A Revolução Cubana e o movimento trotskista na América Latina: impactos na construção de um projeto político (1959-1974)

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ISABELLA DUARTE PINTO MEUCCI

A Revolução Cubana e o movimento trotskista na América Latina: impactos na construção de um projeto político (1959-1974)

CAMPINAS

Isabella Duarte Pinto Meucci

A REVOLUÇÃO CUBANA E O MOVIMENTO TROTSKISTA NA AMÉRICA LATINA: IMPACTOS NA CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO POLÍTICO (1959-1974)

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestra em Ciência Política.

Supervisor/Orientador: Prof. Dr. Alvaro Gabriel Bianchi Mendez

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA ISABELLA DUARTE PINTO MEUCCI, E ORIENTADA ALVARO GABRIEL BIANCHI MENDEZ.

CAMPINAS 2015

Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CNPq, 130565/2013-0

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Paulo Roberto de Oliveira - CRB 8/6272

M57r

Meucci, Isabella Duarte Pinto, 1990MeuA Revolução Cubana e o movimento trotskista na América Latina : impactos na construção de um projeto político (1959-1974) / Isabella Duarte Pinto Meucci. – Campinas, SP : [s.n.], 2015. MeuOrientador: Alvaro Gabriel Bianchi Mendez. MeuDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Meu1. América Latina - História. 2. Cuba. I. Bianchi, Alvaro,1966-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital Título em outro idioma: Cuban Revolution and Trotskyist movement in Latin America: impacts in constructing a political project (1959-1974) Palavras-chave em inglês: Latin American - History Cuban Área de concentração: Ciência Política Titulação: Mestra em Ciência Política Banca examinadora: Alvaro Gabriel Bianchi Mendez [Orientador] Murilo Leal Pereira Neto Dainis Karepovs Data de defesa: 10-12-2015 Programa de Pós-Graduação: Ciência Política

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado composta pelos professores doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em de dezembro de , considerou a candidata Isabella Duarte Pinto Meucci aprovada.

_____________________________________ Prof. Dr. Alvaro Gabriel Bianchi Mendez

_____________________________________ Prof. Dr. Dainis Karepovs

_____________________________________ Prof. Dr. Murilo Leal Pereira Neto

_____________________________________ Prof. Dr. Silvio César Camargo (suplente)

_____________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos (suplente)

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

Para Célia, Dalton e Vinícius, pelo amor partilhado em cada passo da travessia.

AGRADECIMENTOS De todo o processo de escrita, é certamente nos agradecimentos em que se encontram as linhas que mais refletem tudo que esteve por trás de seu desenvolvimento. Nunca li qualquer texto sem ao menos passar os olhos nos agradecimentos de um autor, provavelmente por buscar em suas palavras algum tipo de pista ou orientação de como chegar ao fim de um trabalho. Ou talvez essa seja apenas uma boa justificativa para uma estranha curiosidade. O fato é que essa dissertação, como tantas outras que já chegaram ao seu fim, só foi possível pela existência de pessoas e instituições que tornaram esse processo possível. Primeiramente, agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), cujo financiamento possibilitou a realização dessa pesquisa. Aos funcionários e professores do Departamento de Ciência Política da Unicamp, sem os quais as condições e o aprendizado para se chegar até aqui não teriam sido possíveis, deixo também minha gratidão. Em particular, agradeço aos funcionários do Arquivo Edgar Leuenroth (AEL), por serem sempre solícitos nas tantas vezes em que precisei de ajuda. Ao meu orientador, Professor Alvaro Bianchi, agradeço por aceitar orientar um projeto que ainda se delineava com dificuldade, mas que ganhou corpo graças às suas considerações e avaliações. Obrigada pela confiança em meu trabalho, pela liberdade concedida na escrita e por ter despertado, desde sua primeira aula, o meu apreço pela Ciência Política. Aos Professores Silvio Camargo e Wagner Romão, por aceitarem participar de minha qualificação, concedendo comentários que incentivaram a busca de importantes informações para o desenvolvimento dessa dissertação. Aos colegas do Grupo de Pesquisa Marxismo e Pensamento Político, pelos debates e reuniões que proporcionaram a certeza de que qualquer trabalho será sempre melhor quando feito em conjunto. Aproveito para agradecer especialmente a Renato César Fernandes por ajudar com sugestões e livros, além de responder a e-mails aflitos a qualquer hora. A Daniela Mussi, também sou grata por ter lido essa pesquisa quando ainda era um projeto, contribuindo com seus comentários e estímulos.

Aos colegas que partilharam do encantamento pelo estudo da América Latina, também deixo aqui o meu agradecimento. A Maíra Machado Bichir, agradeço por ter me acolhido prontamente no grupo e pelas leituras e sugestões de melhora no projeto. Aos amigos que chegaram com o mestrado, Marcelo Borel, Monize Arquer, Giovanna Imbernon, Laura Nieto e Clarissa Bernini. Obrigada pela convivência, pelas risadas, pelas aflições divididas e por “deliciosos” cafés na antiga cantina do IFCH. Aos amigos de uma vida toda, Fabiana Monteiro, Marcela Murat e Gustavo Betito, que continuam sendo o elo mais terno com uma época repleta de coisas boas. À Fabiana, especialmente, agradeço por tornar as angústias do crescimento e da chegada da vida adulta sempre mais amenas com a sua presença. Aos amigos que Barão Geraldo me deu, Larissa Nigro, Thiago Falcão e Thais Lassali, por me deixarem fazer parte de uma república que nunca morei, mas que sempre foi o meu segundo lar. Obrigada pelo apoio e pela paciência constantes nos momentos mais decisivos e difíceis – e também nos mais divertidos. A Rafael do Nascimento César, por conseguir tirar um sorriso do meu rosto, mesmo quando eu achava que não fosse possível. As amizades que a vida no pensionato me trouxe, Isabela Maia e Stefania Relva, pela partilha dos dramas e das alegrias desde os tempos em que a cozinha da Nê era o nosso divã coletivo. A Isa, por ter dividido comigo a primeira experiência de construção de um lar, agradeço pela serenidade que sempre me inspirou. A Camila Góes, pelo encontro de graduação que mudou para sempre a minha a vida. Agradeço a presença em todo e qualquer momento, a preocupação diária, a leitura atenta e os comentários essenciais a essa dissertação. Obrigada por lidarmos juntas com questões e problemas que possibilitaram meu amadurecimento e fortalecimento. A vida se tornou mais simples e divertida com a sua presença. Aos meus avôs e avós, os que ainda estão presentes e os que já se foram, pelo exemplo e pela sabedoria que carregam consigo. Aos meus padrinhos, em especial à minha madrinha Ieda, por nunca poupar esforços para se fazer presente em minha vida, desde que eu pude aprender a dizer “Madê”. A Maria Helena e Fernando, por terem aceitado uma integrante a mais na família com tanto carinho e afeto. A minha mãe, Célia Maria, por me mostrar diariamente que o tamanho de qualquer problema é ínfimo diante da força com que encara a vida. Ao meu pai, Dalton

José, pela simplicidade e o bom humor que lida com qualquer questão complexa. Ao meu irmão, Vinícius, pela presença que sempre garante alegria mesmo nos dias mais difíceis. Sem o apoio e o amor de vocês, nenhuma linha poderia ter sido escrita. Obrigada por confiarem e acreditarem em mim em todas as vezes em que eu mesma duvidei. Ao Leonardo, por ter resgatado em mim a confiança no amor e nos seus pequenos detalhes. O caminhar já não faz mais sentido sem a paz que você trouxe ao meu coração, sem o seu pão na chapa pela manhã e sem os bolos de chocolate que você recentemente aprendeu a fazer para que essa dissertação chegasse ao fim. Meu eterno amor e agradecimento pela compreensão e pela construção conjunta e diária de uma bonita história.

