sofridos pelo consumidor de uma carne por ele vendida a um frigorífico, que, por sua vez, a transferiu para uma rede de supermercados, a qual, todavia, não conservou o produto adequadamente? A hipótese é tão absurda que ninguém cogitaria em acionar o fornecedor cujo patrimônio oferece a menor chance de efetivação de seu direito. Mas, pressupondo que o produtor rural tenha sido identificado e que o consumidor insista na sua responsabilização, como lhe negar esta pretensão, a não ser contrariando o entendimento de que há uma responsabilidade solidária de todos os integrantes da cadeia de produção e distribuição, independentemente do momento em que a periculosidade se originou? Outro exemplo: um fabricante de refrigerantes fornece seus produtos a diversos distribuidores e cada um destes os redistribui a centenas ou milhares de comerciantes, abrangendo desde grandes redes de supermercados até bares, restaurantes ou vendedores ambulantes. Suponha-se que um destes comerciantes, ou até mesmo alguém que adquira as bebidas em um dos supermercados, coloque veneno nas garrafas e as venda para centenas de consumidores. O fabricante também seria responsabilizado neste caso? Se se aceita a tese da solidariedade de todos os integrantes da cadeia de produção e distribuição, independentemente da definição legal de defeito do produto, a resposta deveria ser afirmativa. A única defesa das empresas contra os criminally tampered products seria ou expandir seu ramo de atividade, passando a vender seus produtos diretamente aos consumidores, ou só os fornecer às principais redes de supermercados, estabelecendo, talvez, grandes conglomerados econômicos. Além de inviáveis na prática, qualquer destas alternativas importaria num significativo aumento da concentração econômica, o que, em última instância, iria contra os interesses dos próprios consumidores e da sociedade em geral. Assinale-se, quanto a este aspecto, que o pequeno empresário, incapaz de se proteger contra tais práticas criminosas, ver-se-ia marginalizado do mercado, no qual somente poderia se manter caso assumisse um risco sobre o qual não tem controle algum. Salta aos olhos que não é esta a perspectiva que melhor se coaduna com o princípio da proteção do consumidor, o que vem a corroborar a conclusão de que a responsabilização indiscriminada do produtor por periculosidades relacionadas à esfera do comerciante não é a solução que deflui dos pressupostos previstos no art. 12 do CDC. 6. A SOLIDARIEDADE NA RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO Nessa linha, é necessário compreender a real extensão da norma segundo a qual, tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos. A regra aplica-se tanto Página 9

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ao regime geral de responsabilidade civil (art. 927, caput, do CC/2002) quanto à responsabilidade pelo fato do produto (arts. 7.º, parágrafo único e 25, § 2.º, do CDC). Em ambos os casos pressupõe-se, contudo, algum critério ou fundamento de imputação da responsabilidade aos indigitados lesantes. Por exemplo, o pedestre que é atropelado por um automóvel que, em alta velocidade, precisa realizar manobra para se desviar de outro veículo que lhe corta a preferencial poderá exigir, de cada um dos motoristas, que lhe indenize integralmente os danos sofridos. Não poderá, porém, voltar-se contra o proprietário de um terceiro veículo, também envolvido no acidente, mas que dirigia com prudência e respeito às normas de trânsito. No caso, a solidariedade dos dois primeiros condutores pressupõe a ocorrência in concreto dos requisitos do art. 927, caput, do CC/2002, o que, todavia, não acontece em relação ao terceiro motorista. Ainda pensando na disciplina do Código Civil de 2002, o patrão é solidariamente responsável pelos atos ilícitos de seus prepostos, pois o art. 932, III c/c o art. 942, parágrafo único, dispõe expressamente nesse sentido. Nessa hipótese, a solidariedade explica-se pela existência de um vínculo de preposição, ou seja, de uma relação funcional na qual um dos indivíduos, o preposto, pratica atos materiais por conta e sob direção de outra pessoa, o preponente.43 Segundo a teoria da substituição,44 o preposto é uma longa manus do preponente, razão pela qual seus atos são considerados como sendo do próprio comitente. No caso do regime de responsabilidade do art. 12 do CDC, a existência de solidariedade também repousa numa justificativa para a concorrência de mais de um responsável ao dever de reparação decorrente do acidente de consumo. De forma paralela ao que acontece na hipótese de acidente de trânsito ou em outros casos de responsabilidade civil regidos pelo direito comum, a solidariedade, naquele regime, pressupõe o atendimento em relação a cada indigitado responsável dos requisitos legais do art. 12, caput, do CDC. De modo mais específico, respondem solidariamente em relação a um mesmo acidente aqueles fornecedores cujo produto, seja este o produto final, alguma parte