A revista íntima vexatória realizada em visitantes de pessoas encarceradas: limites e colisão de direitos

May 24, 2017 | Autor: Marina Borba | Categoria: Prisons, Human Dignity
Share Embed


Descrição do Produto

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Associação Nacional de Direitos Humanos, Pesquisa e Pós-Graduação II Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão Universidade Católica de Petrópolis 29 de agosto de 2016 GT 7) Graves Violações de Direitos Humanos e Prisão

PODER JUDICIÁRIO E O SISTEMA PRISIONAL DE SERGIPE: UMA ANÁLISE DAS IMPLICAÇÕES DA INTERDIÇÃO DO PRESÍDIO AREIA BRANCA

Tamara Moreira Vaz de Melo Pesquisadora Líder no Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Rogerio Sganzerla Pesquisador no Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio. Doutorando em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Fabiana Maia Pesquisadora no Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Maryanna de Souza Moraes Estagiária no Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio. Graduanda em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ana Arruti Estagiária no Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio. Graduanda em Direito pela FGV Direito Rio. Luíza Lucas Bruxellas Estagiária no Centro de Justiça e Sociedade (CJUS) da FGV Direito Rio. Graduanda em Direito pela FGV Direito Rio.

1

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Poder Judiciário e o sistema prisional de Sergipe: uma análise das implicações da interdição do presídio Areia Branca

Tamara Moreira Vaz de Melo, Rogério Sganzerla, Fabiana Maia, Maryanna de Souza Moraes, Ana Arruti e Luíza Lucas Bruxellas.

Resumo: Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional, de junho de 2014, existem no Brasil 607.731 pessoas presas, em prisões que só possuem capacidade para 376.669. O déficit de vagas chega, portanto, a 231.062. No Estado de Sergipe, a situação se repete, verificando-se atualmente um déficit de 1.728 vagas. No ano de 2013, o Centro Estadual de Reintegração Social Areia Branca I e II, único estabelecimento penal destinado ao regime semiaberto naquele estado, foi parcialmente interditado por decisão do Juízo da 7ª Vara Criminal de Aracaju, em razão da superlotação e das condições estruturais precárias. Na decisão, proibiu-se o ingresso de novos apenados na unidade. Como resultado, houve uma enxurrada de ações judiciais levadas ao Tribunal de Justiça de Sergipe que buscavam discutir a situação dos presos que faziam jus ao regime semiaberto diante da falta de vaga em estabelecimento prisional adequado. A hipótese que se coloca no presente artigo é a de que a medida de interdição, para além de significar uma resposta do Judiciário ao tratamento degradante dispensado aos presos do Areia Branca, deflagrou um importante debate na jurisprudência do TJSE em torno da (im)possibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso e das alternativas viáveis diante da inexistência de vaga em estabelecimento adequado. O objetivo deste trabalho é, pois, verificar as implicações da interdição do Areia Branca, a partir do mapeamento de todas as demandas judiciais que tramitaram em decorrência dessa medida. Ao final, os resultados serão analisados criticamente, confrontando-se o entendimento firmado no TJSE com a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, cristalizada na Súmula Vinculante 56. O presente artigo se insere no contexto do projeto “O Judiciário e o Sistema Prisional do Brasil”, desenvolvido pelo Centro de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio.

Palavras-chave: Interdição, Poder Judiciário, Regime Prisional, Sergipe, Areia Branca.

2

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Sumário

1. Introdução.........................................................................................................................4

2. Contexto fático da interdição do Presídio Areia Branca..............................................6 2.1.

Condições

degradantes

do

Areia

Branca............................................................6 2.2.

A primeira Ação Civil Pública: o enfoque no direito à saúde da população circunvizinha ao presídio.....................................................................................7

2.3.

A segunda Ação Civil Pública: defesa da dignidade humana dos presos....................................................................................................................8

2.4.

A

interdição

via

processos

administrativos........................................................8

3. Mapeamento das ações judiciais instauradas em decorrência da interdição do presídio Areia Branca.....................................................................................................10 3.1.

Breve

parênteses

para

notas

metodológicas...................................................10 3.2.

O debate jurisprudencial em torno da (im)possibilidade de cumprimento de pena

em

regime

mais

gravoso...........................................................................11

4. O julgamento do RE 641.320/RS e a aprovação da Súmula Vinculante nº 56: passos importantes na superação de lacunas e resolução de conflitos em matéria prisional...........................................................................................................................17

5. Conclusão........................................................................................................................19 6. Referências Bibliográficas..............................................................................................21

Anexo: Processos do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe mapeados pela pesquisa................................................................................................................................23

3

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

1.Introdução

Existem hoje no Brasil 607.731 pessoas presas, em prisões que só possuem capacidade para 376.669. O déficit de vagas chega, portanto, a 231.062. O número se torna ainda mais impressionante se complementado com dois outros dados: (i) há 147.937 pessoas em prisão domiciliar, na maioria dos casos, por falta de vagas nos regimes aberto e semiaberto; e (ii) 373.991 mandados de prisão aguardando cumprimento. Esses são os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), publicados no levantamento de junho de 2014. 1 Mesmo com todas essas pessoas fora do sistema, o Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. Ainda, se forem computados os presos domiciliares, o Brasil passa a ocupar a terceira posição nesse ranking.2 Outro dado relevante que recebeu destaque no levantamento do DEPEN se refere à taxa de aprisionamento3. No período de 1995 a 2010, o Brasil registrou, entre os cinquenta países com maior população prisional, a segunda maior variação na taxa de aprisionamento, com um crescimento na ordem de 136%. Apenas na Indonésia o ritmo de crescimento relativo da população prisional foi maior do que no Brasil. No entanto, cumpre ressaltar que, apesar de a Indonésia apresentar a maior variação nessa taxa, esse país tem uma taxa de aprisionamento de 66 presos para cada cem mil habitantes, e uma população prisional de 167.163 pessoas, cifras consideravelmente inferiores às brasileiras.4 E, ainda, no período de 2008 a 2014, a variação da taxa de aprisionamento brasileira apresentou tendência contrária aos demais países com a maior população prisional do

