A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

Share Embed


Descrição do Produto

Pedro Gonçalves Marques (2014107393)

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

Trabalho comum aos três seminários do primeiro semestre do Mestrado de Relações Internacionais

Palavras: 3204

Coimbra, 2015

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

RESUMO A tentativa da União Europeia de estabilizar a República Centro Africana, apresentase como um sucesso, contudo pode incorrer no erro de seguir o caminho das intervenções anteriores, despreocupando-se com a resolução total das causas profundas do conflito. Com a utilização de uma abordagem metodológica indutiva, pelo método do estudo de caso e através do modelo conceptual do estudo de conflitos africanos de Siegle (2011) e Bernardino (2013), o trabalho tem como objetivo criticar o contributo neoliberal da intervenção militar da UE na estabilização do conflito na República Centro Africana. O contributo europeu dentro do seu mandato, a intervenção militar da UE, materializada pela European Force, garantiu a segurança necessária e atuou tendo em conta as causas profundas do conflito da RCA, o que contribui para a estabilização do conflito. No entanto existem algumas melhorias necessárias para estabilizar o conflito a longo prazo e em todo o país. A resposta militar europeia no setor de segurança deve expandir para todo o país, estabilizando assim o conflito, de maneira personalizada e não padronizada tendo em conta a profundidade das cicatrizes da conflitualidade.

Palavras-chave: Causas profundas, Estabilização, Intervenção militar, República Centro Africana, União Europeia

ii

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

ABSTRACT The attempt by the European Union to stabilize the Central African Republic is presented as a success, but it can incur on the common error of the previous interventions: it forgot the resolution of the all rootcauses of the conflict. With the use of an inductive methodological approach, by the case study method and through the conceptual model in study of the African’s conflicts of Siegle (2011) and Bernardino (2013), this study aims to criticize the neoliberal contribution of the European Union’s military intervention on the stabilization of the Central African Republic’ conflict. The European contribution within it mandate, the military intervention of European Force, provide the necessary security and performed according with the root causes of the conflict, which contributes to the stabilization of the country. However, there are some improvements needed to stabilize the country, thus stabilizing the conflict, in a personalized manner and not standardized given the depth of the scars of conflict.

Keywords: Central African Republic, European Union, Military Intervention, Rootcauses, Stabilization

iii

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

LISTA DE SIGLAS DDR – Desarmamento, Desmobilização e Reintegração EEAS – European External Action Service EUFOR – Força da União Europeia (European Union Force) ICG – International Crisis Group MINUSCA – United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in the Central African Republic OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (Organisation for Economic Co-Operation and Development) ONU – Organização das Nações Unidas RCA – República Centro Africana RSS – Reforma do Setor de Segurança UE – União Europeia

iv

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

LISTA DE QUADROS E FIGURAS Figura nº 1 - Número de incidentes e baixas reportadas, adaptado de Raleigh et al. (2013-2014) ......................................................................................................... x Figura nº 2 - Refúgiados e Deslocados internos na RCA, adaptado de ONU (20132015) .................................................................................................................... 9 Figura nº 3 - Mapa da violência étnica (Arieff, 2014: 2) ....................................... An-1 Quadro n.º 1 - Intervenção militar da UE nas causas profundas ............................... 10

v

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

SUMÁRIO RESUMO.................................................................................................................... ii ABSTRACT .............................................................................................................. iii LISTA DE SIGLAS ...................................................................................................iv LISTA DE QUADROS E FIGURAS ........................................................................ v SUMÁRIO ..................................................................................................................vi INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 1 1. TEORIA CRÍTICA E A ESTABILIZAÇÃO DO CONFLITO ......................... 4 2. REVISÃO DA LITERATURA ............................................................................. 6 1.1. Causas profundas ............................................................................................... 6 1.2. Intervenção militar na segurança ....................................................................... 7 4. ESTABILIZAÇÃO DO CONFLITO ................................................................... 8 4.1. Garantir segurança ............................................................................................. 8 4.2. Intervir nas causas ........................................................................................... 10 4.3. Atuação da EUFOR-RCA ............................................................................... 11 5. CONCLUSÕES..................................................................................................... 12 5.1. Contributo ........................................................................................................ 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 14 ANEXO A – MAPA DA VIOLÊNCIA ÉTNICA ............................................. An-1

Trabalho redigido de acordo com as Regras de Formatação de Teses de Doutoramento e Dissertações de Mestrado (Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, janeiro de 2014), com o sistema de referenciação de Harvard e com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Diário da República – Série I – A, n.º 193, 23 de agosto de 1991).

