A REVITALIZAÇÃO DA RUA SÃO FRANCISCO: uma reflexão sobre a memória do tempo presente na (re)invenção da cidade.

July 23, 2017 | Autor: M. Garcia Tabuchi | Categoria: CIDADE
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A REVITALIZAÇÃO DA RUA SÃO FRANCISCO: uma reflexão sobre a memória do tempo presente na (re)invenção da cidade.

RESUMO

Em dezembro de 2012 foi concluída a revitalização da Rua São Francisco. A restauração faz parte de um projeto maior, que abrange a revitalização do centro histórico de Curitiba. À primeira vista, o projeto se resume à reforma das calçadas e da iluminação, além da pintura das fachadas dos edifícios comerciais. No entanto, os discursos a seu respeito trazem pretensões muito mais complexas. O marketing fundamenta-se, principalmente, no resgate da memória da cidade, na valorização de seus centros históricos e no embelezamento do espaço. Nesse sentido, a revitalização pressupõe três imperativos: a higienização, o embelezamento e a funcionalidade. Tratase de uma reforma estética – fachada nova e higienização do espaço. O discurso oficial gira em torno da ideia de um projeto que valoriza o passado da cidade e preserva sua memória. Entretanto, percebe-se que a revitalização tem relação direta com projetos turísticos que lidam com a nova divina trindade do mercado de cidades: cultura, entretenimento e gastronomia. Esses espaços históricos são apropriados para a construção de uma imagem de cidade que atraia investidores e turistas. A cidade tornase mercadoria. Os espaços urbanos tornam-se, além de frequentados, consumíveis. A fabricação dessa imagem-identidade preenche o local da memória e da história, na forma de um pastiche. A historicidade é esvaziada e substituída por uma nova história, aplicada para a produção de um novo espaço de interesse. Partindo-se dessas reflexões, faz-se necessário problematizar a noção de imagem-síntese (Fernanda Sanchez), a partir de uma reflexão entre memória e os sentidos com os quais as revitalizações trabalham o espaço urbano.

Palavras-chave: cidade; revitalização; Rua São Francisco; memória fabricada.

1. O IMAGINÁRIO DA REVITALIZAÇÃO: O QUE SE VÊ

“É o meu sonho ter esse centro revitalizado. Tem muitas obras antigas que merecem ser visitadas, muitos prédios, muitas confeitarias também, principalmente a Blumenau”. Seu Valmor1

Revitalização, em sua atribuição mais corrente, diz-nos o dicionário Aurélio, significa o “conjunto de medidas que visam criar novo grau de eficiência (para um) conjunto urbanístico, de uma região”. Partimos, assim, da aceitação de que tal significado atribuído ao conceito está dissolvido e absorvido, em parte, pelos indivíduos que se defrontam com a questão. A revitalização, enquanto processo urbanístico e como conteúdo de discursos institucionais, pode ser entendida como responsável por um movimento de olhos para determinados pontos da cidade, que, em algum momento, deixaram de ser atrativos, acabando por se afastarem da rota que até então os inseria num eixo urbano de “interesse”. Trabalha-se aqui com concepções temporais que refletem a dinâmica de uma cidade e seus múltiplos revezamentos de significação e configuração do espaço. Há também que se apontar dois elementos a serem discutidos na conceitualização apresentada: o “novo” e o “eficiente”. Dentro do imaginário que circunda o tema, podemos aventar hipóteses que nos trazem concepções positivas de revitalização: as perspectivas do “novo” e da “reinvenção” podem ser entendidas como necessidades humanas que se estendem por todos os espaços e atividades; cada local com um ciclo de produção da vida alterna fases de desenvolvimento, estagnação, renascimento e luta contra a degradação.

É corriqueiro na histórica das aldeias, vilas e cidades brasileiras (desde os primórdios da colônia), abandonar ou deixar atrás de si núcleos urbanos criados, para fundar outros, paralelos, transferindo as funções do antigo para o novo. Deste modo, a cidade “abandonada” pode viver um período de estagnação e até mesmo cair no “esquecimento2

1

Seu Valmor é comerciante e proprietário da Confeitaria Blumenau, localizada na Rua São Francisco. O intuito do grupo PET-Direito, ao entrevistar comerciantes da rua, foi captar qual a percepção que estes têm acerca dos processos de revitalização que ocorrem no centro da cidade de Curitiba. A entrevista foi realizada no dia 26/04/2013 2 FREITAG, Bárbara. A revitalização dos centros históricos das cidades brasileiras. In: Caderno CRH, Salvador, n. 38, p. 115-126, jan./jun. 2003.

O próprio processo de revitalização urbana carrega em si estudos, pesquisa, resgate ou ampliação da qualidade de vida de certas regiões, modificando e interferindo na própria infraestrutura do local. Além disso, é preciso admitir que tal processo foi responsável, em muitos centros históricos, a exemplo do Pelourinho3 baiano, por impedir que bairros inteiros, ainda que tornados mercadorias para o turismo, deixassem de existir - em nome de uma renovação que poria muita coisa abaixo e substituiria a paisagem por uma coleção de enormes prédios, conformando o espaço e ditando por quais frinchas poderia a luz passar. Ademais, se há algo, sem sombra de dúvidas, benéfico proporcionado pela noção de revitalização é a ressignificação da função do antigo e do novo, função do diálogo com o passado4 presente e futuro, que ganha consciência de si. Promove, ainda, a percepção da transformação, dos pontos negativos do que se prolonga e do que se vai, prospectos e reflexão sobre a interação com o espaço. Representa, assim, para muitos, tanto uma esperança saudosista5 quanto uma esperança voltada para o futuro. Primeiro porque há uma insatisfação com o momento do agora; insatisfação que se repete diante das mudanças contingentes e também das artificiais. Segundo porque demonstra que há uma importância sendo dedicada a alguma coisa. Esperança no futuro essa a de seu Valmor, agarrada à possibilidade de que algo venha a ser o que um dia já foi, mesmo não sendo. Afora isso, há que se mencionar os aspetos objetivos: melhorias na iluminação, nas calçadas, na segurança, o embelezamento, a restauração e, em certa medida, uma preservação física do patrimônio histórico - casarões, prédios antigos, estruturas arquitetônicas que, não fosse esse olhar enquanto intervenção, estariam, como tantas outras construções, a figurar entre o pó.

2. DO FOGO AO TERÇO: UMA GEOGRAFIA DA MEMÓRIA

Falar em cidade e município é resgatar parte de nossa estrutura colonial. Já em Sérgio Buarque de Holanda percebe-se a centralidade do município para a colonização, 3

FREITAG, Bárbara. Obra citada, p. 9. BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. 10 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996, p. 224. 5 “O impulso nostálgico é um importante agente do ajuste à crise, é o seu emoliente social, reforçando a identidade (...) quando a confiança se enfraquece ou é ameaçada”. In: ROSSI, A. Architecture and the city. Cambridge, Massachesetts apud HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 15. ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 85 4

embora o mesmo destaque a fragilidade de sua organização, fato hoje contestado pela recente historiografia que demonstra toda a complexa rede de vilas e cidades e, mais que isso, uma intensa atividade urbanizadora (planejada). Todas as organizações e instituições tinham sede na cidade que, apesar do patriarcalismo da sociedade corporativa, encontrava, fundamentalmente no judiciário um setor mais profissional e mais próximo de uma hierarquia burocrática moderna em um mundo em que o favoritismo, nepotismo e venda de cargos era comum. Assim,

A cidade ibérica, com seus direitos e privilégios tradicionais, suas funções político-simbólicas e seu amplo domínio sobre os recursos sociais e econômicos dos habitantes da região, era um teatro de ações de toda a sociedade, e não apenas metade de uma dicotomia urbano-rural como pode ter acontecido com mais freqüência no norte da Europa 6

Ou, como destaca Edmundo Zenha ao tratar do primeiro município a ser criado no Brasil, a Vila de São Vicente em 1532,

[...] o município surgiu unicamente por disposição do Estado que, nos primeiros casos, no bojo das naus, mandava tudo para o deserto americano: a população da vila, os animais domésticos, as mudas de espécies cultiváveis e a organização municipal encadernada no livro I das Ordenações 7

Se no Oriente, as cidades portuguesas seriam construídas congregando a fortaleza de defesa militar e a necessidade mercantil (localização geográfica), na América portuguesa teriam, em sua maioria, outra configuração. Seriam importantes centros politico-jurídicos, articuladas aos mecanismos em formação do sistema colonial, mesmo após perderem parte de seu poder. Mas sua marca no período foi a irregularidade, a falta de linearidade, ou, nas palavras de Murilo Marx:

Foi assim desde a sua origem, combatendo e derrotando as tentativas para ordená-la de outra forma, algumas significativas. (…) Os vícios e as virtudes dessa cidade apontam a paternidade ibérica e, particularmente, a portuguesa. O típico aglomerado medieval lusitano foi transplantado para a banda oriental americana da linha de Tordesilhas.8

6

SCHWARTZ, Stuart B. & LOCHART, James. A América Latina na época colonial, p. 22. ZENHA, Edmundo. O município no Brasil, 1532-1700. p. 23. 8 MARX, Murilo. Cidade brasileira. São Paulo: Edusp, 1980. p. 23-24. 7

A marca da cidade para o autor é a irregularidade. Ao longo do serpenteado das construções se destacavam os edifícios públicos: Igrejas e prédio da Câmara e da Cadeia, com importantes papéis na construção de uma cultura político-jurídica e mesmo de uma vida urbana. No caso especificamente curitibano, o núcleo central era somente religioso, pois faltava à vila um edifício para a Câmara. Nessa cidade irregular a questão da divisão das terras era central e reforça a existência de variadas soluções para a questão fundiária, destacada por Raquel Glezer:

[...] o compulsar da documentação histórica do Período colonial explicitou claramente a existência de diversidades. A própria forma de obtenção de terra para a propriedade rural, a „sesmaria‟ e para a propriedade urbana, a „data de terra‟, ou „chão de terra‟, apresentava diferenças.9

Curitiba surge nesse contexto colonial, fundada por bandeirantes paulistas vindos à região atraídos pela notícia de ouro. As primeiras sesmarias datam da primeira metade do século XVII, mas o vilarejo ao redor da praça Tiradentes só apareceria na segunda metade, sob o comando do Capitão Mor Gabriel de Lara que em 1668 levantou pelourinho em nome do conde de Cascais (a região ainda não pertencia oficialmente à coroa portuguesa, estando ligada ao espólio de um herdeiro de capitão donatário).10 Os primeiros anos da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba foram difíceis. Ela estava no sertão de Curitiba (primeiro planalto), logo, fora do modelo marítimo colonial de Portugal, seguindo Charles Boxer.11 Para agravar, um isolamento que era frequente preocupação da elite camarária.12 que controlava politicamente a vila, bem como das autoridades às quais foi submetida a partir de 1715, quando foi comprada pela Coroa e vinculada à Capitania de São Paulo. Havia um projeto de cidade barroca, construída em dois níveis, um baixo, ao mar, com o porto e a Fortaleza e um alto, da cidade, com destaque para a Igreja Matriz e para o edifício da Câmara e Cadeia (que representava a autoridade local e régia). Em Curitiba, temos apenas um pequeno aglomerado de casas ao redor de uma precária

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GLEZER, Raquel. Chão de terra; e outros ensaios sobre São Paulo. p. 58. Ver: NEGRÃO, Francisco. Boletim do Arquivo da Câmara de Curitiba. Curitiba: Imprensa Paranaense, 1927. 11 BOXER, Charles. Império marítimo colonial português. Lisboa: Edições 70, 1983. 12 Sobre o conceito ver: HESPANHA, António Manuel. Caleidoscópio do Antigo Regime. São Paulo: Almedina, 2013. 10

Matriz que seria demolida ainda no século XVIII. O edifício da Câmara e da Cadeia é do mesmo século. Nesse período a então Rua do Fogo era uma das vias de acesso à pequena vila, limitada geograficamente por banhados, em particular os dois que delimitavam o centro da nova povoação (hoje Praça Santos Andrade e Praça Osório). O modelo de cidade colonial, precário e numa região extremamente pobre, só foi alterado no século XIX e em sua segunda metade. Após o enriquecimento proporcionado pela erva mate, a cidade cresceu e se modernizou, em um modelo conservador que mudou o eixo urbano do religioso (composto pela Matriz e pelas Igrejas do Rosário e de São Francisco – estas duas no alto da Rua São Francisco) para o mercantil (que englobava a Rua XV, Marechal, Praça Tiradentes e Riachuelo).13 A modernização conservadora da virada do século XIX para o XX remodelou o centro e pôs abaixo as edificações coloniais, substituídas pelos casarões ecléticos da burguesia ervateira e dos comerciantes. A Rua São Francisco ganhou um intenso comércio, que, apesar de sua centralidade, curiosamente ficou à margem das renovações que aconteceram no século XX - seja a realizada por Cândido de Abreu, prefeito ainda nos anos 20 do século passado, o plano Agache (1942) ou mesmo as alterações neoparanistas de Rafael Greca, a partir da década de 1970. Por conta dessa negligência, a rua se transformou em um local de moradias populares, no início da segunda metade do século XX, tornando-se famosa, sobretudo, pela aglomeração de prostitutas e pela balbúrdia que se estendia para as ruas adjacentes: Rua do Fogo - assim ficou conhecida a Rua São Francisco durante quase três décadas. Justificada em seu apelido, em 1853 a pequena rua curiosamente figurava entre as principais vias curitibanas. Apartada dos projetos urbanísticos e sem receber qualquer atenção da municipalidade, no início do século XX a rua carecia de calçamento, o que impossibilitava o tráfego nos dias de chuva devido à lamaceira e aos buracos que se formavam. Nesta mesma época, contudo, outras áreas eram alvos de constantes melhorias, como a rua XV de Novembro, que foi pavimentada e recebeu iluminação elétrica, e a Praça Tiradentes, que ganhou calçamento. Foram várias as denominações da rua. Deixou de ser do Fogo, tendo sido também Rua do Hospício e Rua do Terço. Em 1868 recebeu o nome de Rua Riachuelo, 13

Ver: PEREIRA, Luís Fernando Lopes. O espetáculo dos maquinismos modernos. São Paulo: Blucher, 2009.

e em 1871, por deliberação da Câmara, tornou-se Rua São Francisco. Em 1918, em virtude da lei 505, recebeu o nome de Claudino dos Santos, uma homenagem ao prefeito de Curitiba de 1916. A reportagem “A Rua do Fogo”, publicada no jornal Gazeta do Povo em 19 de março de 189814, associa as mudanças de nome à tentativa de “moralizar” o local, que com suas brigas e discussões poluía a área respeitável lotada de moradias dos arredores.

Com a pressão da câmara e a influência dos políticos, passou aquela rua, oficialmente, a chamarse Rua de São Francisco, em homenagem ao das Chagas, visto que a Ordem Terceira instalada no Largo propunha certo respeito. Ficou portanto a rua pertencendo ao Santo que procedeu a uma reforma geral no sentido da moralidade, o que era exigido pelos ínclitos cidadãos de Curitiba. Não conseguiu saneá-la de todo, a despeito does esforços dirigidos. Mas manteve-se ali politicamente circunspecto, antevendo êxito administrativo em face da aproximação do progresso.15

Entre as casas comerciais que se estabeleceram na São Francisco, é possível citar: padarias, sapatarias, alfaiatarias, relojoarias, floriculturas, barbearias, açougues, funerárias, charutarias, armazéns de gêneros, funilarias, casas de tecidos, entre outros, além da Casa de Saúde. Esta, criada na década de 1920, foi o primeiro estabelecimento particular de saúde da capital, a Casa de Saúde São Francisco, de propriedade do médico Jorge Meyer. Para além dos atendimentos ambulatoriais, o hospital também prestava cirurgias com técnicas avançadas. As atividades da Casa de Saúde, com o passar do tempo, foram inviabilizadas pelo processo de degradação do endereço, prejudicado pela instalação de bares e hotéis na vizinhança. O tráfego de carroças preocupava os administradores de Curitiba, sobretudo porque colidia com as vestes modernas que se pretendia atribuir à cidade. No final do século XIX, aliás, foi instituída pena de multa para os que usassem o referido veículo nas proximidades da Praça da Matriz, tendo o problema, porém, persistido até o século seguinte. Na São Francisco, o detestado meio de transporte se fez presente durante muito tempo (há jornais de 1945 denunciando o tráfego de carroças na rua)16, utilizado principalmente por imigrantes que vinham ao centro trazer seus víveres, em sua maioria italianos e poloneses. As vendas eram feitas durante a manhã, e no horário de almoço os

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Informações obtidas em materiais coletados na pasta temática da Casa da Memória de Curitiba. HOERNER JR, 1989 (completar referência). 16 Materiais obtidos na pasta temática da Casa da Memória de Curitiba. 15

imigrantes voltavam às suas colônias, não sem antes se abastecerem de secos e molhados, ferragens e outros utensílios. Até pouco tempo atrás, quem parasse próximo ao número 171 podia encontrar uma antiga argola, presa ao meio fio, como uma sobrevivente “da época em que se amarravam cavalos na calçada”, contam antigos moradores. Com o início do processo de revitalização da rua, muita atenção foi dada a argolinha e à expectativa quanto ao seu destino: removida durante as obras, ao que tudo indica, encontra-se guardada em um cofre do Ipuc.