1

Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. INFOPEN – Junho de 2014. Departamento Penitenciário Nacional/ Ministério da Justiça. 2 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf >. 3 A variação da taxa de aprisionamento mede a proporção em que a população prisional cresceu em relação à população total, em dado período 4 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. INFOPEN – Junho de 2014. Departamento Penitenciário Nacional/ Ministério da Justiça.

4

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

mundo. Desde 2008, os Estados Unidos, a China e, principalmente, a Rússia, estão reduzindo seu ritmo de encarceramento, ao passo que o Brasil vem acelerando o ritmo.5 Como se pode notar, os dados oficiais sobre o sistema carcerário brasileiro refletem uma realidade preocupante em âmbito nacional. E, a despeito das especificidades regionais e locais, esses números revelam que todas as unidades da federação registram o aumento crescente da população carcerária e o agravamento do déficit de vagas, o que, por sua vez, repercute em condições degradantes e desumanas de cumprimento de pena nos mais diversos estabelecimentos prisionais do país. No Estado de Sergipe, por exemplo, verifica-se um déficit expressivo de 1.728 vagas e a maior taxa de presos sem condenação do Brasil (73%), de acordo com os últimos dados do DEPEN.

6

Isso significa que, em Sergipe, 7 em cada 10 pessoas presas não possuem

sequer uma sentença condenatória. No ano de 2013, o Centro Estadual de Reintegração Social Areia Branca I e II – na época a única unidade destinada à custódia de presos em regime semiaberto do estado sergipano - foi parcialmente interditado, por decisão do Juízo da 7ª Vara Criminal de Aracaju, em razão da superlotação e das condições estruturais precárias. Na decisão, proibiu-se o ingresso de novos apenados na unidade. Como resultado, houve uma enxurrada de ações judiciais que buscavam discutir a situação dos presos que faziam jus ao regime semiaberto diante da ausência de vaga em estabelecimento prisional adequado. Isso porque, na falta de estabelecimento prisional destinado ao regime semiaberto, passou-se a questionar, nestas demandas judiciais, a (im)possibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso (fechado), apontando-se alternativas como a progressão de regime ou o cumprimento de pena de prisão domiciliar. A hipótese que se coloca no presente trabalho é a de que a medida de interdição, para além de significar uma resposta do Judiciário ao tratamento degradante dispensado aos presos do Areia Branca, deflagrou um importante debate na jurisprudência do Tribunal de Justiça sergipano em torno da (im)possibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso e das alternativas viáveis diante da inexistência de vaga em estabelecimento penal adequado. O objetivo deste trabalho é, pois, verificar as implicações da interdição do Areia Branca, a partir do mapeamento de todas as demandas judiciais que tramitaram em decorrência dessa medida. Ao final, os resultados serão analisados criticamente,

5

Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. INFOPEN – Junho de 2014. Departamento Penitenciário Nacional/ Ministério da Justiça. 6 Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. INFOPEN – Junho de 2014. Departamento Penitenciário Nacional/ Ministério da Justiça.

5

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

confrontando-se o entendimento firmado no Tribunal de Justiça de Sergipe com a jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. No capítulo a seguir, será apresentado o contexto fático da interdição do Centro Estadual de Reintegração Social Areia Branca I e II. Já no terceiro capítulo, será desenvolvida uma análise crítica da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe a partir do levantamento das ações judiciais instauradas em decorrência da medida de interdição. No quarto capítulo, serão discutidos os parâmetros definidos pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 641.320/RS, com repercussão geral, que serviu como precedente para a posterior aprovação da Súmula Vinculante 56 (“A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS”). No quinto e último capítulo, serão apresentadas as conclusões deste estudo. 2. Contexto fático da interdição do Presídio Areia Branca

2.1. Condições degradantes do Areia Branca

Localizada no agreste sergipano e com pouco mais de 15 mil habitantes, Areia Branca está entre os municípios mais novos do estado. A cidade abriga a Penitenciária Estadual de Areia Branca (PEAB), que abarca os "Centros Estaduais de Reintegração Social I e II”, ou “CERSAB I e CERSAB II”, vulgarmente conhecidos como Presídio Areia Branca, o único estabelecimento penal destinado ao regime semiaberto7 no estado de Sergipe. Após um incêndio comprometer a estrutura do presídio e três plantações no entorno,8 os próprios presidiários ergueram, na área do pátio, barracos de tecido e papelão9. Consta da inspeção judicial realizada no CERSAB II que, sob a responsabilidade de 6 agentes10, 475 internos dividiam um espaço limitado a 220 vagas11. Além da

7

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Ação Civil Pública nº 2009.7310054-8. Requerente: Defensoria Pública do Estado de Sergipe. Requerido: Estado de Sergipe. Prolator: Juiz José Amintas Noronha de Meneses Júnior. Areia Branca, 26 de junho de 2013. p. 7 8 A8. Incêndio no presídio de Areia Branca causa prejuízos em propriedades vizinhas, 2012. Disponível em: 9 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Ação Civil Pública nº 2009.7310054-8. Requerente: Defensoria Pública do Estado de Sergipe. Requerido: Estado de Sergipe. Prolator: Juiz José Amintas Noronha de Meneses Júnior. Areia Branca, 26 de junho de 2013. p. 5 10 INFONET. Motim deixa agentes apreensivos em Areia Branca, 2013. Disponível em:

6

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

insalubridade e da superlotação maior que duas vezes a capacidade, apenas 29 internos trabalhavam e somente 12 estudavam.12 No espaço perpassado por fios desencapados13, não havia água potável.14 Além disso, os alimentos fornecidos pelo Estado eram absolutamente insuficientes, de modo que suprimentos eram entregues por familiares e armazenados em meio ao mofo das infiltrações15. A falta de vasos sanitários16 em um espaço compartilhado por centenas de homens justificava o mau cheiro da rua relatado por transeuntes. Em alas do referido presídio, um grande vazamento nas fossas sépticas lançava dejetos a céu aberto na pista, afetando as casas nos arredores e contaminando o Riacho dos Olhos D'Água, afluente do Rio Cotinguiba17. 2.2. A primeira Ação Civil Pública: o enfoque no direito à saúde da população circunvizinha ao presídio

A primeira ação judicial instaurada com o objetivo de denunciar a situação caótica em que se encontrava o presídio Areia Branca foi ajuizada pelo Ministério Público, na qualidade de curador do meio ambiente, apontando a ausência de qualquer tipo de esgotamento sanitário no local. A ação civil pública18 em face do Estado de Sergipe foi instaurada em 2008, tendo por objeto a defesa do direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e da saúde pública de qualidade da população circunvizinha à unidade. A toda evidência, não estava em questão a saúde das centenas de pessoas encarceradas sem estrutura sanitária mínima, mas somente as implicações disso do alambrado para fora.

11

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Processo Administrativo nº 201220700338. Requerente: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal - Helio de Figueiredo Mesquita Neto. Areia Branca, 30 de agosto de 2013. p. 2 12 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Processo Administrativo nº 201220700338. Requerente: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal - Helio de Figueiredo Mesquita Neto. Areia Branca, 30 de agosto de 2013. p. 2 13 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Ação Civil Pública nº 2009.7310054-8. Requerente: Defensoria Pública do Estado de Sergipe. Requerido: Estado de Sergipe. Prolator: Juiz José Amintas Noronha de Meneses Júnior. Areia Branca, 26 de junho de 2013. p. 2 14 ITNET. Veja a matéria do Jornal da cidade sobre o presídio de Areia Branca, 2009. Disponível em: 15 Ibidem. 16 Ibidem. 17 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Ação Civil Pública nº 2008.7310022-8. Requerente: Ministério Público do Estado de Sergipe. Requerido: Estado de Sergipe. Prolatora: Juíza Patricia Cunha Paz Barreto de Carvalho. Areia Branca, 9 de dezembro de 2010. p. 5 18 Ibidem.

7

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Na sentença, proferida em dezembro de 2010, o Estado foi condenado a realizar medidas destinadas: (i) ao bloqueio imediato dos dejetos lançados pelos presos a fim de impedir a contaminação da área externa à unidade e (ii) à construção de uma estação de tratamento de esgoto na unidade. No julgamento da apelação interposta pelo Estado, o Tribunal conheceu em parte do recurso e deu-lhe parcial provimento para reduzir o valor da multa aplicada, mantendo-se as demais determinações da sentença. 2.3. A segunda Ação Civil Pública: defesa da dignidade humana dos presos Em 2009, a Defensoria Pública instaurou outra ação civil pública19, pretendendo que o Estado fosse compelido a realizar reformas no presídio Areia Branca. O fundamento da pretensão residia, enfim, nas violações à dignidade humana dos presos. Requeria-se a reforma da estrutura, a vedação à entrada de novos detentos até o fim das obras e a condenação do Estado de Sergipe ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em quantia não inferior a R$500.000,00 (quinhentos mil reais). Além disso, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Procurador Geral da República e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos fossem comunicados da situação enfrentada na unidade. Em junho de 2013, o juiz José Amintas proferiu sentença condenando o Estado de Sergipe a realizar reformas no Presídio Estadual de Areia Branca, mas deixou de acolher os pleitos referentes à vedação de ingresso de novos presos, ao pagamento de indenização por danos morais e à comunicação dos fatos à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ao Procurador Geral da República e ao CNJ. No início de 2014, essa ação civil pública voltou à pauta, no julgamento do recurso interposto pelo Estado de Sergipe20. Em apelação, pugnava em síntese pela dilação do prazo e exclusão da multa. O Tribunal, com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, reduziu a penalidade financeira à metade e impôs um teto. No entanto, com fulcro nos princípios da dignidade da pessoa humana e do respeito à integridade dos presos, manteve o prazo de 120 (cento e vinte) dias para apresentação do projeto de reforma e a restrição da conclusão da obra a 24 (vinte e quatro) meses. 2.4. A interdição via processos administrativos 19

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Ação Civil Pública nº 2009.7310054-8. Requerente: Defensoria Pública do Estado de Sergipe. Requerido: Estado de Sergipe. Prolator: Juiz José Amintas Noronha de Meneses Júnior. Areia Branca, 26 de junho de 2013. 20 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Acórdão na Apelação nº. 2013.0022568-3. Apelante: Estado de Sergipe. Apelado: Defensoria Pública do Estado de Sergipe. Relator: FILHO, Osório de Araújo Ramos. Aracaju/SE, 20 de fevereiro de 2014.