Hay hombres que viven contentos aunque vivan sin decoro. Hay otros que padecen como en agonía cuando ven que los hombres viven sin decoro a su alrededor. En el mundo ha de haber cierta cantidad de decoro, como ha de haber cierta cantidad de luz. Cuando hay muchos hombres sin decoro, hay siempre otros que tienen en sí el decoro de muchos hombres. Esos son los que se rebelan con fuerza terrible contra los que les roban a los pueblos su libertad, que es robarles a los hombres su decoro. En esos hombres van miles de hombres, va un pueblo entero, va la dignidad humana.

JOSÉ MARTÍ

RESUMO A vitória dos revolucionários cubanos inaugurou um novo momento histórico para o pensamento de esquerda na América Latina, trazendo paradigmas organizativos e metodológicos que pautaram debates e projetos políticos nas décadas seguintes. Essa pesquisa teve como objeto o movimento trotskista latino-americano e as análises geradas em suas fileiras após o advento da Revolução Cubana. Para tanto, buscou-se compreender as influências e contribuições desse episódio que teriam levado à confirmação de teses trotskistas, à incorporação de novos métodos e sujeitos e às reavaliações e críticas posteriores. Entre os anos de 1959 e 1963, consideraram-se as organizações internacionais nas quais o movimento trotskista se dividia, Comitê Internacional (CI) e Secretariado Internacional (SI), e suas respectivas organizações latino-americanas, Secretariado Latino Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO) e o Bureau Latino Americano da Quarta Internacional (BLA). Entre 1963 e 1974, destacaram-se as análises do Secretariado Unificado (SU), que congregava grande parte das organizações anteriores.

Palavras-chave: Trotskismo; Marxismo; Revolução Cubana; América Latina.

ABSTRACT The Cuban revolutionaries victory opened a new historical moment for the left thought in Latin America, bringing organizational and methodological paradigms that guided discussions and political projects in the following decades. This research has as its subject matter the Latin American Trotskyist movement, as well as the analyzes generated in its ranks after the Cuban Revolution advent. To this purpose, we sought to understand the influences and contributions of this episode that would have led Trotskyist thesis to confirmation, incorporation of new methods and subjects, and to revaluations and subsequent criticism. Between 1959 and 1963, were considered international organizations in which the Trotskyist movement was divided, the International Committee (IC) and the International Secretariat (IS), as well as their respective Latin American organizations, the Latin American Secretariat of Orthodox Trotskyism (SLATO) and the Latin American Bureau of the Fourth International (BLA). Between 1963 and 1974, were highlighted the analyses of the United Secretariat (SU), which brought together most of the previous organizations.

Keywords: Trotskyism; Marxism; Cuban Revolution; Latin America.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 12 PARTE I – UMA HERANÇA SEM MANUAL DE INSTRUÇÕES ....................... 23 CAPÍTULO 1 – RECONFIGURAÇÕES DO MOVIMENTO TROTSKISTA INTERNACIONAL APÓS A II GUERRA MUNDIAL ......................................................... 24 RUPTURA GERACIONAL E ORGANIZATIVA ................................................................. 25 A LUTA ENTRE CAMPOS OU A LUTA DE CLASSES? ................................................... 26 A CISÃO DE 1952-53: O SECRETARIADO INTERNACIONAL (SI) E O COMITÊ INTERNACIONAL (CI)........................................................................................................... 31 REUNIFICAÇÃO (EM PARTES) DE 1963: O SECRETARIADO UNIFICADO (SU) ....... 33 OS TROTSKISMOS: UMA LONGA MARCHA ................................................................... 37 CAPÍTULO 2 – A IV INTERNACIONAL E A AMÉRICA LATINA: ORIGENS E ESPECIFICIDADES ........................................................................................................... 40 AS ORIGENS E CARACTERÍSTICAS DO TROTSKISMO LATINO-AMERICANO ....... 41 OS PRIMEIROS GRUPOS E PARTIDOS.............................................................................. 44 O TROTSKISMO ARGENTINO COMO CENTRO LATINO-AMERICANO ..................... 48 O BUREAU LATINO-AMERICANO (BLA) E O SECRETARIADO LATINOAMERICANO DO TROTSKISMO ORTODOXO (SLATO).................................................. 51 O POSADISMO ....................................................................................................................... 55

PARTE II – DE SIERRA MAESTRA PARA O MUNDO: A REVOLUÇÃO CUBANA E O MOVIMENTO TROTSKISTA .............................................................. 58 CAPÍTULO 3 – CONFIRMAÇÕES: AS LIÇÕES E TESES REAFIRMADAS PELA REVOLUÇÃO CUBANA ................................................................................................... 62 A LUTA CONTRA O IMPERIALISMO: UMA BATALHA POSSÍVEL ............................ 62 NÃO ERA PRECISO OLHAR PARA MOSCOU: A CRISE DOS PARTIDOS COMUNISTAS ......................................................................................................................... 72 UM PROCESSO REVOLUCIONÁRIO PERMANENTE...................................................... 80 CAPÍTULO 4 – INOVAÇÕES: OS NOVOS SUJEITOS E MÉTODOS REVOLUCIONÁRIOS ........................................................................................................ 88 UM ESTADO OPERÁRIO NA AMÉRICA LATINA............................................................ 89 DA CIDADE PARA O CAMPO, DOS OPERÁRIOS AOS CAMPONESES ........................ 94 ENTRE A GUERRA NUCLEAR E A PAZ MUNDIAL ....................................................... 102 A NOVA DINÂMICA PARA A REVOLUÇÃO MUNDIAL E O CASTRISMO ................ 108 DA GUERRILHA AO SOCIALISMO? ................................................................................. 124 CAPÍTULO 5 – REAVALIAÇÕES: NOVAS CONSIDERAÇÕES SOBRE VELHOS PROBLEMAS .................................................................................................................. 145

OS “AGENTES DO IMPERIALISMO” ................................................................................. 146 A INEXISTÊNCIA DE UM PARTIDO MARXISTA REVOLUCIONÁRIO E A FALTA DE DEMOCRACIA OPERÁRIA ........................................................................................... 150 A GUERRILHA COMO PROBLEMA .................................................................................. 153