3. A REVITALIZAÇÃO DA RUA SÃO FRANCISCO: A MEMÓRIA FABRICADA

Foi entregue à população curitibana, em dezembro de 2012, a revitalizada Rua São Francisco. A restauração faz parte de um projeto de maior abrangência, que visa à revitalização do centro histórico da cidade. Intitulado de “Novo Centro”, o projeto é fruto de uma parceria entre a Prefeitura da cidade, o Serviço Social do Comércio (Sesc), a Federação do Comércio (Fecomércio), o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O “Novo Centro”, conforme informações públicas dispostas no site do SEBRAE, foi idealizado a partir de um diagnóstico:

Um estudo realizado pelo SEBRAE/PR destacou quais eram as necessidades e oportunidades da região, o que resultou no Diagnóstico do Ambiente Econômico e Empresarial do Entorno do Paço da Liberdade, fruto da percepção de empresários, consumidores e turistas. A partir desse estudo, um plano de atratividade foi proposto, definindo quatro eixos atrativos a serem desenvolvidos em parceria entre as três instituições do Projeto. São eles: - eixo histórico/arquitetônico/turístico; - eixo gastronômico; - eixo de serviços/especializados; e - eixo conceitual17

Assim, resta evidente que as motivações da requalificação do espaço tiveram como critério fundamental a atratividade da região e a ativação das potencialidades tornadas ociosas devido à depredação do espaço público.

17

SEBRAE. Paço Municipal em Curitiba. Disponível

em:

Por outro lado, no sentido propriamente objetivo, podemos resumir a revitalização da rua a uma reforma das calçadas e da iluminação, em parte restauradas para manutenção de aspectos originais e do incentivo à pintura das fachadas dos edifícios comerciais. Somou-se a isso, a proibição de carros estacionados em trechos da rua. É o que ressaltam testemunhos:

A reforma da São Francisco começou em maio deste ano e contempla iluminação pública com postes e arandelas fixadas nas fachadas, preservando as características da região. Parte da calçada histórica, feita de grandes blocos de basalto negro, será preservada, assim como aconteceu na Riachuelo, via pública vizinha à São Francisco, que também passou por revitalização. 18

Da mesma forma que já foi revitalizada a Rua Riachuelo, agora a São Francisco receberá alargamento das calçadas de 2 metros para 3,5 metros, privilegiando o comércio local. Também no centro, a Rua Carlos de Carvalho terá um visual mais limpo, com parte dos cabos transferidos para o subsolo e uma redução naqueles que continuarão aéreos. Calçadas mais largas estão previstas no local para permitir que comerciantes do ramo de gastronomia coloquem sobre elas mesas e cadeiras.19

Nos últimos anos, foram realizados trabalhos semelhantes na Rua Riachuelo e na Rua São Francisco, onde, além da pintura das fachadas e do atendimento aos empresários, o Ippuc promoveu a melhoria das calçadas, meio fio, iluminação, tubulação para dados de telefonia, TV e conectividade, instalação de câmeras de segurança e orientações aos comerciantes para a despoluição visual do lugar.20

Ainda que pesem as observações acerca das motivações e das medidas que incidem sobre os bons imóveis históricos, como qualquer obra que se torna objeto de publicidade, os discursos a seu respeito trazem pretensões muito mais complexas. As revitalizações em geral, e a revitalização da Rua São Francisco especificamente, trazem em seus anúncios, como justificativa cultural, o resgate da memória da cidade, a valorização de seus centros históricos e o “embelezamento” do espaço. 18

REVISTA PEQUENAS EMPRASAS & GRANDES NEGÓCIOS, Curitiba, 20 dez.2012. Revitalização de rua em Curitiba incentiva comércio local. Disponível em: http://revistapegn.globo.com/Revista/Common/0,,EMI327216-17180,00.html. 19 PARANÁ ONLINE, Curitiba, 21 jun. 2012. Ruas comerciais de Curitiba ganharão Revitalização. Disponível em: http://www.paranaonline.com.br/editoria/cidades/news/616693/?noticia=RUAS+COMERCIAIS+DE+CURITIBA+GANH ARAO+REVITALIZACAO. 20 PREFEITURA DE CURITIBA, 20 dez. 2012. Luciano Ducci resgata a memória de Curitiba com a renovação da São Francisco. Disponível em: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/luciano-ducciresgata-a-memoria-de-curitiba-com-a-renovacao-da-sao-francisco/28206.

Segundo o então Prefeito de Curitiba, em matéria intitulada Luciano Ducci resgata a memória de Curitiba com a renovação da São Francisco, da comunicação da Prefeitura:

As obras na rua São Francisco são a continuidade do programa Novo Centro, que desde 2005 vem transformando a região central/histórica da cidade com o restauro de antigos prédios como o Paço Municipal, Catedral Basílica de Curitiba, Praça Tiradentes e a vizinha da São Francisco, a rua Riachuelo. Nesse período a Prefeitura também melhorou a iluminação das ruas, instalou câmeras de monitoramento entre outras medidas.21

O arquiteto do Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Mauro Magnabosco, responsável pelo projeto, nos traz, em outra notícia, mais alguns aspectos importantes: Estamos buscando uma forma de criar mais atrativos para o Centro‟, comenta o arquiteto. De acordo com ele, as calçadas foram melhoradas e os paralelepípedos foram preservados. Além disso, uma nova pintura foi feita e a iluminação foi reforçada. Dois trechos da rua contarão com tapumes conceituais, que resgatam a história do local e têm o propósito de oferecer mais segurança, já que um deles isolará um terreno baldio. 22

Por fim, os parceiros anunciam sua perspectiva: A mobilização empresarial é fundamental para a revitalização de espaços comerciais. Os empresários precisam estar comprometidos. Não basta reformar a fachada, melhorar a gestão, tornar a vitrine atrativa se não houver um desejo mútuo dos empresários em torno do desenvolvimento da região”, diz Walderes Bello, consultora do Sebrae no Paraná. Para ele, as mudanças já podem ser percebidas no centro de Curitiba. A região está mais iluminada, passa uma sensação de maior segurança e conta com atrativos turísticos como o Paço da Liberdade, que atrai milhares de turistas. “Revitalizar espaços comerciais é uma tendência irreversível. Os centros antigos, muitos deles marcados pela concentração de drogas e de prostituição, precisam passar por uma reformulação urgente. 23

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PREFEITURA DE CURITIBA, 20 dez. 2012. Luciano Ducci resgata a memória de Curitiba com a renovação da São Francisco. Disponível em: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/luciano-ducciresgata-a-memoria-de-curitiba-com-a-renovacao-da-sao-francisco/28206. 22 GAZETA DO POVO, Curitiba, 20 dez. 2012. Rua São Francisco ganha nova cara após 4 meses. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1329453&tit=RuaSao-Francisco-ganha-nova-cara-apos-4-meses. 23 REVISTA PEQUENAS EMPRASAS & GRANDES NEGÓCIOS, Curitiba, 20 dez.2012. Revitalização de rua em Curitiba incentiva comércio local. Disponível em: http://revistapegn.globo.com/Revista/Common/0,,EMI327216-17180,00.html

