A RETOMADA DOS CICLOS DE CONTENÇÃO MUNDIAL: DE SEATTLE AOS CASOS “OCCUPY WALL STREET” E “15-M”

June 15, 2017 | Autor: Thiago Alves | Categoria: Antiglobalization Social Movements
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais

Thiago Aragão Souza Alves

A RETOMADA DOS CICLOS DE CONTENÇÃO MUNDIAL: DE SEATTLE AOS CASOS “OCCUPY WALL STREET” E “15-M”

Orientador: Prof. Dr. Hugo Rogelio Suppo Coorientadora: Prof.ª Dr.ª Ana Paula Balthazar Tostes Rio de Janeiro 2015

RESUMO

ALVES, Thiago. A retomada dos ciclos de contenção mundial: de Seattle aos casos “Occupy Wall Street” e “15-M”. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. O objetivo dessa dissertação é identificar continuidades e inovações entre os movimentos sociais escolhidos. Para tanto, foi feita uma análise histórica comparativa do movimento antiglobalização com as atuais manifestações do Occupy e do 15-M. Considera-se que a identificação de similaridades, divergências e/ou convergências contribuirá para o aprofundamento da compreensão sobre mudanças e continuidades das demandas da própria sociedade civil. A pesquisa buscou analisar, a partir da especificidade de cada uma dessas mobilizações, como elas se desenvolveram e se ramificaram em movimentos de protestos nacionais e transnacionais, com alcance global. A hipótese principal, que busca responder às questões que motivaram a pesquisa, é que os atuais movimentos não são estritamente novos, ou seja, eles carregam na sua origem atributos oriundos do MAG, mas emergem com características distintas do seu predecessor – como a forma de ação coletiva, a utilização da internet para sua articulação, entre outras. Esses novos ativismos se diferenciam do MAG mais especificamente naquilo em que suas conexões se estabelecem entre as várias esferas de atuação, do local ao global, passando por todas as escalas intermediárias. Palavras-chave: MAG; Occupy, 15-M, mobilizações, protestos, neoliberalismo, globalização.

ABSTRACT

ALVES, Thiago. The resumption of global containment cycles: from Seattle to "Occupy Wall Street" and "15-M"cases. Dissertation (Master in International Relations) –Post-Graduate Program in International Affairs, State University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015. The purpose of this research is to identify continuities and innovations among the chosen social movements. Therefore, we made a comparative historical analysis of the antiglobalization movement with the current manifestations of Occupy and the 15-M. It is considered that the identification of similarities, differences and/or convergences contribute to deepening the understanding of changes and continuities of the demands of civil society itself. The research sought to analyze, from the specificity of each of these mobilizations, how they have developed and branched into movements of national and transnational protests, with global reach. The main hypothesis, which seeks to answer the questions that motivated the research, is that today's movements are not strictly new, that is, they carry on their origin attributes derived from the MAG, but emerge with distinct features of its predecessor - such as its collective action, using the internet for their articulation, among others. These new activism differ from the MAG more specifically in what their connections are established among the various spheres of activity, from local to global, passing through all the intermediate scales. Keywords: MAG; Occupy, 15-M, mobilizations, protests, neoliberalism, globalization.

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Quadro comparativo de movimentos sociais..........................................................19 Tabela 2 – Ranking das hashtags mais usadas em relação ao 15-M em 2011.......................................................................................................................................... 28 Tabela 3 – Quadro da pesquisa do Eurobarometerque mostra o nível de confiança da população europeia nos partidos políticos, nos governos e na internet....................................41 Tabela 4 – Quadro da pesquisa do CIS que mostra o nível de confiança da população espanhola nos partidos políticos...............................................................................................72 Tabela 5 – Ranking das hashtags mais usadas pelos usuários em relação ao escopo geográfico do 15-M....................................................................................................................................77

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Infográfico sobre os manifestantes do Occupy Wall Street.................................... 33 Figura 2 – Mapa que mostra a proliferação do movimento Occupy........................................ 37 Figura 3 – Mapa que mostra a proliferação do movimento 15-M........................................... 37 Figura 4 – Panfletos distribuídos para a convocação do protesto de 15 de Maio de 2011......75 Figura 5 – Gráfico com os temas mais mencionados no Twitter utilizando a hashtag #OWS....................................................................................................................................... 87

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

15-M – Movimento Indignados AGP – Ação Global dos Povos

AIG – American International Group

CIS – Centro de Investigações Sociológicas da Espanha

ECO-92 – 2° Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento FMI - Fundo Monetário Internacional FSM – Fóruns Sociais Mundiais G7 – Grupo dos Sete

G8 – Grupo dos Oito

GATT – General Agreement on Tariffs and Trade MAG – Movimento Antiglobalização

NAFTA – North American Free Trade Agreement OMC – Organização Mundial do Comércio

ONGs – Organizações Não-Governamentais ONU – Organização das Nações Unidas OWS - Occupy Wall Street PP – Partido Popular

PSOE – Partido Socialista Operário Espanhol TINA – There is no alternative

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9 CAPÍTULO 1. FACES DA MESMA REVOLTA? O MOVIMENTO ANTIGLOBALIZAÇÃO E OS NOVOS MOVIMENTOS OCCUPY WALL STREET E INDIGNADOS ........................................................................................................................ 14 1.1

Quadro comparativo das mobilizações em suas principais características ........ 16

1.1.1

A criação das oportunidades políticas ................................................................ 18

1.1.3

O local e o global ................................................................................................ 31

1.1.2 1.1.4 1.1.5

Estrutura de mobilização: organização e ação coletiva ...................................... 24

A utilização das mídias sociais e a formação de redes ....................................... 32 A criação do inimigo comum: o discurso apolítico ............................................ 36

1.2

Faces de uma mesma luta: a indignação 2.0 .......................................................... 39

2.1

O neoliberalismo, a globalização e a nova ordem internacional ......................... 41

2.3

O movimento antiglobalização ............................................................................... 48

CAPITULO 2. A NOVA ORDEM INTERNACIONAL E O MOVIMENTO ANTIGLOBALIZAÇÃO ....................................................................................................... 41 2.2 A descentralização do poder estatal e a nova dinâmica de forças: os movimentos sociais globais ...................................................................................................................... 45 2.3.1

O surgimento do MAG ....................................................................................... 51

CAPITULO 3. INDIGNADOS E OCCUPY: A RETOMADA DOS CICLOS DE CONTENÇÃO MUNDIAL .................................................................................................... 59 3.1

O surgimento do Movimento 15-M: a força da rua .............................................. 60

3.1.1

Um movimento jovem ........................................................................................ 65

3.1.3

Ocupando os espaços públicos ........................................................................... 71

3.1.2 3.1.4

3.2

A crítica ao político ............................................................................................ 68

Utilização das novas mídias e o papel da internet .............................................. 73

O movimento Occupy Wall Street ........................................................................... 75

3.2.1

O contexto do surgimento do Occupy ................................................................ 76

3.2.3

A composição do Occupy ................................................................................... 81

3.2.2 3.2.4 3.2.5

3.3

Os objetivos do movimento ................................................................................ 79

O uso das redes sociais e a ocupação dos espaços públicos ............................... 82

Um movimento político contra o político........................................................... 85

Um movimento político social x movimento econômico social ............................ 87

CONCLUSÃO......................................................................................................................... 91

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 95

ANEXO A ................................................................................................................................ 99

9

INTRODUÇÃO

A análise de mobilizações de grande repercussão internacional é de grande

importância para o campo das relações internacionais porque revisita a necessidade de se

olhar para o nível micro das relações de poder, ou seja, o nível do indivíduo e da sociedade

civil organizada. É importante compreendermos o papel desses atores no processo decisório mais amplo e quais as consequências de suas ações para o sistema internacional. Se,

anteriormente, o campo de relações internacionais buscava analisar as relações entre os Estados e seus jogos de poder e a busca pela manutenção desse poder, hoje, com as relações

mais dinâmicas e, de certo modo, mais voláteis, esse poder se torna efêmero e passa a ser

questionado não mais por outras nações, mas dentro do seio do próprio Estado. A emergência desses novos movimentos de contestação explica em grande medida essa necessidade de olhar

para dentro e a importância de estar atento às fronteiras territoriais nacionais que se tornaram

mais porosas. O controle do Estado está se tornando cada vez mais contestado – apesar de o Estado nacional ainda ser o principal ator no sistema internacional.

A proliferação de novos atores internacionais, no cenário pós guerra fria, em uma

arena antes dominada somente pelos Estados foi uma importante contribuição do movimento antiglobalização (MAG) para a sociedade internacional. A organização de cúpulas alternativas, como o Fórum Social Mundial e a organização de protestos em cada reunião das

principais instituições internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Grupo dos Oito (G8), foram exemplos importantes de resistência e escopo de ação de grupos da sociedade civil em relação ao modelo de Estado liberal. As recentes mobilizações Occupy Wall Street (conhecido apenas como Occupy ou OWS e os Indignados (também conhecido

como 15-M) marcaram o ressurgimento de manifestações globais e uma nova etapa do

ativismo dos movimentos sociais. Uma onda de insatisfação com políticas estatais se alastrou por diversos países do mundo, começando nos países árabes com a “Primavera Árabe”, e

reverberou na Espanha e nos Estados Unidos, onde as consequências negativas da crise financeira de 2008 viviam seu ápice. Essas manifestações reavivaram velhas reivindicações

abafadas pós-atentados de 11 de setembro, devido à mudança de foco para a chamada “Guerra ao Terror”. Esses dois movimentos reacenderam o debate sobre as injustiças geradas pelo modelo econômico neoliberal e a crise da democracia representativa com a descrença no sistema político em vários países.

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O atual cenário internacional exige uma visão mais profunda de fenômenos políticos

que entrelaçam os campos de interesse das relações internacionais, da sociologia e da ciência

política. Atualmente, mais do que em outras épocas, é difícil analisarmos o sistema internacional sem olharmos para dentro dos Estados, uma vez que é pouco provável que entendamos o cenário interno sem entender as modificações externas – e vice-versa. Com

efeito, são escassas no campo das relações internacionais no Brasil as produções acadêmicas

que dissertam sobre o papel do MAG e dos atores não-estatais e seus efeitos no sistema internacional. O estudo dessas mobilizações sociais é de suma importância para as relações internacionais no que tange compreender as dinâmicas de poder transnacionais que perpassam o poder tradicional do Estado e, em certa medida, interagem e disputam espaço com este poder.

A crise financeira internacional de 2008 tem sido apontada como fator deflagrador de

novas manifestações sociais nos segmentos mais vulneráveis da sociedade. A adoção de medidas de austeridade econômica pelos governantes dos principais países atingidos pela crise financeira internacional em detrimento do Estado de bem-estar gerou um sentimento de

indignação e injustiça que deram origem a importantes mobilizações como o Occupy, nos

Estados Unidos, e o 15-M, na Espanha. Seguindo o exemplo de outras manifestações que ocorriam em diferentes lugares, como no Egito e na Tunísia, espanhóis e norte-americanos

saíram às ruas e ocuparam praças públicas exigindo seus direitos e criticando o papel do

Estado. Nesse contexto de grandes mobilizações sociais em diferentes partes do mundo,

vimos retornar ao sistema internacional a formação de uma agenda crítica ao atual sistema político e econômico mundial, trazendo de volta velhas críticas ao modelo neoliberal já existentes em movimentos sociais anteriores, como o movimento antiglobalização que marcou

a década de 1990 e o início dos anos 2000, mas que estavam abafadas ao longo desses últimos anos.

É possível afirmar que esses novos modelos de protestos possuem características

diferentes dos movimentos antiglobalização? Se possuem, seria importante compreender

quais são as novas demandas e como mudou o desejo e a expectativa social em relação ao papel do Estado. Caso haja uma continuação, deveríamos perguntar por que tal intervalo, tão

longo tempo de silêncio sem manifestações ou movimentos de grande repercussão, cerca de

uma década desde o MAG. A identificação de continuidades e semelhanças deve servir para se aprofundar o conhecimento sobre modelos de manifestação, formas de organização e o

impacto das politicas publicas sobre diferentes capacidades de manifestação e oposição em contextos de semelhante insatisfação.

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Em uma análise histórica mais profunda, podemos perceber que as principais

demandas que estão em pauta atualmente já se encontravam presentes na agenda dos protestos antiglobalização, como por exemplo, na manifestação contra a Organização Mundial do

Comércio em Seattle, em 1999. Demandas por um sistema econômico e político mais justo estiveram presentes em diversas manifestações desde o final dos anos 80, como aquelas contra o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial em Berlim em 1988. Porém, essas

manifestações trazem uma novidade que carece maior investigação e compreensão: o seu “recolhimento” ao nível local. Os protestos antiglobalização passaram por um processo de

rearticulação de demandas cuja relativa desarticulação da ação mais global significou ações

coletivas mais localizadas, regionalizadas e temáticas. Surge, dessa forma, uma nova etapa de ativismo transnacional que se organiza em demandas locais e atua, também, de forma global.

Oobjetivo dessa dissertação é identificar continuidades e inovações entre os

movimentos. Para tanto, foi feita uma análise histórica comparativa do movimento antiglobalização com as atuais manifestações do Occupy e do 15-M. Considera-se que a identificação de similaridades, divergências e/ou convergências contribuirá para o

aprofundamento da compreensão sobre mudanças e continuidades das demandas da própria sociedade civil.

A pesquisa buscou analisar, a partir da especificidade de cada uma dessas

mobilizações, como elas se desenvolveram e se ramificaram em movimentos de protestos nacionais e transnacionais, com alcance global. A hipótese principal, que busca responder às questões que motivaram a pesquisa, é que os atuais movimentos não são estritamente novos,

ou seja, eles carregam na sua origem atributos oriundos do MAG, mas emergem com

características distintas do seu predecessor – como a forma de ação coletiva, a utilização da internet para sua articulação, entre outras. Esses novos ativismos se diferenciam do MAG

mais especificamente naquilo em que suas conexões se estabelecem entre as várias esferas de atuação, do local ao global, passando por todas as escalas intermediárias.

A relevância desta pesquisa se dá devido à temática atual de surgimento de novas

manifestações de contestação da ordem do sistema político e econômico liberal, dominante na economia mundial. Em diversas partes do mundo estão ocorrendo manifestações de diferentes

grupos da sociedade civil organizada reivindicando responsabilidade do Estado pela proteção

social mínima, sem condicionamento unicamente baseado na economia. Tais reivindicações nascem dentro das fronteiras nacionais, mas transbordam essa limitação. Assim, esses novos

ativismos, de caráter transnacional, são importantes por servir de contrapeso ao poder do Estado e visando um reequilíbrio na participação política em busca da democratização do

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sistema internacional. Grupos com características locais que se interconectam por meio de redes mundiais para contestar no âmbito global, formando uma agenda crítica comum, dão origem a um novo conceito: a ideia da “conexão glocal” 1, ou seja, o pensar global e agir local, algo que nunca esteve tão presente como no momento atual.

O sentimento de indignação acerca da piora das condições de vida da população em

geral e, especificamente, da classe média, geradas pela crise financeira de 2008, foi a força motriz que desencadeou as novas mobilizações sociais estudadas nessa pesquisa. Temas como

desemprego, corte de gastos, austeridade fiscal e, principalmente, desigualdade e

concentração de renda foram bastante discutidos pelos grupos sociais que foram às ruas recentemente. O desejo dos manifestantes de promover uma reforma no sistema político e

econômico mundial sob o antigo slogan de "um novo mundo possível" voltou a ser amplamente difundido no mundo inteiro por essas manifestações.

O reaparecimento de movimentos sociais relevantes, a partir das atuais mobilizações

foi um fator de surpresa e chamou a atenção da opinião pública internacional, especialmente da mídia, que cobriu vastamente esses recentes protestos. A utilização de mídias sociais

tornou os protestos virais, conectados e difundidos para o mundo todo, mas, acima de tudo, os tornou atuais e modernizados. Acreditamos que essas novas formas de ação, que se iniciaram

com o movimento antiglobalização e ganharam uma nova intensidade com as manifestações mais recentes, trazem à tona a necessidade de pensar novas formas da sociedade civil fazer política e de participar. Dessa maneira, a pesquisa pretende contribuir para uma reflexão sobre continuidades e descontinuidades nas formas de organização e demandas da sociedade civil,

manifestadas em movimentos de grande repercussão internacional, ativismos que nascem no limiar do contexto local, mas que reverberaram no contexto global.

A presente dissertação se estrutura da seguinte forma: no primeiro capítulo

buscaremos identificar variáveis de comparação para esclarecer continuidades e diferenças entre o MAG, marcante protesto do século XX, com recentes movimentos que surpreenderam

a sociedade internacional. Serão estudados o Occupy e o 15-M, considerando-se sua natureza e método de protestos e suas dimensões no contexto atual da crise internacional que parece

ameaçar o projeto liberal da ordem internacional. O exercício comparativo foi escolhido para que se possa contrastar mecanismos de análise estabelecidos nessa pesquisa. No capitulo

primeiro já serão estabelecidas e explicadas as variáveis utilizadas para a verificação das semelhanças, convergências e divergências entre os movimentos. A verificação das variáveis O termo “conexão glocal” foi cunhado por Echart e Bringel (2010, p.30), ao se referir ao lema “pensar globalmente e agir localmente”. 1

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conduzirá o restante da pesquisa para que o aprofundamento do estudo de cada um dos três movimentos sociais seja conduzido de forma a aprofundar-se uma análise separada de cada

movimento. Em seguida, no segundo capítulo, procuraremos analisar especificamente a formação do movimento antiglobalização no contexto da construção de uma nova ordem internacional. Abordaremos o contexto histórico de transformação da política e da economia

mundial para contribuir para a compreensão das razões do surgimento desse grupo – ou seja, a “oportunidade política” aproveitada pela sociedade civil – e estudaremos suas reivindicações,

sua forma de ação coletiva, seus participantes e o que buscavam como resposta às suas

contestações. O objetivo é o de realizar a releitura dos acontecimentos no fim do século XX, buscando compreender, aos olhos das atuais reivindicações, quais delas poderiam ser

consideradas uma nova roupagem de antigas insatisfações ou uma real novidade da politica internacional. Por fim, no último capítulo serão apresentados os movimentos recentes de contestação ao modelo liberal da ordem internacional, em tempos de crise. Primeiramente,

será introduzido o movimento 15-M – ou Indignados – na Espanha, com foco no seu contexto histórico (pré e pós-crise financeira e econômica internacional) para esclarecer como esse grupo se formou e quais as suas principais reivindicações. Na segunda parte do capítulo analisaremos o movimento surgido nos Estados Unidos, o Occupy, também buscando

contextualizar sua origem, suas reivindicações e suas formas de ação coletiva. Na conclusão serão articulados comentários mais específicos e analisado o resultado final da comparação e sua possível contribuição para a pesquisa na área.

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CAPÍTULO

1.

FACES

DA

MESMA

REVOLTA?

O

MOVIMENTO

ANTIGLOBALIZAÇÃO E OS NOVOS MOVIMENTOSOCCUPY WALL STREET E INDIGNADOS

Neste primeiro capítulo da dissertação faremos uma análise comparativa entre os três

movimentos que representam o foco desse estudo (MAG, Occupy e 15-M). A importância de

comparar os movimentos se encontra justamente no objetivo dessa pesquisa: identificar-se medidas de continuidade e novidade entre o grande marco representado pelo MAG e os movimentos recentes que fizeram ressurgir a participação de grupos da sociedade civil em manifestações e protestos de significante impacto na politica contemporânea. Para tal,

utilizamo-nos de um conjunto de variáveis que servirão para a avaliação das diferenças e similaridades dos movimentos. A explicação das variáveis servirá para justificar sua

importância para o alcance do objetivo da pesquisa. Ainda neste capítulo serão apresentados alguns conceitos utilizados ao longo da pesquisa.

A primeira variável a ser utilizada (variável 1) é designada como “oportunidade

política”. Nesse contexto, a variável de oportunidade política se refere às razões pelas quais os

movimentos surgiram, ou seja, fatores referentes ao contexto de seu aparecimento. Com essa variável será possível compreender o impacto do ambiente político, social e econômico sobre o aparecimento dos movimentos estudados.

A segunda variável (variável 2) se refere a “organização”, ou seja, buscaremos analisar

a estrutura dos movimentos, suas lideranças, sua horizontalidade, suas reivindicações de modo que possamos entender as especificidades de cada mobilização. A terceira variável

(variável 3) é a “forma de ação coletiva”. Nessa variável analisaremos o modo de ação e como as manifestações se expressaram para ter suas demandas atendidas. Buscaremos entender de que forma a expressão da indignação nesses três movimentos foi feita. Utilizar essas variáveis

comparativas é essencial para que se possa compreender como a estruturação dos movimentos se modificou na última década, e quais características originais do MAG podem ser identificadas nos movimentos atuais. Também discutiremos, brevemente, a composição dos

movimentos, ou seja, qual o tipo de manifestante fez parte de cada movimento (e como ele é identificado e se apresenta) e como compõe cada movimento.

A relação dos movimentos analisados com a “redes sociais e a mídia” (variável 4), tem

o objetivo de tornar mais evidente eventuais mudanças nas tecnologias utilizadas na mobilização e articulação dos movimentos, desde o MAG até os movimentos recentes. O

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impacto das novas tecnologias de comunicação utilizadas nos movimentos Occupy e 15-M

certamente colaboraram para a disseminação rápida da informação entre os participantes, podendo ser considerado um fator determinante de seu sucesso.

A variável 5, possivelmente uma das mais relevantes na comparação proposta

considera aspectos da dimensão do movimento estudado: o “local” e o “global”. A importância da compreensão dos aspectos locais para os movimentos mais recentes – Occupy

e 15-M – em contraposição à caracterização global do MAG serve como uma ferramenta de

reflexão para a consideração dos aspectos de continuidade ou novidade entre os movimentos estudados. Naturalmente que a questão global também é crucial para os movimentos pós-crise

de 2008, mas ressaltamos, como será apresentado nesse capítulo, que o nível doméstico das reivindicações tem um peso diferenciado para os movimentos aqui comparados. Enquanto o

MAG já surge com uma dimensão global, tanto o Occupy quanto o 15-M nasceram a partir de demandas e protestos dimensionados localmente e se desenvolveram e expandiram-se em uma esfera global.

Por fim, trataremos como última variável (variável 6) a “crítica ao sistema político e

econômico” institucionalizados. Essa variável se refere diretamente à oposição e insatisfação

dos protestantes quanto à atuação de elites dominantes, à democracia representativa e à submissão aos interesses econômicos liberais. Essa oposição foi peça fundamental para o

desenvolvimento de um discurso unificador, que busca evidenciar a crise do modelo político e econômico mundial.

O capítulo se inicia com um quadro comparativo, fruto da reflexão conduzida a partir

da pesquisa realizada, e se desenvolve com o melhor esclarecimento da importância e

funcionalidade de cada variável aqui escolhida para a comparação proposta. No capítulo se conclui que há uma certa continuidade em função de semelhanças encontradas entre o MAG

e os recentes movimentos, eventos tão distantes, apesar da especificidade de contexto deles. Trataremos de forma mais clara essas semelhanças a partir da análise detalhada e separada de cada um deles nos capítulos posteriores.

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1.1 Quadro comparativo das mobilizações em suas principais características

Para oferecer uma comparação das variáveis expostas nesse capítulo segue o quadro

abaixo, de autoria própria, que traz um panorama que auxiliará a análise a ser realizada nos próximos dois capítulos da dissertação.

Tabela 1 – Quadro comparativo de movimentos sociais VARIÁVEL

MAG

OCCUPY

15-M

Horizontal, não hierárquica

Horizontal, não hierárquica

Crise de 2008/ volta dos efeitos negativos do neoliberalismo

Crise de 2008/ volta dos efeitos negativos do neoliberalismo

1. Contexto global – Oportunidades políticas

Globalização/ efeitos negativos do neoliberalismo

2. Organização

Horizontal, não hierárquica

3. Ação coletiva

Fóruns/protestos

Ocupação de praças

Ocupação de praças

4. Redes sociais/ Mídia

Plataforma própria/internet/ Indymedia

Plataforma própria/ internet/mídias institucionais

Plataforma própria/internet/míd ias institucionais

5. Relação global x local 6. Crítica ao sistema político e econômico

Ator nasce global Descrença com a classe política.

Fonte: Elaboração própria do autor

Esfera local que se espalha globalmente

Esfera local que se espalha globalmente

Crítica à submissão Crítica à submissão dos políticos aos dos políticos aos interesses do capital. interesses do capital. Caráter mais autonomista.

Ao falarmos das oportunidades políticas, é possível observar que os três movimentos

surgiram por um motivo que tem a mesma raiz: os efeitos negativos do neoliberalismo. A

diferença está no contexto e na época em que os movimentos emergiram. Enquanto o MAG

aparece como consequência da criação, através da globalização e do neoliberalismo, de uma nova ordem mundial, o Occupy e o 15-M aparecem depois da crise econômica mundial de

2008. Nos três casos, entretanto, o que foi o gatilho para o surgimento dos movimentos foi a piora das condições de vida da população, seja através da deterioração das condições sociais,

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do aumento do desemprego, da criação de bolhas imobiliárias, da redução do estado de bemestar social ou da insatisfação com a classe política.

No que tange sua organização, os três movimentos compartilham da mesma estrutura

de organização: são movimentos horizontais e não hierárquicos, nos quais não há chefes e cada participante tem o direito de representar a si mesmo e expor suas demandas.

A ação coletiva no MAG era exercida em fóruns internacionais e diversos tipos de

protestos (como o de Seattle, em 1999, um dos mais emblemáticos do movimento). As

características mais marcantes da ação coletiva do MAG se encontram na formação dos Fóruns Sociais Mundiais e nas contra cúpulas, ressaltando o caráter global do movimento. No caso dos movimentos recentes, a experiência local tem grande importância. A ocupação de

praças e espaços públicos em geral representa uma característica marcante tanto do 15-M quanto do Occupy: “o agir localmente” enquanto se “pensa globalmente”. Ou seja, enquanto

os manifestantes acampavam em praças nas suas cidades eles se comunicavam via internet e redes sociais com diversos outros manifestantes em todo o mundo.

Em relação ao uso de internet e mídias sociais, o que vimos é que os três movimentos

utilizaram essas ferramentas, mas que os movimentos recentes tiveram acesso às tecnologias

mais modernas e as utilizaram ao seu favor. Para o 15-M e o Occupy a internet e as redes sociais foram o meio mais usado para a organização dos protestos, disseminação de

informação, para angariar apoiadores e manter o movimento vivo. O destaque fica para o Twitter, onde os usuários podiam comentar sobre o mesmo assunto – no caso, os protestos – utilizando as hashtags.