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 161 FONTES PRIMÁRIAS ............................................................................................. 164 FONTES SECUNDÁRIAS ....................................................................................... 169

INTRODUÇÃO ... América Latina, essa pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas, cuja tenacidade sem fim se confunde com a lenda. GABRIEL GARCÍA MARQUEZ

No primeiro dia de janeiro de 1959, a Revolução Cubana inaugurou um novo período para a história da América Latina. Os jovens guerrilheiros de Sierra Maestra tomaram o poder na pequena ilha do Caribe, situada a menos de 150 quilômetros dos Estados Unidos. A extensão da ilha era inversamente proporcional à importância do que acontecera em seu território. Desde a derrubada de Fulgêncio Batista, a Revolução Cubana esteve presente no horizonte do pensamento político da esquerda latino-americana e mundial, modificando-se ao longo do tempo, mas nunca dando lugar a unanimidades. Esse furacão do universo político “despertou simpatias e adesões imediatas, assim como medos e rejeições duradouras” (PRADO, 2009, p.7). Pode-se dizer que nenhum dos países desse continente passou incólume a esse acontecimento, e que provavelmente a história das esquerdas de cada país tenha nele um marco decisivo em sua trajetória (SADER, 1991, p.161). A conquista dos revolucionários cubanos foi vista como um feito épico, talvez como um dos frutos da tenacidade de homens alucinados e mulheres históricas. Ainda que épico, o feito era visto como possível para os demais países de um continente que tinha em suas sociedades a característica da especificidade. Como enfatizado por Kaysel (2010, p.7), o pensamento político e social na América Latina esteve marcado, durante a maior parte do século XX, pelo problema central da especificidade das sociedades latino-americanas. Os intelectuais desse continente sempre enfrentaram o problema da posição descolada que seus países ocupam dentro dos parâmetros fornecidos pela chamada civilização ocidental, compreendida pelas sociedades e Estados nacionais da Europa Ocidental e dos Estados Unidos. É prudente que antes mesmo de entender a tarefa de construção de um pensamento político latino-americano devamos nos questionar sobre a existência da

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própria América Latina. Como destaca Bernardo Ricupero (2000, p.62) a unidade de nosso continente não pode ser tomada como evidente, principalmente porque muitas de nossas características tendem mais a nos separar do que nos unir, tanto no plano da geografia, como da história, da economia e da cultura. Esse questionamento também foi apontado pelo marxista argentino José Aricó: “até que ponto as diferentes formações sociais latino-americanas constituem um complexo único que se possa identificar através de tal categoria?” (ARICÓ, 1989, p.419). Dentre as características que nos fariam um todo social único poderíamos citar a colonização europeia, as lutas por independência, a posição de dependência econômica trazida pela inclusão no mercado mundial, e as lutas das classes populares na conquista de um espaço “nacional”. Mas é “principalmente a maneira como o subcontinente se relacionou e se relaciona com o mundo à sua volta que faz com que se possa pensar na existência de uma ‘comunidade de destino’ na região” (RICUPERO, 2000, p.62). A categoria de um todo social único, mesmo que para sociedades tão diversas, conforma uma unidade politicamente estratégica nas relações com os demais países. É talvez pelo sentimento de sermos todos “desterrados em nossa terra”1 que vivemos nessa América que é “Latina” ou “Nossa”. A interpretação das realidades locais desse continente sofreu uma importante contribuição no final do século XIX com a chegada do marxismo na região, influenciando decisivamente os meios culturais e intelectuais. Contudo, a teoria marxista encontrou dois problemas iniciais na América Latina: a própria dificuldade de Marx e Engels em apreender a realidade latino-americana por meio de seus escritos e o permanente desencontro entre teoria e realidade. Tratava-se de uma “ideia fora do lugar”.2

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Ver: HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971. A expressão é utilizada por Sérgio Buarque ao se referir à tentativa de implantação de uma cultura europeia em um território vasto como o brasileiro, fato que teria trazido muitas consequências ao desenvolvimento político e social do país. Utiliza-se aqui a expressão para se referir aos povos latino-americanos, não apenas os brasileiros. 2 A expressão é utilizada por Roberto Schwarz que, em sua reflexão, buscava analisar as transformações das referências ideológicas vindas das antigas metrópoles apropriadas para o contexto brasileiro. O mais claro exemplo dessa “inadequação” entre ideia europeia e realidade brasileira era, para Schwarz, a importação do liberalismo no século XIX, revelando-se objetivamente uma “ideia fora do lugar”. Ver: SCHWARZ, R. As ideias fora do lugar. In: Ao vencedor as batatas. São Paulo: Duas Cidades, 1992, p.931. A expressão de que seria o marxismo também uma “ideia fora do lugar” na América Latina é utilizada e problematizada por Alvaro Bianchi em seu artigo “O Marxismo fora do lugar”, Política e Sociedade, v.9, nº16, abril de 2010, p. 177-203.

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O primeiro problema está associado não a uma possível exiguidade de textos de Marx sobre a América Latina, mas sim a incipientes indicações nesses escritos sobre um desenvolvimento que possuía mais diferenças do que similitudes com aquele que se passava na Europa. Alvaro Bianchi (2010) destaca que, em alguns momentos, Marx e Engels adotaram uma visada até mesmo eurocêntrica, presente tanto na apreciação de Marx sobre a história dos Estados Unidos, quanto nos escritos dos dois autores sobre a guerra entre esse país e o México. A interpretação de Marx começou a ser modificada com a luta pela independência da Irlanda,3 “a qual permitiu que uma atitude crítica do processo de expansão econômica e política do capitalismo ocupasse gradativamente lugar em sua obra” (BIANCHI, 2010, p.181). Essa perspectiva teórica se expressou de modo mais nítido com as análises de Marx sobre o desenvolvimento do capitalismo na Rússia, tema que o atraiu a partir de 1873. Essa mudança “representou uma ruptura decisiva com toda a filosofia da história e assentou as bases para uma melhor compreensão da realidade latino-americana. Mas trata-se apenas de pistas e não de uma resposta acabada a nossas indagações” (ibid., p.184).4 É ainda como parte deste primeiro problema que podemos entender o segundo: o permanente desencontro entre teoria e realidade para aqueles que buscam a construção de um pensamento político marxista nesse continente e as tentativas de superá-lo. Essa seria “uma espécie de mútua e secreta repulsão, que afasta a América Latina do marxismo (isto é, a realidade da teoria) e expulsa o marxismo da América Latina (isto é, a teoria da realidade)” (FRANCO, 1978, p.11). Esse problema seria, em parte, fruto da forma estranha que assume a história latino-americana, tendo em vista a dificuldade de se encontrar um lugar na tradicional oposição entre Ocidente e Oriente, tão presente na consciência europeia desde a Idade Média (RICUPERO, 2000, p.70) Na tentativa de superação desse desencontro, o marxismo na América Latina acabou sendo ameaçado por duas tentações opostas: o excepcionalismo e o eurocentrismo

(LÖWY,

2012,

p.10).