componente ou matéria prima, não oferecia, no respectivo instante de colocação em circulação, a segurança legitimamente esperada. Em outras palavras, a responsabilidade solidária pressupõe que o produto final, a parte componente ou a matéria-prima, já fosse considerado defeituoso no momento em que deixou a esfera de atividade de cada responsável. Caso contrário, não há se falar em responsabilidade solidária. Dessa forma, é correta a afirmação de que o legislador não aceitou que a responsabilidade recaísse apenas no fabricante ou produtor final.45 De fato, não seria justificável liberar-se o fornecedor da matéria-prima ou parte componente defeituosa, deixando impune o real autor do dano. Não se deve aceitar, contudo, a ilação segundo a qual “a responsabilidade solidária estende-se também ao fabricante por danos causados ao consumidor por produtos perecíveis mal conservados pelo comerciante”,46 entendimento que, todavia, foi acolhido pelo STJ no Caso Arrozina tradicional. Nessa hipótese, não há fundamento para se considerar que o produtor seja autor do dano sofrido pela vítima. Mesmo que o acidente de consumo diga respeito ao mesmo produto por ele colocado em circulação, no instante deste ato inexistia qualquer periculosidade, não havendo se falar, portanto, em defeito do produto. E se o produto por ele colocado em circulação correspondia com as legítimas expectativas de segurança, não poderá ser considerado responsável pelos danos sofridos pela vítima. Conforme afirma Flavia Portella Püschel,47 “os produtores, desde o produtor da matéria-prima até o produtor final, não podem ser responsabilizados por defeitos surgidos no produto em etapa de distribuição posterior à sua própria etapa de produção”. Observe-se que, ao contrário do que ocorre na hipótese da responsabilidade do preponente, não há, em regra,48 um vínculo de dependência a justificar a atribuição do ato ou da omissão do comerciante ao produtor.49 E a circunstância de integrarem a mesma cadeia de produção e distribuição não serve de contra-argumento a esta conclusão. Além de não existir texto legal expresso neste sentido, o raciocínio desconsidera que os diversos agentes econômicos agem, em princípio, de forma autônoma. Caso contrário não haveria que se falar numa “rede”, mas numa única unidade empresarial de produção e distribuição. E, levado às suas últimas consequências, o argumento importaria na responsabilização de todo e qualquer integrante do sistema produtivo que tenha participado da produção ou comercialização. Voltando ao exemplo do pecuarista que vendeu um pedaço de carne a um frigorífico, ele responderia Página 10

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pela má conservação do produto final pelo supermercado. Da mesma forma, uma empresa contratada apenas para etiquetar, transportar ou embalar o produto também seria responsabilizada, já que, em última instância, ela também integra a relação econômica que vai da criação do gado até a venda ao consumidor final. Isso, no entanto, não pode ser aceito. Vale insistir novamente que todo o regime da responsabilidade pelo fato do produto gira em torno do conceito de defeito do produto, o que se reflete também no problema da solidariedade. No mais, não se pode acolher o argumento de que incumbe ao produtor o dever de vigilância sobre os comerciantes. É claro que ele não poderá fechar os olhos a práticas contrárias à segurança no mercado de consumo, devendo tomar as medidas preventivas necessárias e exigíveis, o que, todavia, dependerá das circunstâncias concretas. Entretanto, não se deve alçá-lo à função de fiscal ativo e permanente de todos aqueles que comercializam seus bens, ignorando os critérios de atribuição de riscos contidos na definição legal de defeito do produto. Aliás, não há no caso analisado pelo STJ, indício algum de desobediência ao suposto dever de vigilância.50 Resta, por fim, fazer um breve esclarecimento quanto ao sentido do art. 13, caput, do CDC. O dispositivo determina que “o comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis” (itálico nosso). Alguns autores sustentam que o uso pelo legislador do advérbio “igualmente” corrobora a tese da solidariedade.51 O argumento não deve ser acolhido. Houvesse o legislador efetivamente pretendido instituir uma responsabilidade solidária para a hipótese do inc. III, não teria vacilado em utilizar o termo técnico adequado, como fez, aliás, no art. 7.º, parágrafo único e nos parágrafos do art. 25, ambos do CDC. Em verdade, a expressão “igualmente responsável”, contida no caput do art. 13, significa que a responsabilidade do comerciante, nas hipóteses elencadas no citado artigo, possui as mesmas características daquela imputada ao responsável principal.52 Ou seja, depende da ocorrência em concreto dos pressupostos indicados no caput do art. 12 da Lei 8.078/1990: defeito do produto, dano e nexo de causalidade, não se havendo exigir, em princípio, culpa do comerciante.53 Considerando que o legislador poderia ter sido expresso em outro sentido, que a solidariedade não se presume e que a interpretação aqui defendida é a que melhor reflete a sistemática da responsabilidade pelo fato do produto, em especial quanto à exigência do pressuposto do defeito do produto, não se pode acolher a tese de que a solidariedade do produtor decorre do texto do art. 13, caput, do CDC. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Fica claro, portanto, que, segundo a disciplina dos arts. 12 e 13 do CDC, o produtor não responde por periculosidades originadas na esfera de atividade do comerciante. Porém, não se poderia deixar de fazer uma última consideração sobre o tema. Afirma-se, em vista do princípio da reparação integral, que “a única solução plausível para uma efetiva proteção dos interesses dos consumidores é o reconhecimento, de um lado, da ocorrência de uma solidariedade passiva entre todos os responsáveis e, de outro lado, que o comerciante não é terceiro, embora possa ter sua responsabilidade afastada nas situações expressamente contempladas pelo art. 13 do CDC”.54 Esta conclusão, mais política do que jurídica, é justificada pela suposta injustiça de se permitir ao fabricante que, demandado diretamente por um consumidor que adquiriu num restaurante um produto estragado, alegue que este foi por ele colocado no mercado sem defeito. Argumenta-se que, se isto fosse aceito, o consumidor ficaria sem qualquer proteção caso a demanda posteriormente promovida contra o comerciante viesse a ser julgada improcedente. Primeiramente, não se deve esquecer que o sistema de proteção estabelecido pelo CDC também leva em consideração os interesses dos produtores. Aliás, seu art. 4.º menciona a harmonia dos interesses dos participantes das relações de consumo como princípio da Política Nacional das Relações de Consumo. Nessa mesma esteira, impende relembrar que a responsabilização do produtor por periculosidades originárias da órbita do comerciante não encontra respaldo nos dados econômicos que levaram à evolução da responsabilidade civil do produtor. Além disso, a Página 11

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responsabilização do produtor, na hipótese em análise, não é necessariamente a solução que melhor atende aos interesses dos consumidores e da sociedade em geral. Como sustentado acima, ela pode estimular a concentração econômica e prejudicar os pequenos empresários. Por fim, o argumento desconsidera um aspecto relevante. Ao contrário do que se afirma, não basta que o produtor simplesmente alegue que o produto foi colocado no mercado sem defeito. É necessário que demonstre a inexistência de periculosidade naquele instante, embora não se possa exigir - como defendido aqui - prova positiva desta circunstância.55 É claro que há a possibilidade de a vítima não conseguir fazer valer seu direito diante do real responsável. No entanto, este risco é inerente a toda e qualquer demanda judicial. Ademais, caso o produtor logre desincumbir-se de seu onus probandi, será considerável a chance de a vítima sair vencedora na demanda ajuizada contra o comerciante, o mesmo ocorrendo na hipótese inversa, ou seja, de o comerciante, acionado primeiramente, demonstrar que o defeito originou-se da esfera de produção. Além disso, o CDC, atento ao desequilíbrio de forças entre as partes, confere ao julgador a possibilidade de inverter o ônus da prova em favor do consumidor (art. 6.º, VIII), facilitando sua defesa em juízo. Portanto, é na seara probatória que o referido problema de proteção do consumidor encontra sua adequada e justa solução. É aqui que o julgador deve procurar caminhos para a facilitação da defesa do consumidor, salvaguardando o produtor de soluções que, ao desvirtuarem as regras de direito material, desconsideram seus legítimos interesses. Afinal, entre o risco inerente a toda demanda judicial - reduzido, aliás, por regras processuais favoráveis ao consumidor - e a certeza de injustiça, é melhor que se opte por aquele. 8. BIBLIOGRAFIA ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; ARRUDA ALVIM, Eduardo; MARINS, James. Código do Consumidor comentado. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1995. BENJAMIN, Antonio Herman V. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: OLIVEIRA, Juarez de (org.). Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. _______. Fato do produto e do serviço. In: _______; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994. DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2004. DIEDERICHSEN, Uwe. Wohin treibt die Produzentenhaftung? Neue Juristische Wochenschrift (NJW) . n. 27. p. 1281-1292. Munique: C. H. Beck, jul. 1978. European Treaty Series. n. 91. Products Liability. 27.01.1977. Disponível [http://conventions.coe.int/Treaty/en/Treaties/Word/091.doc]. Acesso em: 23.08.2009.

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(VersR): Juristische Rundschau für die Individualversicherung. n. 24. p. 1005-1015. Karlsruhe: Verlag Versicherungswirtschaft.