8

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Em 2012, ainda no transcorrer da ação civil pública ajuizada pela Defensoria, as condições insalubres e a superlotação da presídio Areia Branca ensejaram dois processos administrativos instaurados de ofício21 pelo juiz da 7ª Vara Criminal de Aracaju, Hélio Figueiredo Mesquita Neto. Liminarmente, o referido juiz interditou parcialmente os Centros Estaduais de Reintegração Social de Areia Branca I e II, com fundamento na “ausência de condição sanitária mínima para o acolhimento de seres humanos”. Todavia, no julgamento do Mandado de Segurança22 impetrado pelo Ministério Público, as liminares de interdição foram anuladas23 por unanimidade de votos do Pleno do Tribunal de Justiça sergipano, com fundamento na falta de comunicação dos fatos à Corregedoria Geral de Justiça e da necessidade de intimação prévia do Estado de Sergipe e do Ministério Público Estadual para atuar no feito. Além de pleitear a anulação das liminares de interdição, o Ministério Público requereu o arquivamento dos dois processos administrativos, pedido que foi indeferido, dado o caráter meramente formal dos vícios a serem sanados. A despeito da anulação das liminares, os procedimentos referentes à interdição do presídio Areia Branca prosseguiram com a oitiva dos referidos sujeitos processuais, tendo o Ministério Público obtido êxito na designação de uma audiência para negociar um termo de ajustamento de conduta com o Estado, que, embora não negasse a precariedade da estrutura a que os presos estavam submetidos, pugnou pela não interdição da unidade. Nesta audiência foi acolhido o requerimento de intervenção da Defensoria Pública e as partes se manifestaram sobre ofícios do Secretário de Estado da Justiça, que descreviam a situação do presídio de Areia Branca como “de total fragilidade, não havendo a menor possibilidade de recuperação física do mesmo e, tampouco de acréscimo de servidores para uma maior segurança pela total falta de guardas prisionais”. O Secretário acrescentou estar envidando esforços no sentido de desativar o Presídio de Areia Branca24, 21

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Processo Administrativo nº 201220700338. Requerente: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal - Helio de Figueiredo Mesquita Neto. Areia Branca, 30 de agosto de 2013. / BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Processo Administrativo nº 201320700443. Requerente: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal - Helio de Figueiredo Mesquita Neto. Areia Branca, 30 de agosto de 2013. 22 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Acórdão no Mandado de Segurança nº. 0091/2012. Impetrante: Ministério Público do Estado de Sergipe. Impetrado: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal. Relator: CHAGAS, Cláudio Dinart Déda. Aracaju/SE, 26 de setembro de 2012. 23 Foram proferidas duas liminares de interdição, uma delas nos autos do processo administrativo nº 201320700443 , destinada ao CERSAB I; a outra nos autos do processo administrativo nº 201220700338, destinada ao CERSAB II. 24 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Processo Administrativo nº 201220700338. Requerente: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal - Helio de Figueiredo Mesquita Neto. Areia Branca, 30 de agosto de 2013. p. 3

9

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

CERSAB I e II. O Estado postulou um prazo de 20 dias para a juntada de novos documentos, com a concordância do Ministério Público. A Defensoria, no entanto, pugnou pela imediata interdição da unidade prisional. Assim, no dia 30 de agosto de 2013, após regular tramitação dos processos administrativos, o juiz Hélio Figueiredo Mesquita Neto, resolveu interditar parcialmente os Centros Estaduais de Reintegração Social de Areia Branca I e II, vedando o acolhimento de novos presos até ulterior deliberação, com apoio no artigo 66, VIII, da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984).

3. Mapeamento das ações judiciais instauradas em decorrência da interdição do presídio Areia Branca

3.1. Breve parênteses para notas metodológicas

A análise das ações judiciais instauradas no TJSE em decorrência da interdição do Areia Branca - que será apresentada a seguir – insere-se no contexto do projeto “O Judiciário e o Sistema Prisional do Brasil”, desenvolvido pelo Centro de Justiça e Sociedade da FGV Direito Rio, sob a coordenação do professor Michael Freitas Mohallem e da pesquisadora Tamara Moreira Vaz de Melo25. Esse projeto, ainda em curso, pretende analisar as respostas recentes que vêm sendo produzidas através das diversas provocações ao Poder Judiciário brasileiro para o enfrentamento da crise prisional no país. Os objetivos da pesquisa envolvem (i) realizar um mapeamento das principais teses existentes em ações judiciais em curso, tanto nos tribunais de justiça estaduais quanto nos tribunais superiores, que versem sobre a problemática prisional; (ii) identificar as soluções apresentadas pelos magistrados, em termos quantitativos e qualitativos; (iii) avaliar e comparar os aspectos positivos e negativos dessas soluções, utilizando critérios de mensuração da efetividade, eficiência e impacto financeiro das medidas. Para tanto, a pesquisa vem sendo desenvolvida por meio da consulta eletrônica ao banco de dados de jurisprudência nos sítios de 10 (dez) Tribunais de Justiça estaduais (distribuídos pelos grupos de pequeno, médio e grande porte, segundo a classificação do CNJ), bem como nas páginas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

25

Equipe do projeto: Michael Freitas Mohallem (coordenador do CJUS/FGV Direito Rio); Tamara Moreira Vaz de Melo (Pesquisadora Líder do Projeto); Rogério Sganzerla (Pesquisador); Fabiana Maia (Pesquisadora); Ana Arruti (estagiária); Luíza Lucas Bruxellas (estagiária) e Maryanna de Souza Moraes (estagiária).