vi

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

INTRODUÇÃO Com o reacendimento da violência no final de 2013 a comunidade internacional intensificou a resposta à crise na República Centro Africana (RCA), onde a União Europeia (UE) contribuiu para estabilizar o conflito que deteriora a segurança da região da África Subsariana (Reeve, 2013; Arieff, 2014). O trabalho analisa a atuação da intervenção militar da UE em apoio à missão humanitária1 da Organização das Nações Unidas (ONU) no conflito interno da RCA, e argumenta que, a UE garantiu a segurança necessária e atuou adequadamente para a estabilização do conflito. Escalpeliza, ainda, as causas profundas do conflito e determina o restabelecimento da segurança na capital do país (Banghi). Com isto questionamos: Em que medida a intervenção militar da UE garantiu a segurança e teve em conta as causas profundas do conflito na RCA? Para responder à pergunta, baseámo-nos na análise documental em fontes primárias e secundárias compreendidas entre 2013 e 2014, abordando a atuação da componente militar da UE – European Force (EUFOR) RCA. Existe grande quantidade de informação referente à segurança no território e às causas do conflito, no entanto são escassas as obras referentes à atuação desta força. Autores como Reeve (2013), Smith (2014) e Arieff (2014) tiveram peso no levantamento das causas do conflito. Para a atuação da intervenção militar os relatórios da International Crisis Group [ICG] (2013, 2014a) e de Lesueur e Vircoulon (2014) foram essências para 1

A 10 de abril de 2013, o Conselho de Segurança da ONU, estabeleceu a United Nations Multidimensional Integrated Stabilization Mission in the Central African Republic (MINUSCA), com missão de treinar as forças nativas, controlar a situação dos refugiados e restabelecer a segurança. A EUFOR-RCA, principal doador de segurança, apoiando a missão da ONU em conjunto com a União Africana e a operação francesa Sagaris (Bögel, 2014). 2

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

determinar se tinham em conta as causas. No caso dos dados presentes em Raleigh et al. (2013-2015) e ONU (2013-2014) foram relevantes para a segurança. Por fim, Herbert et al. (2013) e Smith (2014) acrescentam a importância da projeção da EUFOR-RCA para além da capital. No levantamento das causas a maioria das fontes convergem em sintonia para uma orientação neoliberal, dando importância à falta de cooperação, ao governo ilegítimo e ao peso dos atores internacionais. Já Herbert et al. (2013) e Smith (2014), alertam para preocupações sociais e diferenças centro-periferia, de cariz crítico, indo em contra às restantes fontes que se baseiam nas diretivas internacionais. Apesar dos estudos sobre este conflito e sobre as suas causas de raiz, não existe uma análise destas aplicadas na atuação da intervenção militar europeia. O que por um lado eleva uma análise histórica, de acordo com Cox (1981), também alerta para uma aproximação alternativa à resposta neoliberal da UE ao conflito, tal como defende Richmond (2010), Pureza (2011) e Pogodda et al. (2014), de maneira a cessar a violência e assimetrias ainda existentes. Assim, o nosso trabalho analisa numa perspetiva crítica inovadora a atuação da EUFOR-RCA. Seguimos uma abordagem metodológica indutiva, utilizando o método do estudo de caso e baseamo-nos no modelo conceptual de Siegle (2011) e Bernardino (2013), que defende na estabilização dos conflitos africanos a resposta internacional deve ter em conta as causas profundas. Ao longo do trabalho foram utilizados conceitos de estabilização, intervenção militar, segurança e causas profundas. O conceito principal utilizado compreende a

3

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

finalidade da missão internacional, ou seja, visa responder ao ambiente conflituoso do estado falhado2 na RCA. Entende-se por estabilização: process involving coercive force in concert with reconstruction and development assistance during or in the immediate aftermath of a violent conflict in order to prevent the continuation or recurrence of conflict and destabilizing lever of nonconflict violence (Zyck et al., 2014: 19).

Este conceito acrescenta o parâmetro de evitar destabilizar zonas pacíficas relativamente ao da ONU (2004), que limita-se ao contributo das forças coercivas, e ao da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico [OCDE] (2005), que defende a aplicação antes, durante e após o conflito. As causas profundas do conflito mostram como o estado falhou (Rotberg, 2004; OCDE, 2005; Siegle, 2011), sendo o conceito, o que induz ao conflito e indica as reivindicações básicas humanas e anseios coletivos das partes (Doucey, 2011: 1). Simultaneamente à resolução das causas torna-se essencial o restabelecimento da segurança no território, segundo Tomé (2010: 40), segurança expressa: a proteção e a promoção de valores e interesses considerados vitais para a sobrevivência política e o bem-estar da comunidade, estando tanto mais salvaguardada quanto mais perto se estiver da ausência de preocupações militares, políticas e económicas.