1 STJ, REsp 980.860/SP, 3.ª T., j. 23.04.2009, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 02.06.2009. 2 TJSP, EI 414.146-4/601, 4.ª Câm. de Direito Privado, j. 01.09.09.2006, rel. Des. Francisco Loureiro. Os embargos originaram-se da Ap 414.146-4/4, 4.ª Câm. de Direito Privado, j. 02.02.2006, rel. Des. Ênio Zuliani. 3 BENJAMIN, Antonio Herman V. Fato do produto e do serviço. In: ______; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 114-141; BENJAMIN, Antonio Herman V. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: OLIVEIRA, Juarez de (org.). Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 66; SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 179 e 296-298; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 495 e 502; NORRIS, Roberto. Responsabilidade civil do fabricante pelo fato do produto. Rio de Janeiro: Forense, 1996. p. 88; ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000. p. 86; GODOY, Claudio Luiz Bueno. Responsabilidade pelo fato do produto. In: SILVA, Regina Beatriz Tavares da (coord.). Responsabilidade civil: responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 164; TEPEDINO, Gustavo. A responsabilidade civil por acidentes de consumo na ótica civil-constitucional. In: ______. Temas de direito civil. 4 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 283; MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor. São Paulo: Ed. RT, 2008. p. 285-286. Em sentido oposto cf. DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto. 8. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2004. cap. IV, p. 190; PÜSCHEL, Flavia Portella. A responsabilidade por fato do produto no CDC: acidentes de consumo. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 151. COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 97, também segue este entendimento, mas ressalva o seguinte: “se o consumidor ignorava a causa efetiva do defeito e ajuizou a ação contra o fabricante, imaginando tratar-se, por exemplo, de defeito de concepção, e no curso do processo ficou definido que o dano decorreu de má conservação, então, nesse caso em particular, o réu deve ser condenado e, em regresso, ressarcir-se perante o comerciante culpado pelo defeito”. 4 STJ, REsp 1.252.307/PR, j. 07.02.2012, rel. Min. Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão Min. Massami Uyeda, DJe 02.08.2012. 5 ROCHA, Silvio Luís Ferreira da, op. cit., p. 76. 6 DIEDERICHSEN, Uwe. Wohin treibt die Produzentenhaftung? Neue Juristische Wochenschrift (NJW) 27/1282, o qual se refere à Sinnenentleerung der Händerfunktion. 7 Deve-se fazer um esclarecimento. O produtor será responsabilizado por defeitos originados da armazenagem ou acondicionamento de seu produto, desde que o problema se origine em sua órbita de atuação, como, por exemplo, na fase de armazenagem anterior à entrega do produto aos seus revendedores. 8 Após afirmar que a controvérsia em causa consiste na possibilidade da responsabilização do fabricante por danos morais e materiais decorrentes da ingestão de produto adquirido pelo consumidor final com prazo de validade vencido, o voto se divide em dois itens. O primeiro, intitulado “do sistema de responsabilidade pela qualidade dos produtos e serviços fixado pelo CDC”, dedica-se basicamente ao esclarecimento da distinção doutrinária entre “vícios de qualidade por inadequação” (art. 18 e ss. do CDC) e “vícios de qualidade por insegurança” (arts. 12 a 17 do CDC) e termina com a conclusão de que “a causa de pedir contida neste autos, conforme decidido pelo Tribunal de origem, revela exemplo típico de vício de segurança” (a redação completa do último parágrafo do referido item é o seguinte: “a causa de pedir contida nestes autos, conforme decidido pelo Tribunal Página 14

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de origem, revela exemplo típico de vício de segurança. A gravidade do defeito - deterioração por vencimento da validade - existente no produto ‘Arrozina Tradicional’ não apenas impediu a sua utilização da maneira esperada, mas, principalmente, gerou risco para a saúde das bebês recorridas, e disso decorre a responsabilidade da recorrente, caracterizada pelo fato do produto - vício de insegurança -, nos termos do art. 12 do CDC)”. O segundo, intitulado “da violação ao art. 12, § 3.º, III, do CDC - análise da existência de culpa exclusiva de terceiro (comerciante que oferece produto alimentício com prazo de validade vencido em suas gôndolas)”, volve-se ao problema da ocorrência in concreto da excludente da culpa exclusiva de terceiro. 9 Observe-se, todavia, que o Min. Ari Pargendler assinalou, em seu voto vencido, que, “de acordo com o § 1.º, o fabricante responde pela época em que o produto é colocado em circulação, e esta se dá no momento em que o produto sai do seu estabelecimento. A comercialização pelo varejista não pode, por isso, constituir responsabilidade do fabricante”. Mais à frente, entretanto, o Ministro confunde o requisito do defeito do produto com o do nexo de causalidade: “Com efeito, como se pode falar em responsabilidade sem um nexo de causalidade?”