Ao falar da oposição entre a dimensão “global” e “local”, acabamos por rever algumas

das outras variáveis já exploradas. O MAG é um movimento que já nasceu global: ao contestar as grandes instituições financeiras mundiais – como a OMC – o MAG fortaleceu um

sentido de solidariedade política que vai além dos limites geográficos do Estado nacional. Por outro lado, tanto o 15-M quanto o Occupy tem uma ligação original marcante com aspectos

locais, principalmente com as cidades onde surgiram. Para esses movimentos, as consequências da crise global eram sentidas no dia-a-dia do cidadão comum, das suas famílias

e vizinhos e, por isso, seu principal opositor era o Estado nacional. As demandas domésticas tiveram um peso maior que as internacionais, ao menos no início desses movimentos, antes deles se disseminarem para o mundo através das redes sociais na internet – surgindo, aí, seu

caráter global. Finalmente, trataremos da crise política que esses movimentos representam. A desconfiança com as instituições democráticas e políticas nunca estiveram tão em alta como

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nos movimentos atuais. Essa oposição já estava presente no MAG mas ganha novo fôlego e mais profundidade no ciclo atual. 1.1.1

A criação das oportunidades políticas

Ordinary people often try to exert power by contentious means against national states or opponents. In the last fifty years alone, the American Civil Rights movement, the peace, environmental and feminist movements, revolts against authoritarianism in both Europe and the Third World, and the rise of new Islamist movements have brought masses of people into the streets demanding change. They often succeeded, but even when they failed, their actions set in motion important political, cultural, and international changes. Contentious politics occurs when ordinary people – often in alliance with more influential citizens and with changes in public mood – join forces in confrontation with elites, authorities, and opponents. Such confrontations go back to the dawn of history. But mounting, coordinating, and sustaining them against powerful opponents is the unique contribution of the social movement – an invention of the modern age and an accompaniment of the rise of the modern state. Contentious politics is triggered when changing political opportunities and constraints create incentives to take action for actors who lack resources on their own. People contend through known repertoires of contention and expand them by creating innovations at their margins. (TARROW, 2011, p. 6)2

O contexto político tem importância fundamental para a criação do que designamos

por oportunidades políticas e a formação das mobilizações sociais. A mudança na percepção e

no humor da opinião pública em geral permite a criação de incentivos para a ação coletiva. A insatisfação em relação ao status quo e a visão da necessidade de transformação da realidade

social foram gatilhos importantes para o nascimento do MAG e das atuais mobilizações, em

um sentindo de ação contenciosa. Há uma diferença a ser ressaltada entre uma política de contenção, ou um ciclo de contenção, e a formação de movimentos sociais. A primeira parte da percepção de existência de uma mudança nas oportunidades políticas e de

constrangimentos criados pelo sistema, levando pessoas com poucos recursos e sem experiência prévia à ação. Já o movimento social nasce quando as redes sociais e as estruturas

Tradução do autor: Muitas vezes pessoas comuns tentam exercer o poder por meios contenciosos contra os Estados nacionais ou adversários. Nos últimos cinquenta anos somente, o movimento dos direitos civis norteamericanos, o movimento pela paz, movimentos ambientais e feministas, revoltas contra o autoritarismo, tanto na Europa e no Terceiro Mundo, e a ascensão de novos movimentos islâmicos têm trazido pessoas em massa as ruas exigindo mudanças. Muitas vezes eles conseguem, mas mesmo quando eles falham, suas ações colocam em movimento importantes mudanças políticas, culturais e internacionais. A política contenciosa ocorre quando pessoas comuns - muitas vezes em aliança com os cidadãos mais influentes e com as mudanças no humor do público – unem suas forças em confronto com as elites, autoridades e opositores. Tais confrontos voltam para o início da história. Mas a montagem, a coordenação e a sustentação contra adversários poderosos é a única contribuição do movimento social - uma invenção dos tempos modernos e um acompanhamento do surgimento do Estado moderno. A contenção política é acionada quando há uma mudança nas oportunidades políticas e nas restrições que criam incentivos para a tomada de ação cujos os atores carecem de recursos. As pessoas lutam dentro de repertórios conhecidos de contenção e buscam expandi-los através da criação de inovações em suas margens. 2

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conectivas produzem uma ação coletiva intensa em que as diferentes identidades que compõem o movimento dão o suporte para sustentar essa ação contra oponentes poderosos

por um período longo de tempo. Assim, a ação coletiva contenciosa é a que serve de base para a formação de um movimento social.

Contentious politics emerges in response to changes in political opportunities and threats when participants perceive and respond to a variety of incentives: material and ideological, partisan and group based, long-standing and episodic. Building on these opportunities, and using known repertoires of action, people with limited resources can act together contentiously – if only sporadically. When their actions are based on dense social networks and effective connective structures and draw on legitimate, action-oriented cultural frames, they can sustain these actions even in contact with powerful opponents. In such cases – and only in such cases – we are in the presence of a social movement. When such contention spreads across an entire society – as it sometimes does – we see a cycle of contention. When such a cycle is organized around opposed or multiple sovereignties, the outcome is a revolution. (TARROW, 2011, p. 16)3

Tomando como premissa que todo movimento social é uma forma de ação coletiva

que implica a pré-existência de um conflito que ele busca resolver através da mobilização

social, podemos considerar tanto o MAG como o Occupy e o 15-M como movimentos sociais que perceberam uma mudança nas oportunidades políticas e buscaram interferir na realidade

social. Para compreendermos o que isso significa, é importante analisarmos o contexto do surgimento de cada um desses movimentos para entendermos porque as mobilizações

ocorrem em alguns momentos e não em outros. Nos próximos capítulos desta dissertação

iremos apresentar uma versão mais completa do surgimento e desenvolvimento dos movimentos sociais escolhidos, mas vale ressaltar alguns pontos importantes agora para que possamos compreender o aparecimento da oportunidade política de cada um.

A consolidação do capitalismo e do modelo econômico neoliberal, com o fim da

Guerra Fria, gerou avanços importantes para determinados setores da economia e da política internacional com o estabelecimento de fluxos financeiros e comerciais internacionais e o fim

da bipolaridade política. No entanto, esse processo causou um desequilíbrio profundo entre os

beneficiários desse modelo e os que ficaram de fora. O processo de globalização e

implantação dessa nova ordem econômica se caracterizou pela desigualdade de seus desdobramentos tanto no campo econômico quanto no político e no cultural. Essas assimetrias

Tradução do autor: A contenção política surge em resposta a mudanças nas oportunidades políticas e nas ameaças quando os participantes percebem e respondem a uma variedade de incentivos: material e ideológico, ligado a partidos ou baseados em grupos, de longa duração ou episódicos. Construídos nessas oportunidades, e usando repertórios conhecidos de ação, pessoas com recursos limitados podem agir em conjunto contenciosamente - se apenas esporadicamente. Quando suas ações são baseadas em redes sociais densas e estruturas eficazes conjuntivas e desenhadas para a ação, elas podem se sustentar mesmo em contato com adversários poderosos. Em tais casos - e somente em tais casos - estamos na presença de um movimento social. Essa contenção quando se espalha para toda a sociedade - e às vezes isso ocorre - vemos um ciclo de contenção. Quando tal ciclo é organizado em torno de soberanias opostas ou múltiplas, o resultado é uma revolução. 3

20

estão ligadas ao descompasso temporal entre a globalização dos elementos e das forças nele

envolvidas, o que leva a formas diferenciadas de globalização das diversas entidades econômicas e instituições internacionais. A formação de grupos de resistência surgiu como

resposta a esse processo desigual representando aqueles que ficaram marginalizados dos ganhos desse novo modelo (AVRITZER,2005).

A nova ordem significou, por um lado, a vitória da economia capitalista traduzida pela

maior abertura das relações interestatais e pela maior conexão entre indivíduos devido ao avanço da globalização por meio de novas técnicas de comunicação e do capital financeiro.

Por outro lado, significou também a emergência de grupos marginalizados neste processo de

internacionalização. Apesar de alguns autores proclamarem o fim da história, quando as

ideologias estariam acabadas e a política mundial se caracterizaria por um período de estabilidade, a realidade foi bem diferente.

Nesse contexto, o movimento antiglobalização surgiu como um ator de peso

desempenhando um importante papel de contra-poder e resistência. Ele representou uma resposta firme às consequências negativas da consolidação da economia neoliberal, com a

diminuição do estado de bem-estar social, a desregulamentação da economia, o aumento do desemprego e a precarização da mão-de-obra. Essa mobilização lançou um elemento renovado de resistência e antagonismo ao processo, liderado pelos Estados Unidos, de

formação de um capital supranacional. O movimento antiglobalização, que teve seu ápice com o protesto em Seattle, nos Estados Unidos, em 1999, representou um importante desafio para essa nova ordem.

Os protestos de Seattle e o nascimento do movimento antiglobalização supuseram uma importante mudança, tanto na sociedade internacional (uma vez que representa a irrupção de um novo ator internacional) como nas formas de mobilização política (já que insere um repertório renovado de ação coletiva, marcado por dinâmicas internacionais e transnacionais). A partir de Seattle, as forças sociais de diferente natureza (movimentos sociais, organizações não governamentais, sindicais, comunidades universitárias, etc.) passam a desempenhar um rol mais ativo no âmbito global, por meio de diferentes estratégias e formas de participação. Tal fato permite o forjamento de um espaço numa arena outrora completamente dominada pelos Estados e organizações internacionais, os quais se veem obrigados a incluir em suas políticas uma maior participação da sociedade civil. (BRINGEL, ECHART; 2010, p. 30)

A formação de redes de contatos transnacionais representou um importante passo para

a constituição de uma estrutura de resistência internacional aprofundada cada vez mais com o avanço da tecnologia. A utilização da internet nos movimentos dos anos 2000 permitiu uma intensa troca de informações e experiências para além das fronteiras nacionais e possibilitou o fortalecimento de um novo tipo de ativismo transnacional. Nas manifestações mais recentes, o

aprimoramento das tecnologias de comunicação e o surgimento das redes sociais facilitaram a

21

viralização dos protestos e seu alcance em diferentes partes do mundo. Dessa forma, como

veremos, a tecnologia tem um papel primordial no surgimento e fortalecimento dos novos movimentos sociais.

A grave crise econômica de 2008, a resposta insatisfatória dos políticos aos anseios

populares e a tomada de medidas controversas pelos governos foram fatores determinantes para a criação de oportunidades políticas que levaram as pessoas às ruas na Espanha e nos Estados Unidos. A perda da legitimidade e da confiança por parte da população sobre a capacidade do sistema capitalista de promover o bem-estar geral necessário fez com que o

sentimento de indignação ganhasse corpo e voz e saísse às ruas para expressar sua insatisfação. As condições estruturais e as contradições que promovem essas crises de legitimidade do sistema e, por sua vez, geram a perda ou a falta de emprego, deslocamentos e

exclusões, levaram a um declínio na legitimidade das elites, a retirada de lealdade ao sistema, e, por sua vez, forneceram aberturas necessárias à ação coletiva.

Economic crises, implosions, and structural contradictions that threaten survival or the maintenance of living standards, or render social status, dignity and self-esteem problematic, lead to questions and challenges to the legitimacy of the economic system, political leadership, and legitimating ideologies. For Habermas (1975), legitimation crises occur when there are failures in the objective ‘steering mechanisms’ of the systems of advanced capitalist industrial societies that provide adaptation and integration, namely the economy and the state. System integration depends on mechanisms of domination, the state, and the mass media. Social integration depends on normative structures. But each form of integration possesses distinct logics and in turn, a different kind of rationality. But at the same time, macro conditions impact the ‘life world,’ the micro level of feelings, identities, and values (LANGMAN, 2013, p. 512)4.

De fato, a crise de 2008 e suas consequências negativas causaram uma quebra do

“pacto social”. A identificação dos manifestantes com a antiga noção de existência de uma minoria privilegiada sobre uma maioria que precisa arcar com os custos da manutenção desse

sistema foi um divisor de águas nesse momento. A ideia de construir um sistema menos opressivo e mais justo surgiu da necessidade de repensar o modelo estabelecido e propor alternativas mais conectadas com as necessidades da população.

Tradução do autor: As crises econômicas, as implosões e as contradições estruturais que ameaçam a sobrevivência ou a manutenção dos padrões de vida, ou tornam o status social, a dignidade e a autoestima problemática, levam a questões e desafios para a legitimidade do sistema econômico, a legitimidade de ideologias legitimadoras. Para Habermas (1975), as crises de legitimidade ocorrem quando há falhas no objetivo dos "Mecanismos de direção" dos sistemas das sociedades capitalistas avançadas que fornecem adaptação industrial e integração, nomeadamente a economia e o Estado. A Integração do sistema depende de mecanismos de dominação, do Estado e dos meios de comunicação. Cada forma de Integração social depende de estruturas normativas. Mas cada forma de integração possui lógicas distintas e, por sua vez, um tipo diferente de racionalidade. Mas, ao mesmo tempo, condições macro impactam o "mundo da vida", o nível micro de sentimentos, identidades e valores. 4

22

Apesar de inserido em um contexto temporal diferente do atual, o MAG surgiu

exatamente dessa insatisfação com o modelo estabelecido – e aí surge um dos pontos de convergência entre o MAG e os movimentos atuais. A ideia do TINA (“There is no

alternative” – em tradução livre, “não há alternativa”), expressão cunhada pela ex-Primeira Ministra do Reino Unido Margareth Thatcher, ganhava força no cenário mundial e se traduzia

na vitória da democracia de mercado que se tornava o exemplo a ser seguido. Em um contexto de afirmação da ordem neoliberal e do sistema capitalista, fez surgir vozes descontentes com o alto preço pago pela população em geral para o estabelecimento dessa ordem. Para o

movimento antiglobalização, a desregulação do mercado não era vista como efeito natural do

desenvolvimento tecnológico, mas como estratégia adotada e defendida pelas instituições internacionais (Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio) e pelos governos das nações mais poderosas de forma a gerar uma vantagem para as corporações transnacionais. Esse movimento acusava fortemente os governos nacionais de

fortalecerem a liberdade de mercado à custa de gastos sociais. Esse foi um tema comum dos protestos antiglobalização que viam, nessa ação dos governos, o desenvolvimento da economia de mercado a partir da hegemonia do neoliberalismo econômico.

As mais recentes mobilizações em massa retomaram uma visão crítica ao sistema

econômico e a busca por justiça social apresentada na pauta do MAG. A crítica ao poder financeiro e à desregulação da economia via a “financeirização” do capital internacional é

uma característica comum aos três movimentos. Ou seja, uma característica comum e

contínua a ser ressaltada nos movimentos debatidos nessa pesquisa é a forte crítica à desregulação do capital internacional e ao fortalecimento do mercado em detrimento das

políticas sociais. Tanto o Occupy quanto o 15-M reavivaram a crítica feita pelo movimento antiglobalização sobre as consequências negativas do fortalecimento do poder do capital financeiro.

A crise financeira de 2008 e seus consequentes efeitos a partir da manutenção da

cartilha neoliberal de austeridade fiscal, desemprego e corte de gastos fizeram ressurgir velhos fantasmas. As atuais mobilizações voltaram a elevar o tom crítico ao sistema capitalista a

partir do momento em que as condições de vida dos cidadãos se deterioraram e os governos,

seguindo a cartilha determinada pelos donos do capital, aprovaram resgates generosos para salvar o sistema financeiro mundial. O slogan da população se tornava ícone dessa indignação global contra a submissão dos Estados aos interesses financeiros.

Curiosamente, apesar de assumir questões já levantadas na agenda do MAG, as atuais

mobilizações não fizeram referência a esse movimento. A aparição dos efeitos perniciosos do

23

sistema neoliberal não deu lugar a uma contestação global articulada capaz de unir eixos

temáticos distintos presentes no MAG. Frente a essa ausência de ação coordenada global, o que houve foi a fragmentação de diversos temas para os níveis locais e regionais. Apesar da ampla comunicação global via utilização das mídias sociais, da internet e da grande difusão de

suas reivindicações, as atuais mobilizações buscaram rivalizar diretamente contra o poder instituído do Estado e sua submissão ao capital financeiro. (BRINGEL, ECHART, LOPÉZ, 2009).

A Espanha, por exemplo, se tornou um representante claro da política de austeridade.

Com 45% de desemprego entre os mais jovens, o governo socialista do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) aprovou medidas de austeridade determinadas pela TROIKA,

entidade formada pelo Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Comissão Europeia,

com a premissa de diminuir os gastos públicos e o déficit dos governos. Nos Estados Unidos não foi diferente. Após muita pressão dos bancos e do centro financeiro, o governo americano aprovou um pacote de resgate no valor de quase um trilhão de dólares dirigido às principais

instituições bancárias do país como Citibank, Bank of America, American International

Group (AIG), além de várias montadoras de automóveis. Do outro lado, a população em geral, que discordava dessas ações do governo e sofria a precarização de sua vida, se indignou.

Em suma, tanto o MAG como outras recentes mobilizações podem ser entendidas, em

certa medida, como manifestações diversas de um ciclo internacional de contenção que busca

lutar contra a injustiça socioeconômica, e surgiram da percepção de incapacidade do Estado de lidar com essas questões. O entendimento e a desconfiança com relação à capacidade do

Estado de proteger os cidadãos são pontos de destaque para a abertura de oportunidade política para esse tipo de ação. Soma-se a essa visão a noção por parte desses três movimentos

da necessidade de transformação do sistema econômico para proporcionar maiores oportunidades, igualdade e realização pessoal. Para isso, os manifestantes buscaram

democratizar o poder de formas mais participativas a fim de fortalecer as classes mais prejudicadas por esse sistema.

24

1.1.2

Estrutura de mobilização: organização e ação coletiva

Embora façam parte de uma política de contenção, as mobilizações apresentam

algumas características próprias com relação a sua estrutura e organização. Se, no plano das

oportunidades políticas, tanto o MAG como as atuais mobilizações tinham como “inimigos” o capital internacional, a classe política e a desregulação da economia, no plano da estrutura da

organização, há a necessidade de uma leitura mais detalhada das questões-chave desses movimentos.

Com relação à estrutura, os movimentos se assemelham ao formarem uma estrutura

não hierárquica, horizontal, sem lideres e baseada em redes. Tanto o MAG como as atuais

mobilizações se preocuparam em experimentar uma nova forma de organização social onde

todos pudessem expor seus pontos de vista, suas posições e as decisões buscassem o maior consenso possível. Essa organização se baseava na constituição de assembleias e fóruns para a tomada de decisão e para as votações.

A formação de redes sociais e de contato foi uma característica fundamental desses

movimentos. A utilização da internet para a troca de informações e experiências e para

convocação de protestos e acampamentos foi uma característica marcante. Embora o MAG

tenha criado plataformas online como o Indymedia e tenha formado uma plataforma de contra-informação, o surgimento das redes sociais nos anos 2000 – como Facebook, Twitter e

YouTube– amplificaram os canais pelos quais a mensagem circulou ao redor do mundo de forma mais rápida. A grande utilização dessas redes sociais serviu para dar voz aos

manifestantes, para a convocação de ações e para a construção da narrativa do protesto que

teve como consequência a expansão do poder da mensagem para além das fronteiras. Elas também significaram uma perda do monopólio da narrativa por parte da grande mídia.

Ainda que o MAG já utilizasse da internet para o desenvolvimento sua ação coletiva,

essa estratégia é ampliada nos movimentos pós-crise de 2008. Podemos observar na tabela

abaixo que as hashtags5#acampadasol e #spanishrevolution foram alguns dos termos mais pesquisados na internet (e no Twitter, especificamente) durante os protestos do 15-M.

Na Tabela 2 é mostrado um ranking das hashtags mais procuradas no Twitter no ano

de 2011, especialmente nos meses de Abril a Junho, quando ocorreram eleições locais e Hashtag é uma ferramenta que ajuda a categorizar os conteúdos produzidos e publicados na internet. Através de um termo específico, é possível descobrir o que as pessoas estão falando sobre determinado tema, e o quanto esse tema tem sido discutido na web. 5

25

regionais na Espanha. Ao observar a coluna que se refere ao “escopo político” é possível

observar que grande parte dos tweets enviados na época expressava uma orientação política

alternativa ao tradicional embate da direita com a esquerda e estavam envolvidos em questões multifacetadas, que abarcavam a situação econômica do país, a democracia, o desemprego e o processo eleitoral.

Tabela 2 – Ranking das hashtags mais usadas em relação ao 15-M em 2011 Posição

Hashtag

Tweets

Escopo político

Escopo geográfico

1

#acampadasol

716.435

Alternativo

Regional

2 3 4 5 7 10 14 20 22 28 35 80

#spanishrevolution #acampadabcn #nonosvamos #nolesvotes #democraciarealya #15M #22M #PP #economia #PSOE #Bildu #educacion

642.149 352.088 175.127 172.093 145.765 120.689 90.808 32.820 26.491 17.609 13.755 6.066

Alternativo Alternativo Alternativo Alternativo Alternativo Alternativo Nenhum Direita Nenhum Esquerda Esquerda Nenhum

Nacional Regional Nacional Nacional Nacional Nacional Nacional Nacional Nacional Nacional Regional Nacional

Tópico

DRY (Democracia Real Ya) DRY DRY DRY Eleições DRY DRY Eleições Política Economia Política Política Sociedade

Fonte: VALLINA-RODRIGUEZ et al. Los Twindignados: The Rise of the Indignados Movement on Twitter.Disponível em: . Tradução do autor.

Em relação à ação coletiva, podemos ressaltar tanto diferenças quanto continuidades

importantes entre os movimentos atuais e o MAG. No caso do Occupy e do 15-M, o espaço

público tem importância crucial: a ocupação de praças e a formação de acampamentos permitiu a experiência “in loco” desse tipo de organização sem liderança, não hierárquica e

baseada em redes. A implantação desse modelo organizativo estava intrinsecamente ligada à

crítica a política de representação e a vontade dos participantes em formar uma nova cultura política e social. Frases como “não nos representam” e “um novo mundo possível” passaram a aparecer nos protestos e na internet e indicavam essa oposição ao sistema político.

As recentes mobilizações, se utilizando das experiências de manifestações anteriores,

ao tomarem o espaço público criando assembleias e acampamentos, articularam essas

reivindicações globais em práticas locais concretas e em ações com ativismo pré-figurativo,

visando implantar a democracia direta em espaços públicos locais. As assembleias do

26

movimento, os acampamentos e as reuniões de bairro tornaram-se "espaços de experiência”, entendidos como "lugares suficientemente autônomos e distantes da sociedade capitalista que

permitem a esses atores viverem de acordo com seus próprios princípios, para formar suas relações sociais de maneira diferente com o objetivo de expressar sua subjetividade” (CASTELLS, 2012).A utilização das redes digitais sociais se opôs à mediação por outras

partes e permitiu maior engajamento e ação individual além, da descentralização de chamadas globais para a ação. (PLEYERS, GLASIUS, 2013)

No MAG, por sua vez, a formação dos Fóruns Sociais Mundiais (FSM) – com o

objetivo de debater temas que não estavam na agenda das principais potências econômicas –

deu o tom organizacional do movimento. Os fóruns deveriam se reunir anualmente e foram articulados por movimentos sociais, organizações não-governamentais (ONGs) e pela

sociedade civil para discutir uma alternativa ao neoliberalismo, ao novo modelo de imperialismo e, sobretudo, às desigualdades sociais intensificadas pela globalização. Eram

caracterizados por seu caráter não governamental e apartidário, apesar de alguns partidos e correntes partidárias participarem ativamente dos debates e discussões. Criado como uma contra-cúpula ao encontro econômico mundial de Davos, os FSM foram uma importante tentativa de dar voz aos grupos marginalizados e fazer valer a voz deles. Embora a ideia inicial tenha sido de buscar espaços de experimentação social, os fóruns se ampliaram em

demasia, o que gerou distanciamento entre os palestrantes (algumas vezes figuras políticas), e

os participantes. Nos encontros do FMS o objetivo era promover debates abertos descentralizados, assim como a formulação de propostas que fossem alternativas para o

padrão econômico e social mundial, a troca de experiências entre os diversos movimentos

sociais e a promoção da articulação entre pessoas, movimentos e instituições que se opusessem ao neoliberalismo.

Dentro do MAG havia um repertório de ação coletiva bastante heterogêneo, que

variava desde o pacifismo, oriundo de movimentos anteriores como os dos negros (liderança

de Martin Luther King nos Estados Unidos) e de independência (como se deu com Gandhi na Índia), até a ação direta, com a participação de BlackBlocks, que agiam através de uma

violência performática. A estratégia da ação cultural também foi bastante utilizada pelo MAG. Um exemplo é o movimento britânico “Reclaim the streets” (em tradução livre, “recuperar as

ruas”, um movimento anárquico de cunho ecológico), que convocou o primeiro dia de ação global em Genebra, em 18 de julho de 1998. Nesse tipo de protesto, a estratégia era criar um

ambiente festivo com diversão, no qual o humor era a chave para desmascarar o inimigo. E, por último, a estratégia de desobediência civil e social, que não envolvia violência direta, mas

27

um “conflito” em que os manifestantes forçavam a corda da polícia para atingir seus objetivos de ocupação (ECHART, LOPEZ,OROZCO, 2005).

É importante ressaltar que as recentes mobilizações se beneficiam mais da formação

das redes internacionais de infraestrutura formadas pelos movimentos antiglobalização. O

reaproveitamento dessa estrutura de rede e a troca de informações entre diversos grupos serviram como base para a propagação dessas atuais mobilizações.

Alter-globalization Social Forums and counter-summits have been particularly efficient tools allowing progressive activists to network across their differences, thanks to a model of ‘open space’ and a respect for diversity (Glasius and Timms, 2006; Pleyers, 2004).They fostered collaborative dynamism among activists and widened spaces of protest. After 2006, the Social Forum process has been particularly dynamic in the Maghreb-Mashreq region. The 2008 Maghreb Social Forum gathered some 2,300 activists from twenty-eight countries in El Jadida, Morocco, which had a long-term impact in fostering civil society networks (Massiah, 2012; SidiHida, 2011). In October and November 2010 alone, six international meetings connected to alter-globalization social forum processes took place in the Maghreb- Mashreq region, fostering networking and exchanges of experience and hope across the region as well as within national borders (Caruso, 2012b), as illustrated by the Tunisian Social Forum dynamic. (PLEYERS, GLASIUS, 2014, p. 30)6

Apesar das divergências no surgimento e nas formas de ação coletiva, as atuais

mobilizações se assemelham e resgatam as manifestações anteriores ao aproveitarem o histórico e a estrutura dos protestos anteriores para se organizarem. A formação de uma estrutura descentralizada e anti-hierárquica em forma de rede constituiu a principal

característica dessas mobilizações. A formação de assembleias para tomadas de decisões,

cujos temas variavam da funcionalidade do movimento ao seu modo de ação, é um denominador comum entre as três mobilizações. A horizontalidade no processo decisório e a

busca pela auto-representação foram outras características marcantes presentes tanto no MAG quanto no 15-M e Occupy.

Embora os três movimentos estudados apresentem semelhanças em sua estrutura

organizativa e de ação, notamos diferenças importantes quanto à composição de seus

participantes. Os participantes das mobilizações Occupy e 15-M são, predominantemente,

Tradução do autor: Os Fóruns Sociais alterglobalistas e as contra cúpulas têm sido ferramentas, particularmente, eficientes em permitindo aos ativistas progressistas a elaboração de redes de contato através de suas diferenças, graças a um modelo de «espaço aberto» e um respeito pela diversidade (Glasius e Timms, 2006; Pleyers, 2004). Eles promovem um dinamismo colaborativo entre eles e alargam os espaços de protesto. Depois de 2006, o processo do Fórum Social tem sido particularmente dinâmico na região do Magreb-Machereque. O Fórum Social de Magreb de 2008 reuniu cerca de 2.300 ativistas de 28 países diferentes em El Jadida, Marrocos, que teve um impacto de longo prazo na promoção de redes da sociedade civil (Massiah, 2012; SidiHida, 2011). Somente em outubro e novembro de 2010, seis encontros internacionais ligados a processos de fórum Sociais de alterglobalização foram realizados na região do Magrebe-Machereque, promovendo uma rede e a troca de experiências e de esperança em toda a região, bem como nas fronteiras nacionais (Caruso, 2012b) como ilustrado pelo dinâmico Fórum Social tunisiano. 6

28

jovens de classe média, estreantes em participação de protestos que não mantinham ligação nem histórico com os movimentos de contestação anteriores.