Onde inicialmente, segundo Instituto de Defesa Nacional (1979: 8), a preocupação essencial era proteção contra ameaças do estado, esta evolui para segurança humana em todo tipo de situações pela ONU (2013-2015: 3), culminando com a definição acima, apresentando-se mais abrangente que as anteriores. O conceito responsável pela articulação e execução dos restantes – a intervenção militar, consiste em “one instrument in a broader spectrum of tools designed to prevent conflicts and humanitarian emergencies from arising, intensifying, spreading, persisting or recurring” (International Commission on Intervention and 2

As estruturas governamentais não conseguem controlar partes do seu território, garantir segurança ou serviços essenciais à maioria da população (Rotberg, 2004: 5). 4

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

State Sovereignty, 2001: 39). Este conceito apresenta-se com uma aplicação mais ampla do que OCDE (2008), concentrado somente na ajuda humanitária e Department of Defense (2010), conscrito apenas ao pós-conflito. Partindo do pressuposto que para estabilizar um conflito deve-se garantir a segurança e resolver as suas causas profundas, identificámos como hipótese: Se a intervenção militar da UE garante a segurança necessária e atua tendo em conta as causas profundas do conflito da RCA, então contribui para a estabilização do conflito. O nosso caminho estrutura-se primeiramente na revisão da literatura referente aos conceitos e quadro teórico adotado. Posteriormente é feita a análise da estabilização na RCA e por fim, terminamos com a resposta à problemática e conclusões.

1. TEORIA CRÍTICA E A ESTABILIZAÇÃO DO CONFLITO O quadro teórico adotado baseia-se na teoria crítica, que é marcada por uma crítica contundente à conceção da realidade. Baseamo-nos em Cox (1981), que defendem o aumento de campos na análise das Relações Internacionais, para solucionar entraves e desequilíbrios provocados pela dominação existente, e ir às causas de raiz dos problemas em vez do clássico neoliberal problem-solving. Tratando-se “de uma multiplicidade de abordagens que desvelem todas as violências caladas pelos consensos conceptuais” (Pureza, 2011: 20). De acordo com Galtung (2003) o estudo crítico da paz compara sistematicamente a realidade empírica com as medidas implementadas, tentando alterar a resposta tendo em conta a concordância na emancipação da população. A nossa narrativa assenta na crítica à corrente principal no estudo das intervenções em conflitos, marcada

5

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

conceptualmente pela paz liberal3, onde a resposta internacional impõe uma solução espelhada no estado ocidental, que apenas atrai os interesses predatórios das elites africanas explorando os desfavorecidos (Carter, 2013; Richmond, 2013). Na senda de Pogodda et al. (2014: 3) a intervenção da UE “tend to focus on governance reforms of political and economic frameworks, instead of interfering in the geopolitical context or the underlying power asymmetries that fuel conflict”, esquecendo-se das causas profundas e dinâmicas do conflito. Traduzindo-se assim, numa ineficaz e desguarnecida estabilização, dando prioridade às normas e organizações internacionais, em vez do contexto e da emancipação social, que apesar de melhorar as condições económicas não cessa a violência (Richmond, 2010, 2013). A intervenção militar no setor de segurança deve preocupar-se com uma grounded versions of security, implicit in the human security [...] ties into local expectations of security which engages with military, welfare, identity, and rights issues, rather than just hard security regional or state level (Richmond, 2013: 31).

Estabelecendo uma segurança funcional preocupada com a construção da capacidade das estruturas base do estado4, suficientemente sensíveis às necessidades e identidades locais (Pogodda et al., 2014: 11-13). O que conseguirá assim, garantir a possibilidade de estabilizar o conflito pela resolução das rootcauses e pela preocupação da segurança concentrada na condição humana e na sua respetiva emancipação, diminuindo os interesses dos Estados – centro, em prol da periferia e dos desfavorecidos (Pureza, 2011; Richmond 2013).