A

primeira

delas

corresponderia

ao

excepcionalismo indo-americano e estaria associada a uma teoria que tendia a “absolutizar” as especificidades da cultura, da história e da estrutura social do

3

Ver: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Imperio y colonia: escritos sobre Irlanda. México: Pasado y presente, 1979. 4 Sobre essa mudança no pensamento de Marx e sua importância na interpretação da América Latina ver DUSSEL, E. El último Marx (1863-1882) y la liberación latino americana. México: Siglo XXI, 1990.

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continente, ressaltando o particular acima do universal.5 Um dos exemplos dessa abordagem seria a Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA)6 e seu principal expoente, o peruano Haya de La Torre. Esse autor defendia que primeiro seria necessário adaptar o marxismo à realidade continental para posteriormente superá-lo. Outra tendência tão problemática, e talvez mais devastadora que o excepcionalismo, era o eurocentrismo. Essa teoria buscava submeter o local ao universal, transplantando de forma mecânica os modelos de desenvolvimento socioeconômico pelos quais a Europa teria passado ao longo do século XIX. Essa vertente estaria amplamente associada aos partidos comunistas do continente, que pretendiam adequar suas realidades à política da Internacional Comunista para as colônias e semicolônias. A interpretação de nossa realidade a partir de esquemas alheios só teria contribuído ao longo do tempo para nos tornar cada vez mais desconhecidos e menos livres, ou ainda mais solitários, como afirmaria o escritor colombiano da epígrafe desta introdução. Uma perspectiva eurocêntrica aplicada à experiência histórica latinoamericana operaria como um espelho que distorce o que reflete e “como resultado não podemos nunca identificar nossos verdadeiros problemas, muito menos resolvê-los, a não ser de uma maneira parcial e distorcida” (QUIJANO, 2005, p.24). Aqueles que se lançassem na aventura de fundir a teoria com a realidade estariam produzindo verdadeiramente um marxismo latino-americano e não somente um marxismo localizado na América Latina (RICUPERO, 2000, p.64). O excepcionalismo e o eurocentrismo eram paradoxalmente opostos, mas levariam a uma mesma conclusão: a de que o socialismo não estaria na ordem do dia na América Latina (LÖWY, 2012, p.11). Para combater o particularismo e o dogmatismo era necessária uma aplicação criativa do marxismo. É nesse sentido que Bianchi (2010, p.185) afirma que, para os que se colocavam em uma outra perspectiva histórica e política – que não fosse a dos partidos comunistas – , a interpretação da América Latina a partir da obra de Marx implicava um esforço criativo de estudo de sua obra, de sua 5

André Kaysel aponta que essa posição que enfatiza o particularismo local frente ao universalismo da teoria é compartilhada por muitos intelectuais que se aproximaram do nacional-desenvolvimentismo e do populismo, como as formulações da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), a Organização das Nações Unidas (ONU) e o trabalho intelectual produzido pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) (KAYSEL, 2010, p.8). 6 A Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) foi fundada por Haya de La Torre em 1924. Nos anos 1920 foi um movimento de caráter continental, com seções em alguns países latino-americanos. Com o passar dos anos se restringiu ao Peru, persistindo até hoje como o Partido Aprista Peruano.

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construção teórica e do reconhecimento de que em alguns momentos o afastamento de seu texto era necessário para a fidelidade à sua dialética. Em seu livro O marxismo na América Latina, Michael Löwy periodiza o desenvolvimento do marxismo nesse continente, tendo em vista tanto as tentações “excepcionalistas” quanto as “eurocentristas”, mas também destacando as criativas. Tendo como fio condutor de sua análise a problemática da natureza da revolução, o autor distingue três períodos: o primeiro, chamado de “revolucionário”, que se iniciaria nos anos 1920 e se estenderia até meados dos anos 1930; o segundo, denominado “stalinista” que abarcaria de 1930 até 1959; e o terceiro, entendido como “um novo período revolucionário”, após a Revolução Cubana (LÖWY, 2012, p.9). No primeiro desses momentos, a revolução latino-americana seria compreendida como socialista, democrática e anti-imperialista. Uma das manifestações teóricas mais importantes desse período foi a do peruano José Carlos Mariátegui, que dentre muitas contribuições, enfatizava que o marxismo latino-americano não deveria ser apenas calco y copia do europeu, mas sim criação heroica. Assim, o mais importante seria dar vida à nossa própria realidade, com nossa própria língua, a um marxismo indoamericano. Para o marxista argentino José Aricó (1989, p.447), o que aconteceu no Peru na metade dos anos 1920 foi a “produção” de um marxismo que, pela primeira vez, poderia ser chamado de “latino-americano”. Foi a partir da década de 1930 que ocorreu a ascensão dos partidos comunistas em todo o mundo, tornando hegemônica uma interpretação que evidenciava o processo de revolução por etapas, defendida pela III Internacional. Nesse período, caracterizado como stalinista, predominaria a ideia de que a América Latina estaria em uma etapa nacional-democrática (LÖWY, 2012, p.9). Diferentemente das análises de Mariátegui, essa teoria se voltava muito mais para uma cópia de interpretações marxistas sobrepostas à realidade latino-americana. As análises dos partidos comunistas apresentavam-se como reprodução de manuais na qual as diferentes etapas do

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desenvolvimento econômico e social pelas quais a Europa tinha passado eram universalizadas (BIANCHI, 2010, p.185).7 Em 1959, a Revolução Cubana não inaugurou apenas um novo período para a história da América Latina, mas constituiu também uma mudança capital no pensamento marxista latino-americano, representando uma guinada teórica, e principalmente prática (LÖWY, 2012a, p.43). O sociólogo argentino Juan Carlos Portantiero (1991, p.333) destacou o papel crucial da Revolução Cubana para o início de uma nova etapa do marxismo nesse continente, abrindo novos caminhos e marcando a culminação de uma longa história: a da penetração das ideias socialistas e da difusão do marxismo. Além de demonstrar que era possível enfrentar o imperialismo em um território que sempre foi considerado seu “quintal”, a revolução também rompeu com padrões clássicos de luta centrados nos partidos revolucionários (BARÃO, 2003, p.232). Isso se deve ao fato desse acontecimento ter subvertido a problemática tradicional estabelecida na América Latina pela corrente stalinista, até então hegemônica, modificando a forma como a revolução era interpretada e reivindicada pelos partidos comunistas de todo o continente. É nesse sentido que a conquista cubana representou um questionamento, principalmente daquelas interpretações que seguiam um modelo de revolução baseado em etapas, abrindo caminho para que análises marginalizadas no pensamento político marxista pudessem encontrar respaldo, como é o caso do movimento trotskista. Como afirma Löwy (2012a), a consolidação do trotskismo nesse período ocorreu porque “a Revolução Cubana foi vista por muitos setores da juventude radicalizada como uma confirmação de certas teses defendidas pelos partidários da IV Internacional” (LÖWY, 2012a, p.49). Tendo em vista esse novo momento aberto pela Revolução Cubana no continente, buscaremos compreender as influências e contribuições desse episódio para o pensamento político marxista latino-americano, especialmente para o caso do

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Deve-se destacar que mesmo durante essa época existiram investigações marxistas criativas, tanto dentro como fora do movimento comunista oficial. Esse é o caso das análises dos brasileiros Mário Pedrosa e Lívio Xavier (Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil, 1930), Caio Prado Jr. (História econômica do Brasil, publicado em 1945), do argentino Sergio Bagú (A economia da sociedade colonial, publicado em 1949) e do chileno Marcelo Segall (Desarrollo del capitalismo en Chile, de 1953) (Cf. LÖWY, 2012a).