The Indignados camps and assemblies mostly gathered people that had no significant previous experience of activism. In Paris and in Brussels, our interviews show that more experienced activists quickly became frustrated with the Indignados camps and assemblies, leaving the experience after a few days. This resulted in strengthened creativity and innovation, but also in some lack of awareness of the experiences of previous movements. ‘For the first time, a social movement organized a global demonstration, with actions in dozens of cities across the world’ (David, Barcelona, interview January 2012), was the claim of one young activist, as if the alter-globalization movement’s ‘global days of action’, the global demonstration against the war in Iraq or even the First of May had never existed. (GLASIUS; PLEYERS, 2014, p. 32)7

A falta de ligação e consciência com os movimentos anteriores é uma característica

importante desses manifestantes. Isso significa que são jovens que já cresceram dentro dessa

nova ordem neoliberal que o MAG buscou se contrapor. Apesar de sofrerem com a crise de

2008 e as consequências negativas da economia neoliberal, a maioria desses atuais manifestantes defendia a reforma do sistema capitalista e não seu fim. De toda forma, eles se assemelham aos manifestantes do MAG ao lutarem contra a piora da condição de vida e da precarização da mão-de-obra. Apesar de também serem jovens de classe média preocupados

com os efeitos negativos da globalização neoliberal, os manifestantes do MAG se diferenciam

dos atuais na medida que são jovens que já estavam envolvidos, de maneira geral, em outras lutas politicas e tinham uma consciência de resistência e luta maior do que os que

participaram de Occupy e 15-M. Como veremos nos próximos capítulos, nessas últimas mobilizações havia um sentimento de novidade muito grande já que era a primeira manifestação que muitos participavam.

Embora os movimentos apresentem uma divisão dentro de sua própria organização e

isso se reflita nas estratégias de resistência, não podemos deixar de ressaltar a convergência quanto ao inimigo enfrentado e as consequências negativas produzidas por ele para os

ativistas (como veremos mais adiante quando debatermos a formação do discurso). Por outro lado, a semelhança de alvos não se repete no campo de ação. Enquanto o 15-M e Occupy

travaram suas lutas e se estruturam na direção do Estado nacional, o MAG se pautava em uma Tradução do autor: os acampamentos e as assembleias do movimento Indignado reuniram principalmente pessoas que não tinham nenhuma experiência anterior significativa de ativismo. Em Paris e em Bruxelas, nossas entrevistas mostram ativistas mais experientes tornaram-se rapidamente frustrados com os acampamentos e as assembleias dos Indignados, deixando a experiência depois de alguns dias. Isto resultou em criatividade e inovação reforçada, mas também em uma falta de consciência das experiências dos movimentos anteriores. "Pela primeira vez, um movimento social organizou uma manifestação global, com ações em dezenas de cidades de todo o mundo" (David, Barcelona, entrevista janeiro de 2012), era a reivindicação de um jovem ativista, como se o movimento alterglobalização de 'dia de Ação Global’, a manifestação contra a guerra no Iraque ou mesmo o primeiro de Maio nunca tivesse existido. 7

29

luta mais global, diretamente contra organizações internacionais. Embora houvesse no MAG

movimentos fortemente identificados com causas locais, como o Movimento Sem-Terra (MST), havia um entendimento da necessidade de travar uma luta no âmbito global. As atuais

manifestações por outro lado, já se direcionam para o âmbito local e só com a expansão da mensagem é que vão para o global. É por esse motivo que a análise da questão local/global se torna, assim, tão crucial (como veremos logo a seguir).

Ainda sobre os manifestantes, no caso do Occupy, por exemplo, um dos sites mais

confiáveis sobre o movimento (e aqui vale ressaltar que é difícil tratar qualquer aspecto de um

movimento como o Occupy como oficial, então optamos por utilizar as informações que julgamos mais confiáveis), o OccupyWallSt.org, forneceu dados sobre os movimentos e os participantes que foram compilados em uma pesquisa, transformada, posteriormente, em infográfico (Figura 1). O que podemos observar no infográfico é que grande parte dos

manifestantes é composta de jovens universitários e caucasianos, conectados às redes sociais e sem orientação política tradicional de esquerda ou direita – aspecto esse ressaltado mais adiante, ao falarmos das orientações políticas alternativas dos movimentos.

30

Figura 1 – Infográfico sobre os manifestantes do Occupy Wall Street

Fonte: CAPTAIN, S. Infographic: who is Occupy Wall Street? 2011. Disponível em:

.

31

1.1.3

O local e o global

A descentralização do Estado nacional e o fortalecimento de novos atores e novas

forças na arena internacional produziram profundas mudanças geopolíticas e sociais. A

interação desses novos atores em novas escalas fez com que o Estado deixasse de ser o ator hegemônico e o foco principal dos protestos trazendo a necessidade de redefinição do internacionalismo e da solidariedade transnacional. Se, anteriormente, o internacional era

visto como oposto ao nacional, no internacionalismo contemporâneo MAG representou uma quebra dessa lógica binária ao incorporar um senso mais amplo de solidariedade política que transcende a territorialidade do Estado nacional e flui entre o local e o global. Essa nova formulação gerou uma progressiva (des) nacionalização do internacionalismo contemporâneo,

isto é, uma descentralização da solidariedade com o Estado na direção de uma solidariedade

com a “causa”, o movimento e a experiência. A noção de internacional não pode mais ser

entendida em estrito senso, isto é, como uma interação e solidariedade entre nações, mas como a solidariedade entre pessoas (BRINGEL, 2015, p.110). Outro ponto a ser levantado é que essa mudança no internacionalismo contemporâneo fez surgir o “cosmopolita arraigado”

que são pessoas e/ou grupos arraigados em contextos nacionais específicos, mas

comprometidos com atividades de contestação política que os envolvem em redes transnacionais de contatos e conflitos (TARROW, 2005).

Dessa forma, o MAG se apresentava como um importante representante dessa forma

de solidariedade internacional ao surgir como ator complexo e diverso, mas que já nascia

global, ou seja, com propostas globais e protestos publicitados e organizados globalmente, porém, com fortes vinculações e interações locais/nacionais. Esse movimento apresentou a necessidade de levar a luta de seus ideais para o âmbito global já que estava inserido nesse

processo de transferência das decisões para organizações internacionais como OMC, Banco

Mundial e a Organização das Nações Unidas (ONU). O MAG pretendia lidar com o aumento

global da desigualdade e da necessidade de diminuir o espaço entre os centros de tomada de decisão e os locais regulares de participação cidadã.

Apesar da rápida difusão de suas ações e ideias para todo o mundo e sua capitalização

dentro do âmbito doméstico, tanto o Occupy quanto o 15-M fizeram o caminho inverso do

MAG e podem ser considerados como uma etapa diferente desse ativismo global. Esses movimentos apresentaram um escopo de ação direcionado, primeiramente, ao Estado

nacional. Esse processo de se voltar para o âmbito doméstico aconteceu devido a uma relativa

32

desarticulação dos protestos globais em benefício de uma ação coletiva mais localizada em termos geográficos e temáticos. Questões como meio-ambiente e precarização do trabalho e

da situação dos jovens fizeram com que as reivindicações ganhassem um escopo temático maior, mas uma área de ação mais localizada no ambiente doméstico, no caso das

mobilizações Occupy e 15-M. Havia a percepção de que, embora, a crise econômica tenha sido gerada no âmbito externo, suas consequências são sentidas no dia-a-dia das pessoas comuns com o aumento do desemprego, do despejo de moradias cujas hipotecas não são pagas e do aumento de impostos. Esses fatores trouxeram a insatisfação para o nível local.

Uma pesquisa realizada pelo Centro de Investigações Sociológicas da Espanha (CIS) em 2011 aponta que, naquele ano, o fator que mais preocupava as pessoas e, principalmente os jovens,

e gerava um sentimento de indignação era a alta taxa de desemprego no país (CIS, n°2919, 2011).

Apesar da ampla comunicação com o ambiente externo e referências a outros

movimentos que ocorriam simultaneamente em outros países do mundo, pela via da utilização das mídias sociais, da internet e da ampla difusão de suas reivindicações, as atuais

mobilizações buscaram rivalizar diretamente contra o poder do Estado e sua submissão ao capital financeiro. Havia uma crítica ligada fortemente ao sistema político nacional e sua corrosão pelo poder do dinheiro e essa denúncia significava, para os manifestantes, o indício

de uma crise da democracia representativa e consequentemente surgia a demanda por maior participação da população no jogo democrático (PLEYERS, GLASIUS, 2013).

A transformação da solidariedade internacional e a relativização do pensamento

local/global apareceu, nos três movimentos, como uma resposta firme à internacionalização da economia mundial. O movimento antiglobalização já surgiu como um ator global complexo e diverso: havia, para o MAG, uma necessidade de luta para além das fronteiras do Estado nacional.

1.1.4

A utilização das mídias sociais e a formação de redes

The internet is often considered a symbol of a globalization and a means for disseminating ideas and moving capital at the global level. The internet is both an opportunity and a challenge for social movements. Similar to earlier technological innovations, it has broadened political communication and made it easier and faster. (…) At the same time, however, it contains risks typical of new technology, namely, generating alienation by eliminating faceto-face contact and increasing hierarchical power structures by centralizing control of

33 complex technology. Both scholars and activists are aware of this complex blend of advantages and risks. (DELLA PORTA et al, 2006, p. 92)8

Como já observamos, a expansão das redes sociais a partir da difusão de conteúdos

pela internet transformou o modo de organização social dos protestos. As redes tecnológicas moldaram novas formas de subjetividade política uma vez que se estruturam de maneira

horizontalizada, não hierarquizada, em que cada um representa a si mesmo. A utilização dessas novas tecnologias trouxe inovação nas dinâmicas de protestos e novos espaços de ocupação transformando o ideal político e cultural emergente.

O Occupy e o 15-M representaram essa forma de organização que já nasceu digital. O

apelo para a mobilização e a expressão da indignação veio diretamente do mundo virtual e da

rede. A utilização de vários blogs (como o Adbusters, AmpedStatus e Anonymous), a disseminação de vídeos e informações no Facebooke a divulgação pelo Twitter marcaram

uma nova etapa para os movimentos sociais e ajudaram a espalhar a mensagem para várias partes do mundo de maneira rápida e eficaz. Embora essa estratégia já tivesse sido usada pelo

MAG com a criação de plataformas próprias para divulgação de ações e para trocas de

informações, nas atuais mobilizações ela foi aplicada de maneira mais efetiva. O blog ativista Adbusters, por exemplo, registrou a hashtag #occupywallstreet em seu site chamando para a ocupação das ruas. O movimento 15-M utilizou a mesma estratégia.

A maioria dos grupos de protestos tanto na Espanha quanto nos Estados Unidos

possuía seu próprio site, seu grupo no Facebook conta no Twitter para divulgação de

informação. Como exemplo, podemos ver o grupo espanhol Democracia Real YA! que possui

em seu grupo no Facebook mais de 9.000 membros. Outro grupo, o Occupy Together possui mais de 264.000 membros e a comunidade Occupy Wall Street possui mais de 624.000

membros. As redes sociais da internet tiveram um papel preponderante para que as pessoas pudessem conversar, se reunir e planejar a ocupação dos espaços públicos, buscando

“territorializar” o protesto. A internet também ajudou a disseminar esse modelo de protesto para outras partes do mundo (CASTELLS, 2012).

Como podemos ver no mapa abaixo (Figura 2), a utilização da internet pelo Occupy

permitiu a proliferação do movimento para outras regiões do mundo. Os pontos amarelos Tradução do autor: A internet é muitas vezes considerada um símbolo da globalização e um meio para a disseminação de ideias e mudança da capital a nível global. A Internet pode ser tanto uma oportunidade quanto um desafio para os movimentos sociais. Semelhante a inovações tecnológicas anteriores, ela ampliou a comunicação política e a tornou mais fácil e mais rápido. (...) Ao mesmo tempo, porém, ela contém riscos típicos de uma nova tecnologia, ou seja, a geração de alienação, eliminando o contato face-a-face e aumento cada vez maior de estruturas hierárquicas de poder através da centralização de monitoramento de tecnologia complexa. Ambos os estudiosos e ativistas estão cientes desta mistura complexa de vantagens e riscos. 8

34

representam os locais onde o Occupy angariou seguidores que desenvolveram ações locais

ligadas ao movimento. Já a Figura 3 mostra a proliferação mundial do 15-M. É possível ver como diversas cidades tanto na América quanto na Europa, principalmente, foram afetadas pela disseminação online do movimento.

Figura 2 – Mapa que mostra a proliferação do movimento Occupy

Fonte: WEBSITE OCCUPY DIRECTORY. Disponível em:.

Figura 3 – Mapa que mostra a proliferação do movimento 15-M

Fonte: DE SOTO, P. Os Mapas do 15-M. 2012. Disponível em: A utilização das mídias sociais e o uso do celular e do smartphones como formas de

informar e, ao mesmo tempo, transmitir os protestos a partir da visão de quem está “dentro”

35

da situação significou uma transformação sem igual na narrativa do protesto. Embora a ocupação do espaço público fosse essencial para a visibilidade da mobilização, sua essência ea origem do movimento devem ser procuradas nos espaços livres da internet (CASTELLS,

2012). A utilização da internet também permitiu que os movimentos sociais espalhassem mensagens livres da censura da mídia convencional, uma vez que a internet fornece informações para a opinião pública que poderiam ser pouco exploradas pela mídia convencional (como rádio, jornal e televisão). (DELLA PORTA et al, 2006, p. 100).

Ainda sobre a mídia, embora o meio de articulação e comunicação tenha se expandido

para a fronteira virtual, o que impulsionou os movimentos sociais, ela gerou um paradoxo na sua relação com a grande mídia. Se, por um lado, os protestos são bastantes críticos em

relação ao poder da grande mídia e sua visão deturpada acerca dessas mobilizações, por outro,

sem a sua cobertura e a visibilidade gerada na opinião pública, essas manifestações e suas reivindicações passariam despercebidas. Nesse sentido, é notável a contribuição da internet

para a diminuição desse paradoxo, à medida que funciona como facilitador para a organização

da logística das manifestações. Observa-se, também, a utilização da internet como meio de expressão direta da insatisfação dos manifestantes e como arena para se colocar denúncias.

A construção de narrativas próprias dos acontecimentos passou a representar um poder

paralelo de informação, já que os próprios manifestantes podiam, com a utilização de streamings(tecnologia de transmissão ao vivo de imagens, áudio ou dados) e das redes

sociais, contar sua própria versão dos fatos. Disseminou-se a ideia de “don’t hate the media, be the media” (em tradução livre: “não odeie a mídia, seja a mídia”).Podemos observar essa forma de ação tanto no MAG como nas atuais mobilizações. No MAG, a Indymedia, principal rede de informação alternativa dos protestos de Seattle, contou com a participação de diversos

jornalistas e ativistas na construção de suas narrativas. A utilização intensa das redes sociais e

a construção de narrativas próprias marcaram uma importante característica e forma de ação d os atuais protestos e do MAG.

O avanço tecnológico dos últimos anos permitiu uma maior conectividade e

instantaneidade na divulgação desses movimentos. A importância da internet para formação e a comunicação dos manifestantes e a divulgação das ações se aprimorou ao longo dessas mobilizações. No Occupy e 15-M notamos uma maior instantaneidade da informação e uma maior divulgação e difusão pela utilização das mídias sociais até então incipientes no MAG.

36

1.1.5

A criação do inimigo comum: o discurso apolítico

A crítica ao sistema político, mais especificamente à democracia representativa, e à

oposição à política institucionalizada vista como submissa aos interesses econômicos foi uma importante característica dos movimentos que estamos debatendo para a criação de um

discurso unificador. A rejeição ao sistema político foi uma bandeira fundamental para unir demandas e construir um discurso claro de identificação entre o lado “bom” (os manifestantes) e o lado “mau” (os políticos e a elite econômica).

The global movement suggests a conception of democracy as a search for a common good, starting from pluralist confrontation among equals. These features seem linked with some internal and external resources for the movement, yet they also create new challenges. The quest for models of internal democracy – and “other politics” – also at local, national, and supranational levels. Criticism of both the form and substance of institutional politics has made it difficult for the movement to interact with the elite on the right but also, on the left too. The protest is not only developing largely outside political parties, but is also generating strong criticism of representative democracy (DELLA PORTA et al, 2006, p. 230).9

Assim como nos protestos do MAG, tanto o 15-M como o Occupy buscaram

reformular e pensar alternativas para o sistema político atual. Denunciando o caráter

meramente figurativo dos principais partidos políticos e, na visão dos manifestantes de maneira geral, sua submissão aos interesses do mercado financeiro e das grandes corporações,

esses movimentos tinham como bandeira a crítica ao sistema político atual e seu

distanciamento das demandas reais da população. Para eles, havia assim, uma democracia de

mercado cujo resultado principal era a “mercantilização” do voto. Os partidos políticos

utilizavam cada vez mais técnicas avançadas de marketing convertendo o processo político em um concurso. A ideia de “democratizar a democracia” era algo bastante simbólico dentro

dessas mobilizações e se refletia na estrutura não hierárquica, horizontal e sem liderança única dos movimentos.

No entanto, o MAG focou em enfatizar o traslado das decisões políticas para as

organizações internacionais, mostrando o comprometimento da autonomia do Estado frente a um processo global de medidas neoliberais. As atuais mobilizações, por sua vez, embora

Tradução do autor: O movimento global sugere uma concepção de democracia como uma busca do bem comum, começando com o confronto pluralista entre iguais. Estas características parecem ligadas com alguns recursos internos e externos para o movimento, mas também criam novos desafios. A busca de modelos de democracia interna - e "outra política" - também nos níveis local, nacional e supranacional. A crítica a forma e a substância da política institucional têm tornado difícil a interação do movimento com a elite da direita, mas também, à esquerda também. O protesto não é só se desenvolver fora dos partidos políticos mas também gerando fortes críticas à democracia representativa. 9

37

resgatassem essa falta de autonomia do Estado frente ao concerto internacional, direcionaram sua crítica e sua desconfiança ao Estado e seus representantes, os políticos.

Apesar dos três movimentos buscarem a reforma do sistema político e a formação de

uma democracia mais justa e menos vulnerável à força do capital, as manifestações atuais

trouxeram diferenças na crítica e na relação com o poder institucionalizado, os políticos em

geral e os partidos políticos. Embora mais enfatizada nas atuais mobilizações a partir da maior

rejeição ao sistema político atual devido ao seu fracasso em lidar com os efeitos negativos da crise financeira, essa crítica já estava presente no MAG. No entanto, para esse movimento, a oposição ao sistema político estava ligada à adoção por parte dos partidos no poder (nesse

caso, maioria de direita) de um processo global de constituição de um sistema econômico que gerava perdas para a população.

Por outro lado, notamos nas manifestações atuais uma crítica mais contundente e

direta à política atual graças ao sentimento de desconfiança e descrença geral com toda a classe política. Esses movimentos possuem um caráter de negação do poder institucionalizado e das instituições da democracia representativa. Há, por parte dos manifestantes do 15-M e Occupy, uma negação da política institucionalizada a partir da percepção de que os partidos políticos representam os interesses de quem os financiava.

De maneira geral, esses movimentos buscavam afastar e evitar a política institucional

e os partidos políticos dessa ação.

Research on the alter-globalization movement has shown that activist cultures closely connect a concept of social change with two main requisites for activists: the need to become active citizens sufficiently informed about ongoing political and economic debates; and prefigurative activism, the implementation of horizontal democratic values in the internal organization of the movement (Pleyers, 2010). Occupy activists see democracy not just as something to demand from politicians, but also as a task for themselves: ‘to be a democratic person you have to inform yourself, form yourself an opinion, tell that opinion to the public and try to change things the way you want them to be. That costs much time and is a quite exhausting task. (GLASIUS; PLEYERS, 2014, p. 50)10

Conforme o quadro abaixo da pesquisa do Eurobarometer, de 2011, retirado de um

relatório da London Schoolof Economics and Political Science de 2012, a desconfiança da população, em alguns países da Europa, com a classe política e seus governos nacionais

Tradução do autor: A pesquisa sobre o movimento alter-globalização tem demonstrado que a cultura dos ativistas se liga estreitamente ao conceito de mudança social com dois requisitos principais: a necessidade de se tornarem cidadãos ativos informados sobre debates políticos e econômicos em curso; e um ativismo préfigurativo, a implementação dos valores democráticos horizontalmente na organização interna do movimento (Pleyers, 2010). Os ativistas do Occupy vêem a democracia não apenas como algo para exigir dos políticos, mas também como uma tarefa para si: "Para ser uma pessoa democrática você tem que informar-se, formar uma opinião, debater em o público e tentar mudar as coisas da maneira que você quer que eles sejam. Isso custa muito tempo e é uma tarefa bastante desgastante”. 10

38

ressaltava o caráter contrário à política institucionalizada das atuais mobilizações. Por exemplo, o 15-M não foi simplesmente uma reação às políticas de austeridade. Na verdade, os

movimentos atuais foram largamente inspirados pela ocupação da praça Tahrir, no Egito, como o símbolo da Primavera Árabe. Esta preocupação com a política, isto é, a frustração geral com práticas políticas atuais, era evidente nos símbolos e slogans que foram usados nesses movimentos como o uso generalizado de bandeiras do Egito e slogans como

"Apolítico? Superpolítico”, “Um Cairo em cada bairro", e "não é a crise, é o sistema” (KALDOR et al, 2012, p.11).

Tabela 3 – Quadro da pesquisa do Eurobarometer que mostra o nível de confiança da população europeia nos partidos políticos, nos governos e na internet (em porcentagem).

Europa Alemanha Hungria Itália Espanha ReinoUnido

Partidos politicos Tendência Tendência a não a confiar confiar 14 81 15 78 15 80 9 84 12 84 11 86

Governonacional Tendência Tendência a não a confiar confiar 24 70 32 62 26 68 12 80 16 80 21 74

A internet Tendência Tendência a não a confiar confiar 37 39 27 43 41 32 37 40 34 40 34 46

Fonte: KALDOR et al. The ‘bubbling up’ of subterranean politics in Europe. London School of Economics and Political Science, Londres, 2012. Tradução do autor.

Esses ciclos de protesto demonstram que a desconfiança da classe política se refletia

na busca por uma reforma sistêmica e por novos meios de participação para a população. Nesse sentido, podemos notar que MAG, Occupy e 15-M se assemelham na noção de existência de uma elite econômica representada por uma minoria que usaria sua influência para se aproveitar do sistema político da maneira que lhe aprouvesse.

A crítica à elite política, partidos e governos, teve grande penetração social nas atuais

mobilizações. Se utilizando de uma rede de comunicação mais ampla, obtiveram aceitação e apoio da opinião pública. Embora o MAG tenha construído um escopo de ação amplo a partir

da formação de grupos de resistência transnacionais em diversos países, não conquistou uma penetração e uma divulgação tão grandes de suas ações junto à opinião pública em geral. Esse

fato pode ser explicado pela construção de um discurso mais integrador e amplo dessas manifestações recentes.

39

While the anti-globalisation movement and before it the new social movements tended to cast themselves as minorities, the wave of Occupy or "take the square" movements have made a crucial point of wanting to be the majority of the people, as most evidently manifested in Occupiers claim to being the 99%.(GERBAUDO, 2012, p. 11)11

No MAG, prevaleceu o discurso de autonomia e de caracterização de uma minoria de

fora do processo político e econômico, mas no sentido quase contra cultural, isto é, baseado

em um escopo mais limitado de ação e de caráter menos universalizante. Apesar da intenção de gerar uma onda revolucionária, o MAG não obteve o transbordamento social e o apoio

social que as atuais mobilizações tiveram. Há um discurso de promoção e valorização da cultura local mais enraizado do que nas novas mobilizações que já nascerem nesse processo e também são o resultado da globalização intensa.

I argue that the movements of the squares are majoritarian counter to the minoritarianism of the antiglobalisation cycle. Moreover, I argue that the movements of the squares are marked by a transition from the emphasis on autonomy and diversity proper to the antiglobalisation movement to a renewed emphasis on unity, accompanied by an antisectarian spirit and an imaginary of popular reunion. The popular turn in collective identity of social movements can be interpreted as a promising reaction to the level of social distress spawned by the financial crisis of 2007-08, and a demonstration of the maturation of protest movements, and their capacity to face up to contemporary challenges. (GERBAUDO, 2015, p. 3)12

1.2 Faces de uma mesma luta: a indignação 2.0

Conforme observamos ao longo desse capítulo, a partir da análise das variáveis

propostas, apesar das especificidades de cada movimento, tanto MAG como Occupy e 15-M sinalizam a insatisfação contra as injustiças econômicas e políticas do sistema atual. Há uma forte preocupação com as assimetrias geradas pelos donos do poder (grandes empresários,

especuladores, políticos poderosos) contra a população em geral. A atual crise econômica e

Tradução do autor: Enquanto o movimento antiglobalização e, antes deles, os novos movimentos sociais se colocaram como minorias, a onda do Occupy ou dos “movimentos de tomada da praça“ fazem como ponto crucial o desejo de ser a maioria das pessoas, como evidentemente manifestado em seus membros pela reivindicação de ser o 99%. 12 Tradução do autor: Defendo que os movimentos das praças são majoritariamente contra ao senso de minoria do ciclo antiglobalização. Além disso, defendo que os movimentos das praças são marcados por uma transição da ênfase na autonomia e diversidade própria do movimento antiglobalização para uma ênfase renovada na unidade, acompanhado de um espírito antisectarista e um imaginário de encontro popular. A virada popular na identidade coletiva dos movimentos sociais pode ser interpretado como uma reação promissora para o nível de miséria social gerado pelas crises financeiras de 2007-08, e uma demonstração do amadurecimento de movimentos de protesto, e sua capacidade de enfrentar os desafios contemporâneos. 11

40

seus efeitos negativos possibilitou o surgimento de uma nova onda de contenção mundial que retomou bandeiras que não foram solucionadas.

No entanto, para além da identificação de similaridades, de convergências e de

diferentes formas de ação do MAG e das atuais mobilizações, é importante ressaltar que essas

últimas manifestações indicaram um novo momento e um novo modelo de associativismo civil dos jovens no mundo contemporâneo.

[...] os atuais movimentos [...] estão reformulando a pauta das demandas e repolitizando-as de forma nova, na maioria das vezes independentemente das estruturas partidárias. No plano das análises, não se trata mais de contrapor os novos movimentos sociais, nucleados em torno de questões de identitárias como sexo, etnia, faixa etária e etc., aos “velhos” movimentos dos trabalhadores. (...) Não se trata, portanto, de contrapor tipos de movimentos ou ações coletivas, nem paradigmas teóricos interpretativos como mais ou menos adequados, até porque todos eles continuam a coexistir com os novos. Trata-se de reconhecer a diversidade de movimentos e ações civis coletivas, suas articulações e os marcos interpretativos que tem lhes atribuído sentidos e significados novos, o que eles têm trazido à luz no campo da investigação de uma Sociologia dos Movimentos Sociais. (GOHN, 2013, p. 114).

Nesse sentido, podemos observar que passado um longo período sem grandes

mobilizações, o aparecimento de novos movimentos sinaliza que “o movimento

antiglobalização morre como ator, mas goza de excelente saúde” (BRINGEL et al., 2009, p. 218). Em outras palavras, entende-se que o MAG deixou uma herança significativa para as

mobilizações sociais recentes, tanto no que se refere às suas demandas e sua forma de agir como também na estruturação dos movimentos.