3

Compreende “the assumption that the surest foundation for peace is market democracy, that is, a liberal domestic polity and a market-oriented economy. [...] [P]acification through political and economic liberalization” (Paris, 1997: 56 apud Carter, 2013: 7). 4

Deve evitar estruturas verticais elitistas e aplicar uma paz criativa legítima (Galtung, 2003: 265). 6

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

2. REVISÃO DA LITERATURA 1.1. Causas profundas A evolução conceptual da conflitualidade trouxe visões concordantes nas causas profundas dos conflitos, nomeadamente ONU (2004), OCDE (2005) e Bernardino (2013), este conceito articula-se na dimensão externa e na interna, e segundo Oyeniyi (2011: 3-4), tem como indicadores: permeabilidade das fronteiras, violência étnica, efeito da ação militar, efeito das políticas internacionais, efeito das políticas internas e fraco desenvolvimento económico. Antecedentes marcados por diferenças religiosas (muçulmanos-cristão), agravados pela violência dos Séléka e anti-Balaka5 (Schneider, 2013; Agger, 2014). Numa aproximação regional é crucial considerar a fronteira altamente porosa, cruzada por milícias e mercenários, provenientes de países destabilizados, e por caçadores furtivos (a norte) (Arnaud e Vircoulon, 2014; Arieff, 2014; ICG, 2014a). Mais, as ações desestabilizadoras dos atores regionais (Chade e de empresas privadas) para obter privilégios na exploração dos recursos (Agger, 2014; ICG, 2013). Ao nível militar, as forças armadas sofreram várias rebeliões internas, destabilizadas pelos comandos regionais (Reeve, 2013: 3). Agravado pela falta de observadores e formadores internacionais para a reconstrução do Exército (ICG, 2014a). Também, fora da capital as milícias controlam o território, facto que demonstra a dificuldade na reintegração de ex-combatentes (Arnaud e Vircoulon, 2014; Smith, 2014).

5

Os Séléka (fação muçulmana), último grupo no poder da RCA (onde 15% são muçulmanos e 85% são cristãos e outros), provocaram ataques sistemáticos às comunidades cristãs. Como resposta criaram-se milícias de defesa anti-Balaka para ripostar aos massacres (Arieff, 2014). Esta violência expressa-se no Anexo A – Mapa da violência étnica. 7

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

A luta do poder e má governação provocadas por dinâmicas internas, baseadas no acesso exclusivo de famílias e por comandos militares e pela ilegitimidade dos golpes de estado refletem o estado das políticas internas (Reeve, 2013; Herbert et al., 2013; ICG, 2014a). Por fim, o fraco desenvolvimento económico foi provocado pela exploração ilegal

dos recursos naturais, pelas inexistentes infraestruturas

(Abderrahmane, 2014; Arieff, 2014) e pela prioridade dada apenas à capital provocando graves desigualdades sociais (Bögel, 2014; Reeve, 2013; ICG, 2014a). 1.2. Intervenção militar na segurança O sucesso da resposta internacional consegue-se ao alcançar os objetivos da estabilização6. A intervenção militar tem uma dimensão política, militar/segurança, socioeconómico e psicossocial (ONU, 2005), cujos indicadores são: “establish civil security, establish civil control, restore essential services, support governance, support economic and infrastructure development” (United States Army, 2008: 319), para a segurança apenas interessam os primeiros dois. No caso da atuação da EUFOR-RCA, para estabelecer um ambiente seguro, inicialmente impõem-se medidas coercivas (Reeve, 2013; Lesueur and Vircoulon, 2014), de seguida, deve existir a coordenação entre atores (União Africana, UE, França e ONU), facilitada pelo processo de paz regional (Sudão e Chade) (Agger, 2014; Abderrahmane, 2014). Também, Schneider (2013) e ICG (2014) recomendam a alteração do mandato da EUFOR-RCA (quantidade e tipologia).

6

Segundo S/RES 2127 (2013) são: "proteção de civis e restabelecer da segurança e ordem pública, através do uso de medidas apropriadas; estabilizar o país e restaurar a autoridade de estado sobre todo o território; criar condições favoráveis para garantir a assistência humanitária à população necessitada; executar o processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR); esforços nacionais e internacionais na Reforma do Setor de Segurança (RSS) ”. 8

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

Quanto à implementação da segurança pública é imprescindível que abranja todo o território (Schneider, 2013; Herbert, et al., 2013) e que garanta segurança e apoio à ajuda humanitária (ICG, 2014a). Ao mesmo tempo, executando corretamente o DDR de ex-combatente e a RSS (Agger, 2014; Lesueur and Vircoulon, 2014). Foi a EUFOR-RCA que teve a responsabilidade7 primária de atuar na segurança para alcançar os objetivos da estabilização. Tal como a intervenção, a segurança possui as mesmas dimensões, no entanto os seus indicadores são: discursos políticos, comunicados e relatórios oficiais; número de incidentes8; número de baixas; número de refugiados e deslocados; ações militares executadas; e perceção da população.