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movimento trotskista. Para tanto, analisaremos as duas organizações atuantes na América Latina, que reuniam os partidos trotskistas do continente nos anos sessenta: o Bureau Latino Americano da Quarta Internacional (BLA), liderado por Juan Posadas,8 e o Secretariado Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO), liderado por Nahuel Moreno.9 Para os partidos trotskistas reunidos nessas organizações, muito mais do que certezas, a tomada do poder em Cuba havia trazido dúvidas. O que havia acontecido na ilha era uma revolução socialista? Uma revolução poderia acontecer sem um partido revolucionário? A transição para o socialismo só poderia acontecer pela luta armada? Qual foi o papel da classe operária nesse processo? Qual era a importância do campesinato? A guerrilha poderia ser entendida como estratégia para a tomada do poder em outros países do continente? A necessidade de compreender a realidade para transformá-la se fazia ainda mais urgente para o marxismo latino-americano. E ainda mais urgente para aquelas parcelas da esquerda que haviam rompido com a posição hegemônica dos partidos comunistas e viam nesse momento uma oportunidade de disputa de um projeto político, como era o caso das organizações trotskistas. Para nortear a execução dessa pesquisa foram levantados alguns objetivos. O primeiro deles é compreender como se deram as relações e a influência da Revolução Cubana sobre as organizações trotskistas latino-americanas, particularmente sobre suas interpretações teóricas e sua atuação prática diante desse novo problema colocado para a esquerda marxista do continente. Nesse sentido, entender de que maneira essas organizações

elaboraram

respostas

às

questões

suscitadas

pela

vitória

dos

revolucionários, e como essas respostas podem ter contribuído para uma elaboração criativa de transformação da realidade, não sendo somente calco y copia. Dessa forma, busca-se investigar como essas contribuições puderam fornecer meios para se pensar o problema do permanente desencontro entre teoria e prática na América Latina. Considerando que essas organizações são parte de um movimento internacional, buscaremos analisar como assimilaram algumas das interpretações do 8

Pseudônimo de Homero Rómulo Cristalli Frasnelli (1912-1981), membro do Partido Operário Revolucionário (POR) argentino, dirigente do Bureau Latino Americano (BLA) e fundador da Quarta Internacional Posadista. 9 Pseudônimo de Hugo Miguel Bressano Capacete (1924-1987), membro do Grupo Operário Marxista (GOM) argentino, dirigente do Secretariado Latino Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO), fundador da corrente internacional trotskista Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI), em 1982.

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processo revolucionário cubano feitas por esse movimento, ao mesmo tempo em que influenciaram o debate com suas próprias contribuições. Por fim, um último objetivo está relacionado ao exame das diferenças entre as interpretações das duas organizações, BLA e SLATO, e das mudanças sofridas por essas ao longo do tempo, questionando

quais acontecimentos teriam levado a essas diferenciações. Compreende-se que há três dimensões a serem consideradas nessa pesquisa: internas, nacionais e internacionais.10 As dimensões internas dizem respeito às lutas no interior dos partidos dessas organizações, tendo em vista que as contradições se expressariam de modo mais claro e direto no interior dos grupos dirigentes. Somente essa dimensão não seria suficiente, pois “se um partido político é a forma orgânica que assume uma vontade coletiva consciente de si, sua memória não pode deixar de ser também uma memória coletiva” (BIANCHI, 2012a, p.369). É por meio da dimensão nacional que se tem clareza do lugar que essas organizações ocuparam em diferentes países de atuação, tendo em vista que a vida dos partidos a elas associados não diferem do ritmo dos conflitos sociais. Essa dimensão possibilita que os conflitos intrapartidários sejam recolocados em seus devidos lugares, permitindo à história dos partidos “ser uma história monográfica da luta de classes em um país, um capítulo da história política e social da nação.” (ibid., p.371). A dimensão internacional está associada ao fato de que essas organizações foram parte de uma corrente internacionalista, fazendo com que suas contribuições sejam também parte da história do movimento pela IV Internacional. Parte-se da principal hipótese, com base na leitura da bibliografia pertinente e na consulta das fontes primárias, de que esse debate acerca da Revolução Cubana se deu, no movimento trotskista, em três momentos que se entrecruzaram: o das confirmações, o das inovações e o das reavaliações. O primeiro momento, a confirmação, indica que o êxito cubano teria possibilitado a verificação de parte das teses trotskistas, principalmente no tocante à luta contra o imperialismo e às divergências com o modelo de revolução por etapas dos partidos comunistas. O segundo momento, a inovação, estava associado à necessidade de priorizar métodos de luta e sujeitos políticos que antes da Revolução Cubana não eram vistos com tanto destaque, além de reconsiderar algumas análises acerca da dinâmica da revolução mundial e 10

As três dimensões aqui apontadas são enfatizadas por Bianchi em relação à escrita da história recente dos trotskismos brasileiros (Cf. BIANCHI, 2012a).

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latino-americana. Foi nesse contexto que a guerra de guerrilhas surgiu como alternativa à ação direta das massas, o movimento guerrilheiro no lugar do partido, a ação voltada para o campo e não para a cidade, e os atores revolucionários como os camponeses ao invés dos trabalhadores fabris. Somente em um terceiro momento, o de reavaliação, foi que certas considerações acerca do caráter da revolução foram repensadas, especialmente com o desenrolar de modificações no processo revolucionário cubano. Nesse momento, a guerra de guerrilhas passou a significar um problema e não uma solução, ao mesmo tempo em que as greves nas cidades indicavam novamente para onde deveriam estar voltadas as forças daqueles que queriam modificar suas realidades. Esclarecidos o objeto, os objetivos e a hipótese desta pesquisa, faz-se necessário um breve apontamento dos problemas que envolveram o tema aqui tratado. O primeiro deles é o fato das organizações trotskistas serem reconhecidas – até mesmo de forma anedótica – por sua inclinação em divergir e romper. Essa seria uma característica que, em muitos momentos, poderia aproximar essa pesquisa de uma história de brigas familiares. Primeiro, deve-se levar em conta que essa imagem não retrata um atributo exclusivo dos trotskistas, sendo própria da política quando esta não é alvo de pretensões totalitárias. As divergências e divisões caracterizam o que o historiador Osvaldo Coggiola chamou de “vida” de um organismo, tendo em vista que “o monolitismo seria a morte” (COGGIOLA, 1984, p.89). Dessa maneira, “concebida de modo realista, a política é o conflito pelo poder político. As organizações políticas não se encontram à margem desse conflito” (BIANCHI, 2012a, p.368). Em segundo lugar, acredita-se que ao privilegiar as três dimensões estabelecidas acima foi possível apreender a extensão e a importância de certos conflitos, mais do que de outros, evitando pequenas polêmicas. Outro problema está relacionado ao peso político dessas organizações e sua influência na luta de classes, o que poderia nos levar ao questionamento da importância de seu estudo. De fato, “a história da Quarta Internacional é a de uma resistência molecular” (ibid., p.372), sendo os trotskistas “relegados a um gueto histórico, resistiram como reserva moral e intelectual do marxismo revolucionário” (ibid., p.372). No entanto, ainda que as correntes trotskistas não demonstrem uma força militante quantitativa, o seu núcleo racional sempre fez eco dos grandes problemas da época. Assim como destaca Karepovs (2005, p.7), as organizações trotskistas e seus adeptos