Como veremos nos próximos capítulos, a partir de uma análise mais detalhada de cada

um desses movimentos, isso significou que o movimento antiglobalização não está sustentado por aquelas características básicas que o identificavam no seu início: em termos organizativos houve um progressivo desmantelamento das principais convocatórias de ação global, tanto de

protesto como de proposta; as identidades dos manifestantes tornaram-se ainda mais difusas e complexas e, dificilmente, encontramos militantes que se definam como ativistas do

movimento antiglobalização propriamente dito. Esgotou-se um modelo e um ciclo de

mobilização. Contudo, esta crise como ator internacional não pode nublar a identificação de

vários de seus legados que continuam mantendo acesa a chama da contestação global, agora

diluída em diversas redes contestatórias com uma conexão que vai do local ao global e em um amplo repertório de ação coletiva transnacional. (BRINGEL E ECHART, 2008).

41

CAPITULO 2. A NOVA ORDEM INTERNACIONAL E O MOVIMENTO ANTIGLOBALIZAÇÃO

Nesse capítulo visamos descrever e debater o surgimento do movimento

antiglobalização no contexto da nova ordem internacional no momento pós-Guerra Fria.

Primeiramente, verificaremos como o fim da Guerra Fria fez surgir uma nova ordem

global baseada no neoliberalismo e na globalização, fomentando assim o surgimento de novos

atores no sistema internacional, como os movimentos sociais globais. Em seguida, exploraremos o aparecimento do MAG, no contexto de seu surgimento, e as divisões

observadas no seu interior em suas diversas fases. Por fim, iremos apresentar uma breve reflexão sobreo futuro do MAG e os possíveis caminhos a serem trilhados pelo movimento.

2.1 O neoliberalismo, a globalização e a nova ordem internacional

A queda do Muro de Berlim, em 1989, e a consequente desintegração da União

Soviética, em 1991, marcaram o fim do período da Guerra Fria e o final da antiga ordem mundial estabelecida no pós-Segunda Guerra. O período marcado pela bipolaridade entre

Estados Unidos e União Soviética nas relações internacionais dava lugar a uma ordem hegemônica norte-americana baseada no capitalismo e no neoliberalismo frente a um cenário internacional caracterizado pelo multilateralismo e pela emergência de novos atores.

Os anos 90 podem ser caracterizados como uma época de transição e afirmação do

modelo capitalista baseado no modelo econômico neoliberal, gerando uma transformação do sistema internacional bipolar para um cenário de hegemonia dos Estados Unidos, tanto no campo político e militar como no econômico. O neoliberalismo buscou controlar a direção e

os significados da globalização, combinando o conceito de uma transição progressiva para uma sociedade global à imagem de uma economia global autorregulada, afastada da

intervenção do Estado pela política de mercado (PLEYERS, 2010). A ideia do TINA ganhava

força no cenário mundial e se traduzia na vitória da democracia de mercado que se tornava o exemplo a ser seguido.

With the fall of the Berlin Wall, neoliberal ideology became hegemonic. The dominant, quasiuncontested, interpretation of the events of 1989 was that they represented a total and

42 definitive victory for market democracy. Journalists and opponents of this ideology referred to the package of principles promoted by the IMF, the World Bank and the American Treasury as the Washington Consensus agenda (WILLIAMSON apud PLEYERS 2010, p. 17).13

Nesse novo cenário desenhado a partir do final da Guerra Fria, quando o mundo se

encontrava em fase de transição, observamos o surgimento do processo de internacionalização

e evolução do capitalismo rumo à globalização. Entende-se esse novo processo como nada mais do que a soma de fluxos transnacionais que afetaram o quotidiano das pessoas e que

levaram à crise do Estado nacional, cujo universalismo e soberania foram questionados

(SARAIVA, 2007,p.324). Assim, a globalização e a integração internacional surgiram como

características principais dessa nova ordem. A tomada desse novo paradigma representou um triunfo com base em três valores:

Uma aliança ideológica na essência do capitalismo entre a ordem doméstica (direitos individuais e políticos) e os princípios econômicos (economia de mercado); uma aliança militar estratégica na qual os Estados Unidos desempenham papel superior a seus sócios (OTAN, Alemanha e Japão); a capacidade do capitalismo vir a superar suas crises cíclicas. O neoliberalismo seria a ideologia da globalização, e o capitalismo, sua ordem. Mas a transição da bipolaridade para a globalização ocorreu sem que a nova ordem demonstrasse capacidade para superar problemas globais, como o endividamento internacional, a hegemonia do setor financeiro, o arrocho econômico mundial requerido para o ajuste das economias centrais, o desemprego estrutural. (BERNAL-MEZA apud RAPAPORT, 1994, p.45-65).

Isso não significou, no entanto, a estabilização do sistema internacional. Para além

desses desafios, o desaparecimento do “inimigo soviético” trouxe novas questões à agenda de política externa americana e dos outros Estados: a necessidade de reconfigurar tanto as

fronteiras nacionais quanto as novas formas de fazer política com a redefinição de aliados se tornou um tema central na agenda dos atores estatais. A política se tornou menos polarizada e mais heterogênea, mas não menos perigosa. Apesar de despontar como a única superpotência global, os Estados Unidos não conseguiram e não desejaram, em certa medida, estruturar uma nova ordem somente sob sua tutela.

No que tange ao comércio internacional e à globalização industrial, essa nova ordem

também trouxe profundas transformações. A mudança de uma economia mundial articulada em trocas realizadas por economias nacionais para uma economia mundial globalizada, cujos

mercados globais marcam as pautas, reduziu drasticamente as margens de atuação dos

espaços nacionais. Tanto no plano do desenvolvimento de políticas econômicas como na ação e nas estratégias dos agentes econômicos e sociais, a transnacionalização da economia

Tradução do autor: Com a queda do Muro de Berlim, a ideologia neoliberal se tornou hegemônica. A interpretação dominante, quase incontestada dos acontecimentos de 1989 foi que representavam a vitória plena e definitiva da democracia de mercado. Jornalistas e opositores dessa ideologia se referiam ao pacote de princípios promovidos pelo FMI, o Banco Mundial e o Tesouro americano como a agenda do Consenso de Washington. 13

43

significou a redução da capacidade dos sujeitos sociais. Os sindicatos e organizações civis ficaram distanciados desse processo de produção e de tomada de decisão, mas sofreram suas

consequências nos níveis de desemprego, na dificuldade de contratação e no congelamento dos salários (CARVAJAL, 2003, p. 337-359).

Entre os desafios gerados pela globalização para o Estado, estava o desenvolvimento

de novos meios de comunicação e o avanço de ferramentas tecnológicas cada vez mais poderosas, que facilitassem o tráfego de informação e de pessoas em diferentes níveis.

Empresas multinacionais se transformaram em transnacionais operando no mercado global, a produção passou pelo processo de transnacionalização, e a economia do mundo baseada nesse intercâmbio entre economias nacionais e transnacionais gerou um resultado sem precedentes

na história mundial. O processo de amadurecimento dessa nova ordem internacional sob a

égide do neoliberalismo e da globalização ficou bastante evidenciado na política internacional, que buscou acompanhar essa tendência dando destaque à dimensão multilateral dos relacionamentos entre os Estados.

Na primeira metade da década de 1990, foram realizadas pelo menos três grandes e

importantes conferências internacionais. A 2° Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992), mais conhecida como ECO-92, difundiu

noções de sustentabilidade ambiental e desenvolvimento sustentável demonstrando a

incompatibilidade entre o crescimento demográfico não planejado e um planeta finito. Outro evento importante foi a 2° Conferência Mundial das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993) sobre o processo de construção de uma cultura comum de respeito aos Direitos

Humanos. E, por fim, a Ata Final de Marrakesh, ao término da Rodada do Uruguai do GATT

(General Agreement on Tariffs and Trade), em 1994, que instituiu OMC. Nesse sentido, podemos dizer que as conferências buscavam o compartilhamento de responsabilidades e interesses entre os países, formando uma agenda multilateral (SARAIVA, 2007).

No entanto, apesar da busca pela manutenção de uma agenda comum, muitos países,

principalmente os do Sul, sentiram bastante os efeitos dessas medidas globalizantes e neoliberais. A globalização econômica não significou a diminuição das desigualdades entre os

países uma vez que o poder econômico se concentrou nos países industrializados. A adoção de medidas de austeridade econômica, corte de gastos e aumento de impostos para atender as

demandas de organizações internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o

Banco Mundial e a própria OMC geraram insatisfação dentro desses países e, sobretudo, uma

crítica a essa nova ordem que se desenhava. Essas insatisfações, somadas às crises econômicas dos Tigres Asiáticos, em 1997, da Rússia, em 1999, e da bolha das empresas

44

ponto.com dos Estados Unidos, contribuíram para o clima ainda maior de insatisfação internacional.

A década que se seguiu ao colapso do bloco soviético foi marcada pelo aparente triunfo da globalização neoliberal. Contudo, desde 1999 os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) passaram a sofrer uma acentuada desaceleração no crescimento econômico, que se transformou posteriormente numa estagnação, de modo particular nos Estados Unidos, país apontado como carro-chefe da economia mundial. Em meio à crescente instabilidade financeira mundial, a recessão ganhou contornos de crise econômica, com quebra de grandes empresas e escândalos de corrupção em megacorporações americanas, que comprometeram autoridades do primeiro escalão do governo dos EUA. (VIZENTINI, 2004, p.5).

Essa onda de insatisfação somada às medidas de austeridade econômica aplicadas

pelos Estados para seguir a cartilha neoliberal gerou fortes críticas a esse sistema tanto no âmbito interno – através da oposição dos partidos de esquerda e dos grupos de resistência

nacionais – quanto no âmbito externo com o surgimento de grupos de resistência internacionais. Assim, vimos surgir nesse período (início dos anos 1990) grupos em diversas partes do mundo com uma agenda de luta e reivindicações comuns, apesar das distâncias

físicas que os separavam. A globalização e o período de instabilidade gerado pela implantação dessa nova ordem fizeram surgir novos atores no cenário internacional. As diversas ONGs de defesa dos interesses de diversos segmentos da sociedade civil (como os direitos humanos,

meio ambiente, justiça social, entre outras agendas) surgiram da necessidade de agir no nível supranacional contra esse processo de transferência, ainda que parcial, do poder decisório do

Estado para instituições supranacionais como FMI, Banco Mundial, OMC e outras organizações internacionais. Para esses grupos de resistência esse processo de adequação ao modelo econômico vigente foi visto como sinônimo de imperialismo por sua imposição como modelo único, hierárquico e desigual.

Se, no nível dos Estados, a globalização e a instauração da nova ordem neoliberal

significou a consolidação do poderio econômico dos Estados Unidos, no nível das relações

humanas, podemos observar a interligação maior entre pessoas. O avanço dos meios de comunicação permitiu, como analisaremos a seguir, uma maior troca de experiências e informações que fortaleceram a ideia de uma sociedade civil global e movimentos de resistência a essa ordem.

45

2.2 A descentralização do poder estatal e a nova dinâmica de forças: os movimentos sociais globais.

Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador. (GALEANO, 2005)

Como já observamos anteriormente, nos anos 1990, o sistema internacional se

encontrava em um contexto de mudança profunda gerada, em grande medida, pelo processo

de globalização neoliberal e sua crescente interdependência entre os atores internacionais que

afetaram as regras do jogo, seus comportamentos, suas relações de poder e suas formas de organização. O enfraquecimento dos Estados frente ao novo arranjo internacional, o consequente fortalecimento dos organismos internacionais transnacionais e o surgimento dos

movimentos sociais contrários a esse processo de globalização alteraram a dinâmica de forças

no sistema internacional. Temas de alcance global como meio ambiente, direitos humanos e segurança não podiam mais ser solucionados apenas pelas vias tradicionais, baseadas no

poder estatal, mas deveriam estar de acordo comas determinadas por agendas supranacionais.

Assim, se abriu espaço para o aparecimento de outros atores que quebraram a ordem clássica

estatal. Esses novos atores representados pelas forças sociais que surgiram com a criação de

redes globais de ação desempenharam um papel central nesse processo de mudança, abrindo portas para o debate de temas importantes no seio da sociedade internacional.

A ideia original dessas redes de ativismo transnacional era que, trazendo novos temas

para serem debatidos nas agendas internacionais, poderíamos estar vivendo hoje o momento em que os direitos civis em nível internacional estariam mais consolidados na medida em que a livre circulação de mercadorias, de bens e, até certo ponto, de pessoas estaria assegurada. A sociedade civil global apareceria, assim, como portadora de uma herança social

democratizante, uma vez que conceberia uma reprodução, em escala global, do processo de conquista dos direitos segundo o modelo das sociedades ocidentais do capitalismo desenvolvido.

As redes transnacionais, baseadas em princípios e valores compartilhados que

motivam a defesa de direitos de outros indivíduos, traduziriam e reforçariam esse caráter de agir por valores em vez de interesses. Passou a ocorrer uma progressiva descentralização da solidariedade com o Estado nacional na direção de uma solidariedade com a “causa”, o

movimento e a experiência. Se, no período mais clássico, o internacional era visto como

46

oposto ao nacional, no internacionalismo contemporâneo, os "zapatistas"14 e a "geração de Seattle" representaram uma quebra dessa lógica dicotômica ao incorporar um senso mais amplo de solidariedade política que transcendia a territorialidade do Estado e fluía entre o local e o global. Assim, a noção de internacional não podia mais ser entendida em estrito senso, isto é, como interação e solidariedade entre nações, mas sim entre pessoas (BRINGEL, 2015, p. 110).

Os movimentos sociais globais seriam, então, pautados por essa transformação da

solidariedade entre pessoas/nação, dado que sua ação e seus protestos se baseiam mais em

temas e propostas comuns e menos em bases territoriais e na separação entre movimento social e Estado nacional. Então, como podemos definir esses movimentos sociais globais?

Apesar da ausência de uma definição estrita, podemos tomar por base duas definições de estudos muito importantes dos movimentos sociais. Movimentos sociais são redes informais

baseadas em crenças comuns e solidariedades compartilhadas que mobilizam recorrentes

formas de protestos em questões conflituosas. Os movimentos sociais globais seriam, assim, redes supranacionais de atores que definem suas causas como globais e organizam protestos e campanhas envolvendo mais de um país (DELLA PORTA, 2006).

São movimentos formados por grupos socialmente mobilizados constituintes em pelo menos dois Estados, engajados em sustentar interações contenciosas contra os detentores de poder em pelo menos um Estado que não seja o seu, ou contra uma instituição internacional, ou contra um ator econômico multinacional. (DELLA PORTA; TARROW, 2005).

A principal característica de um movimento social é sua habilidade de desenvolver

uma interpretação comum da realidade que faça nascer solidariedade e identificação coletiva.

O estabelecimento de um movimento global requer o desenvolvimento de um discurso que identifique tanto uma identidade comum (“nós”) quanto o alvo do protesto (“o outro”) em nível supranacional (DELLA PORTA et al, 2006, p. 19).

A complexidade dos movimentos sociais globais que, frequentemente, se confundem

com organizações sociais não governamentais (ONGs), tem feito surgir a necessidade de distinguir a dinâmica de ambos e decifrar as diferentes vias que utilizam para participar da

cena internacional, assim como o grau de oposição ou complementariedade entre esses atores.

Para isso, há autores que partem da premissa de que os grupos não estatais se converteram em Para alguns autores, como Antentas e Vivas (2009), foi o Movimento Zapatista, com a revolta de janeiro de 1994, que deu início às manifestações antiglobalização que discutimos nesse capítulo. O ápice da revolta se deu com a entrada em vigor do NAFTA (North American Free Trade Agreement), em tradução livre, o Acordo de Livre Comércio Norte Americano, que regula o comércio entre Estados Unidos, Canadá e México. Os zapatistas teriam sido os primeiros a articular uma crítica global à nova ordem mundial pós-Guerra Fria, baseados no temor que o NAFTA poderia trazer devastação econômica para o México (CHOMSKY, 2012, p.46). 14

47

importantes atores internacionais e destacam a importância dada à complexidade e

àintegração cada vez maiores do sistema internacional. As características mais interessantes desse ativismo transnacional são tanto a sua conexão com a atual onda de globalização como a sua relação com a mudança na estrutura da política internacional. Enquanto a globalização

foi a causa da resistência para muitos ativistas transnacionais, a mudança na estrutura da política internacional ofereceu pontos focais para a ação coletiva, apresentando recursos e

oportunidades ampliadas de ação. Essa configuração facilitaria a formação de coalizões e campanhas transnacionais (TARROW, 2005).

Ainda sobre a conceituação dos movimentos sociais transnacionais, podemos

compreendê-los como conjuntos de atores com propósitos e solidariedades comuns com

capacidade de gerar mobilização social coordenada e sustentada para influenciar publicamente mudanças sociais. Em contraste com as redes transnacionais e coligações,

movimentos sociais transnacionais podem mobilizar a esfera transnacional para a ação coletiva, muitas vezes a partir da utilização de protesto ou ações consideradas “perturbadoras”. Esta descrição de movimentos sociais transnacionais está de acordo com

definições de movimentos sociais internos que reforçam a mobilização e/ou o rompimento como sua característica definidora. Observa-se, desta forma, a maior eficácia dos movimentos sociais transnacionais, com a sua capacidade de mobilização e ruptura, em relação a outras

formas de ação coletiva transnacional, além de um nível mais elevado de identidade coletiva transnacional (KHAGRAM ET AL, 2002).

No entanto, há autores que argumentam que os movimentos sociais transnacionais

mantêm forte vinculação com o estatal e o âmbito doméstico. Nessa vertente, as estruturas de oportunidades políticas se deslocam para o cenário internacional e os ativistas transnacionais

são definidos como “cosmopolitas enraizados”: trata-se de pessoas e grupos enraizados em

contextos nacionais específicos, mas comprometidos com atividades de confronto político e redes transnacionais de contatos e conflitos. Há uma dificuldade de criação de movimentos

transnacionais e de sustentação de ação coletiva nesses espaços, evidenciando que a conexão transnacional nem sempre implica deslocamento geográfico a um ambiente internacional onde os custos são maiores, podendo produzir-se, ainda que de forma menos visível, nos espaços locais e intermediários e nas interconexões entre eles (TARROW, 2005).

Dessa maneira, para que suas demandas recebam atenção da opinião pública e

repercutam, esses novos atores baseados em redes cidadãs globais se utilizam de canais

diversos e inovadores. A organização de fóruns e conferências paralelas às conferências

institucionais, como o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, ou numerosas manifestações

48

de rua, como as de Seattle, em 1999, foram, por parte desses grupos, uma forma de ação para

tecer redes de solidariedade entre indivíduos de distintos Estados. A mídia alternativa e a internet também foram ferramentas relevantes para essas ações. Dessa forma, a influência dessa força na tomada de decisões aumenta cada vez mais.

Ao utilizarmos a tipologia clássica dos movimentos sociais desenvolvida por Alain

Touraine (1989), fica estabelecido que todo movimento social precisa de uma identidade, um adversário e uma meta societal. Dessa forma, a criação de um discurso alternativo que desafie o discurso social dominante é um procedimento básico para transformar a realidade social.

Nesse sentido vemos que o MAG apresentou uma resposta firme às consequências negativas da institucionalização da economia neoliberal com a diminuição do estado de bem-estar, a desregulamentação da economia, o aumento do desemprego e a precarização da mão-de-obra.

Os protestos de Seattle, em 1999, inauguraram um novo ciclo internacional de

mobilizações sociais, que teriam a crítica à globalização como seu elemento central (ANTENTAS, VIVAS, 2009, p.10). Essas mobilizações antiglobalização lançaram um

elemento renovado de resistência e antagonismo ao processo de formação de um capital supranacional liderado pelos Estados Unidos.

Os protestos de Seattle e o nascimento do movimento antiglobalização supuseram uma importante mudança, tanto na sociedade internacional (uma vez que representa a irrupção de um novo ator internacional) como nas formas de mobilização política (já que insere um repertório renovado de ação coletiva, marcado por dinâmicas internacionais e transnacionais). A partir de Seattle, as forças sociais de diferente natureza (movimentos sociais, organizações não governamentais, sindicais, comunidades universitárias etc.) passam a desempenhar um rol mais ativo no âmbito global, por meio de diferentes estratégias e formas de participação. Tal fato permite o forjamento de um espaço numa arena outrora completamente dominada pelos Estados e organizações internacionais, os quais se veem obrigados a incluir em suas políticas uma maior participação da sociedade civil. (BRINGEL, ECHART; 2010,p.29)

2.3 O movimento antiglobalização Desde os tempos mais antigos do capitalismo industrial, as pessoas, especialmente os

trabalhadores, vêm se organizando para contestar as adversidades geradas por esse processo e buscar mudanças. Revoluções como a de 1848, a “Primavera dos Povos”, indicaram que esses

movimentos de contenção foram uma prática cíclica em busca de melhores condições de vida,

diminuição das desigualdades e melhoria das condições de trabalho (TARROW, 2008). No período atual não é diferente. O abismo social criado pelo fim da Guerra Fria e ascensão do neoliberalismo permitiu o surgimento de diversos grupos de contestação desse processo, tanto

49

no nível nacional quanto no global, em busca de uma transformação da nova ordem. Esses movimentos são identificados como movimentos antiglobalização.

Entendemos o movimento antiglobalização, num sentido amplo, como um movimento social global que aglutina redes e movimentos sociais diversos (ambientalistas, feministas, sindicais, de defesa dos direitos humanos, entre outros) para além de suas diferenças, com uma perspectiva que une o local e o global, construindo identidades coletivas multirreferenciais que superam o Estado-nação e uma luta comum contra a globalização neoliberal, a quem responsabilizam as múltiplas problemáticas contra as que se mobilizam. (BRINGEL, ECHART, 2010, p.29).

Definir com precisão que tipo de movimento surgia nesse cenário não é tarefa simples.

Sua natureza multifacetada e composição complexa devido ao aglomerado de diversos grupos

dificultam o enquadramento terminológico desse processo. Há divergências entre as denominações usadas para esses grupos de resistência. Muitos autores preferem o título de

movimento anticapitalismo, outros usam a expressão antiglobalização, e há quem utilize, ainda, o termo alterglobalização ou altermundialista, principalmente os francófonos como

Geoffrey Pleyers (2010). Para estes autores, o termo alterglobalização traduz melhor o objetivo desse grupo por demonstrar que esses movimentos não eram contrários à

globalização, mas buscavam uma nova forma, um novo mundo e um novo sentido para esse processo. No entanto, a partir da realização do Fórum Social Mundial, em 2002, uma

declaração aprovada pelos participantes passou a chamar esse movimento de “movimento

para a paz global e a justiça social”. Independentemente da terminologia, são movimentos que

buscam um “mundo novo” (daí o nome: “altermundo” pode ser entendido como “outro mundo”) e podem ser caracterizados pela contestação ao neoliberalismo e ao racionalismo

econômico e suas consequências para os povos, pela luta por um mundo com maior justiça social e liberdades individuais. São formados pela convergência de movimentos sociais e

cidadãos e não costumam ter uma ideologia política definida, e sim o compartilhamento de práticas, visões e a busca por uma transformação estrutural das sociedades, nas quais a democracia estaria em destaque (ANTENTAS, VIVAS, 2009, p.9-10).

Essa disputa terminológica é apenas um exemplo da complexidade encontrada ao

definir esse fenômeno. A dificuldade de consenso em torno da nomenclatura se deve às características amplas e difusas desses movimentos. A grande heterogeneidade derivada da união de diversos setores da esquerda social e política, o caráter espetacular do repertório de

ações coletivas, a utilização de novas tecnologias, a horizontalidade na forma de organização política, a conexão “glocal”, além da radicalização reivindicativa, levam à dificuldade de conceitualização desse movimento (BRINGEL, ECHART, 2010, p.30).

50

Para além da discussão conceitual, o movimento antiglobalização surgiu imbricado

pela implantação da ordem neoliberal e da globalização, sinalizando essa tendência, discutida

nas seções anteriores, de instabilidade do sistema internacional. Esse movimento não foi só uma resposta ao impacto e ao aparente triunfo do capitalismo globalizado. Ele representou o

primeiro movimento social de grande extensão menos baseado na rejeição dos termos do capitalismo do que na asserção dos direitos da maioria da população. Enquanto o capitalismo

criou uma distância entre os muito ricos e os outros, o movimento a favor da alterglobalização se baseou nos direitos dos cidadãos. Assim, foi o primeiro grande movimento social a falar em direitos humanos, liberdade e justiça dentro da globalização, relembrando importantes momentos do final do século XVIII, na França e nos Estados Unidos (TOURAINE apud PLEYERS, 2010).

O movimento antiglobalização foi inspirado no ciclo de mobilizações enterrado desde

os anos 70 com os movimentos estudantis na Europa (Maio de 68) e analisado pela teoria dos novos movimentos sociais. No entanto, sua característica própria e inédita em termos de

organização, composição e ação coletiva foi determinada pela heterogeneidade de tradições políticas que convergiram para esse novo movimento e pela utilização da internet, que proporcionava organização em rede diversificação das ações coletivas (ECHART, LOPEZ,

OROZCO, 2005). Foi exatamente a entrada do mundo na era digital globalizada que diferenciou esses movimentos da teoria dos novos movimentos sociais. O MAG obteve

alcance global que reverberou nos indivíduos em partes variadas do mundo, se propagou e ganhou força tão rapidamente no cenário internacional.

O MAG é algo mais do que somente uma reação contra a globalização: esse processo

por si só não é suficiente para explicar o surgimento da ação coletiva já que, para que isso

ocorra, são necessários recursos, oportunidades, e uma identidade comum. Nesse sentido, foi o aprofundamento do internacionalismo, ou seja, o aumento das relações entre Estados, governos e atores não-estatais, que ofereceu os pontos focais, os recursos e a estrutura de

oportunidade para os ativistas transnacionais. Essa relação entre o processo de globalização e o internacionalismo promoveu uma novidade neste tipo de ativismo. A maior relação entre os

níveis subnacional, nacional e internacional e o aumento das estruturas formais e informais foi o que possibilitou esse tipo de ativismo e facilitou a formação de redes de atores não-estatais, estatais e internacionais (TARROW, 2005).

51

2.3.1 O surgimento do MAG

A principal razão para o surgimento desses novos atores no cenário internacional foi a

necessidade, por parte de parcela da população mundial, de uma resposta prática ao distanciamento dos centros de tomada de decisões dos lugares habituais de participação

cidadã. Desse modo, os movimentos sociais que surgem para lutar contra o modelo econômico neoliberal imposto no mundo vêm da necessidade de diminuição da desigualdade

e da injustiça geradas por esse processo. A falta de alcance das ONGs existentes em resolver essa situação, somada à crise de governabilidade e representatividade dos sistemas políticos e

do estado de bem-estar social abriu espaço para esse ativismo. A diminuição do poder do Estado e o enfraquecimento cada vez maior dos setores sociais fortaleceram a ideia de um novo mundo melhor no imaginário coletivo.

Ao longo desse período de implantação da ordem globalizante e neoliberal houve o

aparecimento de diversas manifestações contrárias às consequências negativas geradas ao

redor do mundo. Manifestações como as da Índia, onde fazendeiros se reuniram contra a reunião do GATT, em outubro de 1993,foram seguidas por manifestação como as de Birmingham (Inglaterra), em 1998, e em Paris (França), no mesmo ano, quando protestos

similares ocorreram indicando o surgimento de um levante (PLEYERS, 2010, p.6-8). Esse sentimento contrário ao poder do capital, que ganhou força ao longo desse período, culminou no grande protesto de Seattle em 1º de dezembro de 1999 – que já mencionamos

anteriormente. Seattle foi o marco simbólico do movimento de alterglobalização, pois marcou

o fracasso de uma reunião de altos dirigentes da OMC. Ademais, Seattle trouxe um novo fator a esses movimentos com a cobertura da mídia e a divulgação dessas manifestações ao grande público.