10

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Para todos os tribunais de justiça de pequeno porte (neles incluído o TJSE) foram utilizadas as seguintes combinações de palavras-chave nos termos de busca: “preso” E “dignidade”/ “presa” E “dignidade”. O período pesquisado compreende um lapso temporal de aproximadamente 10 (dez) anos, tendo como marco de inicial os acórdãos julgados a partir de 01 de janeiro de 2006. No caso específico do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, do total de 953 acórdãos encontrados nos resultados, excluíram-se aqueles não relacionados diretamente com o tema do projeto de pesquisa, chegando-se ao número de 281 acórdãos relevantes. Desse total de 281 acórdãos considerados relevantes, 220 estavam relacionados direta ou indiretamente com a interdição do Centro Estadual de Reintegração Social Areia Branca I e II. Por conta da expressiva repercussão da medida de interdição, surgiu a necessidade de desenvolver um estudo pormenorizado desse universo de 220 acórdãos– que é exatamente o que se pretende realizar no presente trabalho.

3.2. O debate jurisprudencial em torno da (im)possibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso

Os 220 (duzentos e vinte) acórdãos mapeados pela pesquisa tinham por objeto duas espécies de recursos/ações: agravos de execução e habeas corpus.26 Julgados entre os anos de 2012 e 2015, todos eles colocavam em discussão a situação de presos que faziam jus ao regime semiaberto diante da interdição parcial do presídio Areia Branca (decretada em sede liminar ou após regular processo administrativo) e da proibição de ingresso de novos apenados nesta unidade. Isso porque, na falta de vaga em estabelecimento prisional adequado ao regime semiaberto, passou-se a questionar, nestas demandas, a (im)possibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso (fechado), apontando-se alternativas como a progressão de regime ou o cumprimento de pena de prisão domiciliar. Foram ao todo cento e cinquenta e nove (159) agravos de execução interpostos pelo Ministério Público. Nestes, o MP buscava a reforma das decisões proferidas pelo Juiz da 7ª Vara Criminal de Aracaju (o mesmo que já havia determinado a interdição parcial do Areia Branca), que concedeu de ofício a progressão para o regime aberto em favor dos condenados com direito ao regime semiaberto, tendo em vista a inexistência de vaga em estabelecimento adequado.

26

Ver listagem dos processos mapeados pela pesquisa no Anexo.

11

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Em todos esses agravos de execução, o MP pleiteava a reforma dessas decisões, sob o argumento de que só seria cabível a progressão de regime quando atendidos todos os requisitos objetivos e subjetivos previstos na Lei de Execução Penal. Para o MP, nestes casos, a ausência de estabelecimento penal adequado ao semiaberto não poderia justificar a progressão do sentenciado para o regime aberto - o que, na prática, significava defender a possibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso (fechado) quando inexistente vaga em estabelecimento adequado (semiaberto). Já nos 61 (sessenta e um) habeas corpus mapeados, buscavam os impetrantes (advogados particulares, defensores públicos ou familiares de preso) a progressão de regime ou a concessão de prisão domiciliar em favor do condenado que tinha direito ao semiaberto, em razão da inexistência de vaga no estabelecimento prisional próprio, defendendo-se, nestes casos, a tese da impossibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso. Aproximadamente 73% dos pedidos dos HCs requeriam a progressão do regime semiaberto para o aberto e 27% requeriam a prisão domiciliar. O interessante a notar é que, independentemente do tipo de recurso ou remédio utilizado, o Tribunal de Justiça de Sergipe posicionou-se, na maioria dos acórdãos, em favor da pessoa presa, acolhendo a tese da impossibilidade de cumprimento da pena em regime mais gravoso, sob pena de configuração de excesso de execução e da violação de garantias constitucionais em matéria penal, tais como a individualização da pena (art.5º, XLVI) e a legalidade (art.5º, XXXIX). No caso dos agravos de execução, 37% foram negados, mantendo-se a decisão de primeira instância. Já os provimentos parciais tiveram grande representação, com 50% dos casos. Nestes casos, afastou-se a progressão de regime, mas determinou-se a prisão domiciliar dos apenados. Na prática, somando-se os casos em que os recursos foram negados com os de provimento parcial, verifica-se que, em todos eles, foi reconhecida a impossibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso. O que variou foi a solução encontrada pelo Tribunal, progressão para o regime aberto ou concessão de prisão domiciliar. Assim, em 87% dos casos analisados na pesquisa, a progressão de regime determinada na decisão agravada foi mantida ou, em seu lugar, foi determinada de ofício a prisão domiciliar do sentenciado. Somente 13% dos agravos foram integralmente providos, na maioria das vezes por vício formal na decisão agravada, ante a ausência de manifestação prévia do Ministério Público para a progressão de regime. Nos habeas corpus, o resultado foi ainda mais expressivo: em 86% dos casos, foi concedida a ordem. Apenas cinco (05) HCs com pedidos de progressão de regime do semiaberto para o aberto foram negados, mas, ainda assim, em quatro (04) deles o Tribunal

12

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

decretou de ofício a prisão domiciliar. Significa, assim, que do total de 61 (sessenta e um) habeas corpus, apenas dois (02) foram integralmente negados. Abaixo, resumem-se os resultados obtidos:

Fig. 1. Total de acórdãos analisados segundo o tipo de remédio/recurso:

61; 28% Agravo de Execução

Habeas Corpus 159; 72%

Fig.2. Síntese dos pedidos e provimentos:

13

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

Agravo de Execução

ISSN:2317-0255

Recorrente: 100% Ministério Público Diretos: 100% reforma da decisão

Pedidos

Indiretos:100% negar progressão de regime 37% negados

Provimentos

Apesar de 50% concedidos parcialmente, todos tiveram progressão de regime ou prisão domiciliar