Trata-se de uma reforma estética - fachada nova e higienização do espaço. Oficialmente, no entanto, se trabalha com a ideia de um projeto que valoriza o passado da cidade e preserva sua memória, sendo, ao mesmo tempo, capaz de fortalecer a segurança pública e o desenvolvimento local. O elemento fundamental que faz com que as medidas objetivas tornem parcialmente eficaz a pretensão do projeto é o marketing. A recuperação destes centros para a ampliação de espaços públicos qualificados é correlata a projetos turísticos que trabalham com a nova divina trindade do mercado de cidades: a cultura, entretenimento e gastronomia. As características históricas de antigos centros são assim apropriadas (parcialmente) para a construção de uma imagem da cidade que contribua para a alavancagem econômica, como estratégia de marketing para atrair investidores e turistas. Por um lado, a reforma faz da região um local não apenas frequentável, mas consumível. Por outro, a revitalização tomada em seu sentido de obra do poder público serve bem às check lists de fim de mandatos. A questão, entretanto, que mais nos importa é que, para além da consecução de interesses econômicos, o projeto é extremamente eficiente quanto à sua percepção social. Os espaços revitalizados (higienizados ou elitizados) operam de fato uma ressignificação do espaço por meio de um upgrade cultural, que encontra ressonância na opinião pública local, a qual sente sua identidade pátrio-citadina reafirmada. Trata-se de uma eficácia parcial, ou seja, não há verdadeiramente uma recuperação das memórias ou a valorização da história local, mas sim a fabricação de uma imagem que preenche o local da memória e da história na forma de um pastiche.24 O problema reside nesta operação de substituição, pois ela empobrece a realidade e consolida falsos consensos sobre os aspectos urbanos e históricos a serem valorizados dentro de um quadro de disputa pela memória social. A política de revitalização da Rua São Francisco pode ser anunciada, sobre certo aspecto, como uma política de preservação do patrimônio coletivo. A ideia de patrimônio, como obra, prática, ou meio-ambiente destacado a partir de sua importância para conformação da identidade de um grupo social; traz em si a indissociabilidade entre a cultura e sua construção social. Este pressuposto exige que a identificação dos bens ou práticas que compõem o patrimônio histórico e cultural atente para a construção da memória social da comunidade, na qual o patrimônio se encontra e pela qual, muitas vezes, é preservado. 24

“uma colagem fragmentária (...) da realidade, estilhaços de experiência enriquecidos por referências

históricas”. In: HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. p. 83

No caso da São Francisco, observamos, ao contrário de tal pressuposto, a apropriação do fator histórico de forma instrumental. Não há, de fato, política de recuperação da história e da memória social que torne inteligível o valor do patrimônio, o porquê deste ser considerado como tal. A revitalização passa a ser, assim, adequada para conformação de novos espaços da cidade voltados para um novo público e novos consumidores. Tudo se dá por meio de uma operação em que o sentido histórico do espaço é reduzido à justificativa panfletária de ações público-privadas voltadas para a qualificação e valorização de regiões centrais da cidade.

Pasteurizar as interpretações e os instrumentos de patrimonialização e de salvaguarda tem repetido a fórmula de uma mesma estética, de um mesmo espetáculo. Assim, conhecer uma ou outra seria a mesma coisa. Nesse aspecto, o turismo massa não aproveita as possibilidades interpretativas e ignora a riqueza de um cultura diversa e dinâmica, com elementos vivos, para além de uma arquitetura, uma escultura e uma pintura realizadas no passado.25

O problema fundamental, porém, não é a ineficiência da revitalização enquanto política de valorização de patrimônios coletivos, mas a fabricação de uma nova imagem-identidade da região que substitui a história, anulando-a. Todos os comportamentos e obras humanas são passíveis de valorização simbólica, mas apenas alguns são escolhidos para representar identidades como patrimônios coletivos e para serem rememorados. Então quais são os elementos que o projeto da Nova Rua São Francisco valoriza? Mais uma vez os testemunhos podem nos dar algumas pistas:

Magnabosco [arquiteto do projeto] explica que a prospecção resgata a cor original dos imóveis, mas o estudo que está sendo feito estabelece as cores para cada unidade não apenas com base na prospecção. "A gente leva em consideração as prospecções para a definição das cores para cada imóvel porque este é o retrato de uma época, são as cores de uma época", diz o arquiteto do IPPUC ao explicar que o estudo procurou buscar a originalidade das cores. "Mas a prospecção é apenas norteadora, é uma referência", completa. O trabalho feito até agora indicou cores como o cinza, tons de amarelo, verde, uva, entre outras [...] As mudanças nas fachadas favorecem o movimento já iniciado pelos lojistas nas melhorias de seus próprios negócios, seja na estrutura da

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MENEZES, José N.C. A patrimonialização da vida: vivências, memória social e interpretação do patrimônio cultural. In: BRUSADIN, Leandro Benedinii; COSTA, Evaristo Batista; PIRES, Maria do Carmo (ORG.). Valor patrimonial e turismo: limiar entre história, território e poder. p. 26.

loja, no atendimento, como também na gestão de seus negócios", explica a consultora do 26

Sebrae/PR e gestora do projeto, Walderes Bello.

Ainda, em entrevista concedida à Radio Band News27 o arquiteto Mauro Magnabosco expressa claramente, “começa com a pintura, mas desenvolve um processo de capacitação e qualificação para o atendimento do turismo”, afinal trata-se da “área que tem um maior conjunto de patrimônio histórico”. Como já afirmamos, a centralidade da recuperação das fachadas dos prédios e a ampliação das calçadas estão longe de ser políticas de valorização da memória social. Os prédios se apresentam apenas como fragmentos do passado, um passado descolado de qualquer outro elemento que permita uma leitura sobre seu tempo histórico. A rigor, o sujeito visado pela revitalização não é o cidadão político, o habitante da cidade, que estabelece relações subjetivas com os locais urbanos de memória. Ao contrário, o sujeito visado pela revitalização é o transeunte (não o flâneur)28, os consumidores não só de produtos de vitrines, mas principalmente os consumidores de lugares. A imagem produzida pela reforma corresponde a um nicho de mercado que tem como incremento valorativo de seu espaço o fator histórico. Usando como exemplo a questão dos parques étnicos, Fernanda Sanchéz fala sobre a capacidade dos empreendimentos culturais de fabricarem uma identidade fake e rasa e que, portanto, oferece resistência:

A política cultural é, de fato, o álibi com o qual se fabrica o espelho que reflete o próprio poder [...]. Completados por imagens-síntese da historia de cada grupo étnico, reinterpretados sob o prisma oficial, aos turistas e cidadãos é oferecida uma visão simplificada, uma experiência depurada, que substitui as indisciplinadas complexidades da cidade pela celebração da ordem existente.29

Algo muito similar se opera na revitalização da São Francisco. O patrimônio, resumido às formas dos edifícios e aos ladrilhos das ruas transmite uma imagem vazia

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AGENCIA SEBRAE DE NOTÍCIAS, 16 mar. 2010. Rua comercial de Curitiba ganha novas cores. Disponível em . 27 BAND NEWS FM, Curitiba, 15 mai. 2013. Fachadas do centro histórico da capital serão revitalizadas – entrevista com Mauro Magnabosco. Disponível em 28 “O flanêur encontra-se ainda no limiar tanto da grande cidade quanto da classe burguesa. Nenhuma delas ainda o subjulgou”. BENJAMIN, Walter. Paris, a capital do século XIX. Exposé de 1935. p. 47. 29 SÁNCHEZ, Fernanda. A Reinvenção das Cidades para um Mercado Mundial. p. 536.

do passado, remetendo-nos a um tempo histórico sobre o qual a única característica que captamos é seu caráter pretérito. O patrimônio, nesta configuração, se esgota em objetos antigos que, por sua oficialização como patrimônio, devemos preservar. Trata-se de uma tautologia. Ainda, de acordo com a urbanista e professora Otília Arantes, podemos concluir que a identidade que se busca afirmar é indiferente em relação ao conteúdo sobre o qual se assenta. “Assim, numa situação como essa, nada se expõe além da própria exposição”30 Contudo, se padecemos de uma história superficial e sem conteúdo, a nova imagem da rua traz elementos afirmativos e atribuidores de certo sentido. Define-se a personalidade da Rua São Francisco, que segundo uma tradição forjada com a reforma, sempre teve vocação gastronômica. Conforme cobertura da Revista digital Bem Público: O prefeito de Curitiba, Luciano Ducci, que descerrou a faixa da „nova‟ Rua São Francisco, destacou a importância das parcerias. “O centro de Curitiba foi o centro que mais cresceu no Brasil, nos últimos anos. Com a revitalização, está mais agradável e seguro trazendo público para o local e isso só aconteceu devido à parceria firmada entre poder público e entidades, como o Sebrae/PR, Sistema Fecomércio, e iniciativa privada (...).Durante o processo de reforma da São Francisco, que, de acordo com a proposta de revitalização, tem potencial para se transformar em um eixo gastronômico, o Sebrae/PR, em parceria com a Rede Empresarial do Centro Histórico, trabalhou com cada uma das empresas da região por meio de consultorias que orientaram desde a gestão financeira até o atendimento aos clientes e manipulação de alimentos.31

Na inauguração da Nova São Francisco foram promovidas atividades culturais, mais especificamente apresentações musicais abertas ao público e uma feira gastronômica que demarca a funcionalidade da reforma. Embora a obra seja um exemplo pontual, é preciso ter em conta que se trata de parte de um projeto maior de revitalização do centro histórico da cidade, que tem como pontos de incidência principais o restauro de antigos prédios como o Paço Municipal, Catedral Basílica de Curitiba, Praça Tiradentes e a vizinha da São Francisco, a rua Riachuelo.