. 10 Em sentido semelhante, cf. GODOY, Claudio Luiz Bueno, op. cit., p. 136-137, o qual se refere a “um fundamento único e concentrado na ideia de defeito de um produto ou serviço”; SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira, op. cit., p. 122, o qual assevera que “o conceito de defeito aparece como o principal elemento relativizador dessa obrigação de indenizar”; BENJAMIN, Antonio Herman V. Da qualidade… cit., p. 49-60; TEPEDINO, Gustavo, op. cit., p. 281-282; MARINS, James. Risco de desenvolvimento e tipologia das imperfeições dos produtos. RDC 6/121, o qual sustenta que “sem defeito não há responsabilidade do fornecedor”; PASQUALOTTO, Adalberto. A responsabilidade civil do fabricante e os riscos do desenvolvimento. Revista da Ajuris 59/154, o qual assevera que “não se trata, porém, de responsabilidade objetiva pura, porque o seu fundamento não é o risco. Se fosse, bastaria a colocação do produto em circulação para que se ensejasse a responsabilidade do fabricante. Mas não é assim. O fabricante não será responsabilizado se, embora colocado o produto no mercado, provar que não existe defeito” (itálico nosso); ROCHA, Silvio Luís Ferreira da, op. cit., p. 95 e 104. A propósito, KULLMANN, Hans Joseph. ProdHaftG: Gesetz über die Haftung für fehlerhafte Produkte. Kommentar. 5. ed. Berlim: Erich Schmidt, 2006. p. 98, assinala que, quando das discussões que antecederam a Diretiva 85/374/CEE (na qual, sem sombra de dúvida, se inspirou o legislador brasileiro no estabelecimento da regra do art. 12 do CDC), a doutrina alemã debateu, acima de tudo, o problema da definição daquele conceito. Infelizmente não se verifica esta preocupação na doutrina brasileira, pelo menos não com a intensidade desejada. Isto, de certa forma, reflete-se na decisão em comento. 11 Cf., por exemplo, CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 492: “no que diz respeito ao nexo causal, cumpre ressaltar que não se exige da vítima prova robusta e definitiva do defeito do produto” (itálico no original). Em outra passagem o autor afirma, corretamente, que “a conduta exclusiva de terceiro faz desaparecer a relação de causalidade entre o defeito do produto e o evento danoso, erigindo-se em causa superveniente que por si só produz o resultado” (idem, p. 501). Logo em seguida assevera, todavia, que “a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro como causa de exclusão da responsabilidade do fornecedor, a rigor nos remete à inexistência de defeito do produto ou do serviço” (idem, p. 502). Tais oscilações não ocorrem apenas na obra do citado jurista, sendo comuns na doutrina brasileira. 12 Cf. HOLLMANN, Herman H. Die EG-Produkthaftungsrichtlinie (I). Der Betrieb (DB). Wochenschrift für Betriebswirtschaft, Steuerrecht, Wirtschaftsrecht, Arbeitsrecht. 46/2392; ROLLAND, Walter. Produkthaftungsrecht: Kommentar. Köln: Bundesanzeiger, 1990. p. 123. Quanto ao Código de Defesa do Consumidor cf. BENJAMIN, Antonio Herman V. Da qualidade… cit., p. 57-60. 13 Cf. PAULA, Carolina Bellini Arantes de. As excludentes de responsabilidade civil objetiva. São Paulo: Atlas, 2008. p. 90: “o rigor da responsabilidade civil objetiva (…) advém da ausência da apreciação da voluntariedade do agente, que é responsável pelos efeitos de atividades, fatos ou coisas pelo mero nexo causal com o dano advindos deles. Portanto, as fronteiras de sua responsabilidade encontram-se no nexo causal e são traçadas pelas excludentes”. 14 Cf. ROLLAND, Walter, op. cit., p. 138; PÜSCHEL, Flavia Portella, op. cit., p. 110; BENJAMIN, Antonio Herman V. Da qualidade… cit., p. 61, o qual afirma que “a expectativa de segurança que importa é aquela vigente no momento da colocação do produto ou serviço no mercado, não cabendo Página 15

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avaliá-la no instante da ocorrência do dano ou do julgamento do juiz”; ROCHA, Silvio Luís Ferreira da, op. cit., p. 100, o qual afirma que “o critério decisivo é o de que o produto satisfaça as legítimas expectativas de segurança do público consumidor no momento da sua emissão no comércio”; SILVA, João Calvão da, op. cit., p. 644-647, segundo o qual, para determinar se um produto é ou não defeituoso, deve o juiz “reportar-se à data de sua colocação em circulação”. Ainda segundo João Calvão da Silva, “o critério decisivo é o de que o produto satisfaça as legítimas expectativas de segurança do grande público no momento da sua emissão no comércio (…)” (itálico nosso). Por sua vez, MARINS, James, op. cit., p. 124, sustenta que “os defeitos de criação, produção ou informação somente podem ocorrer antes da introdução do produto no mercado de consumo” (itálico no original). 