Habeas Corpus

Impetrante: 100% Particular 73% progressão de regime

Pedidos

27% prisão domiciliar 86% concedidos Dos 5 HCs negados com pedido de progressão, 4 tiveram prisão domiciliar ex-ofício

Provimentos

No total, apenas 2 HCs foram integralmente negados

Vale destacar um resultado interessante que sobressaiu nas análises dos acórdãos na pesquisa: a grande quantidade de decisões de ofício. Nos gráficos abaixo, é possível perceber que há diversidade na escolha da alternativa viável, ora progressão, ora prisão domiciliar. Mas é expressivo o número de concessões de ofício da prisão domiciliar. Vejamos:

Fig.3. Resultados dos julgamentos dos agravos de execução interpostos pelo Ministério Público.

59 Negar Progressão de Regime

80 20

Negado

Parcial

Concedido

Fig.4. Modificações nos regimes de cumprimento da pena em razão dos julgamentos dos agravos de execução.

14

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

Negado

ISSN:2317-0255

22 37

Parcial

53 27 14

Concedido

6

Negado Progressão

Ex-Oficio Domiciliar

Progressão Semi > Aberto

Diferentemente dos agravos de execução que tinham por objeto unicamente o pedido de reforma da decisão agravada, buscando afastar a progressão de regime, nos habeas corpus os pedidos oscilavam entre a concessão de prisão domiciliar e a progressão de regime. Do total de 61 (sessenta e um) acórdãos, 16 (dezesseis) continham o pleito de prisão domiciliar. Somente um deles foi negado. Nos demais 45 (quarenta e cinco) acórdãos, o pedido foi estritamente a progressão de regime. Note-se que na maioria dos acórdãos proferidos neste último caso, a ordem foi concedida e determinada de ofício a prisão domiciliar.

Fig.5. Resultados dos julgamentos dos habeas corpus em razão dos pedidos.

1 Prisão domiciliar 15 5 Progressão Semi > Aberto

3 37 Negado

Parcial

Concedido

Fig.6. Modificações nos regimes de cumprimento da pena em razão dos julgamentos dos habeas corpus com pedido de progressão. 15

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

1 Negado

Parcial

4

3

Concedido

25 12 Negado Progressão

Ex-Ofício Domiciliar

Progressão Semi > Aberto

Fig.7. Resultados dos julgamentos dos habeas corpus com pedido de prisão domiciliar.

1; [PORCENTAGEM]

15; [PORCENTAGEM]

Concedida

Negada

Como se pode notar, o Tribunal de Justiça de Sergipe firmou o entendimento de que não é possível impor ao condenado um regime de pena mais gravoso do que tem direito. E, embora os acórdãos tenham oscilado na definição das soluções (ora progressão de regime, ora prisão domiciliar), a maior parte dos julgados foi no sentido da concessão da prisão domiciliar até o surgimento de vaga em estabelecimento penal adequado. Se, por um lado, o acolhimento da tese da impossibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso evidencie um posicionamento do TJSE mais sensível aos direitos dos presos e às garantias penais constitucionais, por outro, as oscilações - tanto dos recorrentes quanto dos julgadores - quanto às soluções viáveis demonstram a necessidade urgente de aprimoramento desse debate e de uma definição mais precisa dos parâmetros a serem adotados quando inexistir vaga em estabelecimento prisional adequado ao regime penal do condenado.

16

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Em outras palavras, os julgados do TJSE evidenciam a consolidação de uma tese importante e necessária, mormente em razão do aumento crescente das taxas de aprisionamento e do não funcionamento do sistema progressivo de cumprimento de pena (não só no estado de Sergipe, mas em todo o país). Todavia, os julgados analisados carecem de precisão quanto às consequências advindas da adoção desse entendimento. Vale dizer, por exemplo, um dado fundamental que não foi levado em consideração naqueles acórdãos em que foi determinada a progressão do regime semiaberto para o aberto: o estado de Sergipe não possui estabelecimento penal destinado ao regime aberto.27 Sendo assim, determinar a progressão para o regime aberto, em razão da inexistência de vaga em regime semiaberto, é reproduzir o problema inicialmente constatado, já que inexistente também vaga no regime aberto. Além disso, no que se refere à concessão da prisão domiciliar, trata-se de uma alternativa de difícil fiscalização e, isolada, de pouca eficácia. Não merece ser descartada a sua utilização, até que sejam estruturadas outras medidas, mas fato é que é preciso avançar em propostas de medidas que sejam menos gravosas que o encarceramento e, ao mesmo tempo, não estejam aquém do “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime” (art.59 do CP).28 Em síntese, firmada a premissa de que o sentenciado não pode ser mantido em regime mais gravoso do que tem direito, as consequências que daí devem ser retiradas precisam ser debatidas com maior acuidade pela sociedade, pelos legisladores, administradores públicos e operadores do direito. 4. O julgamento do RE 641.320/RS e a aprovação da Súmula Vinculante nº 56: passos importantes na superação de lacunas e resolução de conflitos em matéria prisional

Um passo importante no aprimoramento do debate foi dado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, no dia 11 de maio de 2016, quando da conclusão do julgamento do RE 641.320/RS. Na oportunidade, os Ministros do STF, acompanhando os termos do voto do Relator Gilmar Mendes, resolveram a controvérsia com repercussão geral, fixando o entendimento de que: “a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; 27

A inexistência de estabelecimento penal destinado ao regime aberto no estado de Sergipe é constatada no Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. INFOPEN – Junho de 2014, p.27, tabela 2. Este dado é ainda reproduzido no voto do Ministro Gilmar Mendes, relator do RE 641.320/RS, p. 03, quando destaca as unidades da Federação que “simplesmente abandonaram o regime aberto” (p.5). 28 Neste exato sentido, vide o teor do voto do Ministro Gilmar Mendes no RE 642.320/RS, julgamento de 11/05/2016, DJe 08/08/2016.