4. ESTABILIZAÇÃO DO CONFLITO 4.1. Garantir segurança A essência da atuação da componente militar reside no seu mandato, no caso da EUFOR-RCA apoiando de forma temporária9 a MINUSCA, tendo em vista a passagem de responsabilidade da segurança, compreende: segurança em Bangui e garantir assistência humanitária. Em adição, no caso da quantidade de pessoal da EUFOR-RCA constitui-se em 14% (1600 militares) num total de 11800 militares da MINUSCA (Conselho Europeu, 2014). A segurança no território expressa-se quantitativamente no seguinte quadro:

7

Mandato: “provide temporary support in achieving a safe and secure environment in the Bangui area, with a view to handing over to a [ONU] peacekeeping operation or to African partners. The force will thereby contribute both to international efforts to protect the populations most at risk and to the creation of the conditions for providing humanitarian aid” (Conselho Europeu, 2014). 8

Os incidentes materializam-se em: “battles, riots, violence against civilians, [and] remote violence” (Raleigh et al., 2010) 9

De acordo com S/RES 2181 (2014) mantêm a sua presença até maio de 2015. 9

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

Figura nº 1 - Número de incidentes e baixas reportadas, adaptado de Raleigh et al. (2013-2015)

Como podemos observar, foi por motivos extremos – violência contra civis – que as forças internacionais interviram no território, em que deste que a EUFOR-RCA iniciou a operação, foi possível diminuir nitidamente o número de incidentes, cerca de 80%, e o número de baixas, cerca de 93%, até ao final de 2014. No entanto não erradicou totalmente a violência, o que poderá indicar que o conflito continuará. A gerência da questão dos deslocados internos e refúgiados fora do país, depende muito da EUFOR-RCA Desta forma, pode-se constar pelos dados presentes no Human Development Report (ONU, 2013-2015), que após início da missão, houve uma diminuição no número de deslocados no país em 88% e deslocados na capital em 53%, no entanto aumentou o número de refúdiagos em 87%. 2000000 1500000

Deslocados 1000000

Deslocados (Bangui) Refugiados

500000 0 jan-13

jul-13

jan-14

jul-14

jan-15

Figura nº 2 - Refúgiados e Deslocados internos na RCA, adaptado de ONU (2013-2015)

10

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

Por outro lado, garantir segurança num sentido qualitativo, de acordo com a European External Action Service (2014), a EUFOR-RCA garantiu proteção da população e a assistência humanitária às vítimas da violência em Bangui, com esforço adicional na projeção aérea de apoio humanitário no país. Também, restabeleceu a segurança e a lei, estabeleceu o sistema de justiça e promoveu o diálogo entre comunidades na capital. No entanto, o relatório da ICG (2014b) destaca o facto do acordo de cessar-fogo ainda não ter sido totalmente implementado, devido aos esporádicos combates. Juntamente, a presidente interina Samba-Panza (2014) alegou lacunas no programa de DDR, não incluindo todos os combatente Séléka e anti-Balaka e na dificuldade de atenuar o sentimento antimuçulmano presente no país. 4.2. Intervir nas causas Pela análise dos dados citados no Capítulo 2 e pelas fontes primárias ciadas anteriormente, determinamos se a intervenção da UE teve em conta as rootcauses: Intervenção UE

Segurança na capital

Assistência humanitária

Resolve

Causas profundas

Não

Permeabilidade das fronteiras

Sim

Violência étnica

Sim

Efeito da ação militar

Não

Efeito das políticas internacionais

Sim

Efeito das políticas internas

Suficiente

Fraco desenvolvimento económico

Quadro n.º 1 - Intervenção militar da UE nas causas profundas

Ao observarmos a tabela determinamos que esta intervenção foi suficiente, pois dentro do seu mandato garantiu resposta à maioria das causas profundas do conflito, tanto na melhoria da governação interna, no desenvolvimento económico das estruturas do estado, como na diminuição da ação de guerrilha Séléka e anti-Balaka. 11