Se Seattle foi o marco simbólico, a consolidação dessa era das mobilizações de justiça

global teve seu ápice com o Fórum Social Mundial. Realizado em suas primeiras edições no

Brasil, milhares de organizações de movimentos sociais se reuniram e continuaram a se reunir para compartilhar ideias, táticas e estratégias e desenvolver redes globais para contestar as adversidades variadas do capitalismo global neoliberal.

Vimos que o MAG surgiu como o principal representante dos movimentos sociais

transnacionais no pós-Guerra Fria com o objetivo de transformar a realidade social e buscar alternativas ao modelo econômico e político, conhecido como a democracia de mercado.

Podemos considerar o MAG como um movimento bem alinhado à tipologia de Touraine

52

(1989) descrita na seção anterior: há uma identidade forte (composta pelo sentimento de

insatisfação, também pela questão transnacional e pelo desejo de uma nova estrutura política e econômica); há um adversário claro (o modelo neoliberal e o racionalismo econômico, assim

como os efeitos negativos da globalização) e uma meta societal (uma nova ordem mundial resistente às consequências nocivas do capitalismo e da globalização).

2.3.2

As divisões internas do MAG

É importante notar que esse processo de contestação e organização contra o

capitalismo global neoliberal não foi unânime. Havia uma divisão importante entre os

manifestantes. Dentro dela, podemos observar duas formas distintas de analisar suas ações e

projetar o futuro desse processo. Para alguns analistas como Enara Echart e Breno Bringel, havia um setor reformista (ou da proposta) e um setor revolucionário (ou do protesto). O

primeiro grupo se identificava no Fórum Social Mundial, com forte participação de ONGs, e tinha como foco a reforma da globalização neoliberal, buscando incorporar questões sociais relevantes na agenda política para alcançar um determinado patamar de justiça global por meio da participação em âmbitos institucionalizados. O outro grupo, identificado como

revolucionário (ou do protesto), era, em grande medida, identificado com a Ação Global dos

Povos (AGP), com maior participação de movimentos sociais de base. Obviamente, não estava divorciado de um marco propositivo, mas centrado no protesto, além de considerado

mais “rupturista”, ao se posicionar abertamente contra o capitalismo e com atitude de

enfrentamento diante das estruturas de poder dominantes (BRINGEL; ECHART, 2010). Outro tipo de divisão observada no MAG seria entre os “alter-globalization activists”, que lutavam para defender suas subjetividades, criatividade e especificidade contra uma ordem

global baseada na cultura do consumo e o hiperutilitarismo dos mercados globais, e os “alter-

globalization citizens”, atores que surgiram na ordem global baseada no conhecimento técnico e na ciência. Oposição ao neoliberalismo, buscavam alternativas à ordem baseada no

Consenso de Washington (para estes ativistas, a construçãode uma outra ordem se daria a

partir do conhecimento científico e dos debates no campo da economia pública. Se o movimento de alterglobalização significou uma renovação da cidadania política e do ativismo, esses dois grupos constituíram duas experimentações concretas nesse caminho (PLEYERS, 2010, p.24).

53

Esse movimento incorporou um chamado por renovação da cidadania e do ativismo

político. Um dos maiores desafios apresentados a essa proposta estava na reconfiguração do

imaginário político e, em particular, na conceitualização da mudança social. Isso significa que esse processo perpassou a ideia clássica de revolução, assim como a complementação da

democracia representativa na qual o Estado estava ancorado. Esses dois caminhos representaram

experimentações

concretas

nessa

perspectiva.

O

movimento

de

alterglobalização foi inscrito na continuação das reflexões e nas recentes experiências dos

novos atores de uma emergente sociedade civil e daqueles inseridos nos novos movimentos sociais da primeira década da sociedade pós-industrial (PLEYERS, 2010).

Apesar da divisão de propostas e caminhos, essa renovação do ativismo político e da

cidadania representou uma profunda transformação em relação à ajuda ao “terceiro mundo” e

a solidariedade internacional que vinha a partir das ONGs. Durante as décadas de 1990 e 2000, elas serviram a organizações internacionais como FMI e Banco Mundial como

intermediário, um ator que pudesse ajudar a diminuir os custos desse processo de transição

para a ordem econômica neoliberal. Os países do Sul viram nessa atuação uma nova forma de dominação que acarretou um processo de descrédito dessas organizações. A formulação dos

fóruns nos países do Sul foi uma forma de demonstrar a necessidade de criação de um fluxo mútuo de informação e experiências sem depender inteiramente das experiências dos países do Norte.

Outro ponto importante de análise sobre o MAG se refere à tentativa de estabelecer

certa distância do mundo político convencional. Caracterizando sua atuação como um

movimento de ativistas ou cidadãos, o MAG insistiu no caráter não político ao buscar uma ação que combinasse o ativismo público com a rejeição de alguns aspectos do engajamento

político tradicional. No entanto, isto não impediu a participação de ativistas no processo político tradicional, com atuação tanto no âmbito da sociedade civil quanto, de forma mais institucionalizada, a partir do Estado.

A ação do MAG é desenvolvida, principalmente, na arena internacional, uma vez que

suas demandas não se limitam ao poder do Estado. Entretanto, é válido ressaltar que os

múltiplos movimentos que compõe o MAG surgiram em bases diferentes uns dos outros, porque isso varia de lugar para lugar. Ou seja, há concepções ideológicas, estratégicas e

geracionais diversas dentro de um mesmo movimento. Isso significa que cada grupo dentro do MAG se desenvolveu exposto a oportunidades políticas, culturas e leis diferentes, gerando uma referência local e estatal para esses movimentos (ECHART, 2008).

54 Os eventos são assumidos estatal ou localmente: o MAG se organiza com essa distribuição. Um evento convocado em uma cidade italiana terá como comitê organizador os movimentos sociais italianos e, em concreto, os da cidade. Os primeiros interlocutores com os quais se negocia são também estatais: o governo e as forcas de segurança. A legislação com que eles são represados também é estatal: os anarquistas detidos na Grécia, ainda que sejam espanhóis, ingleses ou turcos, são julgados e condenados em território grego. (ECHART, LOPEZ, OROZCO, 2005, p.71).

Observa-se, então, a profunda heterogeneidade que compõe o MAG, com as diferentes

variáveis que o caracterizam. Há, por exemplo, um eixo político e ideológico que varia em um

espectro entre o centro-esquerda à extrema-esquerda. Seu grau de institucionalização também

pode variar devido ao fato dos participantes serem indivíduos, grupos de afinidade, coletivos,

associações de ONGs, sindicatos e partidos políticos, o que levou a diferentes estratégias, reivindicações e graus de reconhecimento. Os diferentes posicionamentos acerca do papel do

Estado também trazem uma característica vibrante ao processo, além da diversidade geográfica baseada na diferença entre países do Norte e do Sul. Desse modo, herdeiro de

diversas lutas e causas múltiplas, o MAG é caracterizado como o “movimento dos movimentos” por ter representado de formas distintas um conjunto de diversas insatisfações.

Com estrutura multicêntrica, horizontal e não hierárquica, esse movimento se articulou para atuar em conjunto, em diferentes partes do mundo e em diferentes posicionamentos e reivindicações (ECHART, 2008).

2.3.3

As fases do MAG

É possível identificar várias etapas de mobilização global com raízes muito anteriores

a Seattle. Desse modo, podemos falar de vários ciclos e subciclos de um processo que se

dividiu em quatro fases (ECHART, BRINGEL, 2010). A primeira fase (embrionária ou de gestação) surgiu no final dos anos 1980, com o aparecimento dos primeiros atos de protesto

na Europa e a definição de interlocutores globais contra os que se manifestavam.

Organizaram-se, nesse período, “contracúpulas” incipientes frente a instituições financeiras internacionais, como os protestos contra o FMI e o Banco Mundial em Berlim, em 1988, e

produziram as primeiras reflexões sobre as consequências negativas da globalização, com ênfase na questão do meio ambiente.

55

A segunda etapa, iniciada no início dos anos 1990, se caracterizou por essas

manifestações de cúpulas paralelas. Nesse momento, frente à participação das ONGs nas

Cúpulas de Alto Nível das Nações Unidas, criaram-se as cúpulas paralelas às oficiais, apesar da manutenção da agenda proposta pelas últimas. Por exemplo, o evento The Other Economic

Summit, realizado paralelamente às reuniões do G7 (Grupo dos Sete), em 1992. Ainda nesse ano, celebrou-se um dos principais eventos dessa fase, a ECO-92, que marcou a entrada definitiva da voz dos atores sociais no cenário internacional, principalmente das ONGs.

Também nessa fase, apareceram campanhas com vocação de solidariedade

internacionalista como “500 Anos de Resistência” (em que a denúncia de movimentos sociais latino-americanos, principalmente indígenas, frente às comemorações do quinto centenário do

descobrimento da América encontrou canais e redes de convergências e denúncias compartilhadas com militantes europeus e norte-americanos), e a campanha “50 Anos

Bastam” (contra o quinquagésimo aniversário da criação das instituições de Bretton Woods). Outra importante manifestação ocorreu com o levantamento zapatista de 1994 e a celebração

do Primeiro Encontro Intergaláctico contra o Neoliberalismo e pela Humanidade, em que convergiram vários movimentos sociais contrários à globalização.

A terceira fase, de 1999 a 2001, foi marcada pelo grande levante de Seattle, em 1999,

quando os protestos do MAG ganharam maior espaço na mídia. A intensidade da manifestação em Seattle juntamente com a violência do grupo Black Block levou o foco dos

jornais e das televisões a esse movimento. Assim, podemos considerar que o movimento

nasceu midiaticamente em 1999 devido à forte oposição contra à Ronda do Milênio da OMC

em Seattle. Essa maior visibilidade dos protestos nos meios de comunicação de massa chamou atenção para um movimento que vinha sendo tecido há anos. As limitações das

cúpulas ou fóruns paralelos levaram à criação de contra-cúpulas com agenda própria, organizadas graças à extensão do uso da Internet por parte dos diferentes grupos e coletivos.

Em Seattle, quase 100.000 pessoas de diferentes procedências (nacionais, culturais, militantes etc.) saíram às ruas e conseguiram colocar no ponto de mira uma organização chave na regulação do comércio global, até então bastante esquecida pelos movimentos sociais, mas que, desde Seattle, não pôde realizar nenhuma Cúpula sem protestos e pressões dos movimentos. [...] A partir de Seattle, sucedem-se várias contra cúpulas frente às reuniões internacionais do G8, FMI, Banco Mundial, União Europeia, Davos, OCDE, entre outros, consolidando-se os rasgos fundamentais do movimento antiglobalização. O máximo expoente desta fase é a Ação Global dos Povos (AGP), instrumento de coordenação de movimentos de base de todos os continentes, que surgiu em Genebra em 1998 e se reúne a cada dois anos. [...] ainda durante esta fase, desenvolveu-se uma maior coordenação da rama propositiva, com o surgimento de espaços (como o Fórum Outro Davos, celebrado pela primeira vez em 1999) que seriam a tônica predominante durante os anos seguintes. (BRINGEL; ECHART, 2010, p.32-33)

56

Na quarta fase, predominou certo recolhimento dos grupos de protesto no nível local e

no trabalho virtual na internet, sendo notória a multiplicação de páginas e ativistas dedicados à contra-informação. Dessa forma, os protestos se rearticularam pontualmente, como no caso

das manifestações contra a Guerra do Iraque. O ramo mais propositivo se consolidou a partir

das sucessivas edições do Fórum Social Mundial, o qual nasceu com o objetivo de superar as críticas sobre a falta de propostas do movimento.

Apesar de surgido com o objetivo de ocupar um lugar central na promoção de

propostas e como ponto de encontro e espaço para troca de experiências de diferentes atores e

iniciativas de todo o mundo, o FSM sofreu críticas e teve alguns insucessos.Entre os

principais problemas apresentados por esse evento podemos citara escassa democracia do

encontro; a ênfase nas conferências de importantes intelectuais versus o ativismo horizontal e o trabalho de base; a presença majoritária da classe média europeia e latino-americana; a

presença crescente de partidos e líderes políticos (como os ex-presidentes Hugo Chávez e Luís Inácio Lula da Silva); a burocratização e institucionalização, entre outros elementos.

Outros autores, como Pleyers (2010), defendem que as manifestações do MAG podem

ser analisadas em três fases. A primeira se refere ao período de formação do movimento com diversas manifestações que surgem ao redor do mundo contra os efeitos negativos da globalização e do neoliberalismo. A segunda fase se caracterizou pela organização dos Fóruns Sociais Mundiais, cuja primeira edição em Porto Alegre, em 2001, marcou a fase da

elaboração de alternativas. Já a terceira fase foi marcada pela última crise do capitalismo global com a crise econômica de 2008, que, por sua vez, já havia sido antevista pelo movimento. Nessa fase, o movimento se tornou mais orientado a conseguir resultados

concretos que serão obtidos com a crise do neoliberalismo. Nessa fase, o movimento foi marcado mais pelos comprometimentos individualizados e a formação de redes do que baseado em organizações ativistas.

A partir da análise do processo e das diversas fases, é possível observar que a última

etapa, ou seja, o período marcado pela internalização das demandas, chama a atenção para

uma volta ao nível local. Podemos, nesse ponto, fazer um breve paralelo com a onda de protestos de 2011, que se espalharam a partir do Oriente Médio para a Europa e os Estados Unidose que podem ser lidos em termos do culminar de queixas acumuladas contra o papel

preponderante do capital. Vale notar que muitas dessas questões já tinham alimentado os

protestos e as ações anteriores contra a situação econômica, política, social e a justiça ambiental.

57

Uma vez que cada um dos movimentos atuais tem o seu contexto único nacional, suas

tradições culturais, história e processo de desenvolvimento, há uma série de trajetórias

comuns a considerar para fazer avançar uma compreensão teórica das mobilizações dos anos de 2011 e 2012. Analisaremos esses novos movimentos no próximo capítulo desta dissertação.

É necessário ressaltar que, apesar da importância do surgimento desses movimentos no

cenário internacional como uma forma de defesa e luta contra os efeitos colaterais danosos da implementação de políticas globalizantes neoliberais para a sociedade internacional, o MAG

apresenta diversas limitações em sua atuação. A dificuldade de propor alternativas ao modelo

neoliberal é uma importante crítica ao movimento. Se, por um lado, a organização horizontal baseada em decisões realizadas por assembleias é um ponto importante, por outro lado, a dificuldade de coordenação das ações, as diferenças culturais e de idioma, além da falta de intermediários, dificultam a organização do movimento. A utilização da internet e das novas

tecnologias como forma de mobilizar e organizar ações é um ponto importante, mas vale

lembrar que, ainda, apenas uma pequena parte da população mundial tem acesso a esse meio de comunicação.

Desse modo, podemos notar um esgotamento das grandes plataformas dinamizadoras

como a organização dos FSM ou da Ação Global dos Povos. Esse desgaste se originou da dificuldade de manter alta intensidade de conflito e o sempre contraditório esvaziamento das demandas assim que parcialmente absorvidas pelas instituições (ECHART, BRINGEL, 2010).

Porém, notamos que o MAG, apesar de ter sofrido um processo de desmantelamento com o passar dos anos, ainda possui ressonância na contestação global como veremos a seguir analisando os novos protestos globais.

Como observamos ao longo deste capítulo, no final do século XX, o surgimento de

novos atores na cena internacional trouxe desafios e questionamentos importantes para a política e a economia internacional. As ações de protestos dos atores transnacionais deram um

sinal visível e surpreendente de seu poder a partir de grandes manifestações contra a (OMC) em reuniões em Seattle, Washington e Bolonha. Essas manifestações contribuíram para

encerrar as negociações globais e capturaram a atenção do mundo para a sua causa. O protesto em Seattle não era um evento espontâneo isolado, mas uma tática consciente de um

movimento cada vez mais coordenado e eficaz contra a globalização que muitas vezes se opôs

a organizações internacionais como a OMC, o Banco Mundial e o FMI, vistos como símbolos do distanciamento da população e do indivíduo dos centros de tomada de decisões.

58

Esses eventos marcaram o surgimento de uma nova forma de ação coletiva

transnacional que significou o surgimento de novos atores não estatais, novas arenas de ação e a diminuição das fronteiras entre o campo doméstico e o político global. Apesar disso, o

movimento fracassou ao não conseguir dar uma resposta e elaborar uma alternativa viável ao modelo que criticava.

Dessa forma, este capítulo buscou a partir da análise específica do movimento

antiglobalização contribuir para o diálogo dinâmico e contínuo acerca dos desafios e limites trazidos pela globalização e a implantação do modelo neoliberal à sociedade internacional.

Buscamos analisar os efeitos colaterais da formação dessa nova ordem para grupos mais

vulneráveis e em que medida a ação de oposição do MAG ajudou a bloquear e pautar

discussões que não seriam abordadas em uma ordem supranacional. Para além da oposição do MAG, buscamos tratar a inserção desses novos atores na cena internacional e a abertura de nova esfera de ação.

59

CAPITULO 3. INDIGNADOS E OCCUPY: A RETOMADA DOS CICLOS DE CONTENÇÃO MUNDIAL

Como vimos no capítulo 1, a política de contenção é gerada quando mudanças nas

oportunidades políticas e os constrangimentos do sistema criam incentivos para os atores com

menos recursos proporem novas posições. É exatamente nesse ponto que a ação coletiva se

torna contenciosa: quando é usada por pessoas com pouco ou nenhum acesso às instituições representativas. Assim, as pessoas comuns têm poder porque passam a desafiar os detentores

do poder, produzem solidariedade e possuem significado para uma parte importante da

sociedade, grupos e culturas nacionais. Para os cidadãos se juntarem é necessária uma solução social, isto é, o agrupamento de diversas pessoas com diferentes demandas e identidades em

diferentes lugares. Três elementos são essenciais: a construção de um desafio coletivo; a formação de redes sociais, propósitos comuns e enquadramentos culturais e a construção de solidariedades (TARROW, 2011, p.8).

As crises econômicas, com suas implosões e contradições estruturais que ameaçam a

sobrevivência ou a manutenção de padrões de vida, levam a questões e desafios acerca da

legitimidade do sistema econômico, da liderança política e das ideologias. As crises de legitimação ocorrem quando há falhas nos “mecanismos de direção” dos sistemas das

sociedades industriais do capitalismo avançado que proporcionam integração e adaptação. A integração do sistema depende dos mecanismos de dominação, do Estado e dos meios de comunicação de massa. A integração social depende dessas estruturas normativas, mas cada

forma de integração possui lógica distinta e, por sua vez, uma forma diferente de racionalidade. Ao mesmo tempo, as condições macro impactam no “mundo da vida real”, e no micro nível dos sentimentos, das identidades e dos valores (HABERMAS apud LANGMAN,

2013).Nesses períodos de crise as pessoas retiram seus compromissos com a ordem social existente criando espaços para visões alternativas de valores e entendimentos.

A crise econômica de 2008 e seus efeitos perversos para população mundial gerou um

descontentamento e uma indignação mundial e fez retornar a desigualdade e a injustiça como

temas fundamentais na galvanização das atuais mobilizações. Esse fato nos traz de volta aos tempos dos direitos civis, dos movimentos feministas e, principalmente, do movimento antiglobalização. A retomada de um discurso comum entre esses movimentos e a formação de

um inimigo comum são fundamentais na formação de uma identidade de ação coletiva. A demanda por democracia “real” funcionou como a principal estrutura de articulação das atuais

60

mobilizações, particularmente na Europa e nos Estados Unidos, e se consolidou no entendimento e no sentimento dos ativistas de que, politicamente, havia muitas coisas erradas.

Essa sensação permitiu a difusão dos slogans “Somos os 99%” e “Não somos commodities nas mãos dos políticos e banqueiros” para outras partes do mundo.

Assim, vemos que as mobilizações sociais surgem como válvula de escape para a

tensão social gerada por crises – sejam elas políticas, econômicas, sociais, ou uma mistura de todos esses aspectos – e trazem visões alternativas com o objetivo de buscar uma solução para a crise e transformação em longo prazo. E foi nesse contexto de insatisfação e agitação

popular, resultado da grave crise econômica e política que viviam americanos e espanhóis, é

que surgiu o movimento Occupy Wall Street e o 15-M, e ambos ganharam proporções ampliadas de caráter transnacional.

No ano de 2011 ocorreu um evento sui generis no mundo: uma eclosão quase

simultânea de movimentos sociais e protestos, cujas formas de luta e a consciência de

solidariedade social eram muito similares entre eles. Uma onda de mobilizações quase contagiosa percorreu grande parte do mundo e tomou a dimensão de um grande movimento

global. Essa onda passou no norte da África (Tunísia, Egito, Líbia, Iêmen), na Europa

(Espanha e Grécia, principalmente, mas também nos arredores de Londres), passou pelo Chile e explodiu nos Estados Unidos, ocupando Wall Street, o centro financeiro do país

(CARNEIRO, 2012). Em comum, essas manifestações tem a característica de insatisfação com a ordem política e econômica vigente, o desejo de aprofundamento da participação popular e seu caráter transnacional, entre outros elementos. Assim, as manifestações populares voltaram à ordem do dia após a crise econômica mundial de 2008.

Neste terceiro e último capítulo da pesquisa iremos explorar o surgimento, estrutura e

as características principais dos movimentos Occupy Wall Street e Indignados, que são nossos objetos de estudo. Serão apresentados o contexto e as razões de seu surgimento, suas principais características, organização e suas reivindicações.

3.1 O surgimento do Movimento 15-M: a força da rua

Somos pessoas comuns. Somos como você: pessoas, que se levantam todas as manhãs para estudar, trabalhar ou encontrar um trabalho, pessoas que têm família e amigos. Pessoas que trabalham duro todos os dias para garantir um futuro melhor para aqueles que nos rodeiam. Alguns de nós nos consideramos progressistas, outros conservadores. Alguns de nós somos crentes, outros não. Alguns de nós têm ideologias claramente definidas, outros são apolíticos,

61 mas todos estamos preocupados e com raiva sobre o panorama político, econômico e social que vemos à nossa volta: corrupção entre os políticos, empresários, banqueiros, deixando-nos indefesos, sem voz. Esta situação tornou-se normal, um sofrimento diário, sem esperança. Mas se juntarmos forças, podemos mudá-lo. É hora de mudar as coisas, o tempo para construir uma sociedade melhor juntos. (MANIFESTO 15-M)15

Anteriormente à crise mundial de 2008, a Espanha havia sido marcada por uma

profunda transformação nas últimas décadas e despontou no cenário internacional como um exemplo bem sucedido de transição política e econômica com a sua consolidação democrática

e o "milagre" econômico. Desde os anos 1980 a economia havia se modernizado, se diversificado e crescido a taxas excelentes. Isso se deveu à enorme quantidade de dinheiro dos

fundos de coesão da União Europeia. Na esfera política, desde a queda do regime ditatorial de Franco, o Estado consolidou suas instituições representativas e implantou com sucesso um

processo de descentralização, e os cidadãos expressaram de forma constante e contínua seu apoioao regime democrático (MARTÍ I PUIG, 2012).

A expansão que a economia espanhola experimentou durante essas três décadas gerou

certa coesão social e a sensação de que o país finalmente havia conseguido um lugar no seleto

grupo do primeiro mundo. Entretanto, apesar desse sentimento positivo, havia uma nuvem de suspeita e certo receio de que o momento fosse passageiro e o país não estivesse plenamente

em ordem. Essas suspeitas ficaram cada vez mais fortes com os repetidos sinais de

esgotamento que já surgiam com o aumento do endividamento privado e público e a aceleração do desemprego. Assim, quando a crise que iniciou em 2008, nos Estados Unidos,

chegou à Europa, significou o lance capital e o fim da era de prosperidade para a economia espanhola.

By late 2007, Spain was blossoming: it had a public account surplus of more than 2% of its GDP, and the economy was growing by 3.5%. Just one year later, the surplus had become deficit, growth had fallen to less than 1%, and the Spanish economy was officially entering recession. Although the economic decline was related to a worldwide financial crisis, it also responded to identifiable domestic facts: the bursting of a decade-long real estate bubble, and the implosion of the associated lending market. Following the lead of other developed countries, the Spanish government rapidly created a €99 billion bail-out fund and began to rescue vulnerable banks. Moreover, in an attempt to weather the socioeconomic effects of the financial storm, the government adopted an economic stimulus plan including an €8 billion investment in infrastructure, the extension of jobless subsidies to the long-term unemployed, and a €2500 ‘Baby Check’ for each newborn child. (PERUGORRÍA, TEJERINA, 2013, p. 427)16

Para ler o Manifesto do 15-M na íntegra, acesse: Tradução do autor: Ao final de 2007, a Espanha estava em ascensão: teve um superávit nas contas públicas de mais de 2% do seu PIB e a economia estava crescendo a 3,5%. Apenas um ano depois, o superávit havia se tornado déficit, o crescimento caiu para menos de 1%, e a economia espanhola estava entrando oficialmente recessão. Embora o declínio econômico tenha sido associado a crise financeira mundial, ela também se originou de alguns fatos domésticos: o estouro de uma bolha imobiliária que durou uma década e a implosão do mercado 15 16

62

Esse processo de deterioração da economia espanhola teve como consequência o

aprofundamento dos efeitos sociais das políticas neoliberais sentidos pela população nas décadas anteriores. O aumento da polarização da riqueza, a deterioração do mercado de trabalho e o aumento do desemprego foram os principais sintomas desse momento. A classe

política, ao utilizar o discurso de crise e do déficit público, pôs em marcha uma verdadeira luta contra o estado de bem estar europeu, cuja tradução foi a flexibilização das regulações

sociais que ainda restavam e a restauração dos mecanismos de dominação de classe. Por exemplo, em fevereiro de 2011, o desemprego atingia 22% dos espanhóis e 47% entre os

jovens. O governo socialista espanhol do PSOE, após pressão da Alemanha e da TROIKA decidiu promover cortes nas áreas da saúde, educação e serviços sociais para controlar o orçamento público. A palavra de ordem da política econômica europeia era austeridade.

A submissão dos partidos políticos aos interesses do mundo financeiro se tornou mais

clara que nunca, fazendo aumentar a indignação popular contra essas medidas e ampliando o

desinteresse pela política institucional e o ceticismo em relação aos representantes políticos, cujo descrédito era crescente. Soma-se a isso o fato dos países e os blocos regionais, longe de penalizá-las, passarem a socializar as perdas, convertendo a dívida privada em pública, com

todas as consequências em termos de políticas de ajuste, privatizações e desmantelamento dos

serviços sociais. Esse clima de expropriação de direitos e crise econômica e institucional fez da Espanha um dos primeiros países afetados pela crise mundial e sua população a primeira a se indignar e se mobilizar, dentro desse ciclo de protestos pós-crise econômica de 2008.

