A responsabilidade no Funcionalismo

July 23, 2017 | Autor: Raphael Medeiros | Categoria: Crime, Direito Penal, Funcionalismo, Claus Roxin
Share Embed


Descrição do Produto

A RESPONSABILIDADE NO FUNCIONALISMO

Desde VON BELING (1.906), a ciência penal alemã
conceitua crime, sob o ponto de vista analítico, como conduta [1] típica
[2], antijurídica [3] e culpável [4]. Tal definição é chamada de
quadrangular ou quadrimembrada ("Viergliedrige Definition"), uma vez que
pressupõe em todo o delito quatro características comuns e indeclináveis: a
conduta, a tipicidade, a antijuricidade e a culpabilidade. Esta é a opinião
dominante na Alemanha, conforme anotam (apenas para citar alguns nomes)
HANS WELZEL 1, JOHANNES WESSELS 2, HANS-HEINRICH JESCHECK 3, LACKNER e KÜHL
4, WINFRIED HASSEMER 5 e CLAUS ROXIN 6.


No Brasil, adotam idêntica visão quadrimembrada:
HELENO CLÁUDIO FRAGOSO 7, JOSÉ HENRIQUE PIERANGELI 8, FRANCISCO DE ASSIS
TOLEDO 9, CEZAR ROBERTO BITENCOURT 10 e LUIZ REGIS PRADO 11. Há também
expositores, entre nós, que acolhem o referido conceito, apenas chamando-o
de trinômico ou tridimensional e resumindo o enunciado no seguinte
raciocínio: Fato Típico [1], Antijurídico [2] e Culpável [3]; tal linha
doutrinária expõe que, no fato típico, estão embutidos a conduta, o nexo
causal e o resultado; um dos defensores de tal pensamento é JOSÉ FREDERICO
MARQUES 12.


Dentre os doutrinadores brasileiros, há ainda
aqueles que entendem que os componentes do crime seriam tão-só o fato
típico e a antijuridicidade, ao passo que a culpabilidade assumiria um
papel de mero pressuposto da aplicação da pena e localizar-se-ia fora do
conceito de delito; esta é a posição dos Profs. DAMÁSIO E. DE JESUS 13 e
JULIO FABBRINI MIRABETE 14. Com a devida vênia, porém, o aludido ponto de
vista encontrou alguma ressonância tão-somente em nosso País, não possuindo
quaisquer adeptos na Europa. Ademais, em um Estado Democrático de Direito,
como é o caso do Brasil (art. 1º "caput" da C.F./88), tal linha expositiva
não pode, com todo o respeito, medrar, uma vez que, quanto mais elementos
genéricos se retiram do conceito de crime, mais poder de fogo, ou seja,
mais poder punitivo é colocado nas mãos do Estado sancionador; e quanto
mais requisitos se acrescentam à conceituação de delito, mais obstáculos
são criados à voracidade do "jus puniendi" estatal.


Afinada com esta propensão de se fixarem cada vez
mais limites à ânsia punitiva sempre crescente do Leviatã, vem progredindo,
na Alemanha, nos últimos tempos, a tendência de se colocar a
responsabilidade como um "plus" à culpabilidade, de tal modo que o crime
passa a ser visto como uma conduta típica, antijurídica, culpável e
responsável 15. Esta construção, que respeita os postulados tradicionais da
Ciência Penal e acrescenta, aos elementos genéricos reunidos até VON BELING-
VON LISZT, mais esta garantia de caráter liberal, deve-se ao Funcionalismo
de ROXIN 16.


A responsabilidade está ligada aos motivos de
política criminal, que legitimam ou não a persecução de um determinado
crime em Juízo. Em outras palavras: para que alguém seja processado
criminalmente, não basta que haja praticado uma conduta (ação ou omissão
voluntária e consciente), típica (amoldável aos elementos do tipo penal),
antijurídica (contrária ao Direito) e culpável (realizada com
imputabilidade, etc.), mas ainda é necessário que a atuação do sujeito
ativo venha imbuída de responsabilidade, isto é: é preciso que haja
fundadas razões de política criminal para que o Ministério Público
provoque, através da ação penal pública, a movimentação de todo o mecanismo
do Poder Judiciário, a fim de processar e punir o agente de uma conduta,
que não basta ser típica, antijurídica e culpável, mas que deve mostrar-se
também responsável (merecedora de apenação no específico caso concreto,
segundo os postulados da Política Criminal). Portanto, afastam a
responsabilidade (embora prevaleçam a tipicidade, a antijuridicidade e a
culpabilidade), fatores como a bagatela (ou princípio da insignificância),
a falta de justa causa para o exercício do "jus persequendi in judicio"
(ocorrência de prescrição virtual, por exemplo), a adequação da conduta -
embora típica - ao contexto social em que foi produzida e a tendência de se
deixar o Direito Penal, cada vez mais, como a "ultima ratio" do sistema
normativo, aplicando-o apenas às hipóteses de lesões realmente graves e
permitindo que o Direito Civil e o Direito Administrativo resolvam todas as
demais questões que lhes for possível resolver satisfatoriamente no meio
social, etc..