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

Contudo, segundo Herbert, et al. (2013), Reeve (2013) e ICG (2014a), existem internamente casos desestabilizadores, tanto no acesso ao poder por elites como na separação entre político-militar. As dinâmicas internas devem progredir no sentido centro-periferia, preocupando-se em erradicar a corrupção, a exploração ilegal de recursos e o sentimento antiético. Nos casos acima em que não tem em conta, deve-se ao facto de a intervenção concentrar-se apenas na capital e não resolve na totalidade do país (Samba-Panza, 2014; ICG, 2014b). Uma projeção de força com estes contornos não consegue monitorizar ou controlar as fronteiras e possui pouco poder de mediação e persuasão nas políticas de atores externos, o que pode incorrer no erro das últimas décadas, numa desajustada resposta aos problemas (Bögel, 2014; ICG, 2014a). 4.3. Atuação da EUFOR-RCA O contributo europeu tanto na segurança como na assistência humanitária foi positivo, pelos resultados presentes em European External Action Service (2014). Sendo positivos somente na capital, torna-se insuficiente para estabilizar toda a RCA sendo esta a principal força coerciva internacional. Desta forma, existe a necessidade de intervir para além da capital como defendido por Reeve (2013), Herbert et al. (2013) e Smith (2014). Apesar de identificarmos aspetos a melhorar na intervenção, foi possível determinar que a EUFOR-RCA garantiu a segurança necessária para a estabilização, através do restabelecimento da segurança da população, do início do processo de transição da responsabilidade no setor de segurança, pela gestão dos deslocados internos e pela reposição dos serviços essenciais.

12

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

Simultaneamente houve uma intervenção preocupada com a resolução das causas de raiz, preocupada com a violência entre étnicas, com a melhoria das condições de governação e com a monitorização e controlo das milícias do país. Porém não responde a todas, pois a resposta internacional deve ter em conta um empreendimento a longo prazo (ONU, 2004), interferindo no contexto geopolítico regional e nas assimetrias de poder (Pogodda et al., 2014), para desenvolver uma emancipação social (Richmond, 2010, 2013). Reconhecemos que os resultados obtidos foram limitados pela falta de trabalho de campo (observação, entrevistas), no entanto, ao trazermos a nossa hipótese à coação, acrescentando a preocupação: com a inclusão da intervenção a todos os grupos sociais (Cox, 1981); com a intervenção no centro e na periferia (Richmond, 2010); com a construção do estado sensível às necessidades e identidades locais (Pogodda et al., 2014); e com os resultados apresentados anteriormente, conseguimos confirmar a hipótese do trabalho, demonstrando que a intervenção militar europeia contribuiu para a estabilização do conflito.

5. CONCLUSÕES Não existem opções fáceis para um país sem litoral, subdesenvolvido e cronicamente instável como a RCA. Ao seguir a atuação neoliberal das intervenções anteriores, a resposta internacional corre o risco de falhar, não restabelecendo totalmente a segurança no estado e assim, não impedindo a propagação da crise na região. Vimos que o papel da UE foi suficiente pois, contribui para a estabilização de conflito através da reposição da segurança necessária e pela atuação da intervenção militar tendo em conta a resolução das causas profundas deste conflito. Porém, reiteramos

13

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

que a intervenção militar da UE terá um contributo altamente relevante se alterar o mandato, expandindo para a periferia, tendo em conta as expectativas locais e as diferenças sociais, de maneira a garantir a segurança e satisfazer as causas totalmente e evitando uma abordagem tipicamente hegemónica baseada no estado neoliberal. Validada a hipótese, respondemos à questão central: “Em que medida a intervenção militar da UE garantiu a segurança e teve em conta as causas profundas do conflito na RCA?”, com o facto de que a intervenção militar da UE, materializada pela EUFOR-RCA, garantiu a segurança necessária e atuou tendo em conta as causas profundas do conflito da RCA, então contribuiu para a estabilização do conflito. 5.1. Contributo De uma forma crítica, demonstrámos que a intervenção militar europeia contribui para a estabilização do conflito, aumentando a segurança e resolvendo as cicatrizes do conflito. Contudo, a resposta da UE de maneira a estabilizar a longo prazo a RCA deve ter em conta: a adequação do mandato às causas e dimensão do conflito, e maior integração e coordenação dos atores; o estabelecimento da segurança através do controlo pela população nativa, melhorando o processo de RSS e DDR, e apoiar o governo; e restabelecer os serviços essências e desenvolver economicamente todo o país.