A indignação não é um movimento social. É um estado de espírito. E, como tal, pode se expressar de maneiras muito diversas. No Sul da Europa, por exemplo, o sentimento da indignação social nos últimos dois anos teve fontes múltiplas, porém, um dois principais fios condutores foi a rejeição a pagar as consequências diretas da crise, que deveriam ser assumidas pelos seus principais responsáveis: os banqueiros e especuladores. Esses se tornaram assim alvos centrais das mobilizações sociais. (BRINGEL, 2013, p. 50)

Esse contexto de opressão social impulsionou a revolta de um grupo de pessoas com a

situação lançando uma ação que utilizou diversas mídias sociais, entre as quais a mais famosa foi o Facebook, para criticar essas medidas e convocar uma manifestação para o dia 15 de maio de 2011. Esse grupo se uniu sob a bandeira “Democracia Real Ya!”, em tradução livre,

de crédito. Seguindo o exemplo de outros países desenvolvidos, o governo espanhol criou rapidamente um fundo de resgate € 99 bilhões e começou a resgatar os bancos vulneráveis. Além disso, em uma tentativa de enfrentar os efeitos socioeconômicos da tempestade financeira, o governo adotou um plano de estímulo econômico, incluindo um investimento de € 8 bilhões em infraestrutura, a extensão dos subsídios de desemprego aos desempregados de longa duração, e para o benefício de € 2.500 para cada criança recém-nascida.

63

“Democracia Real Já!”, e, graças à data do protesto, também ficou conhecido, posteriormente, como “movimento 15-M” ou “Indignados”.

Esse grupo se baseava numa rede descentralizada de núcleos anônimos de diferentes

cidades espanholas, e foi formado, a princípio, por aqueles que lutavam por justiça global

como “O Estado de Malestar”, “Juventud Sin Futuro”, ”Juventud en Acción”, além de plataformas online como os “Anonymous” e “No les vote” (CASTELLS, 2012). Esses grupos

denunciavam a limitação da democracia representativa vigente na Espanha e a submissão dos políticos às grandes empresas e ao capital financeiro. Contando apenas com a divulgação da

manifestação por meios virtuais como o Twitter e o Facebook, o grupo conseguiu reunir em

várias cidades espanholas um grande número de pessoas. Madrid, Barcelona, Murcia,

Granada, Málaga, Alicante e Valencia foram as principais cidades a se mobilizarem. Essas manifestações não tiveram apoio de nenhum partido político, sindicato ou associação de

sociedade civil, o que deu o tom apolítico ao movimento, e, a princípio, foram ignoradas pela grande mídia.

A partir da manifestação do dia 15 de maio se iniciaram os acampamentos em praça

pública e, ao final da manifestação nesse dia em Madri, diversas pessoas se dirigiram à Praça

Puerta del Sol, um dos principais locais da cidade, e lá permaneceram para que as ideias fossem debatidas e um consenso sobre o significado daquele movimento pudesse ser criado.

Pessoas de várias partes da Espanha chegaram para se unir àqueles acampamentos e o

movimento ganhou uma grande adesão. Mais de cem cidades espanholas seguiram o exemplo, desencadeando um movimento de ocupação que em poucos dias se espalhou para cerca de 800 cidades do mundo. A partir desse momento, as mídias nacionais e internacionais passaram a fazer a cobertura daquele movimento (CASTELLS, 2012).

O 15-M ganhou maior consistência quando o Tribunal Eleitoral espanhol, baseado em

uma lei que garante o “momento de reflexão” antes das eleições, declarou diversas vezes a

ilegalidade daquele movimento devido à proximidade das eleições locais no país. Apesar da forte repressão policial e da pressão pela desocupação das praças, o movimento ganhou adesões e permaneceu firme.

O movimento ganhara vida própria. Foi primeiro conhecido como 15-M, referindo-se à data da primeira manifestação, mas logo a mídia popularizou o rótulo de “Indignados”, que alguns participantes haviam adotado, talvez inspirados no título do panfleto (Indignez-vous!) publicado poucos meses antes por um filósofo e ex-diplomata francês de 93 anos, Stéphane Hessel, que sensibilizou a juventude espanhola (CASTELLS, 2012, p. 89).

64

Enquanto a ocupação dos espaços públicos representou a principal característica desse

movimento, sua continuação aconteceu sob diferentes formatos. Várias marchas ocorreram

nos meses seguintes à ocupação de maio. Em 15 de outubro de 2011 foi realizada uma manifestação global, organizada pela internet por iniciativa de uma rede de ativistas que havia se reunido em Barcelona no início de setembro. Essa manifestação contou com a presença de

uma centena de milhares de manifestantes em 951 cidades de 82 países do mundo, que estavam reunidos sob o slogan “Unidos por uma mudança global” (CASTELLS, 2012).

A grande visibilidade dos movimentos desenvolvidos na rua e nas praças apresentou

uma capacidade agregadora de diferentes segmentos e um alastramento da própria luta. Ao contrário do que acontecera com os movimentos da década anterior, que mantiveram seu

caráter corporativo, distanciando-se do resto da população, essa nova onda de mobilização

atuou de forma agregadora, percebendo a necessidade de inclusão de todos (REGINA, 2012). Enquanto o movimento antiglobalização é marcado por uma autoconsciência de uma identidade minoritária, expressada pela frase do subcomandante Marcos do Exército

Zapatista: “It is all the exploited, marginalised, oppressed minorities resisting and saying

‘Enough’” 17, essa nova onda de protestos é marcada por um transbordamento social, uma vez que há um sentimento generalizado de injustiça e indignação (GERBAUDO, 2012, p. 10).

Orientados por Taibo (2011), podemos identificar quatro grandes questões levantadas

pelo movimento 15-M:

a) A rejeição dos partidos considerados do establishment pela sua ligação com a clientela corporativa e a desconexão com a sociedade e suas demandas;

b) A crítica aos mercados financeiros que ditam as políticas dos governos;

c) A rejeição da insegurança no trabalho com várias demissões em nome da competitividade e do lucro;

d) O deslocamento das empresas para outros lugares com mão-de-obra mais barata. Essas quatro questões expressivas surgiram do enorme vácuo entre a sociedade civil e

as elites políticas e econômicas. Os Indignados nasceram desse espaço de poder ao não ter

suas demandas ouvidas e atendidas. Esse sentimento de injustiça que agitava a população é que fez o movimento ganhar corpo e se tornar o elo para a expressão dessas frustrações.

Talvez a tarefa mais desafiadora para quem pesquise movimentos sociais como o 15-

M seja entender o que esse movimento de fato almeja, quais as alternativas propostas e quais

Tradução do autor: "São todos os explorados, os marginalizados, as minorias oprimidas resistindo e dizendo ‘basta’”. 17

65

suas reivindicações. Trata-se de um movimento cuja formação de pautas difusas e amplas tem como consequência a adesão de tantos simpatizantes. Se, por um lado, essa característica é positiva por conseguir captar manifestantes tão distintos, ela pode ser negativa à medida que dificulta a formulação de propostas e políticas efetivas. Essa abrangência de pauta coloca em

evidência diversos problemas que fazem parte do mundo contemporâneo como a corrupção

política, a desigualdade social, a proteção ao meio ambiente, entre outros temas. Dessa

maneira, apesar do movimento se mostrar claramente contra o sistema político atual e a financeirização da economia cujo poder se aloca nas mãos dos banqueiros e dos especuladores, ele não possui um programa fixo e uma agenda estabelecida e rígida de reivindicações.

No entanto, podemos identificar quatro características fundamentais que compõe o 15-

M. A primeira característica é a liderança por jovens até então afastados da política que se mobilizaram na busca por melhores condições de vida e contra a precarização da vida social.

O caráter apartidário é outro elemento importante para compreender essas mobilizações devido à ausência de suporte de qualquer grande organização político-partidária ou de uma

ONG de destaque. Aqui, nota-se uma necessidade de afastamento da política institucional e uma busca por formas de “democratizar a democracia”, ou seja, de tornar a o jogo

democrático acessível à população. Outra novidade foi a utilização das redes sociais por meio da internet e dos smartphones. O uso dessas ferramentas permitiu a rápida disseminação da informação e da organização em redes. Outro traço, que analisaremos ao longo desse capítulo,

é a ocupação dos espaços públicos: apesar de se iniciar na internet, ou seja, em um ambiente

não presencial, a atuação desse movimento ocorre com a tomada do espaço físico, do espaço público.

3.1.1

Um movimento jovem

Formado originalmente por estudantes universitários e desempregados com diploma

na faixa dos 25-30 anos e desacreditados com o futuro, o movimento foi aos poucos

integrando membros de diversas classes sociais e de todas as idades. Em comum, o compartilhamento da desilusão gerada pelas medidas de austeridade e o medo da piora das

questões econômica, social e política na Espanha e no mundo. É curioso notar a progressiva

66

adesão da população idosa ao movimento, ao temer que sua condição de vida também se deteriorasse (CASTELLS, 2012).

Os Indignados podem ser considerados um movimento de contenção global, mas não

de contestação de uma ordem vigente por não possuir uma estrutura bem definida, nem uma agenda comum e precisar mostrar sua temporalidade.

We have defined the various occupy social movements, as diverse manifestations of an international cycle of contention fighting against socioeconomic injustice, whose primary goals and visions include a transformation of the economic system to provide greater opportunities, equality, and personal fulfillment. We have mentioned, as well, that these movements also seek to democratize power in more participatory ways in order to empower the sectors bearing the burden of economic strains. The current cycle of mobilization forces us to rethink the structure–agency–culture link. Structural conditions and contradictions that foster legitimation crises (see Langman, this issue), and in turn the loss or lack of jobs, displacements, and exclusions, can lead to a decline in the legitimacy of the elites, withdrawal of loyalty to the system, and, in turn, provide openings that prompt collective action. While the social movements of today have been responses to legitimation crises, these conditions do not lead to social movements per se. (PERRUGORIA, 2013, p.381)18

Apesar de críticos do sistema político e de seu caráter contestador e de contenção, os

“Indignados” não tinham como bandeira acabar com o sistema vigente, mas aplicar um novo. O objetivo era ajustar o sistema, melhorá-lo por dentro ou realimentá-lo para que gerasse frutos mais justos e mais igualitários. A palavra de ordem era reformar em vez de romper.

Para os participantes do movimento, questões políticas formais (reforma eleitoral) ou gerais

(corrupção) preocupavam mais do que políticas concretas, com exceção de políticas de educação e trabalhistas. Importante observar que os dois pontos mais críticos para os

manifestantes eram, por um lado, a política, e de outro, o poder dos bancos e o poder da mídia (CALVO, GOMEZ-PASTRANA, 2011).

Apesar da principal ideia de reforma, havia dois ritmos dentro do movimento. Um

terço dos que se autodenominam “ativos” permaneciam acampados, participavam de

comissões e falavam em reuniões, enquanto os outros dois terços eram menos ativos em todas estas atividades presenciais. No entanto, essa disparidade não marcou nenhuma grande

diferença no discurso, já que ambos os grupos consideravam como objetivo mais importante Tradução do autor: Nós definimos os vários movimentos sociais “occupy”, como manifestações diversas de um ciclo de contenção internacional que lutam contra a injustiça socioeconômica e cujos objetivos e visões primárias incluem a transformação do sistema econômico para proporcionar mais oportunidades, igualdade e realização individual. Temos mencionado, assim também, que esses movimentos buscam democratizar o poder de forma mais participativa, a fim de “empoderar” os setores que carregam o fardo de tensões econômicas. O atual ciclo de mobilização nos obriga a repensar a relação estrutura-agência-cultura. Condições estruturais e contradições que fomentam as crises de legitimação e, por sua vez, geram a perda ou a falta de emprego, deslocamentos, e exclusões, podem levar a um declínio na legitimidade das elites, a retirada de lealdade para com o sistema, e, por sua vez, promovem aberturas para a ação coletiva. Enquanto os movimentos sociais de hoje têm sido as respostas para a crise de legitimação, estas condições não geram movimentos sociais per se. 18

67

aluta por reformas em vez da de ruptura, além de apresentar como alvo não só a política, mas também a manipulação dos bancos e dos meios de comunicação.

Podemos dizer, então, que o movimento teve “duas almas” (TAIBO, 2013).Uma

trazida por movimentos anteriores, como os feministas, ambientalistas e por justiça global,

mais ligado ao movimento antiglobalização. Outra formada por pessoas jovens que participavam pela primeira vez de uma mobilização de rua, os “Young Indignados” (jovens

indignados). Esse último grupo se desenvolveu em um permanente estado de crise da

Espanha. Como já observamos, o desemprego entre os mais jovens no país, em 2011, estava

acima de 45%,e 54% das pessoas com idade entre 18 e 34 anos ainda moravam com os pais (LÓPEZ BLASCO apud TAIBO, 2013 p. 156).

The majority of ‘young indignados’, and most of the members of alternative social movements, belong to a middle class which through joblessness and insecurity has experienced an incipient process of de-classing (not so much of proletarianisation). Nonetheless it is true that many of these young people come from humble families. It is wage earners, moderately comfortable and with little propensity for revolt, who have been less present amongst the ranks of the 15 de mayo movement(TAIBO, 2013,p. 156).19

Ambos os grupos eram oriundos da classe média, em processo de perda de poder

econômico, e também de classes mais baixas. Apesar da diferença entre esses grupos, há um entendimento sobre a necessidade de seguir em uma mesma direção. Para Taibo (2013), a

partir da formação desses dois grupos ou “duas almas”, surgiram duas propostas diferentes: o “cidadanismo” e o “anticapitalismo”. A proposta “cidadanista” buscava focar em um

determinado problema e, por isso, tinha um caráter limitado. Em sua essência, se direcionava contra autoridades externas, como partidos e instituições, com o objetivo de fazê-las

modificar suas atitudes e políticas. Não contestava diretamente o capitalismo, não considerava os problemas em termos de divisão de classe e apresentava modos de reivindicação mais difusos. A proposta “anticapitalista”, por sua vez, apresentava uma crítica mais geral ao

sistema econômico existente, em termos de uma guerra de classes. Em tempos anteriores, se

encaixaria no grupo dos trabalhadores, mas, atualmente, esse termo traz mais problemas do que soluções. Isso ocorre porque hoje os trabalhadores clássicos já se encontram inseridos no

jogo capitalista e porque evidencia a erupção em décadas recentes de novos sujeitos políticos

Tradução do autor: A maioria dos 'novos indignados', e a maioria dos membros de movimentos sociais alternativos, pertencem a uma classe média através da qual o desemprego e a insegurança têm experimentado um processo incipiente de “de-classing” (não tanto de proletarização). No entanto, é verdade que muitos desses jovens são de famílias humildes. São os assalariados, que estão moderadamente confortáveis e com pouca propensão para a revolta, que foram os menos presentes entre as fileiras do movimento de 15 de Maio. 19

68

emancipatórios como as feministas e os ambientalistas. De fato, muitas das novas críticas ao sistema capitalista advêm desses novos grupos (TAIBO, 2013).

Apesar dessa divisão de ideias, o movimento recebeu um imenso apoio da opinião

pública em 2011 com o apoio de pelo menos ¾ da população às suas causas. Uma pesquisa realizada pela agência de pesquisas sociais Metroscopia (2011) demonstrou que quase 80% da

população espanhola defendia as reivindicações do movimento 15-M. Três a cada quatro espanhóis viam esse movimento como uma fonte de renovação da democracia e se sentiam respaldados por suas causas (CIS,2011).

Contendo grupos e pessoas tão diversas, o movimento se caracterizou, assim, por um

conjunto de múltiplos e ricos discursos cuja raiz era a transformação cultural personificada pelo próprio movimento. É importante ressaltar que essas pessoas foram às ruas lutar não só

contra uma crise, mas contra o sistema vigente. Os integrantes do movimento buscavam essa transformação cultural colocando seus ideais em prática na vida cotidiana dos cidadãos. Havia

uma busca pela ressignificação do modo como elas se relacionam, o valor do uso da vida sobre o valor comercial, o cooperativismo, redes de trocas, moeda social, ética bancária, e redes de solidariedade recíproca (CASTELLS, 2012).

Os Indignados são, como seu próprio manifesto ressalta, um movimento formado por

pessoas comuns que buscam uma vida mais digna e com características distintas àquelas

presentes no sistema capitalista. Podemos, assim, considerá-lo como um movimento sem

líderes e sem vontade de tê-los. Buscavam na resistência (contra os despejos, a política corrupta ou a manipulação da mídia) a razão fundamental para o envolvimento, dando espaço para a expressão de uma geração. Seus participantes valorizavam o espaço de aprendizagem,

tanto nos processos de tomada de decisão quanto pelo conteúdo reflexivo sobre a realidade social e política. Ainda que reconhecessem suas limitações, havia uma valorização do

mecanismo de assembleias como espaço de participação direta e não delegada que poderia ser um mecanismo exportável para outros âmbitos de decisão.

3.1.2

A crítica ao político

Um ponto marcante das manifestações dos Indignados é a existência de uma forte

rejeição ao sistema político institucional atual. Esse repúdio ficou claro com a forte oposição

dentro das mobilizações aos partidos políticos e uma crítica à forma de representação e

69

legitimidade do sistema. O movimento se caracterizava por ser apartidário, com a forte

desconfiança em relação à política organizada e aos partidos. De fato, para os manifestantes

espanhóis, o sistema político vigente dividido principalmente entre dois partidos, PSOE (Esquerda) e PP (Partido Popular – conservador), representava um jogo de cena. Para eles,

essa divisão era meramente fictícia e formal já que consideravam ambos como instituições burocráticas compostas por políticos profissionais que agiam mais em defesa dos interesses econômicos dos grandes grupos e deles mesmos do que a favor da população em geral.

Embora de forma imprecisa e sem limites, o movimento criticava a profissionalização da política, a redução da democracia a um simples mercado eleitoral entre opções políticas parecidas e subalternas aos poderes econômicos e a perda de controle sobre os representantes

políticos. Conforme a Tabela 4 abaixo, segundo dado do Centro de Investigações Sociológicas da Espanha, o grau de desconfiança da população em relação aos partidos políticos aumentava a cada ano desde antes das manifestações.

Tabela 4 – Quadro da pesquisa do CIS que mostra o nível de confiança da população espanhola nos partidos políticos.

0 Nenhuma confiança 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Muita confiança Média

012005 12,0

012006 11,8

102006 19,0

052007 13,5

102007 17,7

022009 12,8

122009 22,2

112010 27,6

012011 27,1

102011 32,4

3,6 6,2 10,2 14,1 27,2 9,2 4,5 2,6 0,4 0,7

3,3 7,0 8,0 11,0 26,4 13,6 8,1 4,4 0,6 0,6

4,4 9,4 12,5 12,7 22,1 8,4 3,5 2,5 0,3 0,5

3,2 5,9 9,5 13,5 29,8 10,2 4,4 2,3 0,4 D,3

3,7 7,7 10,5 13,2 22,4 10,3 5,6 2,7 0,4 0,9

3,2 8,4 10,8 15,9 28,6 8,8 4,0 1,8 0,1 0,5

4,2 9,6 12,8 13,7 21,2 7,1 3,5 1,5 0,3 0,2

5,5 9,2 10,4 12,5 18,9 6,0 2,6 1,7 0,2 0,4

5,0 9,8 13,5 11,0 18,0 7,3 3,6 1,6 0,5 0,5

5,2 9,5 10,5 9,5 17,3 5,7 3,6 1,8 0,4 0,9

3,94

4,25

3,41

3,91

3,69

3,80

3,19

2,88

2,97

2,76

Fonte: CENTRO DE INVESTIGACIONES SOCIOLOGICAS. Estudo n° 2190. Madri, 2011.

Pode-se concluir dos dados acima, que o movimento expressava uma vontade firme de

que a população recuperasse o controle sobre os assuntos públicos, sobre a tomada de

decisões, visando criar espaços democráticos de participação popular, como as assembleias de bairro, por exemplo, sem características necessariamente partidárias.

Dessa forma, esse era um movimento político, mas um movimento político apartidário, sem filiação ou simpatia por partido algum. Era ideológica e politicamente plural, ainda que em

70 suas fileiras houvesse indivíduos com muitas ideologias, assim como uma maioria de jovens com pouca experiência política anterior e total desconfiança em relação a política organizada. Entretanto, se o movimento era político, sua intenção não era funcionar por meio do sistema institucional, já que ampla maioria dos participantes achava que as regras institucionais de representação haviam sido manipuladas. Ainda que algumas reformas fossem propostas, isso foi mais como um exercício pedagógico para se conectar com a população em geral do que como uma esperança real de mudar o sistema político (CASTELLS, 2012 p. 110).

É exatamente por buscar um distanciamento dessa democracia política formal que o

movimento precisou inovar em sua constituição, buscando uma nova política. Graças ao seu

nascimento em rede e sua formação nos espaços públicos, o movimento não se constituiu em lideranças e criticava a forma hierárquica de organização. Foi acordado entre seus participantes que não haveria porta-vozes e cada um representaria a si mesmo e a mais ninguém. Esse lema fica evidente quando observamos nas mobilizações cartazes com os

dizeres de “No nos representan” (não nos representam) e “No conozco a nadie” (não conheço ninguém). Inspirada na internet, a horizontalidade é a norma da estrutura do

movimento, aliada a pouca necessidade de liderança já que as funções de coordenação podem ser realizadas pela própria rede.

Apesar da originalidade dessa visão, a “nova política” foi vista por integrantes

advindos de outras manifestações mais antigas de forma crítica como um “buenismo” (bommocismo) (CASTELLS, 2012). Dessa forma, o movimento precisou se estruturar de forma

inovadora para legitimar esse novo modo de fazer política utilizando a formação de assembleias para a tomada de decisões. Em geral, as assembleias ocorriam diariamente,

exceto quando era preciso convocar uma reunião de emergência. As decisões tinham caráter simbólico, pois cada membro era livre para tomar sua própria decisão, para então chegar a um

consenso a partir de debates e conversas. Havia uma linguagem manual para exprimir aprovação e reprovação ou pedir a palavra acerca de um tema, além da criação de comissões que aplicariam as orientações gerais vindas da assembleia em iniciativas específicas com o

objetivo de dar mais eficiência às votações e melhorar a negociação entre a maioria e a minoria.

Nesse sentido, se buscamos identificar um objetivo unificador do movimento, ele

seria o da transformação do processo político democrático. Diversas ideias surgiram a partir

da experiência desse novo fazer político. Temas como a reforma da lei eleitoral com a

finalidade de torná-la proporcional e viabilizar uma representação adequada das minorias e ideias de referendos obrigatórios para consulta e participação da população na tomada das

decisões foram questões novas que surgiram nesse ambiente. Passava a haver uma noção

71

geral de que as instituições políticas vigentes não eram verdadeiramente democráticas – daí a ideia de clamar por uma “Democracia Real Já!”.

Essa nova forma de protesto surpreendeu os partidos políticos que não souberam como

lidar nem como reagir a esse novo cenário. Tanto o PSOE, partido situação, como o PP, a

oposição, viram com bastante precaução essa nova ação, instituindo a repressão policial e a violência como respostas a esse medo.

Embora ainda não possamos identificar de maneira pragmática os resultados desse

movimento, fica claro que, em relação às reivindicações sobre a classe política e às novas

formas de organização política, o movimento trouxe como mensagem final a necessidade de

reforma do sistema político e a necessidade de pensar essa crise de representação além dos

partidos políticos para enfrentá-la. Há também a ideia de que a grande transformação passou a ocorrer na mentalidade dos cidadãos, destacando um caráter auto-reflexivo do movimento. O argumento aqui é que as manifestações fizeram as pessoas perceberem a necessidade de

mudar seu pensamento com relação à política, economia, participação popular e seus próprios

direitos e, mudando seus pensamentos, poderiam tomar ações que viessem a mudar a situação. A jornada para a mudança efetiva é longa e demorada, mas entende-se que o 15-M iniciou esse processo de mudança com os protestos (CASTELLS, 2012).

Há toda uma invisibilidade social de que os partidos políticos não se ocupam e que constitui hoje o cerne do problema da representação política. Representar quer dizer justamente estar presente no debate social, estar presente no conhecimento do outro, das realidades vividas por diferentes grupos sociais, as realidades vividas por pessoas, suas dificuldades. Portanto, há necessidade de novos organismos capazes de dar visibilidade a esses setores sociais, seja pela internet, pelos livros, pelos grupos comunitários. Ao lado deles, é preciso que haja também, ao lado dos partidos políticos, outros, que se ocupem, de maneira cotidiana e permanente, de discutir, criticar, interpelar o modo de agir do governo. É preciso fazer com que o governante preste conta, que se interesse pelo problema da sociedade, que seja transparente e torne as coisas mais visíveis. (...) Enfim, é preciso que a democracia articule os eleitores em torno de novas formas de representação, e essas organizações sociais se dediquem a brigar por maior transparência por meio da interpelação pública. É o que começa a emergir por todos os lugares do mundo (ROSANVALLON, 201?,p.33).

3.1.3

Ocupando os espaços públicos

A retomada dos espaços públicos e a sua utilização para a formação de acampamentos

e constituição de assembleias populares são as formas inovadoras do 15-M. A ocupação das praças tem valor simbólico para a ideia de retomada do poder pelo povo e ilustra a necessidade de reformulação da democracia e a forte oposição ao sistema político vigente. Os

72

manifestantes entendiam que a única forma de organizar essa nova comunidade política era a ocupação do espaço público.

Figura 4 – Panfletos distribuídos para a convocação do protesto de 15 de Maio de 2011

Fonte: WEBSITE DEMOCRACIA .

REAL

YA!

Disponível

em:

A ocupação das praças e a grande adesão obtida pelo movimento trouxeram a

necessidade de estabelecer regras de organização capazes de se diferenciar da estrutura burocrática e hierárquica das instituições políticas e empresariais. Desse modo, buscou-se uma estrutura sem líderes formais favorecendo uma organização horizontal.

Em muitos acampamentos, o movimento tentava tomar decisões por consenso,

conversando e debatendo até que todos concordassem. Para evitar ruídos e interrupções em excesso, adotou-se uma linguagem manual para exprimir aprovação ou desaprovação. As

assembleias e comissões não eram encontros com o propósito de preparar ações revolucionárias, ou seja, não eram meios, mas fins em si mesmos. O ponto principal dessa

73

ação era a necessidade de reunir-se para adquirir a percepção plena do desequilibro do sistema ousando confrontá-lo a partir da segurança de um espaço compartilhado, quer fosse na internet ou nas praças (CASTELLS, 2012).

No entanto um dos principais problemas enfrentados pelo movimento para continuar a

ocupação desses espaços foi que, com o tempo, só ativistas em tempo integral puderam

realmente participar das assembleias e administrar as tarefas cotidianas do movimento. Quanto mais tempo durasse a ocupação, mais o movimento se identificava com um grupo

menor de ativistas. Nesse sentido, em muitas cidades o movimento decidiu descentralizar suas ações, levando-as para o âmbito da vizinhança e organizar assembleias locais, representando o

interesse dos moradores seguindo o mesmo padrão democrático de deliberação e tomada de decisão (CASTELLS, 2012, p. 105). Pouco a pouco, entretanto, a massiva repressão policial e a forte oposição da mídia contra essas mobilizações levaram à suspensão dos acampamentos e a retomada dos protestos virtuais.

The main innovation of the 15-M repertoire was not the camps, nor the fact of congregating at a city square, nor the organization of meetings but the mixture of these three components: gathering at a city square indefinitely to turn it into a permanent dialogue and enunciation space. […] The occupied squares became, therefore, a 24-hour citizen agora where the exchange of ideas and their expression was possible. Another component of the repertoire … is the non-violent character of the movement’, which helped to popularize demands and increase the wave of sympathizers. The Spanish example quickly spread and was replicated in other places, and new techniques for dialogue were developed. (KALDOR ET AL, 2012, p.14)20.

3.1.4

Utilização das novas mídias e o papel da internet

Uma inovação fundamental no 15-M foi a utilização das mídias sociais e de

smartphones conectados à internet, como meio de informação e, ao mesmo tempo,

transmissão dos protestos a partir da visão de quem está “dentro da situação”. Embora a

ocupação do espaço público fosse essencial para a visibilidade da mobilização, como vimos anteriormente, a origem do movimento deve ser procurada nos espaços livres da internet.