Assim, sempre que, no caso concreto, insinuar-se
uma conduta típica, antijurídica e culpável, mas faltar motivação séria -
de fundo político-criminal - para se desencadear um processo-crime contra o
infrator, caberá ao Ministério Público requerer o arquivamento do inquérito
policial, pois a ação ou omissão penalmente relevante "in casu" não será
considerada responsável. E quando o indivíduo estiver sendo já processado,
ante o preenchimento dos quatro requisitos tradicionais do delito, contudo,
a uma análise mais profunda da prova colhida, chegar-se à conclusão da
ausência de responsabilidade na atuação do agente, o órgão da Acusação -
como fiscal não só da lei, mas da Justiça - estará diante do solene dever
de pedir a absolvição do acusado.


Carlos Ernani Constantino
Promotor de Justiça no Estado de São Paulo; Professor
de Direito Penal no curso de graduação da Faculdade
de Direito de Franca-SP; Professor de Direito Penal
no Curso de Especialização de Direito Penal da Escola
Superior do Ministério Público; Mestre em Direito
Público, pela Unifran-SP.

1 WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman; Parte General. 11ª ed. tradução de
Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez. Santiago/Chile: Editorial
Jurídica de Chile, 1970, p. 73-4.
2 WESSELS, Johannes. Direito Penal; Parte Geral. tradução de Juarez
Tavares. Porto Alegre: Fabris, 1976, p. 17.
3 JESCHECK, Hans-Heinrich. Lehrbuch des Strafrechts; Allg. Teil (id est:
Manual do Direito Penal; Parte Geral). 4ª ed. Berlim/Alemanha, Editora
Duncker & Humblot GmbH, 1988, p. 178.
4 LACKNER, Karl e KÜHL, Kristian. Strafgesetzbuch mit Erläuterungen (i.e.:
Código Penal Com Comentários). 24ª ed. Munique/Alemanha, Editora Beck,
2001, p. 53.
5 HASSEMER, Winfried. Einführung in die Grundlagen des Strafrechts (i.e.:
Introdução nos Fundamentos do Direito Penal). 2ª ed. Munique/Alemanha,
Editora Beck, 1990, p. 204.
6 ROXIN, Claus. Strafrecht; Allgemeiner Teil (i.e.: Direito Penal; Parte
Geral). 3ª ed. Munique/Alemanha, Editora Beck, 1997, p. 146-7.
7 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 2ª ed. São Paulo: José
Bushatsky Editor, 1977, p. 164-5.
8 PIERANGELI, José Henrique e ZAFFARONI,Eugenio Raúl. Manual de Direito
Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 392.
9 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5ª ed.
São Paulo: Saraiva, 1994, p. 80.
10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal; Parte Geral. 5ª ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 179.
11 PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2002, p. 67.
12 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Penal. 2ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1965, vol.II, p. 8-10.
13 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002,
1º vol., p. 154 e 459.
14 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 13ª ed. São Paulo:
Atlas, 1998, 1º vol., p. 94.
15 Conforme palestra proferida pelo Prof. CLAUS ROXIN no Brasil (em São
Paulo, no Centro de Convenções Rebouças), em 06.03.2002, uma vez que,
durante sua fala, o festejado doutrinador alemão disse textualmente, em sua
língua natal: "Para mim, crime é conduta típica, antijurídica e culpável,
mas faz-se ainda necessário o requisito da responsabilidade, pois nesta se
encontram a bagatela e outros institutos de caráter político-criminal". Por
outro lado, é muito discutida a posição tendente a definir crime como
conduta típica, antijurídica e responsável (no sentido de que a
responsabilidade englobaria implicitamente a culpabilidade).
16 ROXIN, Claus. cit. obra, p. 156 e 173.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.