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ARANTES, Otília; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. A Cidade do Pensamento Único. Desmanchando conceitos. p. 62. 31 REVISTA BEM PÚBLICO, Curitiba, 24 dez. 2012. Revitalização no centro de Curitiba promove desenvolvimento. Disponível em Acesso em 19 de jun. 2013.

Os processos de Revitalização incidem sobre uma pequena parte da cidade, mas seus efeitos são generalizantes. Toma-se a parte pelo todo e as pontuais partes reformadas se apresentam como representantes da totalidade da cidade modelar e moderna. A categoria de “imagem-síntese” apresentada por Fernanda Sanchez esclarece o alcance dos projetos de gentrificação32:

A síntese é desenvolvida mediante a apropriação seletiva de técnicas, saberes e fragmentos do espaço. O efeito demonstração da síntese é produzido, sobretudo, pela seleção simbólica de partes pinçadas da paisagem urbana e por sua referência expressiva à totalidade urbana. [...] É assim que, para manter essa leitura dominante da cidade, as imagens necessitam ser periodicamente recicladas incorporando novos valores, novas representações e novos ícones espaciais.33

Os projetos de revitalização que incidem sobre a Rua São Francisco, o centro histórico de Curitiba e outras regiões tidas como centralidades urbanas atuam como fomentadores de consensos sobre a cidade. Não sobre a cidade tomada como um todo, histórica e real, mas, sim, sobre uma cidade modelar e vendável. Esta compreensão encobre a história e limita as possibilidades de desenvolvimento do restante da cidade, a cidade ilegal e periférica que não se quer ver. Desse modo, a revitalização repete o que, via de regra, as reformas estéticourbanas brasileiras tem feito desde que a urbanização se tornou uma questão nas agendas das administrações públicas: a produção de uma imagem-síntese modelar forjada sobre a exclusão territorial. Nossas cidades-modelos, a Curitiba europeia e ambiental, o Rio cidade maravilhosa, a São Paulo cosmopolita das highways e dos arranha-céus, são assim estabelecidas, embora não se possa dizer que as conheçamos. Problematizar essa noção de imagem-síntese, portanto, a partir de uma reflexão entre memória e os sentidos com os quais as revitalizações trabalham o espaço urbano parece fundamental.

32

A palavra tem origem no termo inglês gentry (classes abastadas) e expressa o movimento de retorno das camadas afluentes ao centro requalificado das cidades. Neste sentido ver: ARANTES, Otília; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. A Cidade do Pensamento Único. Desmanchando conceitos. 3. ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. p. 30-32. 33 SÁNCHEZ, Fernanda. A Reinvenção das Cidades para um Mercado Mundial. p. 209.

4. ENCAMINHAMENTOS PANORÂMICOS

A revitalização da Rua São Francisco pode encher os olhos de emoção dos cidadãos curitibanos, em especial daqueles que amam a cidade e dos mais orgulhosos, mesmo que essa rua nunca tenha feito parte de sua infância e tampouco de sua vida adulta. Os indivíduos tornam-se cidadãos contemplativos da cidade, porque acreditam estarem participando dos processos de renovação, quando, em contraponto, apenas a admiram de longe. Todo esse processo de reforma e de reapropriação de um espaço público degradado tem explicações que vão muito além da promoção do sentimento de orgulho e de nostalgia dos cidadãos. As políticas de resgate ou revitalização do centro das grandes cidades não são capazes (ou nem poderiam sê-lo) de tomar o fenômeno urbano em sua inescapável multiplicidade contraditória. Retomemos o modo precário como a noção de patrimônio cultural é pensado, em especial nos citados discursos dos orquestrastes do projeto Novo Centro, para lembrar que a historicidade é invocada apenas para ser esvaziada, em conformidade com a construção de uma “nova história” (e falar em “a nova São Francisco” não poderia ser mais elucidativo), aplicada para a produção de um novo espaço de interesse. Não há como dissociar esse processo de uma limpeza do espaço urbano, aliada à promoção do setor privado e de uma prática de gestão empresarial da cidade. Há uma forte influência de interesses do setor empresarial privado para o desenvolvimento de renovações urbanísticas, modificação do planejamento urbano e resgate de locais degradados. É nessa medida que o urbanismo consolida um forte vínculo estrutural com os interesses privados. A atuação do urbanismo como agente de suporte e fomento às atividades capitalistas vem sendo interpretada de duas formas. A primeira tende a reduzir a gestão do espaço urbano a um processo nitidamente controlado por elementos oriundos da classe empresarial ou que comungam de suas teses. Haveria um setor dominante no cenário municipal que sucessivamente impõe seus pontos de vista a outras forças sociais. A segunda vertente enxerga uma conexão mais enraizada, enfatizando a situação de dependência estrutural da cidade face ao capital privado. 34 Apesar de se destinarem à defesa do interesse público, as agências governamentais têm sido sistematicamente tomadas pelos interesses privados. Essa “captura” é explicada pelo

34

OLIVEIRA, Dennison de. Curitiba e o mito da cidade modelo. Curitiba, Editora da UFPR, 2000. p. 37.

movimento de revezamento das elites administrativas da iniciativa privada em seus postos e na direção das agências públicas.35 Algumas práticas de reestruturação das cidades são eleitas como adequadas, como as mais certeiras, baseadas num conhecimento pretensamente técnico, difundido por periódicos e publicações de especialistas na área de urbanismo. Conhecimento este que visa à adequação das cidades à economia do capitalismo globalizado. Esse modelo é também cristalizado através da entrega de prêmios internacionais referentes à gestão urbana, de modo a conferir um status de reconhecimento internacional. Assim, um padrão homogêneo de cidade é criado, baseado em cidades totalmente diferentes - como Curitiba e Barcelona, casos emblemáticos estudados por Fernanda Sánchez.36 – que modificaram sua lógica urbana a partir do conhecimento técnico (baseado na autoridade desses especialistas, cujo legitimidade é conferida pelas agências de renome internacional da qual fazem parte: Banco Mundial, ONU, entre outras) a fim de se inserir em uma lógica competitiva e, consequentemente, atrair mais investimentos. Há, portanto, uma contínua transformação da cidade em mercadoria.37 Seus espaços são mercantilizados e os cidadãos são valorizados na exata medida em que possam consumi-lo. Surge uma perspectiva de compra e venda no espaço mundial, pois as cidades passam a ser geridas como mercadorias que estão à venda em um mercado internacional e globalizado. Vence quem tiver a infraestrutura mais adequada aos interesses dos grandes empresários:

Nos anos recentes, em particular, parece haver um consenso geral emergindo em todo o mundo capitalista avançado: os benefícios positivos são obtidos pelas cidades que adotam uma postura empreendedora em relação ao desenvolvimento econômico. Digno de nota é que esse consenso, aparentemente, difunde-se nas fronteiras nacionais e mesmo nos partidos políticos e nas ideologias.38

É preciso que as cidades ofereçam os melhores atrativos para o capital privado, em especial o internacional. Constituem-se modelos de cidades que se reciclam incessantemente, pois entram em uma ferrenha competição internacional.

35

OLIVEIRA, Dennison de. Obra citada, p. 39. SANCHÉZ, Fernanda. Obra citada. 37 ARANTES, Otília; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. A Cidade do Pensamento Único. Desmanchando conceitos. p. 78. 38 HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. 8ª ed. São Paulo: Annablume, 2006. p. 165. 36

Neste movimento, não são apenas fragmentos do espaço urbano que entram nos fluxos mercantis, incorporados de acordo com interesses locacionais específicos e respectivas estratégias de acumulação de empreendedores imobiliários, agentes empresariais multinacionais ou empresários do turismo. São as cidades que passam a ser “vendidas” dentro das políticas do Estado que, no atual estágio do regime de acumulação capitalista, procura cumprir com uma agenda estratégica de transformações exigidas para a inserção econômica das cidades nos fluxos globais. Neste contexto, não basta renovar as cidades, é preciso vendê-las e, ao fazê-lo, vende-se a imagem da cidade renovada.39

Essas cidades se tornam cidades-modelo, a partir de uma ação conjunta de atores hegemônicos (agências multilaterais), que servem a interesses dominantes, através da realização do city marketing, o mecanismo de promoção e venda das cidades. Para tanto, difunde-se um modelo de gestão urbana, de ideários, políticas e práticas de planejamento. A compra e venda do espaço-mercadoria não diz respeito apenas à comercialização de um território, mas a uma série de representações, ideologia, cultura, costumes e valores. Constrói-se, assim, uma geografia da difusão, para propagandear e vender esses modelos de cidade para outros lugares do mundo, através de periódicos de circulação internacional em diversos países, realização de eventos internacionais nessas cidades, bem como a defesa desses modelos pelos especialistas e consultores internacionais. Da mesma forma, utiliza-se dessas divulgações internacionais na mídia interna, a fim de explorar o modelo de gestão dos políticos locais. Criam-se também programas de consultoria de especialistas dessas próprias cidades, que prometem auxiliar governos de outras cidades a implantar o mesmo modelo urbano. O que é sustentado, portanto, é um modelo único de “cidade do futuro”, “ecologicamente sustentável”, “eficiente”, “competitiva”, com um ambiente de negócios adequado e boa qualidade de vida para a população. Os especialistas auxiliam, com seu discurso de autoridade técnica, na criação de um pensamento único40, que poderia ser utilizado para absolutamente todas as cidades do mundo, independente de suas condições sociais ou culturais (e mesmo econômicas).