17

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, alíneas “b” e “c”); c) havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.” (RE 641320, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 11.5.2016, DJe de 8.8.2016)

Consta ainda do referido acórdão a determinação de uma série de providências concretas ao Conselho Nacional de Justiça, com prazos pré-definidos, relacionadas com a implementação de programas para a melhoria do sistema prisional, tais como: a estruturação de um Cadastro Nacional de Presos e de Centrais de Monitoração de Penas Alternativas; a expansão de projetos destinados a garantir trabalho e estudo a condenados; e ainda a ampliação de vagas nos regimes semiaberto e aberto. É evidente que esse julgamento não tem o condão de esgotar todas as alternativas viáveis para a garantia da progressão de regime aos condenados. Mas, ao apontar soluções concretas - como a (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto - o STF está criando espaço para a formulação de uma jurisprudência de base, que irá superar lacunas e resolver conflitos, conferindo às instâncias ordinárias margem para complementação e execução das medidas. Ainda com relação a essas soluções apontadas, algumas observações importantes foram feitas no corpo do acórdão. Em primeiro lugar, no que se refere à saída antecipada, o Tribunal destacou a necessidade de se buscar uma uniformidade de tratamento. Neste sentido, a saída antecipada deve ser deferida ao sentenciado que satisfaz os requisitos subjetivos e está mais próximo de satisfazer o requisito objetivo. Ou seja, aquele que está mais próximo de progredir tem o benefício antecipado, abrindo-se vaga para outro condenado. O sentenciado do regime semiaberto que tem a saída antecipada pode ser

18

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

colocado em liberdade eletronicamente monitorada; o sentenciado do aberto, ter a pena substituída por penas alternativas ou estudo. Com relação à liberdade eletronicamente monitorada, o acórdão destacou sua relevância em virtude das inconveniências do recolhimento domiciliar puro e simples, em tempo integral, tais como as dificuldades de fiscalização e algumas limitações de caráter econômico e social para o condenado decorrentes da imposição do ócio. Por essa razão, mesmo reconhecendo o desconforto e o estigma inerentes à monitoração eletrônica, o voto do Ministro Relator enfatizou tratar-se de uma alternativa à permanência no ambiente carcerário, ficando o sentenciado obrigado a trabalhar e, se possível, estudar, recolhendose ao domicílio nos períodos de folga. Por fim, a possibilidade de cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride para o aberto consiste em uma nova forma de utilização do instituto, tal como destacado no próprio acórdão. Atualmente, as penas restritivas de direito são aplicáveis apenas de forma autônoma – art. 44 do CP. Não há progressão, no curso da execução penal, de uma pena privativa de liberdade para penas restritivas de direito. No entanto, o Supremo reconheceu que ao condenado que progride ao regime aberto seria muito mais proveitoso aplicar penas restritivas de direito, observando-se as condições dos parágrafos do art. 44 do CP, do que aplicar a prisão domiciliar. O julgamento deste precedente representativo culminou, posteriormente, em junho de 2016, na aprovação da Súmula Vinculante nº 56, com o seguinte teor: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.” Desde então, a Súmula Vinculante (SV) 56 tem se revelado um instrumento consistente para assegurar garantias individuais dos condenados e, em consequência, melhorar as condições no sistema prisional. Após a sua entrada em vigor, o Supremo tem recebido diversos processos, da classe processual Reclamação29, contra decisões que mantiveram pessoas presas em regime mais severo que o estabelecido em sentença ou autorizado por lei.30

5. Conclusão 29

A reclamação é o instrumento utilizado para preservar ou garantir a autoridade das decisões do STF perante os demais tribunais. O descumprimento de súmula vinculante é um desses casos passíveis de análise por meio de reclamação. 30 Rcl 24840 MC, Relator Ministro Roberto Barroso, decisão monocrática, julgamento em 10.8.2016, DJe de 15.8.2016; Rcl 25054 MC, Relator Ministro Roberto Barroso, decisão monocrática, julgamento em 19.9.2016, DJe de 21.9.2016; e RCL 24951 MC , Ministro Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 31/08/2016, DJe de 01/09/2016.

