A Responsabilidade Social da Empresa e o papel do Estado

June 23, 2017 | Autor: A. Manfredini Araujo | Categoria: Conhecimento Em Serviço Social
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A Responsabilidade Social da Empresa e o papel do Estado Ana Luisa Manfredini Araujo

A Responsabilidade Social Empresarial é definida pelo Instituto Ethos como uma forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com

o desenvolvimento

sustentável da

sociedade,

preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais (Ethos, 2011, p. v). Contudo, há hoje, segundo o Idec, quatro conceitos diferentes para a Responsabilidade Social Empresarial, o primeiro acredita que cumprir a legislação, pagar lucro e gerar impostos é o suficiente, a segunda agrega à questão da filantropia e caridade através de doações de cunho paliativo, por sua vez, a terceira visão entende que esta é uma forma de aumentar o valor agregado ao produto, utilizando-se do markenting e propaganda como forma de aumentar seus lucros através da venda de uma imagem de empresa filantrópica. Por último, o quarto entendimento, que se pode colocar como o modelo ideal, é o que acredita na função social da empresa, integrando os valores éticos e sustentáveis necessário à ações que de fato melhorem a condição de vida na Terra (Charoux, 2007, p. 13). Este conceito de RSE, no qual a definição do Instituto Ethos se insere, é o mais recente de todos e ainda não foi padronizado mundialmente. O que há, atualmente, é uma série de experimentações na busca da construção de um modelo de Responsabilidade Social da Empresa, um processo tortuoso, pois depende de uma complexidade de fatores envolvendo acionistas, empresários, empregados, sociedade, população beneficiada, políticas públicos e incentivos governamentais. Kon, no artigo “Responsabilidade social das empresas como instrumento para o desenvolvimento: a função da política pública” amplia o conceito, o qual se considera o ideal, quando diz que:

Na nova perspectiva, está incorporada a busca pela inclusão social mais efetiva, bem como o amplo e universal respeito aos direitos humanos fundamentais, como o direito à alimentação adequada, à liberdade, à educação básica, à vida com dignidade, entre outros, conforme preconizado por Sen (1999), incluindo, ainda, a eliminação de formas de discriminação de gênero, racial, étnica e cultural. (Kon, 2013, p.51)

Ademais, no caso brasileiro, ainda é muito recente esse processo. Foi na década de 80, a partir do processo de democratização, que o olhar empresarial começou a se voltar pra as questões sociais. Até então, as mudanças históricas brasileiras eram permeadas por um não lugar das politicas publicas pelas empresas, função que pertencia as igrejas. Com o fim da Ditatura Militar, no dia 15 de março de 1985, no meio da “intensificação do processo tecnológico – acrescido do surgimento das sofisticadas tecnologias de informação, da eliminação das fronteiras dos Estados nacionais, da socialização dos valores liberais de mercado e da polarização nacional-global” (Rico, 2004, p. 74) – que levou ao processo de globalização econômica, o Brasil se deparava com uma nova realidade de mercado fundada no neoliberalismo. Como consequência do novo modelo econômico, o Estado perde lugar, se torna cada vez mais enxuto e, portanto, menos apto a garantir os direitos sociais básicos aos cidadãos, é a modelo político econômico que ficou conhecido Estado Mínimo. Junto a isso, há um histórico cultural empresarial brasileiro que não se relacionava com a filantropia e a assistência, o que vai vir a ser um grande empecilho e desafio para o setor, gerando um buraco nas politicas sociais, que não são supridas verdadeiramente por nenhum dos setores. Charoux, ao analisar Paoli, afirma que: O engajamento no âmbito social se dá como forma de adequação aos pressupostos da globalização. E, assim, os empresários que decidem o que, quando, onde, quanto, como e quem será beneficiado pelas suas ações sociais. Os trabalhadores também sofrem com contratos informais ou que de algum modo os excluam dos benefícios sociais garantidos até pouco tempo

atrás, tais como: aposentadoria, fundo de garantia por tempo de serviço e férias remuneradas. (Charoux, 2007, p. 20)