15 Cf. ROLLAND, Walter, op. cit., p. 138. 16 Cf. KULLMANN, Hans Joseph, op. cit., p. 113. 17 ARRUDA ALVIM NETTO; José Manoel de; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; ARRUDA ALVIM, Eduardo; MARINS, James. Código do Consumidor comentado. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1995. p. 70-71, refutam a tese da inversão ope legis do ônus da prova quanto à existência de defeito do produto. Afirmam que, na hipótese de prova difícil ou insuportavelmente custosa ao consumidor, o art. 6.º do CDC confere ao juiz a possibilidade de inverter o onus probandi. 18 Nesse sentido, cf. idem, p. 125-126; SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira, op. cit., p. 345-346, entre outros. 19 Cf. KULLMANN, Hans Joseph, op. cit., p. 49, o qual afirma que o § 1.º II 2 da ProdHaftG alemã recepciona o princípio da Diretiva 85/374/CEE pelo qual o produtor somente responde se o defeito do produto já existia quando ele o colocou no mercado. Cf. também TASCHNER, Hans Claudius; FRIETSCH, Erwin. Produkthaftungsgesetz und EG-Produkthaftungsrichtlinie. 2. ed. Munique: Beck, 1990. p. 189-190. No mesmo diapasão, SILVA, João Calvão da, op. cit., p. 719, ao discorrer sobre o art. 5.º, b, do Dec.-lei 383/1989, de 06.11.1989, que transpôs a Diretiva Europeia ao direito interno português, assevera o seguinte: “Trata-se de disposição plenamente justificada, uma vez que o defeito do produto causador dos danos é pressuposto ou elemento constitutivo da responsabilidade do seu produtor”. 20 Cf. OECHSLER, Jürgen. J. von Staudingers Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch mit Einführungsgesetzt und Nebengesetzen. Buch 2. Recht der Schuldverhältnisse. §§ 823-829. ProdHaftG (Unerlaubte Handlung 2, Produkthaftung). 12. ed. Berlim: Sellier, 2009. p. 370, o qual, ao tratar do tema, refere-se a uma necessidade sistemática de harmonização (systematischer Harmonisierungsbedarf). 21 Ou seja, aquele que se apresenta como produtor pela aposição sobre o produto de seu nome, marca ou qualquer outro sinal distintivo. 22 Por isso, não é correto questionar a imputabilidade do defeito do produto a determinado produtor. Não é isto que a lei exige, mas que o produto, no instante em que foi colocado em circulação pelo indigitado responsável, não ofereça a segurança que legitimamente se espera dele. 23 A qual transpõe a Diretiva 85/374/CEE ao direito nacional alemão. 24 Entwurf eines Gesetzes über die Haftung für fehlerhafte Produkte (Produkthaftungsgesetz ProdHaftG), BT-Drucksache 11/2444. Disponível em ROLLAND, Walter, op. cit., p. 415: “Damit wird klargestellt, daß der Hersteller Fehler, die nach dem Inverkehrbringem z.B. durch unsachgemäße Behandlung innerhalb der Vertriebskette oder durch den Geschädgten selbst verursacht werden, nicht zu vertreten hat”. Cf. OECHSLER, Jürgen, op. cit., p. 368. 25 Para a Diretiva Europeia, demonstrado o defeito, o dano e o nexo de causalidade, presume-se que o primeiro já estivesse presente no instante em que o produto foi colocado em circulação pelo acionado. O texto do art. 7.º, b, da Diretiva 85/374/CEE, bem como os dos correspondentes artigos dos diplomas que a transpõem para o direito nacional dos Estados-membros da União Europeia, indica uma facilitação quanto ao ônus da prova imposto ao produtor (OECHSLER, Jürgen, op. cit., p. 369). Não obstante a dicção do art. 12, § 3.º, II, do CDC, seria um exagero exigir do produtor prova Página 16

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positiva de que o problema de segurança originou-se em momento posterior àquele em que ele colocou o produto no mercado. Em termos práticos, isso importaria na impossibilidade de ele se valer desta defesa, mesmo que as máximas de experiência e as circunstâncias concretas lhe sejam favoráveis. 26 Entwurf eines Gesetzes über die Haftung für fehlerhafte Produkte (Produkthaftungsgesetz ProdHaftG), BT-Drucksache 11/2444. 27 Idem. Cf. KULLMANN, Hans Joseph, op. cit., p. 45: “der Gesetzgeber bezieht sich indes auf di Definition des Art 2 lit d des Europäischen Übereinkommens vom 27.1.1977 über die Produkthaftung bei Körperverletzung und Tötung”. 28 Cf. OECHSLER, Jürgen, op. cit., p. 362. 29 European Treaty Series. n. 91. Products Liability. 27.01.1977. Disponível em: [http://conventions.coe.int/Treaty/en/Treaties/Word/091.doc]. Acesso em: 23.08.2009. Segundo o citado dispositivo,“a product has been ‘put into circulation’ when the producer has delivered it to another person”. Ainda quanto ao âmbito europeu, cumpre mencionar que o §6 da ProdHaftG austríaca estatui que “Ein Produkt ist in den Verkehr gebracht, sobald es der Unternehmer, gleich auf Grund welchen Titels, einem anderen in dessen Verfügungsmacht oder zu dessen Gebrauch übergeben hat. Die Versendung an den Abnehmer genügt”. No mesmo sentido, é a disposição do §1-2 2, da lei norueguesa, segundo a qual “das Produkt ist ‘in den Verkehr gebracht’, wenn es einem Verkäufer, Frachtführer, Erwerber ode Benutzer übergeben, angeboten oder zur Inbesitznahme bereigestellt worden ist” (cf. OECHSLER, Jürgen, op. cit., p. 362). 