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foram capazes de formular exames conjunturais e estruturais de caráter histórico, político e econômico, instigantes e inovadores. Um último problema está relacionado aos apontados anteriormente. A fragmentação dessas organizações e a repressão política a qual estiveram submetidas transparece também em suas fontes. Os documentos primários das organizações latinoamericanas se encontram escassamente difundidos, com exceção das publicações teóricas mais importantes de seus dirigentes. Nesse sentido, o esforço de superação desse problema esteve vinculado à busca, organização e comparação de documentos primários que estivessem associados aos objetivos aqui buscados, mesmo que o caráter dessas fontes fosse distinto em algumas análises – artigos em jornais, revistas, livros, documentos internos, cartas. Todas essas diferenciações foram, no entanto, sempre destacadas para o melhor entendimento do leitor. Por fim, tendo como norte os objetivos aqui propostos, optou-se por uma divisão em duas partes consideradas complementares para o entendimento de como a história dessas organizações se relaciona intimamente com suas interpretações acerca da Revolução Cubana. A primeira parte, “Uma herança sem manual de instruções”,11 abrange dois capítulos e diz respeito à história da IV Internacional e de seu desenvolvimento na América Latina. Em busca de uma dimensão internacional desse movimento, o primeiro capítulo buscou analisar as dificuldades das organizações trotskistas após o final da Segunda Guerra Mundial e seus desdobramentos nos anos seguintes – rupturas, reunificações e novos reagrupamentos. No segundo capítulo, empreendeu-se uma breve observação acerca do surgimento do trotskismo latinoamericano e de suas principais organizações em diferentes países do continente, a fim de se compreender as dimensões nacionais dessas organizações. Na segunda parte, “De Sierra Maestra para o mundo: a Revolução Cubana e o movimento trotskista”, delinearam-se as interpretações desse movimento acerca da vitória cubana, pautadas em uma divisão que priorizasse as hipóteses aqui propostas. O terceiro capítulo é dedicado ao momento das confirmações das teses trotskistas após a tomada do poder na ilha. O quarto capítulo diz respeito às inovações incorporadas por esse movimento em relação aos métodos e sujeitos revolucionários para o continente e 11

“Uma herança sem manual de instruções” é o título de um dos capítulos do livro de Daniel Bensaïd, no qual o autor analisa a história dos militantes trotskistas após a Segunda Guerra Mundial e a morte do próprio Trotsky, em 1940. Ver: BENSAÏD, Daniel. Trotskismos. Lisboa: Edições Combate, 2008.

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para a própria revolução mundial. É importante destacar que nesses dois primeiros capítulos da segunda parte as exposições estão pautadas em uma análise das considerações feitas tanto pelo movimento internacional quanto pelas organizações latino-americanas do período, o BLA e o SLATO. Dessa maneira, buscou-se demonstrar e explicar os momentos em que essas considerações divergem, bem como aqueles em que confluem – contribuindo assim para a compreensão do desenvolvimento dessas ideias. Por fim, o quinto capítulo indica as reavaliações acerca do processo revolucionário cubano feitas pelos trotskistas, principalmente após a derrota de diversos movimentos guerrilheiros na América Latina, bem como mudanças no regime cubano. Nesse capítulo, considerou-se o Secretariado Unificado (SU) como principal organização a ser analisada, tendo em vista que congregava europeus, estadunidenses e latino-americanos. Optou-se também pelo estudo dessa corrente em virtude da questão da guerrilha pautar amplamente as discussões do SU, trazendo maiores elementos para a compreensão das influências da Revolução Cubana no movimento trotskista.

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PARTE I – UMA HERANÇA SEM MANUAL DE INSTRUÇÕES

A história de um partido não poderá deixar de ser a história de um determinado grupo social. Mas este grupo não é isolado; tem amigos, afins, adversários, inimigos. Somente do quadro global de todo o conjunto social e estatal (e, frequentemente, também como interferências internacionais) é que resultará a história de um determinado partido; por isso, pode-se dizer que escrever a história de um partido significa nada mais do que escrever a história geral de um país a partir de um ponto de vista monográfico, pondo em destaque um aspecto seu característico.

ANTONIO GRAMSCI

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CAPÍTULO 1 – RECONFIGURAÇÕES DO MOVIMENTO TROTSKISTA INTERNACIONAL APÓS A II GUERRA MUNDIAL Como destaca o historiador francês Jean Jacques Marie, a “Segunda Guerra Mundial mergulhou dois terços do universo na barbárie” (MARIE, 1990, p.79). A IV Internacional, fundada em 1938,12 não passou ilesa por esse episódio. Em 1940, seu máximo dirigente e fundador, Leon Trotsky, foi assassinado no México por um agente da polícia de Josef Stalin. Além da perseguição stalinista aos trotskistas, estes também sofreram com a perseguição fascista e com o problema da grande autoridade da burocracia soviética perante a classe trabalhadora. Como continua Marie “a IV Internacional enfraqueceu; a Guerra a esfacelou: aniquilada pelos massacres na União Soviética, destruída na Alemanha hitlerista, ela foi retalhada entre as fronteiras” (ibid., p.79). Nesse

capítulo,

pretende-se

delinear

como

esses

acontecimentos

influenciaram o desenvolvimento da IV Internacional, não só transformando suas fileiras, mas também modificando seus exames conjunturais e sua atuação prática. Em um primeiro momento analisaremos como após o final da II Guerra Mundial e a morte de Trotsky a organização ficou fragilizada com uma ruptura geracional e organizativa. Posteriormente abordaremos o grande impasse do período da Guerra Fria, no qual o mundo se dividiu em campos distintos, encobrindo muitas vezes a luta entre classes. As divergências em torno do que fazer levaram a uma cisão da IV Internacional em 1953, que também será aqui abordada. Dez anos depois do rompimento, parte desse movimento se reorganizou novamente, em grande medida pelos acordos acerca da Revolução Cubana, mas a organização já não repousava sobre uma base sólida. Nesse sentido, o último tema abarcado por esse capítulo versará sobre os trotskismos, isto é, as

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Em 1930 foi organizada a Oposição de Esquerda Internacional, liderada por Leon Trotsky, que tinha como intuito atuar como fração anti-stalinista nos Partidos Comunistas, visando reorientar a política desses partidos e da própria III Internacional. A tática, até então, não era criar outros partidos operários ou outra Internacional. No entanto, com a ascensão do nazismo e a chegada de Adolf Hitler ao poder em 1933, afirmou-se a falência da III Internacional em virtude da dominação stalinista e de sua responsabilidade na questão do nazismo. A ruptura com os PCs e a construção de uma nova Internacional foi uma necessidade defendida por Trotsky a partir desse momento. Para uma explanação mais aprofundada do surgimento da Oposição de Esquerda Internacional e o desenvolvimento posterior da IV Internacional, conferir MARIE (1981).