A Responsabilidade Social Empresarial surge, assim, para se contrapor ao modelo econômico vigente a partir do processo de globalização, ao passo em que é fruto dele, com a finalidade de diminuir os estragos causados pelo enfraquecimentos das políticas públicas devido a redução do papel do Estado na economia. Com a entrada na década de 1990, mudanças começam a ocorrer devido à percepção de que se mostrar uma empresa consciente, social e sustentável agrega valor ao produto final, sendo um mecanismo de fidelização de consumidores ao longo prazo. Destarte, as tecnologias desenvolvidas para as empresas passam a ser utilizadas para a produção, manutenção e avaliação dos projetos sociais, como, por exemplo, o modelo de gestão, planejamento estratégico, planejamento financeiro, estratégias de marketing e capacitação de recursos. O planejamento e a gestão dos projetos sociais alcança um novo patamar e começa a se modernizar, e o caráter assistencialista vai se desvencilhando do ideal de responsabilidade social da empresa. No Brasil, dois grandes marcos foram a criação dos Institutos Gife, em 1995, e Ethus, em 1998. A rede Gife assim formada, sem fins lucrativos, passou a reunir organizações de origem empresarial, familiar, independente e comunitária, que investem em projetos com finalidade pública, com a missão de aperfeiçoar e difundir conceitos e práticas do uso de recursos privados para o desenvolvimento do bem comum, contribuindo, assim, para a promoção do desenvolvimento sustentável do Brasil, por meio do fortalecimento políticoinstitucional e do apoio à atuação estratégica dos investidores sociais privados. Além disso, o Gife também organiza cursos, publicações, pesquisas, congressos, grupos de afinidade, painéis temáticos, debates e outros eventos (Gife, 2011, p. 8).

Por sua vez, o Instituto Ethos formou-se como uma organização sem fins lucrativos, caracterizada como organização da sociedade civil de interesse público, tendo como missão: “mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade justa e sustentável” (Ethos, 2011). Figure 1 Logo Instituto Gife

Figure 2 Logo Instituto Ethos

Ambos os institutos representam modelos, trazem diretrizes, incentivos e auxílio para que as empresas alcancem uma real responsabilidade social, isto é, que busquem um desenvolvimento ético e sustentável da sociedade e da empresa. Como relata Elizabeth Rico, no artigo “A Responsabilidade Social Empresarial e o Estado, uma aliança para o desenvolvimento sustentável”: Os dirigentes empresariais perceberam que é necessário fazer com que as pessoas gostem da empresa, se identifiquem com a sua marca e tenham prazer em trabalhar no seu negócio. Os profissionais mais qualificados e talentosos preferem trabalhar em empresas que respeitem os direitos, a segurança e a qualidade de vida de seus funcionários. (Rico, 2004, p. 74)

E para ultrapassar as medidas de doações e caridades esparsas focadas no markenting positivo que a ação traria e se elevar a um nível de empresa ética e sustentável foi fundamental a constituição de parcerias, isto é, “adotando um comportamento socialmente responsável, são poderosos agentes de mudança ao

assumirem parcerias com o Estado e a sociedade civil, na construção de um mundo economicamente próspero e socialmente justo” ( Rico, 2004, p. 73). Em relação ao Estado, as parcerias devem ser feiras com o intuito de efetivar as politicas publicas, é o caso, por exemplo, da parceria entre o Instituto Ethos e o programa Fome Zero, do governo federal, onde aquele desenvolveu manuais para nortear e informar empresários e professores, sendo eles: “Como as empresas podem apoiar e participar do combate à fome”; “Segurança alimentar: a contribuição das universidades”; e “O que as empresas podem fazer pela erradicação da pobreza”. No site do Instituto Ethos se encontram inúmeros exemplos desta parceria, de empresas que acreditam que a efetivação das políticas públicas, dentro do modelo econômico neoliberal atual, só é possível através da união entre o primeiro, segundo e terceiro setor. Outro ótimo projeto de cisão dos projetos sociais das empresas e do poder público é o “Conexões Sustentáveis: São Paulo-Amazônia” que busca mobilizar as cadeias de valor dos setores da pecuária, da madeira e da soja por meio de pactos setoriais para a preservação da Floresta Amazônica e de seus povos. Os documentos põem como obrigação dos signatários o financiamento, a distribuição e a comercialização de produtos com certificação (ou que estejam em processo de regularização) e provenientes de fornecedores que não façam parte da Lista Suja do Trabalho Escravo ou de áreas embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Que conta ainda com o comprometimento da Prefeitura de São Paulo que assinou um termo de compromisso de seguir critérios que ajudem a preservar a Amazônia para efetuar as compras públicas do município. Isto porque, a construção da sociedade democrática perpassa pela constituição de relações éticas e transparentes entre Estado, mercado e sociedade civil e pela presença e o lugar que ocupam as associações e corporações privadas. Ainda em relação à parceria público privada, Rico cita que Guimarães (1999) destaca que as parcerias são hoje compreendidas como fundamentais no enfrentamento da exclusão social, na medida em que possam agregar experiências inovadoras que sirvam de referência para a elaboração

das políticas sociais. Acrescenta que, para o estabelecimento de parcerias, é fundamental a conservação da identidade dos parceiros. Cita, por exemplo, que a educação é um direito do cidadão para uma participação plena na vida em sociedade, mas é uma responsabilidade do Estado. A sociedade civil pode e deve colaborar com o Estado, a partir de suas experiências, introduzindo de forma negociada soluções para os problemas sociais. (Rico, 2004, p.790)