30 Proc. C-127/04, decisão de 09.02.2006, O’Byrne / X (Rec. 2006, p. I-01313). Disponível em: [http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62004J0127 :PT:HTML]. Acesso em: 29.01.2010. Registre-se que a interpretação foi feita em relação ao art. 11 da Diretiva 85/374/CEE, segundo o qual “Os Estados-membros estabelecerão na sua legislação que os direitos concedidos ao lesado nos termos da presente directiva se extinguem no termo de uma período de dez anos a contar da data em que o produtor colocou em circulação o produto que causou o dano, excepto se a vítima tiver intentado uma acção judicial contra o produtor durante este período”. 31 Cf. OECHSLER, Jürgen, op. cit., p. 362; FRIETSCH, Erwin A. Das Gesetz über die Gaftung für fehlerhafte Produkte und seine Konsequenzen für dem Hersteller. Der Betrieb (DB). Wochenschrift für Betriebswirtschaft, Steuerrecht, Wirtschaftsrecht, Arbeitsrecht. n. 1. p. 29-35. Düsseldorf: Verl-Gruppe Handelsblatt, jan. 1990, p. 31; TASCHNER, Hans Claudius; FRIETSCH, Erwin, op. cit., p. 188; KULLMANN, Hans Joseph, op. cit., p. 52; WIECKHORST, Thomas. Bisherige Produzentenhaftung, EG-Produkthaftungsrichtlinie und das neue Produkthaftungsgesetz. Juristische Schulung (JuS): Zeitschrift für Studium und praktische Ausbildung 2/91-92; SILVA, João Calvão da, op. cit., p. 669, segundo o qual “importante e determinante, portanto, é o produtor entender que o seu produto está em condições de entrar no circuito de distribuição e essa entrada se verifica com o seu conhecimento e vontade. Nesse momento em que o produto sai do âmbito da organização (Organizationsbereich) do produtor por sua vontade, e, assim, deixa de ter o domínio real ( Herrschaftgewalt) sobre o produto e perde a consequente possibilidade de controlar os seus riscos, é que pode falar-se de produto posto em circulação” (itálico no original). 32 Em sentido semelhante, SILVA, João Calvão da, op. cit., p. 669: “(…) o momento a partir do qual o produtor é responsável, independente de culpa, por aplicação do novo regime estabelecido pelo Dec.-lei n. 383/89 é o da entrada em circulação do produto”. 33 Responsabilidade do fabricante pelo fato do produto. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 157. 34 Op. cit., p. 188. 35 Op. cit., p. 156. Na mesma esteira, cf. MARINS, James, op. cit., p. 147, de acordo com o qual “a interpretação mais aceitável para ‘colocar o produto no mercado’ seria a de que significa ‘inserir o produto na cadeia de distribuição’, conceito ainda muito vago”. 36 Da qualidade… cit., p. 130. Página 17

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37 Idem, p. 125. 38 Cf. WIECKHORST, Thomas. Vom Produzentenfehler zum Produktfelher des §3 ProdHaftG. Versicherungsrecht (VersR): Juristische Rundschau für die Individualversicherung 24/1005, 1009. 39 Cf. WAGNER, Gehard. Gesetz über die Haftung für fehlerhafte Produkte (Produkthaftungsgesetz ProdHaftG). In: SÄCKER, Franz Jürgen; RIXECKER, Roland (Ed.). Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch: Schuldrecht, Besonderer Teil III, §§ 705-853. Partnerschaftsgesellschaftgesetz, Produkthaftungsgesezt. 5. ed. Munique: C. H. Beck, 2009. vol. 5, p. 2680: “In sachlicher Hinsicht muss sich das Schadensereignis gerade als die Realisierung des aus der Fehlerhaftigkeit des Produkts folgenden Risikos darstellen” (“sob o aspecto objetivo o evento lesivo deve se mostrar como a realização do risco decorrente da defectibilidade do produto”). Observe-se que o autor se refere à teoria da finalidade ou escopo da norma (Schutzzweck der Norm ). 40 Cf. SCHMIDT-SALZER, Joachim. Der Fehler-Begriff in der EG-Richtlinie Produkthaftung. Betriebs-Berater (BB): Zeitschrift für Recht und Wirtschaft 6/354, o qual sustenta não haver defeito do produto neste caso. 41 Em primeiro lugar, é natural esperar que um queijo parmesão se resseque com o passar do tempo. Além disso, mesmo se vendido ressecado, não se pode considerar que ele põe em risco a vida de terceiros e, logo, é defeituoso, já que a possível periculosidade estaria associada a um uso abusivo e totalmente imprevisível. 42 Este exemplo foi retirado de WAGNER, Gehard, op. cit., p. 2680, o qual o utiliza para ilustrar a aplicação da teoria da finalidade da norma na responsabilidade civil do produtor. 43 Cf. WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 14. ed. São Paulo: Ed. RT, 2000. p. 605: “o vínculo de preposição há pois de ser entendido como ‘relação funcional’, sendo preposto todo indivíduo que pratica atos materiais por conta e sob a direção de outra pessoa”. 44 Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio, op. cit., p. 200. 45 Nesse sentido, cf. ROCHA, Silvio Luís Ferreira da, op. cit., p. 89. 