As imagens-síntese e o discurso sobre as cidades referem-se a estratégias baseadas na racionalidade dos processos de reprodução da economia global. O discurso se baseia numa visão 39

HARVEY, David. Obra citada, p. 50. ARANTES, Otília; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. A Cidade do Pensamento Único. Desmanchando conceitos. 40

de mundo que justifica e permite a realização das necessidades impostas pelo estágio atual da produção, aquele que se refere à construção do mercado mundial e do espaço mundial. “Sob a égide da globalização, transformada em paradigma de entendimento do mundo moderno, constrói-se um discurso que a justifica e que está na base de sua sustentação.41

Nesse sentido, as empresas privadas buscam mercados em que possam atuar com baixos riscos nas tomadas de decisão, avaliando um conjunto complexo de situações, que envolve uma série de estratégias comerciais, como a localização, a influência comercial e os hábitos de consumo locais.42 Por essa via, são efetivadas verdadeiras mudanças políticas, há grande descentralização do poder público, que se manifesta nas esferas política, administrativa e orçamentária. São efetuadas diversas manobras a fim de contornar e abarcar a maior quantidade possível de investidores para a cidade-mercadoria. Em favor disso, surgem flexibilizações da legislação local e uma série de incentivos fiscais. Há uma modificação radical nas políticas urbanas que se modernizam com o intuito de promover e legitimar um padrão de mercado. Mas a forma emblemática de atuação do Poder Público é a concretização de um sem número de Parcerias Público-Privadas e a construção de um novo perfil urbano. Esse mecanismo (parcerias público-privadas) permitiu maior agilidade na administração das cidades, o que possibilita maior competitividade e otimização dos recursos. Essa forma de parceria, no entanto, não é novidade, mas apenas vem sendo apresentada com uma nova aparência, como necessidade para a modernização dos centros urbanos. O setor público oferece toda a infraestrutura para suprir as necessidades e atrair o capital privado. Os governos devem atuar como agências facilitadoras, através da concretização de parcerias público-privadas e os responsáveis pela gestão devem ser aqueles que realmente sabem fazer isso, no caso, os empresários. Serão aceitos apenas aqueles que puderem pagar pela cidade. As empresas participam como atores centrais, conjuntamente aos políticos locais e agências multilaterais, e, assim, influenciam na reestruturação das cidades, de modo que sirva a seus interesses.

Dessa forma, percebe-se uma clara apropriação privada das imagens urbanas produzidas a partir da esfera pública. Nessa apropriação, o espaço é incorporado como “valor agregado” ao produto ou serviço. Claro está que se trata de uma valorização subjetiva, porém, tecnicamente agregada 41 42

SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 149. SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 269.

àquilo que se deseja colocar em circulação no mercado. Produto e cidade são vendidos juntos, mutuamente referenciados e fortalecidos em suas estratégias promocionais. Alguns exemplos dessa relação produto-cidade, para o caso de Curitiba são: um novo serviço de telecomunicações que é lançado como “serviço de Primeiro Mundo” para a “Capital de Primeiro Mundo”, um condomínio residencial de alto padrão, o “Alphaville”, promovido por meio de seus atributos ecológicos – “venha viver num condomínio verde na Capital Ecológica”, um novo “shopping cultural”, o “Estação Plaza”, é apresentado como equipamento essencial para a “Capital da qualidade de vida”, também citada como a cidade onde se realizam os testes de mercado.43

Assim, Curitiba é exímio exemplo do marketing urbano. O investimento público vem revestido de uma capa de promoção da vida cultural e limpa o terreno para que as empresas – no caso da Rua São Francisco, as construtoras – sintam-se atraídas e, portanto,

iniciem

seus

grandes

empreendimentos.

Para

o

sucesso

desses

empreendimentos, é necessário que o local ofereça consumidores. Mostra disso, são os novos “galpões culturais Thá”, agora sendo construídos, não por acaso, num centro que aos poucos vai se fazendo “clean”. Nesse cenário, para a intensificação do processo da transformação da cidade em mercadoria, novas ordens são colocadas para que as cidades sejam mais atraentes. Ou seja, é preciso criar novas centralidades, que possuam atrativos culturais, estéticos e artísticos. Sanchez elenca essas novas ordens, determinando ao mesmo tempo suas características de mercadorias, entre elas:

- produção de espaços residenciais de alto padrão associada à oferta de bens e serviços de topo de mercado, destinadas aos quadros executivos das empresas e aos segmentos sociais emergentes, gestores da modernização. Esses espaços se expressam mediante a crescente segregação/distinção espacial desses segmentos e mediante processos de “gentrificação” das chamadas áreas de renovação urbana; que são a própria condensação dos novos valores culturais junto à economia de mercado, repetição em série de modelos tidos como bem sucedidos; - criação de novas centralidades através de construção de rede hoteleira de luxo e espaços seletivos de lazer e consumo, como shopping-centers, centros culturais e de lazer; - renovação de áreas centrais, “revitalização de áreas degradadas”, recuperação de frentes marítimas e áreas portuárias, investimento em espaços públicos tornados emblemas da modernização (sem grifos no original).44

Assim sendo, não interessam ao mercado espaços degradados, que não gerem acumulação e não incentivem o turismo e a circulação de bens e pessoas. Isto é, torna-se necessária e incontornável uma constante renovação e reinvenção para que se incentive o comércio. Os espaços que são degradados, por conseguinte, devem ser reapropriados 43 44

SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 205. SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 61-62.

pelo mercado através de operações urbanas que lhes confira constantemente novo valor econômico e simbólico, devem ser revitalizados.

As práticas espaciais voltadas para a modernização expressam a tensão entre rigidez e mobilidade no território. São reveladoras dos momentos em que a estruturação espacial pretérita se torna uma barreira para a acumulação e, por isso, passa a ser modificada. Trata-se de intensas fases de transformação espacial, quando velhos espaços são destruídos ou recriados e novos 45

espaços aliados a condições atualizadas de infraestrutura são criados.

Tais processos de revitalização encontram correspondência em três imperativos que se relacionam diretamente ao elemento da eficiência: higienização, embelezamento e funcionalidade.46 É certo que dos três, são os dois últimos aqueles que mais se destacam, sendo capazes de cativar moradores, turistas, autoridades econômicas: são aquilo que aparece como algo necessariamente bom. Inclusive, sem higienização não há embelezamento que possa embelezar: embelezar é ocultar o que incomoda. Funcionalizar é funcionalizar para alguém. Como se tratam de áreas centrais, degradadas e ocupadas pela marginalidade das ruas, é comum encontrar antes da atuação dos processos de revitalização locais de prostituição e pontos de venda e uso de drogas. São todos cidadãos que não podem consumir o novo produto e, portanto, a higienização desses locais se dá claramente pela retirada daqueles que ameaçam a segurança e que não condizem com as novas propostas de promoção da nova vida cultural e de consumo que virá se instalar. Nesse sentido, Dennison de Oliveira, ao analisar os planos diretores das cidades, afirma que o urbanismo contemporâneo pensa os setores informais como disfunções ou anomalias, que devem ser erradicadas. Dessa forma, as políticas de urbanismo seriam destinadas à cidade legal e não à cidade real. Segundo o autor,

[...] se os setores informais têm uma inserção política significativa no conjunto do sistema de poder local, eles buscarão, no mínimo, exercer o poder de veto sobre determinadas iniciativas de reforma urbana, ou no limite, até inviabilizar a institucionalização de qualquer processo de planejamento urbano. Inversamente, a imposição de uma prática urbanística consistente e dotada de significativos recursos de imposição de suas propostas desarticula, expulsa ou elimina a economia informal da malha urbana, no todo ou em parte. Concluindo, pelo menos sob o atual