Tradução do autor: A principal inovação do repertório de 15-M não estava nos campos, nem o fato de congregar em uma praça da cidade, nem a organização de reuniões, mas a mistura destes três componentes: o recolhimento em uma praça da cidade por tempo indeterminado para transformá-lo em um diálogo permanente e espaço de enunciação. [...] As praças ocupadas se tornaram, portanto, uma ágora de cidadãos funcionando 24 horas, onde foi possível a troca de ideias e sua expressão. Outro componente do repertório [...] é o caráter nãoviolento do movimento, que ajudou a popularizar demandas e aumentar a onda de simpatizantes. O exemplo espanhol rapidamente se espalhou e foi replicado em outros lugares, e foram desenvolvidas novas técnicas para o diálogo. 20

74

A criação de diversas plataformas online para disseminação de informações e

cruzamento dos ativistas foi um facilitador da expansão do movimento. Plataformas como o

”Juventud sin Futuro” com mais de 117.000 membros, “Democracia Real Ya” com mais de 500.000 e o “Movimento 15M” com mais de 80.000 membros no Facebook são exemplos

importantes da utilização das redes sociais para a divulgação de informação. Essa amplitude de membros também foi vista na utilização do Twitter. Conforme quadro abaixo, as hashtags mais importantes das manifestações tiveram um grande alcance dentro da própria Espanha,

mas também ao redor do mundo. A tabela 5 mostra a distribuição geográfica de contas do Twitter incluídas na base de dados dessa pesquisa, e em parênteses aparece o número

aproximado de contas por 1000 habitantes com base no censo espanhol de 2001 (VALLINARODRIGUEZ et al.).

Tabela 5 – Ranking das hashtags mais usadas pelos usuários em relação ao escopo geográfico do 15-M Região Número de usuários Porcentagem Total da Espanha 118.492 24,08 Madri 25.477 (3,94) 5,18 Catalunha 25.107 (3,34) 5,10 Andaluzia 14.164 (1,68) 2,88 Valência 8,519 (1,67) 1,73 Galícia 4,959 (1,77) 1,01 Castela e Leão 4.400 (1,72) 0,89 País Basco 4.207 (1,93) 0,86 Astúrias 3.153 (2,91) 0,64 Ilhas Canárias 2.800 (1,32) 0,57 Castela-Mancha 2.800 (1,34) 0,57 Aragão 2.537 (1,89) 0,52 Múrcia 2.496 (1,71) 0,51 Ilhas Baleares 1.884 (1,70) 0,38 Extremadura 1.679 (1,52) 0,34 Cantábria 875 (1,48) 0,18 Navarra 692 (1,09) 0,14 La Rioja 500 (1,55) 0,10 Restante do mundo 149.771 30.44 Não respondido 114.725 23.32 Desconhecido 109.064 22.16

Fonte: VALLINA-RODRIGUEZ et al. Los Twindignados: The Rise of the Indignados Movement on Twitter. Disponível em: . Tradução do autor.

75

A repercussão do movimento foi tão grande que o termo Spanish politics foi o sexto

assunto mais comentado no mundo durante a semana do dia 13/05/2011 a 19/05/2011 no

Twitter. Para Javier Toret, um dos primeiros membros da rede responsável por criar o slogan

“Democracia Real Ya!” essa repercussão representou um rompimento com a grande mídia e a afirmação do movimento.

O 15-M mostrou que as pessoas podem superar o bloqueio da mídia. A capacidade de autocomunicação de massa e de auto-organização on-line permitiu que as pessoas superassem o bloqueio da mídia. Em Barcelona, havia apenas um órgão da mídia na coletiva de imprensa que organizamos sobre as manifestações do 15-M, a BTV (Barcelona TV). Todos os outros sabiam que as manifestações iriam acontecer. Tínhamos escrito para eles, tudo fora anunciado via Twitter, Facebook, listas de e-mails... Mas nenhum apareceu. As estações de TV nos ignoraram totalmente, da mesma forma que os jornais... Mas, em geral, a mídia convencional ignorou ou bloqueou a proposta que apresentamos. O que isso mostra é um tipo de movimento pós-mídia. É pós-mídia porque há uma reapropriação tecno-política de ferramentas, tecnologias e veículos de participação hoje existentes. É onde as pessoas estão. É uma campanha on-line viral suficientemente aberta para que qualquer um se envolva e participe. (TORET apud CASTELLS, 2012,p. 94-95)

Assim, uma grande característica do movimento foi estabelecer sua própria narrativa

dos acontecimentos e a representar um poder paralelo de informação, uma vez que eles

próprios podiam, a partir da utilização de streaming e das redes sociais, contar sua própria versão dos fatos. Isso também demonstra o caráter transnacional do movimento, já que o alcance das informações disseminadas pelos manifestantes era amplo devido à utilização das redes sociais na internet.

Esse acontecimento foi uma importante forma de facilitar a conexão interpessoal

apesar da distância que se traduziu no rápido alastramento dessas manifestações para várias

partes do mundo. Ademais, essa forma de narrativa refletiu com perfeição a condição de

individualização das sociedades contemporâneas uma vez que nos permite lidar com outras pessoas mesmo não completamente engajadas ou próximas. Enfatiza-se, assim, o caráter complementar do uso da mídia social somado às formas existentes de reuniões presenciais como a ocupação do espaço público, acampamentos e assembleias(GERBAUDO, 2012; CASTELLS, 2012).

3.2 O movimento Occupy Wall Street Occupy Wall Street is a people-powered movement that began on September 17, 2011 in Liberty Square in Manhattan’s Financial District, and has spread to over 100 cities in the United States and actions in over 1,500 cities globally. #Occupy is fighting back against the corrosive power of major banks and multinational corporations over the democratic process, and the role of Wall Street in creating an economic collapse that has caused the greatest

76 recession in generations. The movement is inspired by popular uprisings in Egypt and Tunisia, and aims to fight back against the richest 1% of people that are writing the rules of an unfair global economy that is foreclosing on our future. OccupyWallSt.org is the oldest and most trusted online resource for the Occupy Movement. We were founded on July 14th, 2011 when Justine Tunney organized a scrappy group of anarchists to take the initiative in organizing a call to action published by Micah White in Adbusters magazine.(WEBSITE OCCUPYWALLST.ORG).21

3.2.1

O contexto do surgimento do Occupy

Em 2008 estourou nos Estados Unidos uma grave crise econômica que atingiu o

sistema financeiro a partir de uma bolha no mercado imobiliário originada pela negociação de

títulos podres conhecidos como subprimes. Negociados na bolsa de valores, esses títulos tinham sua origem no financiamento de casas para pessoas de classe mais baixa da população.

Como uma operação financeira de alto risco, por conta do temor de não pagamento dos beneficiários, esses títulos eram muito valorizados no mercado especulativo. Devido à alta exposição e à volatilidade dos papéis, o grande lucro dos negociadores tornou o negócio

muito vantajoso e gerou uma bolha que deslocou a economia financeira da economia real. Quando se percebeu que o sistema estava no limite, era tarde demais. Como os principais participantes desse esquema eram grandes bancos, seguradoras como a AIG, e agências de

risco, a economia sofreu um forte revés. Muitas pessoas ficaram sem suas casas e, com a

derrocada do sistema financeiro, muitas empresas precisaram se reestruturar causando um grande número de demissões.

Com a explosão dessa crise, a desigualdade econômica se tornou maior e mais penosa

para a maioria dos americanos afetados pelo desemprego, pela tomada de suas posses pelos credores e pela queda no rendimento. Em 2009, a taxa de desemprego chegou a 10% da

população, a mais alta desde a crise de 1929. A esperança de dias mais prósperos com a entrada do governo democrata de Barack Obama logo evaporou. Obama, logo de início,

demonstrou que não seria um novo Roosevelt com seu New Deal, adotando uma postura Tradução do autor: Occupy Wall Street é um movimento de “empoderamento” das pessoas que começou em 17 de setembro de 2011, na Liberty Square, no distrito financeiro de Manhattan, e se espalhou para mais de 100 cidades nos Estados Unidos e as ações em mais de 1.500 cidades em todo o mundo. #OWS está lutando contra o poder corrosivo de grandes bancos e corporações multinacionais sobre o processo democrático, bem como o papel de Wall Street na criação de um colapso econômico que causou a maior recessão em gerações. O movimento é inspirado por revoltas populares no Egito e na Tunísia e visa lutar contra o 1% mais rico da população que estão escrevendo as regras de uma economia global injusta que está impedindo o nosso futuro. OccupyWallSt.org é o mais velho e mais confiável recurso on-line do movimento Occupy. O grupo foi fundado em 14 de julho de 2011 quando Justine Tunney organizou um grupo desconexo de anarquistas para tomar a iniciativa de organizar uma chamada à ação publicado na revista Adbusters por Micah White. 21

77

extremamente pragmática. Político centrista cauteloso e com a necessidade de conter um

capitalismo fora de controle, Obama tomou todo cuidado para não antagonizar com a América

corporativa que o ajudara em sua eleição, financiando sua campanha de primeiro presidente afro-americano dos EUA.

During the Depression, unemployment topped 25 percent; today it is 9.1 percent. Then, the United States had a president, Franklin Roosevelt, who said of the plutocrats who opposed his policies and hated him personally: "I welcome their hatred!" Like the Wall Street protesters today, he spoke of "government by organized money" and of the "forces of selfishness and lust for power." The response was electric, and Roosevelt was re-elected by a greater majority than in the previous election. The difference this time is that the White House and the Democratic Party offer no leadership to the inchoate anger that Occupy Wall Street reflects. In his press conference last week, after acknowledging that he understands the anger of the protesters, President Barack Obama was quick to assure the financial sector of his continuing support. (TARROW,2011, p. 60) 22

Nesse quadro de crise, embora os maiores afetados fossem os mais pobres e os

trabalhadores, não foram os sindicalistas, como muitos esperavam que seria, que tomaram a

iniciativa e a dianteira dos protestos contra as medidas adotadas para o resgate do sistema financeiro. A primeira expressão de indignação popular veio da ascensão do Tea Party, uma

mistura de populismo político com liberalismo econômico que surgiu no bojo da discussão sobre a reforma do sistema de saúde americano e se opunha fortemente à eleição de Obama.

No entanto, quando ficou claro para a maioria da população que esse grupo político era

financiado pelas Indústrias Koch, um conglomerado empresarial oposicionista à Obama, e apropriado pelo partido conservador, houve um rápido e profundo esvaziamento do grupo.

O movimento começou a ganhar força novamente quando ecoaram as notícias e

imagens da Praça Tahrir no Egito e do movimento dos Indignados na Espanha. O eco

transnacional dessas mobilizações pelas redes sociais e pela internet voltou a exaltar os ânimos nos Estados Unidos. Cabe ressaltar que, em períodos de crises políticas e econômicas e insatisfação, a população frequentemente questiona a legitimidade do próprio sistema. E foi

exatamente esse sentimento de indignação e questionamento sobre a legitimidade do sistema o estopim para a ocupação das praças – como já vimos que ocorreu com o 15-M. A

necessidade de expressar sua revolta contra a política adotada pelo governo americano e a Tradução do autor: Durante a Depressão, o desemprego superou 25 por cento; hoje é de 9,1 por cento. Em seguida, os Estados Unidos tinham um presidente, Franklin Roosevelt, que disse aos plutocratas que se opunham às suas políticas e o odiavam pessoalmente: "Congratulo-me com seu ódio". Como os manifestantes de Wall Street hoje, ele falava de um "governo pelo dinheiro organizado" e das "forças do egoísmo e do desejo de poder." A resposta foi elétrica, e Roosevelt foi reeleito por uma maioria maior do que na eleição anterior. A diferença desta vez é que a Casa Branca e a liderança do Partido Democrata não parece oferecer a raiva incipiente que reflete no Occupy Wall Street. Em sua conferência de imprensa na semana passada, depois de dizer que entendia a raiva dos manifestantes, o presidente Barack Obama foi rápido para assegurar ao setor financeiro o seu apoio contínuo. 22

78

frustração com a crise financeira que deteriorava cada vez mais o nível de vida da população mais vulnerável tornou a situação insustentável.

O incentivo final veio quando, em 13 de julho de 2011, a Adbusters, revista crítica

cultural com sede em Vancouver, no Canadá, postou em seu blog uma convocação que sugeria:

No dia 17 de setembro, queremos ver 20 mil pessoas fluindo para Lower Manhattan, montando barracas, cozinhas, barricadas pacíficas e ocupando Wall Street por alguns meses. Uma vez lá, vamos repetir incessantemente uma só demanda numa pluralidade de vozes (...). Segundo esse modelo, qual é a nossa demanda elementar?(...) É a que atinge o cerne do motivo pelo qual o establishment político americano é atualmente indigno de ser chamado de democracia: exigimos que Barack Obama nomeie uma comissão presidencial com a tarefa de pôr fim à influência do dinheiro sobre nossos representantes em Washington. È hora de DEMOCRACIA, NÃO EMPRESARIOCRACIA. (CASTELLS, 2012, p. 120).

Embora o principal incentivo tenha vindo da revista Adbusters, outros grupos

ajudaram a mobilizar pela rede a tomada das ruas. Blogs como AmpedStatus e a rede Anonymous ganharam grande importância para espalhar a convocatória para o evento e

aumentar sua repercussão e adesão. O site AmpedStatus já vinha postando sistematicamente sobre a destruição financeira da economia e a rede Anonymous ajudava com o rastreamento de dados. Essa convocação tem peculiaridades que a diferenciam das outras manifestações por

não ser realizada por um grupo de recém-formados desempregados que se conheceram em redes sociais (como no caso do 15-M), em vez disso, nessa ocasião, a iniciativa foi tomada

por uma mídia alternativa estabelecida, a revista canadense de cunho anticonsumista Adbusters (GERBAUDO, 2012).

Dessa maneira, essa divulgação via internet e redes sociais, aliada ao sentimento de

indignação, alastrou a manifestação de 17 de setembro em Wall Street para outros pontos de Nova York e outras cidades americanas. A forte repressão policial ao evento também foi um fator importante para a divulgação e a adesão: quanto maior o número de imagens e vídeos

publicados em redes sociais como o YouTube mostrando a repressão policial, maior a divulgação e a empatia à manifestação. A rede Anonymouys chegou a revelar o nome de um policial de Nova York que agrediu uma manifestante sem motivo. Da mesma forma, diversas

cidades americanas também fizeram seus acampamentos: Chicago, Boston, Washington, São Francisco, Oakland (CASTELLS, 2012).

La única forma de movilizar al público americano – o cualquier otro público – de la que yo haya oído hablar es salir ahí fuera y unirse a él. Ir allí donde esté la gente – iglesias, clubs, escuelas, sindicatos – allí dondequiera que pueda estar. Comprometerse con la gente y tratar

79 de aprende de ella, y aportarle un cambio de conciencia. Una vez más, eso tiene que ser algo muy concreto. (CHOMSKY, 2012, p.52)23

3.2.2

Os objetivos do movimento

O Occupy trouxe como reivindicação principal a necessidade de reinvenção da

democracia e da política com o objetivo de compor uma nova ordem social mais real, justa e

próxima da população. O clima de insatisfação, o desemprego, a falta de punição para os responsáveis pela crise e o socorro dos dois partidos políticos ao sistema financeiro foram os

principais motores do sentimento de indignação que surgia nesse momento nos Estados Unidos. A formação do Occupy, longe de um movimento isolado, fez parte de uma rede de indignação ampla e abrangente. Essa mobilização imprimiu sua importância a partir do desejo

de elaboração de uma nova forma de fazer política, da vocalização e da expressão da desconfiança no que tange os aparelhos institucionais democráticos e, principalmente, das relações políticas entre Estado e mercado.

A indignação estava no ar. Primeiro, subitamente, o mercado imobiliário naufragou. Centenas de milhares de pessoas perderam suas casas e milhões perderam grande parte do valor pelo qual haviam trocado suas vidas. Então o sistema financeiro chegou à beira do colapso em consequência da especulação e da ganância de seus administradores que foram socorridos com o dinheiro dos contribuintes. Eles não se esqueceram de recolher seus bônus milionários, recompensa por um desempenho canhestro. As empresas financeiras sobreviventes cortaram empréstimos, fechando milhares de firmas, eliminando milhões de empregos e reduzindo profundamente os salários (CASTELLS, 2012, p. 117).

Essas críticas acabaram por fundamentar e unificar diferentes e amplas redes de

relações, grupos e classes sociais. Nesse sentido, identificar e conhecer os elementos

característicos do ativismo desses grupos, subjugados pela crise e articulados a despeito do emaranhado de concepções ideológicas e políticas heterogêneas, possibilita compreender as semelhanças e diferenças nessa ampla rede de grupos.

Essas manifestações, em um primeiro momento, não defendiam uma utopia grandiosa

de emancipação social. Pelo contrário, elas “expressam em sua diversidade e amplitude de expectativas políticas, uma variedade de consciência social crítica capaz de dizer “não” e

mover-se contra o status quo”. As mobilizações possuíam um profundo lastro moral de Tradução do autor: A única maneira de mobilizar o público americano – ou qualquer outro pública – de que tenho ouvido falar é sair lá fora e se juntar a ele. Vá lá onde as pessoas estão – igrejas, clubes, escolas, sindicatos – lá onde quer que seja. Comprometer-se com as pessoas e tentar aprender com elas, e fazê-las mudar de consciência. Mais uma vez, tem que ser algo muito concreto. 23

80

impulso crítico em sua contingência. É importante ressaltar que, apesar do caráter crítico ao

modelo econômico capitalista, o Occupy não assumiu uma posição anticapitalista como, por exemplo, as mobilizações da década de 1990 e 2000, que foram expostas no primeiro capítulo

desta pesquisa. Na verdade, o que existia era uma consciência crítica capaz de expor sua indignação moral com as distorções e as misérias geradas por esse sistema (ALVES, 2012).

Assim, a chave para obter os objetivos do movimento era, antes de tudo, a formação de uma rede “apolítica” de relações sociais (ZIZEK, 2012, p.22).

Para entender melhor o que queria o Occupy é válido retomar a classificação

desenvolvida pelo sociólogo Charles Tilly, segundo a qual movimentos podem ser classificados em três tipos: 1) de acordo com a política que reivindicam; 2) de acordo com o

eleitorado que afirmam representar; e 3) de acordo comas identidades que tentam construir. Nesse sentido, o que diferencia o Occupy de movimentos anteriores, como os dos direitos civis, e o separava do Tea Party, é a combinação desses dois somente nos dois primeiros

pontos, ao passo que o Occupy se afirmava como um movimento presente, do “nós estamos aqui”, e buscava apenas esse “reconheçam-nos”, o que demonstrava a busca de uma identidade ainda não definida e justificava a pauta política ainda difusa (TARROW, 2011).

Essas manifestações podem ser comparadas às manifestações que ocorreram durante a

Grande Depressão de 1930 devido ao contexto similar de grave crise econômica. Elas

possuem pontos comuns, como a ausência de agenda política definida, a necessidade de reconhecimento e mudança radical nas relações entre governo, população e corporações; o

contexto de alta taxa de desemprego; crise econômica de amplitude global; presença de forças

obscuras e reações em curso, como a lei anti-imigração aprovada recentemente no Arizona e Alabama, e os pedidos dos políticos por drásticas reduções de gastos (TARROW, 2011).

O Occupy pode ser entendido, então, mais como uma forma de protesto e indignação

que se espalha através de um contágio tanto virtual quanto presencial, cujo objetivo era criar mais perguntas do que respostas: que organização social pode substituir o capitalismo atual?

Quais são os líderes que precisamos? E quais órgãos institucionais precisam mudar? (ZIZEK, 2012, p.16). A necessidade de forçar uma reconsideração do modo como os negócios são

feitos ofereceu esperança para aqueles que estavam descrentes do sistema econômico atual.

Ao contrário de um protesto tradicional, que identifica o inimigo e luta por uma solução

particular, o Occupy buscou debater seu próprio valor, reconhecendo suas inconsistências internas e promoveu uma nova forma de protestos mais aplicável, sustentável e acionável do

que a que passa na política atual. Os manifestantes se preocuparam mais em denunciar uma

81

desconexão de forças, apontando o caminho em direção a algo completamente diferente do que o jogo de soma zero que favorece os investidores de cima e a grande mídia.

3.2.3

A composição do Occupy

A heterogeneidade de demandas, origens, ideologias e interesses dos manifestantes

seja na Puertadel Sol, Wall Street, Atenas ou Londres é tão complexa quanto a própria sociedade contemporânea com seus fluxos reais e virtuais. Identificar a composição dos participantes não é uma tarefa simples, já que o movimento é marcado por um alto grau de diversidade social e política. É importante apontar que havia uma diferença significativa em

relação ao engajamento dos participantes desde a atuação nos acampamentos até a ação em assembleias e atos de protesto.

Podemos observar que a maioria dos manifestantes estava plenamente engajada com o

movimento e era constituída por jovens profissionais e estudantes na faixa dos 20 aos 40 anos.

Cerca de metade deles tinha emprego em tempo integral, com um número significativo de desempregados, subempregados, empregados temporários ou em tempo parcial. O nível de

renda estava em torno da média dos americanos. Era um grupo de maioria branca e pessoas esclarecidas, várias com diplomas de ensino médio e muitas com curso universitário

completo(CASTELLS, 2012, p. 127). É válido retomar o infográfico com informações sobre a composição Occupy que apresentamos no primeiro capítulo desta dissertação.

Nota-se que, assim como no caso espanhol, o movimento é composto,

majoritariamente, por jovens instruídos e subempregados, com baixa expectativa profissional

e pessoas que perderam casas e empregos graças à crise financeira de 2008. Esses jovens nasceram e cresceram dentro da ordem neoliberal com o enfraquecimento do Estado de bem-

estar. Eles se caracterizam pelo trabalho precarizado, e por vezes possuírem diploma universitário e estarem desempregados. Outra característica importante desses jovens manifestantes é o domínio dos novos meios de comunicação.

Its participants tended to be young, which made sense if only because this moment in capitalist development has hit the young hard. In the United States, young people now finish school with high debts and narrowed employment prospects. So maybe it was a youth movement. But young people are generally in the forefront of protest movements, if only because the advantages of biology and fewer social responsibilities make them more mobile and maybe more hopeful as well. This movement surely seemed intent on portraying itself as new and different. ‘Occupy everything; demand nothing,’ they proclaimed in an effort to

82 show themselves as the agents of total and uncompromising transformation. While the tactic of occupation was not exactly new – the labor movement in the 1930s had occupied factories, and squatting on land or in houses is a familiar form of collective action in the United States and elsewhere – it was a break with the usual movement repertoire of marches and demonstrations, tactics that have the disadvantage of posing only very short-term inconvenience to the authorities and seem mainly aimed at affecting public opinion and electoral politics.(PIVEN, 2014, p. 224)24

Apesar da presença marcante dos mais jovens, nessa classe de precarizados

encontram-se, também, segmentos de trabalhadores qualificados, pessoas altamente educadas bem como a população mais pobre trabalhando em setores e empresas não regulamentados.

Nesse ponto não podemos deixar de ressaltar a participação de sindicalistas de meia-idade,

assim como da classe trabalhadora na faixa dos 50 anos, obrigada a arcar com os custos da recessão econômica em suas vidas.

Essa enorme heterogeneidade entre os participantes é observada na grande diversidade

de posições políticas e ideológicas: havia grupos distintos compostos de manifestantes anarquistas, liberais até ex-militantes do Tea Party. No entanto, a maioria era representada por eleitores democratas, assim como pessoas politicamente independentes. Todos esses grupos estavam presentes na busca de novas formas de transformar o mundo. (CASTELLS, 2012). 3.2.4

O uso das redes sociais e a ocupação dos espaços públicos

The encampments and occupations of 2011 have rediscovered this truth of communication. Facebook, Twitter, the Internet, and other kinds of communications mechanisms are useful, but nothing can replace the being together of bodies and the corporeal communication that is the basis of collective political intelligence and action. In all the occupations throughout the United States and around the world, from Rio de Janeiro to Ljubljana, from Oakland to Amsterdam, even in cases when they lasted only a short time, the participants experienced the power of creating new political affects through being together. Perhaps it is significant in this regard that the call to Occupy Wall Street that appeared in Adbusters in the summer of 2011 was cast in artistic terms and was indeed heeded by, among others, artist collectives in New York. An occupation is a kind of happening, a performance piece that generates political affects (HARDT; NEGRI, 2012,p. 21).25

Tradução do autor: Seus participantes tendiam a ser jovens, o que fazia sentido já que esse momento do desenvolvimento capitalista atingiu em cheio a juventude. Nos Estados Unidos, os jovens agora terminar a escola com altas dívidas e as perspectivas de emprego estreitaram. Então talvez tenha sido um movimento de juventude. Mas os jovens são geralmente na vanguarda de movimentos de protesto, mesmo porque as vantagens físicas e menos responsabilidades sociais os tornam mais móveis e talvez mais esperançosos também. Esse movimento certamente teve a intenção de se apresentar como novo e diferente. 'Ocupe tudo; exigir nada ", proclamaram em um esforço para mostrarem-se como agentes da transformação total e intransigente. Enquanto a tática de ocupação não era exatamente nova - o movimento trabalhista na década de 1930 tinha ocupado as fábricas - foi uma ruptura com o repertório habitual do movimento de marchas e manifestações, táticas que têm a desvantagem serem de muito pouco inconvenientes para as autoridades e parecem destinadas principalmente a afetar a opinião pública e política eleitoral. 25 Tradução do autor: Os acampamentos e ocupações de 2011 têm redescoberto a verdadeira comunicação. As mídias sociais como Facebook, Twitter, a internet, e outros tipos de comunicações são úteis, mas nada pode 24

83

A partir da citação acima (e somando-se o que já foi falado sobre o 15-M) podemos

observar que a conjunção entre redes sociais, internet e ocupação dos espaços públicos foi uma característica inovadora nessa nova onda de mobilização. Desde as revoltas da Primavera

Árabe, passando pelas ocupações da Espanha e dos Estados Unidos, o ciberespaço tem sido o

lugar estratégico de onde partem as mobilizações e articulações, cujo resultado culminou em ações organizadas de protestos em mais de 1.065 cidades dos cinco continentes, em 15 de

outubro de 2011, que ficou conhecido o Dia de Luta Global – demonstrando, mais uma vez, como esses protestos recentes tiveram alcance para além do local e do nacional. Por exemplo, após a transmissão das imagens dos protestos de setembro e outubro de 2011 em Nova York, em poucos dias a ocupação começou a ocorrer espontaneamente em outras cidades americanas, como Chicago, Boston, Los Angeles e várias outras.

A expansão das redes sociais a partir da difusão de conteúdos pela web transformou o

modo de organização social dos protestos. As redes tecnológicas moldaram novas formas de

subjetividade política, uma vez que se estruturam de maneira horizontalizada, não hierarquizada, em que cada um representa a si mesmo. A utilização dessas novas tecnologias trouxe inovação de novas dinâmicas de protestos e novos espaços de ocupação, transformando o ideal político e cultural emergente.