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diversas organizações cujo elo em comum passou a ser apenas a raiz da qual se originaram. RUPTURA GERACIONAL E ORGANIZATIVA Durante o período da guerra, a direção da IV Internacional foi transferida para os Estados Unidos – onde teve uma atividade reduzida – e, somente em 1944 pôde voltar a reunir seus membros em uma conferência na Europa. As seções europeias, por sua vez, foram transformadas de cima para baixo e suas direções foram quase que integralmente renovadas com elementos jovens, ainda pouco experientes nos acontecimentos da luta de classes (FRANK, 1973, p.52). Nesse sentido, para as organizações trotskistas, a guerra marcou “uma ruptura de continuidade geracional e organizativa. A maioria dos pioneiros e dos fundadores desaparece, seja sob os golpes da repressão, seja por lassidão e desmoralização” (BENSAÏD, 2008, p.66). De acordo com Coggiola (1990), seria fácil explicar a incapacidade dessa organização em se transformar em um partido dirigente por esses motivos, mas as raízes foram políticas, ainda que agravadas pela repressão. Marie (1990) também ressalta que seria um exagero afirmar que o assassinato de muitos trotskistas nesse período foi um impedimento para que esses encontrassem o “caminho das massas”. No entanto, é certo que numa organização tão jovem, a morte de Trotsky e de seus principais líderes pesou muito sobre seu crescimento e tornou mais fino o elo que a ligava à tradição histórica da qual se valia (MARIE, 1990, p.82). Ao final da II Guerra Mundial, ficou ainda mais difícil resolver a contradição entre o programa da IV Internacional e a realidade, ou seja, a própria concretização desse programa. Aqueles que sobreviveram tinham em suas mãos uma herança sem manual de instruções, que ainda passaria pelo crivo da história. Nesse contexto, uma nova direção começou a tomar forma após o final da guerra: o recém-formado Secretariado Europeu, integrado por Pierre Frank, Michel Pablo e Ernest Mandel;13 e o Socialist Workers Party (SWP) estadunidense, dirigido por James P. Cannon.14 Nesse momento, as seções mais importantes eram o SWP, considerado o partido da IV Internacional com maior presença na classe trabalhadora, e 13

Pierre Frank (1905-1984) foi um líder trotskista francês, dirigente do Partido Comunista Internacionalista (PCI); Michel Pablo foi o pseudônimo de Michalis N. Raptis (1911-1996), representante do trotskismo grego; e Ernest Ezra Mandel (1923-1995) foi um importante dirigente trotskista belga. 14 James Patrick “Jim” Cannon (1890-1974) foi o fundador e uma das principais lideranças do Socialist Workers Party (SWP) estadunidense, tendo sido secretário geral do partido de 1938 a 1953.

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o Partido Comunista Internacionalista (PCI) francês, que tinha se fortalecido com a derrota do fascismo. A principal seção no restante da Europa era a inglesa, fruto da unificação de diferentes grupos no Partido Comunista Revolucionário (RCP), dentro do qual as diferenças se mantinham. Na América Latina, havia surgido uma seção muito forte, o Partido Obrero Revolucionario (POR), na Bolívia, também com importante presença na classe operária. Por fim, outra seção que tinha se fortalecido era o Lanka Sama Samaja Party do Sri Lanka, que tinha adquirido influência de massas (SAGRA, 2010, p.165-66).

A LUTA ENTRE CAMPOS OU A LUTA DE CLASSES? Na tentativa de reafirmar as posições fundamentais do trotskismo face às diferentes tendências que se manifestaram ao longo da II Guerra Mundial e após o seu término, realizou-se em abril de 1948 o 2º Congresso da IV Internacional, que contou com a participação de 50 delegados, representando 22 seções de 19 países. Nesse Congresso, foram abordadas questões como: a URSS e o stalinismo, a situação internacional e as tarefas da IV Internacional, as lutas coloniais e a revolução mundial, além de questões próprias a diferentes países (Cf. SOCIALIST WORKERS PARTY, 1948a, 1948b, 1948c, 1948d). De acordo com Frank (1973), apesar de absolutamente indispensável, o Congresso não avançou em alguns temas que mais tarde foram motivo de debate e questionamento (p.60), especialmente aqueles relacionados à organização do movimento e às formas de atuação. Foi somente no 3º Congresso da IV Internacional, e no período que o antecedeu, que algumas polêmicas internas se tornaram mais evidentes, modificando os rumos da organização. O 3º Congresso da IV Internacional ocorreu em agosto de 1951, e contou com a participação de 74 delegados, representando 27 organizações, de 25 países (Cf. FOURTH INTERNATIONAL, 1951). Entre as resoluções do Congresso estavam as “Teses de Orientação e Perspectiva”, “A Situação Internacional”, “Natureza de classe no Leste Europeu”, “Revolução Iugoslava”, e “América Latina: problemas e tarefas da Quarta Internacional” (ibid., s.p.). A necessidade imediata desse encontro foi a redefinição de um projeto político considerado coerente. As duas principais questões desse Congresso estavam associadas à caracterização dos países do leste europeu e à

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polêmica sobre o “entrismo sui generis”,15 proposto como principal meio de construção partidária. Veremos a seguir que enquanto a primeira promoveu importantes modificações teóricas, a segunda levou a cisões significativas nas fileiras trotskistas. Após um longo debate, muito anterior ao 3º Congresso, chegou-se à caracterização

dos

países

da

Europa

do

Leste

como

“Estados

operários

burocraticamente deformados”. Até o momento, utilizava-se o conceito de “Estado operário burocraticamente degenerado”