14

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abderrahmane, Abdelkader (13 de fevereiro de 2014) Françafrique and Africa’s security. Acesso em 4 de outubro de

2014, disponível em openDemocracy:

http://www.opendemocracy.net/opensecurity/abdelkaderabderrahmane/fran%C3%A7afrique-and-africa%E2%80%99s-security. Agger, Kasper (1 de maior de 2014) Drivers of Violence in the Central African Republic. Acesso em 2 de outubro de 2014, disponível em: Enough Project: http://enoughproject.org/reports/behind-headlines-drivers-violence-centralafrican-republic. Arieff, Alexis (2014) "Crisis in the Central African Republic" Congressional Research Service. Washington, DC: 27 de janeiro, United States Congress. Arnaud, Charlotte and Vircoulon, Thierry (19 de maio de 2014) Central African Republic: the flawed international response. Acesso em 12 de outubro de 2014, disponível em: openDemocracy: https://www.opendemocracy.net/opensecurity/thierry-vircoulon-charlottearnaud/central-african-republic-flawed-international-respon. Bernardino, Luís (2013) "A Gestão de Conflitos e a conflitualidade em África uma problemática atemporal" Sol Nascente. Huambo: agosto, Centro de Investigação sobre Ética Aplicada. 4, 163-212. Bögel, Johana (2014) "The EU’s Response to the Darfur Crisis. Explaining the Emergence of EUFOR Tchad/RCA from a Multiple-Streams-Perspective" IReflect – Student Journal of International Relations. Berlim: julho, IB an der Spree. 1(1), 7-26. 15

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

Carter, W. (2013) "War, Peace and Stabilisation: Critically Reconceptualising Stability in Southern Afghanistan" International Journal of Security & Development. Londres: Ubiquity Press, 11 de julho. 2(15), 1-20. Conselho Europeu (2014) "EU military operation in the Central African Republic launched" PRESSE 149. Bruxelas: 1 abril, 7672/14. Cox, Robert (1981) "Social Forces, States and World Orders: Beyond International Relations Theory" Millennium: Journal of International Studies. Londres: SAGE Publications. 10(2), 126-155. Department of Defense (2010) Dictionary of Military and Associated Terms. Washington, DC: Standardization of Military and Associated Terminology. Doucey, Marie (2011) "Understanding the root causes do conflicts: why it matters for international crisis management" International Affairs Review. Washington, DC: The George Washington University. XX, Nº 2. European External Action Service (17 de setembro de 2014) The EU engagement in the Central African Republic. Acesso em 9 de outubro de 2014, disponível em: EEAS; http://eeas.europa.eu/statements/docs/2014/140722_01_en.pdf. Galtung, Johan (2003) Peace by Peaceful Means: Peace and Conflict, Development and Civilization. Oslo: SAGE Publications, International Peace Research Institute. Herbert, Siân; Dukhan, Nathalia; Debos, Marielle (2013) State fragility in the Central African Republic: What prompted the 2013 coup?. Birmingham: University of Birmingham, Governance Social Development Humanitarian Conflict.

16

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

ICISS (2001) The Responsibility to Protect. Ottawa: International Development Research Centre. ICG (2013) "Central African Republic: Better Late Than Never" Africa Briefing. Bruxelas: 3 de dezembro, N°96. ICG (2014a) "The Central African Crisis: From Predation to Stabilisation" Africa Report. Bruxelas: 17 de junho, N°219. ICG (1 de setembro de 2014b) CrisisWatch, Acesso em 27 de setembro de 2014, disponível em, ICG: http://www.crisisgroup.org/~/media/Files/CrisisWatch/2014/cw134. Instituto de Defesa Nacional (1979) "Editorial" Nação e Defesa. Lisboa: dezembro, Nº12, Instituto de Defesa Nacional. Lesueur, Thibaud and Vircoulon, Thierry (1 de dezembro de 2013) "Africa's Crumbling Center" New York Times. Acesso em 1 outubro de 2014, disponível em, New York Times: http://www.nytimes.com/2013/12/02/opinion/africascrumbling-center.html. Lesueur, Thibaud and Vircoulon, Thierry (25 de fevereiro de 2014) Central African Republic - Making the Mission Work. Acesso em 28 de setembro de 2014, disponível em, ICS: http://www.crisisgroup.org/en/regions/africa/central-africa/central-africanrepublic/op-eds/2014/vircoulon-lesueur-car-making-the-mission-work.aspx. ONU (2004) Expert Group Meeting on Conflict Prevention, Peacebuilding and Development. Nova York: United Nations Department of Economic and Social Affairs. 17