45 46

SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 62. FREITAG (completar)

paradigma do planejamento urbano dominante, o urbanismo e a economia informal são realidades antagônicas e destinadas à confrontação permanente e incansável.47

O processo de revitalização pela qual a São Francisco passou não representa, portanto, um mero embelezamento da cidade. Foi necessária a reapropriação da rua, que não vinha ofertando lucros, nem gerando circulação de produtos e serviços, para que a mesma atendesse às necessidades do mercado urbano. Para que tal processo fosse implementado, era preciso excluir determinada parcela da população: aquela que não teria meios de consumir o espaço. E, juntamente a todos os fatores de limpeza e de higienização dos espaços públicos, surge um peculiar processo de criação da imagem da Cidade. Os espaços são representados de acordo com a nova imagem oficial que o centro urbano quer transmitir, criam-se símbolos que constituem marcas exclusivas e que são capazes de atraírem os investidores privados. A proliferação das novas marcas da cidade é recheada de conteúdo ideológico que valoriza o consumismo e a lógica liberal de mercado. Fernanda Sánchez explica: há “uma forte relação de poder entre o governo local, a mídia e as grandes agências de publicidade tornou-se fundamental para o alargamento das esferas de difusão do projeto de cidade e das práticas de renovação urbana em Curitiba”.48 Os novos projetos são capazes, ainda, através de sua roupagem inovadora, de capturarem uma aparente unanimidade entre os cidadãos, pois se apresentam sempre de uma forma interessante, atrativa e natural, evidenciando que a escolha daquele caminho é inexorável à condição de cidade contemporânea e tornando improvável qualquer questionamento a respeito da verdade daqueles fatos. A propaganda e a imagem dos novos investimentos e das políticas urbanas escondem seu caráter excludente. É ausente qualquer forma de crítica que evidencie que a renovação da cidade se dá em áreas determinadas, para um público específico, pois se trabalha na propaganda de um investimento feito para o bem de toda a população. É transmitido o imaginário de que a modificação, por mais específica que seja, será feita a favor de toda a população e os cidadãos compram essa ideia. Verifica-se que há uma despolitização planejada, que, aliada à busca pela manutenção de um estado de paz social, é configurada como elemento imprescindível para a garantia de um investimento seguro feito pelo parceiro privado. Nota-se a

47 48

OLVEIRA, Dennison de. Obra citada, p. 112-113. SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 334.

relevância de uma liderança forte cuja posição deve ser alienada de disputas partidárias49, o que, novamente, é um elemento de garantia de que na transferência de governos não haverá mudanças políticas bruscas e os investimentos privados serão assegurados por uma forma de gestão da cidade, em última análise, feita pelos próprios empresários. São as camadas médias que, em geral, podem utilizar os novos espaços de consumo da cidade. Há uma procura muito intensa por locais de espetáculo e de prestação de bens de serviços. É como se a criação dos novos ambientes convergisse com os interesses de consumo das classes médias, pois eles são feitos propriamente para atingirem esse fim. É nessa mesma corrente que as cidades acabam se tornando sujeitos dotados de uma racionalidade própria do setor empresarial e para seu desenvolvimento contam com o sentimento dos cidadãos de pertencimento à cidade, construído de forma vertical, levando-se em consideração o sentimento ufanista e a sensação de viver num meio privilegiado. A partir disso, ficam claros os mecanismos de controle social pela criação de uma imagem de consenso social. A venda da cidade, como se pode imaginar, é feita para certa variedade de consumidores, porém, essa variedade é limitada àqueles que possam pagar por ela. Há uma forte conotação elitista na venda da cidade, pois ela é vendida ao capital internacional e ela quer atrair visitantes e usuários que estejam à altura de seus produtos. Não é suficiente, porém, transformar a cidade em mercadoria, é preciso ir além, mantendo-a atraente ao capital para poder desenvolver toda a sua potencialidade empresarial. Nesse sentido, fica evidente a necessidade de competição entre essas cidades para a atração de maior quantidade de capital. A cidade-empresa se apresenta como condição para que seu planejamento estratégico empresarial seja transplantado para a esfera da administração pública. Exemplo claro disso foi a transformação das cidades europeias em uma espécie de multinacional europeia. Para que essas cidades possuam êxito, elas precisam desenvolver um programa capaz de prevenir a improvisação, não se admite que elas não sejam planejadas e se desenvolvam espontaneamente.50 As políticas urbanísticas escondem por trás de si mesmas, ainda, um intenso conteúdo preconceituoso e racista, apesar de o multiculturalismo ser um valor exaltado na promoção da imagem da cidade. Muitas vezes, o discurso oficial associa o sucesso 49 50

ARANTES, Otília; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. Obra citada, p. 96. ARANTES, Otília; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. Obra citada, p. 85.

dos projetos urbanos de Curitiba aos cidadãos que respondem adequadamente a eles, por condições sociais e culturais/étnicas, ou seja, é graças aos cidadãos que se torna possível a realização do progresso da cidade. Nesse sentido: “Ao tecer sua crítica à cidade-vitrine desvenda a mensagem subliminar do „modelo Curitiba‟: „assim deverá ser o Brasil urbano, no dia em que se embranqueça e se civilize, no dia em que se torne rico e ordeiro‟”51 Essa visão preconceituosa encontra raízes nas políticas urbanas implementadas em Curitiba e especialmente na execução do plano diretor da cidade pelas elites planejadoras e administradoras da época. Dennison de Oliveira, ao analisar a segunda gestão Jaime Lerner, destaca a importância dada à política de reciclagem dos espaços tradicionais da cidade, pela sua conversão em salas de espetáculos, centros comunitários e outros espaços culturais.52 O objetivo, segundo o autor, era promover a integração do homem à cidade, fazer com que os cidadãos tivessem orgulho da cidade onde moravam. No entanto, haveria nesse processo uma faceta étnica:

Não é preciso muito esforço para se perceber que o essencial da política de patrimônio histórico e de promoção de atividades culturais se remetia recorrentemente a uma parte específica da memória e da cultura imigrante. Essa parte era aquela de origem europeia, notadamente daquela onde se originou a elite dirigente do período (...). Cabe destacar que esse esforço de celebração dos valores das etnias mencionadas continua rendendo lucros, haja vista a sua importância na veiculação da imagem da cidade como “europeia”, de “primeiro mundo”, etc. 53

Esta motivação étnica é também levantada por Nelson Rosário de Souza, ao analisar o Plano Preliminar de Urbanismo, base do Plano Diretor de Curitiba:

A ocupação urbana empreendida pelos migrantes europeus teria sido saudável, pois teria propiciado, segundo o PPU, „um desenvolvimento relativamente contínuo, centrífugo e homogêneo‟ (PMC, 1965, p. 81); e teria, ainda, limitado a „especulação terrenista‟, o „parcelamento em lotes‟ e os loteamentos clandestinos, resultado de uma recente „migração de nacionais‟. Uma ocupação urbana racional por uma população saudável teria feito de Curitiba, até pouco tempo, uma cidade orgânica. O planejamento deveria pautar-se pela recuperação dessa condição de equilíbrio propiciada pelos colonizadores portugueses e imigrantes estrangeiros. 54

51

SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 466. OLIVEIRA, Dennison de. Obra citada, p. 47-59. 53 SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 56. 54 SOUZA, Nelson Rosário de. Planejamento urbano de Curitiba: saber técnico, classificação dos citadinos e partilha da cidade. 52

Ademais, concretiza-se uma espécie de reserva do “sujo” para as periferias, porque, explica Fernanda Sánchez: Os espaços renovados são vendidos como espaços “seguros”, que vêm restabelecer a ordem, a civilidade, como contra-face das áreas estigmatizadas como “decadentes”. [...] As periferias amontoam o mal-estar. Territórios em crise, espaços anônimos, distanciados dos benefícios da modernização, neles se encontram as populações que circulam pelas zonas de vulnerabilidade – onde se associam a precariedade econômica, a precariedade das condições de urbanização, a fragilidade relacional e o isolamento social, intensificadas pela flexibilização das relações de trabalho e pela ruptura das formas anteriores de inserção social, restando-lhes, porém, a inserção perversa no mundo do espetáculo.55