Podemos afirmar que o movimento Occupy já nasceu digital. O apelo para a

mobilização e a expressão da indignação vieram de vários blogs (Adbusters, AmpedStatus e Anonymous), além de publicados no Facebooke difundidos pelo Twitter. A Adbusters, por exemplo, registrou a hashtag #occupywallstreet em seu blog em junho de 2011, chamando para a ocupação das ruas. É interessante ressaltar que, depois de lançada a hashtag

#ocuppywallstreet, os primeiros tweets de demonstração de apoio que chegaram ao movimento nos Estados Unidos vieram justamente da Espanha, onde os Indignados tomavam

fôlego para manter os protestos. Desta forma, vemos que “as redes sociais da internet mobilizaram apoio suficiente para que as pessoas se reunissem e ocupassem o espaço público [...]. Uma vez organizados os acampamentos, elas estabeleceram sua presença como

substituir o fato de estarem juntos naquele espaço e a comunicação corporal que é a base da inteligência política e de ação coletiva. Ao longo de todas as ocupações nos Estados Unidos e ao redor do mundo, a partir do Rio de Janeiro para Ljubljana, de Oakland para Amsterdam, mesmo em casos quando eles duraram apenas um curto período de tempo, os participantes experimentaram o poder de criar uma nova relações políticas por estarem juntos. Talvez seja significativo em relação a esse ponto que a chamada para ocupar Wall Street que apareceu na Adbusters no verão de 2011, foi lançado em termos artísticos e foi efetivamente ouvida por, entre outros, coletivos de artistas em Nova York. Uma ocupação é uma espécie de acontecimento, uma performance que altera as relações políticas.

84

ocupações específicas na internet”. Isso se deu a partir da criação de sites dos próprios acampamentos para divulgação de informações (CASTELLS, 2012, p. 134).

Figura 5 – Gráfico com os temas mais mencionados no Twitter utilizando a hashtag #OWS

Auditar a Reserva Federal

Transparência no governo

Perdoar as dívidas de empréstimos estudantis

Fim da discriminação aos desempregados

Mídia imparcial

Democracia real

Reforma financeira

Recuperação do salário mínimo

Menos dinheiro na política

Em porcentagem

Ajuda aos pobres

Separação entre corporações e Estado

Transparência

Liberdade de expressão Equidade

Consertar o capitalismo Emprego

Justiça

Aumento de impostos para milionários

0

5

10

15

20

25

30

Fonte: BERMAN, J. Occupy Wall Street Twitter Mentions Most Often Focus On Tax Increases For Millionaires.Huffington Post. 2011. Disponível em: . Tradução do autor.

As mídias sociais, como Facebook, YouTube, e, especialmente, o Twitter, foram

particularmente importantes durante a fase inicial de mobilização do Occupy, embora a

utilização dessas ferramentas ganhasse maior destaque e evidência a partir do

desmantelamento forçado dos maiores acampamentos nos Estados Unidos, de meados de

novembro a início de dezembro de 2011. Esta mudança numa direção menos pública das

85

formas de organização e de trabalho em rede, longe da ocupação dos espaços físicos, ajudou a

garantir o poder de permanência do movimento – um desafio significativo, dada a vulnerabilidade das mobilizações devido à ausência de estruturas de rede de longo prazo. Vale ressaltar que as redes sociais eram utilizadas pelos participantes como ferramenta de

integração, mas seu uso não foi pensado com o objetivo de substituir as assembleias e os acampamentos. Eram uma forma de facilitar a colaboração tanto local quanto transnacional.

Assim como na Espanha, a utilização do livestreaming, ferramenta de transmissão de

conteúdo em tempo real via internet, quebrou o monopólio da informação das grandes

corporações midiáticas. A visão de dentro do protesto passou a ser amplamente divulgada e

representou uma importante ferramenta de resistência. O Occupy Boston é um bom exemplo dessa quebra de controle da narrativa. Graças à utilização da ferramenta, a forte repressão policial comum ao início das outras manifestações foi transmitida para mais de 8 mil pessoas,

incentivando a participação da opinião pública no movimento. No entanto, a transmissão via

internet também trouxe pontos negativos ao elevar participantes com um ponto de vista próprio ao patamar de “celebridades”, logo rotuladas como porta-vozes do evento (JURIS,2012).

É importante ressaltar que, mesmo após o desmantelamento dos acampamentos, a

grande virtude da utilização das redes foi a continuidade do protesto em um longo prazo. Por ser um movimento híbrido, que liga o ciberespaço ao espaço urbano por meio de múltiplas formas de comunicação, ele se mantém aberto para novas possibilidades (CASTELLS, 2012).

3.2.5

Um movimento político contra o político

Assim como nos protestos da Espanha e de diversas partes do mundo, o movimento

Occupy buscou reformular e pensar alternativas ao sistema político atual. Denunciando o

caráter meramente figurativo dos principais partidos políticos e sua submissão, na visão dos manifestantes de maneira geral, aos interesses do mercado financeiro e das grandes

corporações, o movimento tinha como bandeira dar voz às pessoas comuns, ao povo, aos que eles consideram como os 99% (contra o 1% dos privilegiados). Buscava-se ampliar canais de

comunicação e interação entre os participantes aprimorando o processo político e o processo

de tomada de decisões dentro dos acampamentos. A necessidade de “democratizar a democracia” era uma bandeira bastante simbólica dentro dessa mobilização.

86

Desde o início, o movimento Occupy experimentou novas formas de organização, deliberação e tomada de decisão como modo de aprender, fazendo, o que é a verdadeira democracia. Essa é uma característica fundamental do movimento. A instrumentalidade não era valor supremo, a autenticidade, sim. Os ocupantes não desejavam reproduzir em suas práticas o tipo de democracia formal e de liderança personalizada a que se opunham. Eles inventaram, pouco a pouco, um novo modelo organizacional que, com variações, esteve presente na maioria das ocupações (CASTELLS, 2012, p. 137).

Considerando a necessidade de inovação do processo político trazida pela formação de

um movimento sem liderança formal e com estrutura horizontal, o movimento precisou se

estruturar para dar voz a um maior número de pessoas. A constituição de uma Assembleia Geral que permitia a participação de todos foi um modo de organizar os processos de votação. A utilização das assembleias populares refletia a busca por uma democracia direta em que o

poder estivesse mais próximo do povo. Vale ressaltar que qualquer pessoa podia apresentar

uma proposta e esperava-se que todos, menos os que escolhessem abster-se ou somente

observar, participassem do processo de votação. Os comitês de facilitação surgiram para

organizar a assembleia e eram formados em regime de revezamento. Esses comitês foram de suma importância para a administração dos acampamentos e neles eram votadas de questões de segurança, administração de alimentos e doações, por exemplo.

Apesar de muito críticas ao modelo representativo, as manifestações não apresentavam

a necessidade de tomar o controle do Estado ou, em um primeiro momento, a formação de um

novo partido. O objetivo a partir dessa organização horizontal era facilitar o contato entre as pessoas e o processo decisório em busca de maior participação da sociedade civil – entretanto,

como veremos mais adiante, o Occupy e o 15-M se diferenciam no legado que deixaram, uma vez que o 15-M acabou se institucionalizando a partir do surgimento do partido Podemos.

Assim, podemos observar que esses movimentos trouxeram questões e desafios

importantes para as democracias ocidentais. Entre eles, a necessidade de repensar o modelo institucional burocratizado com tomadas de decisão cada vez mais afastadas da população,

mas que geram consequências negativas sofridas por ela quando mal articuladas. Dessa

forma, a utilização de métodos alternativos de tomada de decisões como as assembleias gerais, a utilização de facilitadores de discussão e a utilização de sinais para a comunicação,

são formas concretas de demonstrar a possibilidade de uma nova política. Se existe um

indicador de sucesso desses movimentos foi exatamente a utilização dessa nova práxis política.

This wave of protests also gave democracy a new locale; taking it out of dim, hierarchical, and bureaucratized institutional redoubts, and bringing it to the light and openness of the public space. The cycle marked, as well, the ‘outing’ of horizontal deliberation from the social

87 movement micro spheres to which it had been traditionally confined – such as the feminist or the squatter movement – and its diffusion and massification (Romanos, 2011). Much of the Occupy movement’s democratic process occurs in ‘working groups,’ where any protestor can have their say. However, important decisions are often made at general assemblies using the consensus model of direct democracy. These meetings operate with discussion facilitators rather than leaders, and often feature the use of hand signals to increase participation. The political socialization of thousands of men and women, young and old, in this type of horizontal and deliberative political praxis is, perhaps, one of the most important outcomes of this cycle of contention. (TEJERINA et al; 2013, p. 383).

3.3 Um movimento político social x movimento econômico social

Ao longo deste terceiro capítulo da pesquisa, vimos as características dos movimentos

recentes estudados, o Occupy e o 15-M.Os movimentos apresentam diversas semelhanças e

algumas diferenças também. As semelhanças surgem principalmente no que tange à origem dos movimentos e sua organização.

Como já vimos até agora, a combinação entre as potencialidades do ativismo das redes

sociais, o uso da internet e as tradições emancipatórias dos movimentos nos espaços urbanos

foram um combustível para a formação dessas mobilizações. No entanto, para entender o

motivo que levam as pessoas a se juntarem e lutarem por um causa, necessitamos de um olhar

mais abrangente. Tanto o Ocuppy quanto o Indignados devem ser entendidos sob significados

culturais, bem como a criação e reconhecimento de novas formas de identidades coletivas

impulsionados por visões de possibilidades alternativas de subjetividade. Essas mobilizações se preocupavam mais com o processo de construção de uma mensagem de alternativa do que propriamente com o produto final que podem gerar (LANGMAN, 2013).

Nesse sentido, a origem do 15-M aparece, como já vimos, como uma resposta à crise

econômica na Espanha. O aumento do desemprego e a queda dos benefícios recebidos pela

população espanhola nas áreas de saúde e educação, principalmente, foram a faísca que levou ao aparecimento do movimento, que também demandava uma democracia real e

representativa. Embora o movimento tenha eclodido devido às consequências negativas da crise econômica, suas raízes são mais profundas. O sentimento de indignação espanhola vem

desde a política de controle da internet pela a aprovação da lei Sinde. Essa lei permitia que o Estado tivesse um maior controle sobre o conteúdo produzido dos sites e dos usuários. A

repercussão negativa dentro da opinião pública espanhola fez com que diversos grupos se

unissem e aparecesse dessa indignação o No Les Vote! Surge desse movimento um repúdio à

88

classe política como um todo mas, principalmente, ao partido de esquerda, o PSOE. Essa crise da esquerda espanhola, que culminou com a eleição do PP em 2011, abriu espaço para a consolidação das reivindicações que vinham das ruas. Essa indignação, somada ao caráter mais autonomista da política espanhola, permitiu que o 15-M tivesse uma grande expressão nacional e culminasse com a criação do partido Podemos que ganha corpo como uma terceira força política na Espanha.

O Occupy também se originou a partir das demandas domésticas, causadas pela piora

na qualidade de vida da população norte-americana, o estouro da bolha imobiliária, entre

outros, mas seu aparecimento foi fortemente influenciado pela ação dos Indignados na Espanha e também dos gregos em Atenas. Embora houvesse uma crítica e um repúdio à classe

política como um todo, como observamos no quadro da página 84, esse movimento teve um caráter mais econômico-social, uma vez que se preocupou em lutar contra as desigualdades

geradas pelo sistema econômico. Temas como a taxação de riqueza, justiça, emprego e ajustes

do capitalismo foram preponderantes nessas manifestações. Não houve como na Espanha uma crítica direta aos principais partidos políticos.

Dessa forma, apesar de ambos os movimentos terem origem nas consequências da

crise mundial de 2008, suas abordagens aos problemas são diferentes. O Occupy tem viés mais econômico e, no caso do 15-M, a raiz do movimento foi mais política.

A linguagem dos Indignados remetia sempre à necessidade de uma reforma política

através de uma “democracia real”, ou seja, havia forte crítica ao sistema político, aos três poderes – que deixaram de exercer suas funções originais – e à falta da construção do espaço

comum na política. A ideia era que, se não há participação popular, se os cidadãos não fazem

parte da dimensão pública do Estado, esta perde a legitimidade. Assim, a proposta do movimento 15-M era a construção de um novo modelo de representação, e suas principais

demandas eram com relação às questões nacionais de melhoria das condições de trabalho (que estavam precárias), direito à moradia para todos, tributação adequada à renda, mudança no

sistema eleitoral e no sistema judiciário e o restabelecimento da qualidade dos serviços comuns (NEGRI, 2011).

Já o Occupy debatia mais as questões econômicas e suas consequências no pós-crise

de 2008. Apesar de o movimento apresentar demandas múltiplas – cada um referente ao local

específico onde os acampamentos estavam acontecendo – alguns temas eram recorrentes nas

discussões do movimento, principalmente aqueles ligados ao mercado financeiro, à moradia e

ao trabalho: o controle da especulação financeira, o enfrentamento à crise de moradia, o

controle da manipulação da moeda, a redução da desigualdade de rendimentos financeiros, o

89

fim do socorro do governo a empresas em crise, a oposição à terceirização dos empregos e a defesa dos direitos sindicais, entre muitos outros (CASTELLS, 2012, p142-143).

No que tange à estrutura, a horizontalidade é uma característica marcante em ambos os

movimentos. No 15-M, isso era claro nas decisões em assembleia por voto direto de cada

participante. Quando havia porta-vozes, esses eram “renovados” a cada dia, para que não houvesse a formação de lideranças dentro do movimento. Ademais, por causa da comunicação em rede, as decisões tomadas nas assembleias chegavam rapidamente aos

manifestantes online, fazendo com que todos os participantes estivessem a par da urgência dos eventos (NEGRI, 2011). Da mesma forma, no Occupy também não havia lideranças, cada

participante era livre para vocalizar suas insatisfações e fazer suas demandas: não havia líderes em nenhuma instância, nem local, nem nacional e muito menos global (CASTELLS,

2012, p.138). Ademais, tanto a ocupação do espaço público quanto a organização em rede foram temas centrais em ambos os movimentos.

Em relação à composição dos movimentos, vimos semelhanças também. Ambos são

compostos por pessoas relativamente jovens e instruídas, que viram suas vidas e das dos demais cidadãos limitadas pela crise econômica e política.

Quem é a gente que se reuniu no 15 de maio nas praças da Espanha? Existem dois componentes de peso. O primeiro é essencialmente a classe média empobrecida, desempregados, pequenos empresários em crise, profissionais que não conseguiram sucesso, ou foram rejeitados pelas empresas, trabalhadores autônomos recentemente golpeados pela crise, ou assediados pelo fisco, — a quem se juntam os cidadãos sem casa própria e sem condições de adquiri-la, os que vivem como inquilinos. Um segundo componente, fortemente majoritário nos acampamentos, é o cognitariado metropolitano: trabalhadores digitais e cognitivos, precários do setor dos serviços e de todos os gêneros de atividade imaterial, estudantes e jovens sem futuro. Alguns poucos imigrantes também apareceram nas manifestações e assembleias para se expressar. No movimento, muitas mulheres se destacaram nas discussões e lideraram a organização dos acampamentos. Esses sujeitos constituem um movimento que não é identitário, que não é simplesmente movimento de solidariedade. Todos falam em primeira pessoa. É um movimento contra a crise e a pobreza, de toda a classe média (num sentido amplo). [...] Ao lado dos sujeitos citados acima, encontramos também frações marginais do proletariado (cognitivo ou não): desocupados, migrantes, “loucos” e/ou “hippies”, e alguns pequeno-burgueses arruinados e desesperados… (NEGRI, 2011)26

Ainda sobre os acampamentos e a organizações dos movimentos, vimos que a tradição

das lutas sindicais e operárias apareceu como herança na forma de organização do 15-M: os acampamentos foram muito utilizados nas greves operárias de 2001-2002, quando operários da Sintel (uma subsidiária da gigante das telecomunicações, a espanhola Telefônica) fizeram

greve por quase um ano, e depois do fechamento da empresa, acamparam por meses no centro Em matéria do blog “Outras Palavras”. Para ler a http://outraspalavras.net/posts/15m-redes-e-assembleias-por-antonio-negri/ 26

matéria

na

íntegra,

acesse:

90

de Madri. Os acampamentos também apareceram com força no Occupy, onde o entendimento

de espaço e de tempo foi alterado: o espaço deixou de ser apenas o espaço público físico, os acampamentos de fato, onde era possível interagir cara-a-cara com outros manifestantes e

compartilhar a experiência de estar em u acampamento, mas também ganhou a dimensão do

espaço virtual, das redes, onde a experiência era divulgada e amplificada, e era possível fazer o planejamento das próximas ações (CASTELLS, 2012, p. 128-129).

O 15-M gerou diversas repercussões tanto na Espanha quanto no mundo. No plano

internacional, incentivou o aparecimento de diversos outros movimentos sociais – como o

próprio Occupy, por exemplo. Já no âmbito doméstico a maior herança que o movimento deixou foi a formação de um partido político de extrema esquerda, o Podemos, que nasceu

como uma grande e renovada força na política espanhola. Muitos daqueles Indignados de

2011 se uniram na formação do partido, que em 2014 ganharam cinco cadeiras no parlamento europeu – com apenas quatro meses de vida. Para alguns dos filiados ao Podemos, o partido é a concretização política do que foi o 15-M27.

No caso do Occupy, a repercussão do movimento foi diferente – bem menos

expressiva. Em parte por conta de suas demandas diversas e agenda sem definição, o

movimento não obteve apoio político e, nas eleições presidenciais de 2012, suas demandas permaneceram à margem da corrida eleitoral com a reeleição de Barack Obama para a

presidência dos Estados Unidos. O que se argumenta é que o movimento não desapareceu,

mas deixou de ter um impacto tão decisivo no país como aconteceu no seu surgimento. O Occupy recentemente voltou a aparecer na mídia depois de declarações da candidata à

presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton, sobre o desbalanceamento na distribuição de renda dos americanos, retomando o discurso de “somos os 99%” do Occupy28.

Para mais informações, acesse a matéria do website da Capital:. 28 Para mais informações, acesse a matéria do website do The . 27

Carta Atlantic:

91

CONCLUSÃO

Essa pesquisa buscou, ao longo do seu desenvolvimento, identificar as convergências

e divergências entre três grandes movimentos sociais: o MAG, o 15-M e o Occupy. Desafio

difícil mas assumido no sentido de valorizar-se a urgência da compreensão do presente, dos acontecimentos em curso, assumindo-se os riscos dos fatos se acelerarem a pesquisa. Assumimos, por exemplo, os três casos da pesquisa como “movimentos sociais”, sabendo-se que é possível a discussão sobre o uso adequado de tal enquadramento. Sem aprofundamo-nos

na questão conceitual, procuramos compreender eventos de mobilização de massa, enquanto reações sociais e protestos em vistas ao establishment.

No primeiro capítulo procuramos apresentar um conjunto de variáveis comparativas e

conceitos que nos permitissem comparar o MAG, o 15-M e o Occupy, identificando quais os

aspectos que apresentavam convergências e quais que apresentavam mudanças. O que observamos é que a estrutura dos movimentos é bastante similar, com organização horizontal e sem líder, mas que a forma de ação coletiva é diferente, com o MAG priorizando fóruns e

contra-cúpulas e os movimentos recentes recorrendo à ocupação de praças e acampamentos.

No que se refere à oportunidade política para o surgimento dos movimentos, observamos que

denominador comum para o surgimento dessas mobilizações foi o aprofundamento de crises econômicas e seus efeitos negativos sobre a população em geral. O MAG, mais

especificamente, procurou lutar contra a consolidação do neoliberalismo no pós-Guerra Fria e

o processo de globalização que distanciou a população dos processos decisórios transferindo para organizações internacionais. Já no caso das mobilizações recentes, a grave crise

econômica mundial de 2008 e a debilidade de resposta dos políticos gerou um sentimento de indignação que se alastrou pelo mundo. A utilização da internet e de mídias aparece nos três casos, mas nos movimentos Occupy e 15-M é mais evidente a utilização da internet e das mídias sociais, que surgiram aliadas às novas tecnologias recentes. Embora o MAG tenha se

utilizado dessa ferramenta para convocação e formação de uma rede de ativistas internacionais, a utilização do FaceBook, YouTube e Twitter permitiram uma viralização maior da mensagem de protesto e uma atenção maior da opinião pública nacional e internacional.

Por fim, vimos que o contexto local tem grande importância para os movimentos

recentes, que depois se desdobraram para a arena global. A transformação da solidariedade

92

internacional e a relativização do pensamento local/global surgiram nos três movimentos como uma resposta firme à internacionalização da economia mundial. O MAG já nasceu como um ator global complexo e diverso e foi marcado pela luta contra a globalização e o

modelo neoliberal que vinha se consolidando recentemente. Havia uma necessidade de luta

para além das fronteiras do Estado nacional. Dessa maneira, o MAG estabeleceu, desde seu

nascimento, uma arena de atuação muito mais internacional do que as atuais mobilizações

apesar de possuir raízes locais. Havia o entendimento da necessidade de globalizar as demandas para que elas fossem atendidas no âmbito local. Occupy e 15-M fizeram o caminho inverso. Nasceram localmente e buscaram dialogar diretamente com os governos nacionais. Sua mensagem se tornou global a partir da utilização das redes sociais.

No segundo capítulo nosso objetivo foi apresentar o MAG, seu surgimento, suas

demandas, estrutura e ação social. Buscamos analisar separadamente todos os movimentos que foram objeto desse estudo para facilitar a comparação entre eles. Dessa maneira, fizemos o mesmo no terceiro capítulo com a apresentação do 15-M e do Occupy, a fim de descobrir as semelhanças e diferenças nos movimentos.

A globalização e as profundas mudanças sociais geradas por ela, devido ao aumento

do fluxo de pessoas, da velocidade de informação e das dinâmicas sociais, facilitaram o

surgimento desse novo tipo de política de contenção presente tanto no MAG quanto 15-M e

no Occupy. Se as dinâmicas do capitalismo transnacional avançaram, o mesmo se deu com as dinâmicas de contestação social. Os movimentos sociais voltaram a ser vistos como um

importante ator político que pressiona por processos de mudança social e tenta reinventar as formas de fazer política. Cada vez mais com características de internacionalização, tais

movimentos precisam ser estudados desde uma visão da politica internacional e dos novos desafios metodológicos dos estudos das relações internacionais. Naturalmente essa dissertação não resolvera os limites e dificuldades da disciplina em incorporar novos temas

que envolvem a ação de atores não estatais na ordem mundial, mas ainda assim pretende contribuir para o enfrentamento desse desafio.

As transformações sofridas pelos movimentos sociais ao longo dos anos geraram uma

mudança de identidade e a incorporação de outras dimensões de pensar e agir social, alterando

seu projeto político. O perfil dos manifestantes se alterou de militante para ativista. As marchas e as ocupações se tornaram o modelo-base de ação de protesto. A tecnologia invadiu

os espaços e os repertórios se ampliaram. É importante ressaltar que tanto o MAG como as

atuais mobilizações do Occupy e do 15-M fizeram parte de um mesmo processo de

93

contestação global que existia desde a queda do muro de Berlim com o estabelecimento de uma nova ordem internacional.

No entanto, apesar da similaridade das ações e da utilização de um histórico comum

de lutas, as atuais mobilizações se diferenciaram do movimento antiglobalização em relação ao transbordamento social e ao respaldo frente a opinião publica. Como vimos anteriormente,

se utilizando de novas ferramentas para disseminação da informação e de conteúdos como as

redes sociais, tanto Occupy quanto 15-M estabeleceram um dialogo mais profundo com a sociedade civil. A partir da construção de uma narrativa própria, essas mobilizações conseguiram captar melhor a indignação das pessoas comuns fazendo com que o discurso de injustiça fosse amplamente aceito.

Apesar das diferenças importantes quanto à ação micro e suas formas de resistência e

escopo de ação, as atuais mobilizações fazem parte de um novo ciclo de protestos internalizado a partir das ações do MAG. As manifestações atuais são, em certa medida,

diferentes das manifestações antiglobalização, mas são, ao mesmo tempo, resultado de conjunturas econômicas e políticas estruturadas no período de instauração da nova ordem mundial pautada no neoliberalismo e na globalização.

Podemos considerar o MAG como um movimento vitorioso ao elaborar uma agenda

de protesto global relevante na resistência ao neoliberalismo e seus efeitos desastrosos para a

população em geral. Isso ocorreu devido ao seu vasto repertório de articulação e protesto e

pela denúncia dos efeitos perniciosos do neoliberalismo. Ao nascer de um sentimento de indignação e insatisfação geral, a importância das atuais manifestações é demonstrada pela

difusão e pela ressonância de suas mensagens que reavivaram temas como desigualdade,

justiça social, democracia e dignidade. Críticos à submissão dos políticos aos interesses financeiros, à constituição de uma rede global heterogênea em diversos países, buscaram

tencionar com o modelo hegemônico neoliberal, com a democracia representativa e com a relação de dependência do Estado pelo capital. O repertório de ação, as mensagens e as

convocações para a ação viajaram de maneira rápida para todo o mundo. O Occupy e o 15-M foram marcados pela difusão e intensidade de ação de suas reivindicações.

Mais do que reunidos para buscar uma solução prática, podemos considerar tanto o

Occupy quanto os Indignados como movimentos bem sucedidos ao trazerem de volta ao debate político e social grandes temas como desigualdade, concentração de renda e justiça social, esquecidos até a crise de 2008. Essas mobilizações nas redes e nos espaços públicos

buscaram criar arenas de discussão, participação política e interação social e é essa a sua

contribuição na construção verdadeira de um “outro mundo possível”. Assim, o MAG pode

94

não ser mais um ator político presente nas discussões sociais, mas sua herança foi bem aproveitada pelas mobilizações recentes.

Por fim, na pesquisa realizada, buscou-se compreender fatores referentes à emergência

de uma nova onda de indignação e protesto como uma nova fase de luta da sociedade civil

contra as elites econômica e política e os efeitos sociais da política neoliberal e da

globalização. A indignação comum nos diferentes movimentos faz referencia à desigualdade social, à busca do funcionamento das instituições e da participação no processo de decisão

que orienta o futuro das sociedades, ao direito de escolha sobre modelos democráticos e econômicos.

O estudo desses ciclos de protesto, a partir da emergência de novos atores na cena

internacional e do transbordamento da ação e da solidariedade internacional para além do Estado nacional, tem gerado desafios importantes para o estudo das Relações Internacionais,

cuja abordagem e literatura ainda são limitadas ao modelo de uma ordem de Estados. Essa pesquisa procura enfatizar a participação de indivíduos e grupos sociais, independentemente

dos Estados, em articulações e ações transnacionais. Assim, a presente pesquisa já nasce

modesta na medida em que pretende colaborar para uma reflexão que pode ser mais ampla e mais complexa sobre transformações nas relações politicas internacionais, em que não apenas Estados mas indivíduos e grupos sociais interagem. Destacamos que o surgimento de teorias

menos convencionais como o Construtivismo, a teoria Crítica e a Feminista advindas de um período pós-moderno, são indicadores da necessidade de abordagens menos convencionais

para o entendimento mais amplo de uma sociedade tão complexa quanto a sociedade contemporânea.

É de suma importância para os analistas de Relações Internacionais compreender o

aparecimento desses novos atores na medida em que fazem uma importante oposição ao

status quo internacional e buscam democratizar as formas e as relações de poder entre Estados, instituições e pessoas. A emergência de discussões de temas alternativos como meio-

ambiente, direitos humanos, democracia e justiça social são indicadores positivos da mudança de eixo no enquadramento teórico de novos temas da política internacional.

95

REFERÊNCIAS

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ANEXO A Gráfico que mostra a diferença entre o espaço dedicado nas páginas principais dos jornais

tradicionais dos Estados Unidos sobre o movimento Occupy e o espaço utilizado no Twitter. Os dados são do período entre 18 de setembro e 13 de novembro de 2011.

Fonte: MAZON, P. R. Analyzing Newspapers’ Front Pages. 2011. Disponível em: .

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