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

OCDE (2005) Preventing conflict and building peace: a manual of issues and entry points. Bruxelas: Development Assistance Committee Network on Conflict, Peace and Development Co-operation. ONU 2013-2015 "Human Development Report" Programa da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Nova York: Oxford University Press. OCDE (2008) "Concepts and Dilemmas of State Building in Fragile Situations: From Fragility to Resilience" Journal on Development. Bruxelas: Development Assistance Committee Network on Conflict, Peace and Development Cooperation. 9(3). Oyeniyi, Adeleye (28 de fevereiro de 2011) Conflict and Violence in Africa: Causes, Sources and Types. Acesso em 10 de outubro de 2014, disponível em, Transcend: https://www.transcend.org/tms/?p=10359. Pogodda, Sandra; Richmond, Oliver; Tocci, Nathalie; Mac Ginty, Roger; Vogel, Birte (2014) "Assessing the impact of EU governmentality in post-conflict countries: pacification or reconciliation?" European Security. Londres: 27 de janeiro, Routledge. 23(3), 227-249. Pureza, José Manuel (2011) "O desafio crítico dos estudos para a paz". Relações Internacionais. Lisboa: 15 de dezembro, Instituto Português de Relações Internacionais. Nº32, 5-22. Raleigh, Clionadh; Linke, Andrew; Håvard, Hegre; Karlsen, Joakim (2010) "Introducing ACLED-Armed Conflict Location and Event Data" Journal of Peace Research. Londres: SAGE Publication, setembro, 651-660.

18

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

Raleigh, Clionadh; Linke, Andrew; Håvard, Hegre; Karlsen, Joakim (2013-2014) Armed Conflict Location and Event Data Project. Texas: The Robert S. Strauss Center. Reeve, Richard (11 de dezembro de 2013) Building Sustainable Peace and Security in the Central African Republic. Acesso em 25 de setembro de 2014, disponível em, Oxford Research Group: http://www.oxfordresearchgroup.org.uk/publications/briefing_papers_and_reports /building_sustainable_peace_and_security_central_african_rep. Richmond, Oliver (2010) "Resistance and the Post-liberal Peace" Millennium: Journal of International Studies. Londres: 10 de maio, SAGE Publications. 38(3), 665–692. Richmond, Oliver (2013) "Failed Statebuilding Versus Peace Formation" Cooperation and Conflict. Manchester: setembro, Humanitarian and Conflict Response Institute. 3(48), 378-400. Rotberg, Robert (2004) "When States Fail: Causes and Consequences" Princeton University Press. Princeton: Princeton University. Samba-Panza, Catherine (29 de setembro de 2014) Central African Republic: The Third Government in Thirteen Months Gets Under Way. Acesso em 29 de setembro de 2014, disponível em, ICS: http://blog.crisisgroup.org/africa/2014/01/21/central-african-republic-the-thirdgovernment-in-thirteen-months-gets-under-way/. Schneider, Mark (17 de dezembro de 2013) Responding to the Crisis in the Central African Republic. Acesso em 29 de setembro de 2014, disponível em, ICS:

19

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

http://blog.crisisgroup.org/africa/2013/12/17/responding-to-the-crisis-in-thecentral-african-republic/. Siegle, Joseph (2011) "Stabilising Fragile States" Global Dialogue. Decatur: Global Dialogue. Smith, Ivonne (15 de janeiro de 2014) EU Troops Likely in Central African Republic, But Is it Too Little, Too Late?. Acesso em 4 de outubro de 2014, disponível em, The Global Observatory: http://theglobalobservatory.org/analysis/656-eu-troopsin-the-central-african-republic-too-little-too-late-.html. Tomé, Luís (1 de agosto de 2010) Segurança e complexo de segurança: conceitos operacionais. Acesso em 10 de janeiro de 2015, disponível em, Universidade Autónoma de Lisboa: http://janus.ual.pt/janus.net/pt/arquivo_pt/pt_vol1_n1/pt_vol1_n1_art3.html. United States Army (2008) Stability Operations. Washington, DC: Headquarters Department of the Army, FM 3-07. Zyck, S., Barakat, S. and Deely, S. (2014) "The Evolution of Stabilisation Concepts and Praxis", in Muggah, R. Stabilisation operations, security and development: states of fragility, Oxford: Routledge.

20

A resposta militar da União Europeia na estabilização da República Centro Africana

ANEXO A – MAPA DA VIOLÊNCIA ÉTNICA

Figura nº 3 - Mapa da violência étnica (Arieff, 2014: 2)

An-1

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.