19

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Ao longo do presente trabalho, foi possível confirmar a hipótese anunciada logo no capítulo introdutório, qual seja, a de que a interdição parcial do presídio Areia Branca, para além de significar uma resposta do Judiciário ao tratamento degradante dispensado aos presos daquela unidade, deflagrou um importante debate na jurisprudência do Tribunal de Justiça sergipano em torno da (im)possibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso e das alternativas viáveis diante da inexistência de vaga em estabelecimento penal adequado. Os 220 (duzentos e vinte) acórdãos mapeados pela pesquisa tinham por objeto duas espécies de recursos/ações: agravos de execução e habeas corpus.31 Julgados entre os anos de 2012 e 2015, todos eles colocavam em discussão a situação de presos que faziam jus ao regime semiaberto diante da interdição parcial do presídio Areia Branca (decretada em sede liminar ou após regular processo administrativo) e da proibição de ingresso de novos apenados nesta unidade. Isso porque, na falta de vaga em estabelecimento prisional adequado ao regime semiaberto, passou-se a questionar, nestas demandas, a (im)possibilidade de cumprimento de pena em regime mais gravoso (fechado), apontando-se alternativas como a progressão de regime ou o cumprimento de pena de prisão domiciliar. Verificou-se, então, o claro posicionamento firmado pelo Tribunal de Justiça de Sergipe no sentido de não admitir a imposição ao condenado de um regime de pena mais gravoso do que tem direito. E, embora os acórdãos analisados tenham oscilado na definição das soluções (ora progressão de regime, ora prisão domiciliar), na maior parte dos julgados foi feita a opção pela concessão da prisão domiciliar até o surgimento de vaga em estabelecimento penal adequado. Sem desmerecer a relevância da adoção, pelo TJSE, da premissa de que o sentenciado não pode ser mantido em regime mais gravoso do que tem direito, foi observada a necessidade urgente de aprimoramento do debate em torno das consequências daí advindas, assegurando-se a participação de segmentos sociais, legisladores, administradores públicos e operadores do direito. Do ponto de vista do papel a ser desempenhado pela jurisprudência, destacou-se, como desafio a ser perseguido, a necessidade de uniformização do entendimento em torno do tema, especialmente a partir da definição de parâmetros mais precisos a serem adotados quando inexistir vaga em estabelecimento prisional adequado ao regime do condenado.

31

Ver listagem dos processos mapeados pela pesquisa no Anexo.

20

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Neste sentido, o recente julgamento do RE 641.320/RS, em maio de 2016, e a aprovação da SV Nº 56, em junho de 2016, significaram passos importantes dados pelo Supremo Tribunal Federal em direção ao desafio colocado. Importância esta que reside – é preciso deixar claro - não apenas na uniformização da interpretação constitucional, mas também no fato de apontarem, como respostas para as deficiências do sistema prisional, alternativas ao encarceramento. E essas medidas alternativas, se levadas a sério pelos operadores do direito, têm o potencial de frear o crescimento vertiginoso da taxa de aprisionamento brasileira, mencionado na introdução deste trabalho. Frise-se, por fim, que, tal como ressaltado pelo Ministro Luís Roberto Barroso, no julgamento do RE 580.252/MS, a jurisdição constitucional não pode desempenhar o papel de mero expectador da situação alarmante do sistema prisional brasileiro. Ao contrário, o quadro crônico de omissão e descaso com a população carcerária exige que o Poder Judiciário, e particularmente o Supremo Tribunal Federal, assumam uma postura ativa na construção de soluções para a crise prisional, impulsionando o processo de superação do atual estado de inconstitucionalidade que envolve a política prisional no país.

6. Referências bibliográficas A8. “Incêndio no presídio de Areia Branca causa prejuízos em propriedades vizinhas”, 2012. Disponível em: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 641.320/RS. Recorrente: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Recorrido: Luciano da Silva Moraes. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Julgamento em 11 de maio de 2016. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Ação Civil Pública nº 2008.7310022-8. Requerente: Ministério Público do Estado de Sergipe. Requerido: Estado de Sergipe. 21

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

Prolatora: Juíza Patricia Cunha Paz Barreto de Carvalho. Areia Branca, 9 de dezembro de 2010. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Acórdão no Mandado de Segurança nº. 0091/2012. Impetrante: Ministério Público do Estado de Sergipe. Impetrado: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal. Relator: CHAGAS, Cláudio Dinart Déda. Aracaju/SE, 26 de setembro de 2012. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Ação Civil Pública nº 2009.7310054-8. Requerente: Defensoria Pública do Estado de Sergipe. Requerido: Estado de Sergipe. Prolator: Juiz José Amintas Noronha de Meneses Júnior. Areia Branca, 26 de junho de 2013. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Processo Administrativo nº 201220700338. Requerente: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal - Helio de Figueiredo Mesquita Neto. Areia Branca, 30 de agosto de 2013. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Processo Administrativo nº 201320700443. Requerente: Juiz de Direito da 7ª Vara Criminal - Helio de Figueiredo Mesquita Neto. Areia Branca, 30 de agosto de 2013. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe. Acórdão na Apelação nº. 2013.00225683. Apelante: Estado de Sergipe. Apelado: Defensoria Pública do Estado de Sergipe. Relator: FILHO, Osório de Araújo Ramos. . Aracaju/SE, 20 de fevereiro de 2014. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. “Novo Diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil”. Brasília, junho de 2014. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf >. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL/ MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias”. INFOPEN – Junho de 2014. Disponível em https://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopennesta-terca-feira/relatorio-depen-versao-web.pdf. F5 NEWS. “Com sete meses de atraso, Governo conclui presídio de Areia Branca”, 2016. Disponível em: F5 NEWS. “TJSE suspende interdições de presídios de Areia Branca e São Cristóvão”, 2014. Disponível em: G1. “Cadeia Pública de Areia Branca fica pronta e deve receber 390 presos”, 2016. Disponível em: INFONET. “Juiz determina interdição do presídio Areia Branca”, 2013. Disponível em: INFONET. “Motim deixa agentes apreensivos em Areia Branca”, 2013. Disponível em: INFONET. “Detentos em regime semiaberto vão cumprir pena em casa”, 2013. Disponível em:

22

Anais 2º Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão

ISSN:2317-0255

ITNET. “Veja a matéria do Jornal da cidade sobre o presídio de Areia Branca”, 2009. Disponível em: OLIVEIRA, Gilson de. “Detentos em regime semiaberto serão monitorados após interdição do presídio de Areia Branca”, 2013. Disponível em:
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.