As modificações na cidade são altamente seletivas. Busca-se investir nas regiões centrais, selecionando quem serão seus potenciais espectadores e consumidores, de modo a aprofundar o processo de acumulação de riqueza. Às periferias das aglomerações urbanas são reservadas a pobreza e miséria, o desemprego e a violência. Compreende-se, portanto, que não há qualquer modificação substancial da cidade, apenas sua imagem é remodelada, mas suas estruturas desiguais são mantidas. Não há relação clara entre o renascimento urbano e a prosperidade, em especial com grande impacto na geração de novos empregos. A urbanização está muito distante de ser pensada para todos. Não satisfeita com seu caráter excludente, seus efeitos são altamente alienantes, provocam um processo de neutralização do pensamento crítico e promovem grande isolamento social. A aclamação do povo por uma sociedade de espetáculos é um prato cheio para a promoção de controle, por parte do governo, da construção de uma memória coletiva e de planejamento de projetos futuros.56 O indivíduo acaba se perdendo em meio a toda essa malha espetacular que é construída em nome da cidade e, por isso, perde o senso crítico que, como consequência, traz a redução da compreensão de sua condição de cidadão urbano, seja individual ou coletivamente. Efetiva-se, assim, a criação de uma “antimemória”57 coletiva. Cria-se um ambiente urbano efêmero, leve, passageiro e descartável. A cidade perde qualquer possibilidade de integração e são construídas ilhas de bem-estar, 55

SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 470-471. SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 495. 57 SÁNCHEZ, Fernanda. Obra citada, p. 535. 56

consolidando mais uma forma seletiva de dividir a cidade. Ocorre a privatização da vida cotidiana, que é coordenada pelas pautas da agenda dos empresários e investidores. É o poder deles que assume maior importância e que indica qual deve ser a atuação do próprio poder Público, pois o novo paradigma é ter como horizonte o mercado. A rua são Francisco enquadra-se em diversos aspectos dessa perspectiva de resgate de valores e memórias hipotéticas, que, em verdade, não fazem parte de sua história. As políticas de preservação e valorização da memória social devem levar em conta os atores que conformam a própria história. Os imóveis revitalizados devem agregar sentido histórico para o habitante local: o significado social do espaço urbano deve ser captado a partir destes sujeitos. Os processos de revitalização anulam a política da história, elemento sem o qual, não podemos falar em história das ruas e das cidades, que como bem aponta Henri Lefebvre, são talvez os melhores exemplos de obras humanas e como tal, tem seus sentidos construídos por mulheres, homens, moradores, trabalhadores e uma série de identidades locais que não se enquadram na história fabricada pelas imagens-sínteses da oficialidade vencedora.

5. ENCAMINHAMENTOS FINAIS: REVITALIZAR A REVITALIZAÇÃO “Tem noites que sonho passar por lugares que não existem mais. Do lado do Colégio Santa Maria, onde hoje é um banco, em meados de 1960, havia uma gráfica. Ainda ouço as máquinas. Ruínas de sons, ruínas de lembrança. Era ali que a gente se reunia para discutir os filmes do momento. Não admito viver em uma cidade artificial” 58 Paulo Leminski

Muitos se faz cabível trazer à vez, assim como começamos este artigo, o significado da palavra “revitalização”, mas, agora, em outros termos - tal como já ponderou Carlos Vainer, muitas discussões partem de um esteio equivocado que é o de considerar sem vida as áreas “revitalizáveis”. Por óbvio, temos aqui que defender a evidente e inventiva vitalidade que possuem esses centros ou locais que, em diversos casos, são ocupados por segmentos de baixa renda. Não se pode omitir a falácia do discurso de um projeto de revitalização que pretende anunciar e dizer qual o tipo de “vitalidade” adequado, negando àqueles que são, muita vezes, os verdadeiros responsáveis pela preservação do centro e por sua utilização de fato, a possibilidade de

58

LEMINSKI, Paulo. Ensaios e Anseios Crípticos. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011, p. 171.

permanecer no local “revitalizado” e recuperado, ainda que para outros grupos que o possam consumir. O que ocorre, em verdade, é a falta de investimento público de que padecem certos locais por um determinado período de tempo, justamente por serem ocupados por grupos mais pobres. Vale lembrar que a possibilidade de estar no centro, sobretudo em Curitiba, é cada vez mais difícil aos setores da periferia invisível da cidade modelo. Vainer refuta a afirmação de que as classes mais pobres não valorizam as áreas históricas ou as áreas urbanas em que vivem.

A sobrevivência da riqueza patrimonial dessas regiões se deu graças aos grupos de baixa renda e não a outros. É como expulsar os índios da floresta para preservá-las, sendo que, graças a eles, ela ainda está preservada.59

Nesse sentido, podemos considerar que as revitalizações têm contribuído muito para a simplificação ou mesmo anulação da história dos territórios urbanos. Também se nos faz clara a necessidade de políticas sérias de preservação da memória social compartilhada pelos habitantes da cidade, atores que fundamentam o próprio processo de formação de patrimônios históricos e culturais.

(...) a urbanização produz diversos artefatos, formas construídas, espaços produzidos e sistemas de recursos de qualidades específicas, todos organizados numa configuração espacial distintiva. A ação social subsequente deve levar em consideração esses artefatos, pois muitos processos sociais (como viajar diariamente para o trabalho) se tornam fisicamente canalizados por esses artefatos. A urbanização também estabelece determinados arranjos institucionais, formas legais, sistemas políticos e administrativos, hierarquias de poder, etc. Isso também concede qualidades objetivadas à “cidade”, que talvez dominem as práticas cotidianas, restringindo cursos posteriores de ação. Finalmente, a consciência dos moradores urbanos influencia-se pelo ambiente da experiência, do qual nascem as percepções, as leituras simbólicas e as aspirações. Em todos esses aspectos, há uma tensão permanente entre forma e processo, entre objeto e sujeito, entre atividade e coisa. (sem grifos no original)60

Além desse embate, o título do trabalho aqui se justifica: não se quer uma cidade museada ou engessada numa memória autorreferente – que, a partir do momento que estagna e

59

VAINER, Carlos. Prós e contras da revitalização de centros urbanos. Disponível em: http://www.comciencia.br/reportagens/cidades/cid02.htm. 60 HARVEY, David. Obra citada, p. 168.

não dialoga com o tempo que a acompanha, deixa de ser memória e passa a ser fetiche - ou mercadoria por excelência.

O impulso de preservar o passado é parte do impulso de preservar o eu. Sem saber onde estivemos, é difícil saber para onde estamos indo. O passado é o fundamento da identidade individual e coletiva; objetos do passado são a fonte da significação como símbolos culturais. A continuidade entre passado e presente cria um sentido de sequencia para o caos aleatório, e como a mudança é inevitável, um sistema estável de sentidos organizados nos permite ligar com a inovação e a decadência.61

A memória pretérita só existe em relação à memória do tempo presente, construída no momento do agora. Assim sendo, a memória não é passível de ser inaugurada por um processo de revitalização que pretende forjar um significado que até então não existia ou varrer dali tudo o que hoje dá significado ao lugar. É necessário revitalizar essa ideia de revitalização. Em brilhante editorial da Gazeta do Povo, denominado “Razão e sensibilidade na Saldanha Marinho - Rua do Centro Velho de Curitiba se torna laboratório de revitalização urbana sem alarde ou eventos5” mostra-se um verdadeiro exemplo de processo de revitalização:

Viver num desses centros e não ter acesso às boas escolas e bibliotecas, mundo do trabalho e convivência com outras pessoas, é como estar na beira da praia e não poder entrar no mar. Assim se sentem muitos moradores – olham a rua e a praça, mas, assim que se aproximam, elas desaparecem de sua vista, transformando-se em outra coisa (...) A resposta a esse dilema é simples: garantir o que é próprio da urbe.62

O que é próprio da urbe é justamente a busca pelo que lhe é próprio, ou como anunciava Leminski, a busca de uma categoria que está além de passado e presente: “só buscar o sentido faz, realmente, sentido”.63 Assim como o poeta que passou por essas ruas, não admitimos viver em uma cidade artificial. É preciso não só criar o novo, mas

61

ROSSI, A. Architecture and the city. Cambridge, Massachesetts apud HARVEY, David. Condição pósmoderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 15. ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 85. 62 Razão e sensibilidade na Saldanha Marinho - Rua do Centro Velho de Curitiba se torna laboratório de revitalização urbana sem alarde ou eventos – Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1380135&tit=Razao-esensibilidade-na-Saldanha-Marinho. Acesso em 19/06/2013. 63 LEMINSKI, Paulo. Obra citada, p. 13.

deglutir o passado, fundi-lo, fazê-lo presente na significação que se dá ao próprio presente.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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