As empresas têm ultrapassado os limites do privado e avançado no espaço público para construir políticas sociais, em conjunto com governos e movimentos sociais populares. Mesmo que sejam produzidas por um ambiente restrito de empresários, essas políticas têm assumido fortes conexões de negociação da ação coletiva. Porém, não se deve olvidar que as empresas são movidas por interesses privados, logo, não é o bem social que move as ações de Responsabilidade Social Empresarial. Contudo, devido a incapacidade estatal de suprir as necessidades básicas e os direitos fundamentais da população, é imprescindível

que a agenda politica

brasileira traga a parceria entre o Estado, a sociedade civil e as empresas, a fim de direcionar as ações destes dois últimos às demandas trazidas pelo primeiro. É o que afirma Schmidt, no artigo “Responsabilidade Social Empresarial: Concretização, Dilemas e Possibilidades”, ao relatar que há o interesse na consolidação do Projeto de Responsabilidade Social Empresarial na realidade brasileira tanto pelo Estado quanto pelos empresários. Para o Estado, sendo sua ideologia hegemônica atual o neoliberalismo, é relevante a parceria adotada com o setor privado para a intervenção na área social, visto que esse fato contribui para a redução das funções estatais nessa área e atribui ao mercado a excelência na prestação de serviços. (Shmidt, 2007)

No caso específico do Brasil, a capacidade de recursos materiais e administrativos do Estado brasileiro tem se mostrado insuficiente para a formação da infraestrutura que permita o acesso livre dos indivíduos a este tipo de formação, representada por investimentos em educação, bibliotecas públicas, programas de apoio à aquisição de livros, equipamentos e outros materiais de informática, tanto por órgãos públicos de ensino quanto por indivíduos em formação (Veloso Filho e Nogueira, 2006; Brasil, 2000; 2004).

Desta feita, diante das implicações que a questão social tem colocado ao Estado, ao mercado e à sociedade civil, entende-se que, embora contraditórios (pois o empresariado possui seus próprios interesses, tais como vantagem competitiva, visibilidade nos negócios e divulgação de imagem), os investimentos sociais empresariais revelam um compromisso público do empresariado no enfrentamento das desigualdades sociais, buscando colaborar com o desenvolvimento social sustentável. Sem esquecer que, para o mercado é conveniente utilizar o discurso da esfera pública para fazer valer seus objetivos particulares, consequentemente, é preciso fomentar e apoiar as parcerias publico-privadas em face do sucateamento da máquina pública a fim de garantir a melhoria continua da qualidade de vida e de oportunidades para a população, mas, concomitantemente, não transmitir integralmente esses deveres governamentais ao empresariado, caso contrário, corre-se o risco de reduzir ainda mais as políticas sociais, em detrimento de uma visão que objetiva lucro e eficácia, acima de tudo.

Referências Bibliográficas CHAROUX, Adriana Guazzelli. Ação Social das Empresas, quem ganha com isso? São Paulo: Ed. Peiropolis, 2007. COSTA, Maria Alice Nunes. Fazer o bem compensa? Uma reflexão sobre a responsabilidade social empresarial. Disponível em: . Acesso em: 05/10/2015. KON,

Anita.

RESPONSABILIDADE

SOCIAL

DAS

EMPRESAS

COMO

INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO: A FUNÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA.

Disponível

. 05/10/2015.

em: Acesso

em:

RICO, Elisabeth. A Responsabilidade Social Empresarial e o Estado, uma aliança para

o

desenvolvimento

sustentável

Disponível

em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000400009. Acesso em: 05/10/2015. VOLTOLINI Ricardo. Investimento social privado: atuação em redes de bom senso. Disponível em: . Acesso em: 05/10/2015. SHIMDT, Janaina. Suguihiro, Vera Lucia. Responsabilidade Social Empresarial: Concretização, Dilemas e Possibilidades. Disponível em: . Acesso em: 05/10/2015. ___________. Instituto Ethos. Disponível em: http://www3.ethos.org.br/conteudo/sobreo-instituto/missao/. Acesso em: 05/10/2015.

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