46 Idem, ibidem. 47 Op. cit., p. 92. Em nota de rodapé, a autora, ao tratar do art. 7.º, parágrafo único, do CDC, assevera que “não se pode considerar autor do dano um fornecedor quando o defeito originou-se em momento posterior à colocação do produto no mercado” (idem, p. 93, n. 198 - itálico no original). 48 É preciso lembrar que, em muitos casos, o revendedor acumula duas funções: a de comercialização do produto e a de prestação de assistência técnica e manutenção, conforme observa LOPES, José Reinaldo de Lima. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor. São Paulo: Ed. RT, 1992. p. 91. O autor ressalta que isso é muito frequente no caso dos veículos automotores, sendo usual que as revisões periódicas sejam feitas pelos revendedores autorizados. Segundo o jurista, “a ligação do vendedor com o fabricante, nestes casos, é de tal ordem que perante o público há uma grande confusão. O revendedor é um agente do fabricante, que de outra forma não poderia chegar ao mercado. Se a isto somarmos o fato de haver a exclusividade da representação, é razoável que o consumidor veja no comerciante o agente/representante do fabricante” (idem, ibidem). Apenas nesta hipótese, em que há, de fato, uma relação de dependência, muito próxima à de representação, entre comerciante e fabricante, poder-se-ia pensar na responsabilização solidária deste pelas falhas de segurança que aquele deu ensejo. 49 Não se deve aceitar a seguinte conclusão de BENJAMIN, Antônio Herman V. Fato do produto… cit., p. 134-135: “o Código (…) traz dois tipos de solidariedade legal: uma para os co-causadores do dano e outra em que nem todos os coobrigados são causadores (diretos) do dano. É nesta última hipótese que se encaixa a responsabilidade do fabricante, apesar do verdadeiro causador (direto) do prejuízo ser o comerciante que, v.g., deixou de conservar adequadamente o produto (art. 13, III)”. O Página 18

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autor menciona, a título comparativo, o exemplo de um automóvel que, em face de um defeito em uma de suas peças, causa acidente de consumo. Para o jurista, o montador não teria dado causa ao defeito, mas mesmo assim será responsabilizado. Esta hipótese seria semelhante àquela em que o produtor é responsabilizado pela má conservação do produto pelo comerciante. O autor esquece-se, todavia, de que naquele caso já havia defeito do produto no instante da colocação do produto em circulação pelo montador, enquanto neste o mesmo não acontece. O decisivo aqui é saber se já havia defeito do produto, nos termos do art. 12, § 1.º, do CDC. Da circunstância de o assembler ser responsabilizado por defeito da parte componente não se pode inferir que o produtor responderá por periculosidades relacionadas à esfera do comerciante. A propósito, cf. PÜSCHEL, Flavia Portella, op. cit., p. 93, onde afirma que “o art. 25, § 2.º, do CDC estabelece a responsabilidade dos produtores finais por defeitos de partes componentes, e não o contrário”. 50 De resto, é questionável a coerência de se basear a tese da responsabilização solidária na suposta ofensa a tal dever. Imagine-se que determinado comerciante, constantemente submetido à rigorosa fiscalização pelo produtor, sempre tenha respeitado as regras de segurança, mas um de seus funcionários falhe, uma única vez, na triagem dos produtos dispostos nas gôndolas. É inegável, nesta hipótese, que o produtor atendeu ao suposto dever de vigilância e não poderia suspeitar de qualquer problema quanto à conservação dos produtos. Logo, tal fundamento não poderia ser invocado para justificar sua responsabilidade e esta lacuna, ao evidenciar a incoerência do argumento, põe por terra a tese da solidariedade. 51 BENJAMIN, Antonio Herman V. Fato do produto… cit., p. 133-135. 52 SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Ed. LTr, 1997. p. 218, afirma o seguinte: “acreditamos que o legislador, com a expressão citada, pretendeu dizer que o comerciante é responsável, também, independentemente da existência de culpa, se for encontrado em uma das três situações elencadas nos incisos I, II e III do art. 13 sob comentário”; ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel de; ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa; ARRUDA ALVIM, Eduardo; MARINS, James, op. cit., p. 133, também sustentam esta interpretação, embora, logo em seguida, afirmem que se trata de responsabilidade solidária. 53 PÜSCHEL, Flavia Portella, op. cit., p. 91-94, afirma que, na hipótese do inc. III do art. 13 do CDC, estão presentes as razões que fundamentam a imputação da responsabilidade objetiva pelo fato do produto ao comerciante, sendo que, neste caso, trata-se de responsabilidade própria e não subsidiária. 54 SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira, op. cit., p. 298. 55 Cf. nota 25 supra.

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