16

para designar a situação da URSS após a

consolidação de Stalin no poder, quando a burocracia teria transformado as conquistas da Revolução de Outubro. Na URSS, a classe operária teria sido excluída do poder político, sem que as bases econômicas da revolução fossem destruídas (nacionalização da indústria e do comércio exterior, economia baseada na planificação), mas a deturpação burocrática estaria preparando essa destruição. Diferente da URSS, os Estados do leste europeu seriam “Estados operários deformados” e não “degenerados” porque não passaram por revoluções operárias, tendo a imposição de novas relações sociais sem revoluções a partir de baixo (BENSAÏD, 2008, p.90). Nesses Estados, ainda que a burguesia tenha sido derrubada do poder por meio de uma revolução social, e os meios de produção tenham sido nacionalizados, a classe operária nunca ocupou o poder político (Cf. FRANK, 1951). A nova caracterização aprovada no 3º Congresso enfatizava que a expropriação da burguesia nesses Estados era uma conquista que deveria ser defendida perante qualquer ataque do imperialismo (SAGRA, 2010, p.168). Essa é uma discussão importante porque aparecerá mais tarde na caracterização do Estado cubano após a revolução de 1959. No entanto, não foi somente essa questão que provocou mudanças na organização. O contexto político do período abriu uma vaga revolucionária da qual os trotskistas precisavam tirar proveito para que não continuassem à margem da história. Em 1949 ocorreu a Revolução Chinesa, quando os comunistas tomaram o poder e 15

O “entrismo” havia sido proposto por Trotsky na década de 1930 para os revolucionários em países como França, Espanha e Estados Unidos, e consistia em entrar nos partidos socialistas para recrutar militantes à esquerda desses partidos visando construir o partido revolucionário. Tal tática deveria ser de curta duração e sem a perda da independência por parte dos trotskistas. A tática formulada por Michel Pablo recebeu o nome de “entrismo sui generis” porque sua duração era indefinida, visto que dependia da transição do capitalismo ao socialismo. A ideia era entrar nessas organizações democratas ou pequenoburguesas nacionalistas e permanecer dentro delas o tempo que fosse necessário para tomar o poder e consolidá-lo. 16 O termo foi desenvolvido por Trotsky em A Revolução Traída, mas tem suas raízes na própria teoria de Lenin, que afirmava a URSS como um Estado operário com deformações burocráticas.

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proclamaram a República Popular da China, com Mao Tse-tung como líder. Já no início dos anos 1950 tem início a Guerra da Coreia, considerada a primeira guerra de uma nação capitalista contra um país dirigido por um partido comunista. Em 1952, explodiram processos revolucionários no Egito e na Bolívia. A crise no aparato stalinista se intensificou quando Tito, na então Iugoslávia, buscou uma política independente da URSS. Diante desses acontecimentos, ocorridos em plena Guerra Fria, o embate armado entre os Estados Unidos e a União Soviética parecia inevitável e uma terceira guerra mundial não tardaria a chegar. Esse prognóstico, amplamente difundido no mundo, afetou também a IV Internacional. De acordo com Coggiola (1990, p.67), “com a ‘guerra fria’ em pleno desenvolvimento a IV Internacional registrava vários insucessos nos processos políticos mais importantes”. Para Bensaïd, não seriam somente insucessos, os anos 1950 teriam sido, para as organizações trotskistas, uma “longa travessia no deserto”, na qual entre as condições objetivas e subjetivas abria-se uma brecha que não cessava de aumentar (BENSAÏD, 2008, p.98). A grande dificuldade foi que, para enfrentar esses insucessos, alguns trotskistas não encararam a raiz dos problemas da marginalidade, mas somente suas consequências, tentando combater o isolamento apenas de forma imediata. É nesse sentido que a necessidade de uma revisão das análises da IV Internacional sobre a situação mundial foi também acompanhada de uma mudança das estratégias de luta, que começou a ser defendida por Michel Pablo, então secretário geral da organização, no período anterior ao 3º Congresso. Em seu artigo “Where are we going?”, escrito em janeiro de 1951, o trotskista grego buscou “reorientar, no presente imediato e no futuro distante, a atividade dos trotskistas” (MARIE, 1990, p.87). Diante desse cenário, Pablo afirmava: A realidade social objetiva, para nosso movimento, está composta, essencialmente, pelo regime capitalista e pelo mundo stalinista. Aliás, quer queiramos ou não, esses dois elementos constituem a realidade objetiva simplesmente, pois a maioria esmagadora das forças opostas ao capitalismo encontram-se hoje, dirigidas ou influenciadas, pela burocracia soviética (PABLO, 1951, p.2).

Dessa maneira, se era a burocracia soviética quem dirigia essas forças, o stalinismo deveria ser entendido como uma longa época de passagem entre o capitalismo e o socialismo. Nessa perspectiva, a ideia era de que a relação de forças

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mundial teria sido modificada de forma desfavorável ao capitalismo, que viveria uma crise final. O prognóstico de Pablo era uma “guerra-revolução” iminente, que constrangeria os partidos stalinistas a esquerdizarem suas políticas, ultrapassando objetivos

definidos

pela burocracia soviética e projetando

uma orientação

revolucionária. Com a proximidade de uma suposta guerra, a pressão feita nos partidos comunistas levaria o campo stalinista à vitória contra o imperialismo. Os partidos comunistas seriam, assim, a única força significativa capaz de lutar contra o imperialismo, por isso o papel dos revolucionários deveria ser o de compor a aliança com esse campo considerado progressista: “Mais perto das fileiras desses partidos: esse é o nosso slogan em todos esses países [onde estão presentes os Partidos Comunistas], que resulta da análise da situação e de suas perspectivas” (PABLO, 1951, p.18, grifo do autor). A orientação de Pablo era de que as seções trotskistas praticassem um “entrismo sui generis” generalizado nos partidos de massas, sociais democratas ou stalinistas, ou ainda nos partidos populistas anti-imperialistas do Terceiro Mundo. Em meio à Guerra Fria, a conclusão era a de que não havia tempo histórico para a construção de partidos revolucionários trotskistas, por isso a tarefa mais importante seria apoiar as direções existentes o mais rápido possível em direção à tomada do poder (COGGIOLA, 1984, p.54). Segundo Pablo, o “anti-stalinismo sectário e mecânico” conduziria as organizações trotskistas a um “desastre prático”, isto é, não conseguiria a inserção em um momento que caracterizava como crucial para luta revolucionária, ficando à margem desse processo (PABLO, 1951) Para aqueles que adotaram a posição de Pablo, o “entrismo sui generis” estaria associado a uma preocupação lógica de “integração no movimento real das massas”, inscrevendo-se em uma visão estratégica de longo prazo (BENSAÏD, 2008, p.90). Pierre Frank, trotskista francês, enfatizou as circunstâncias em que estavam inseridos para justificar “um giro tático na construção dos partidos revolucionários”: A tática “entrista” foi elaborada precisamente em razão de uma combinação de circunstâncias que os marxistas revolucionários nunca tinham conhecido no passado: eles estavam em número extremamente reduzido, possuíam meios muito fracos de propaganda, face aos partidos que englobavam a maioria da classe e lhes privavam quase que o direito da existência (FRANK, 1973, p.79).

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Por outro lado, aqueles que discordavam do trotskista grego entendiam que o mundo estaria sendo dividido por ele em blocos ou campos distintos e não mais na contradição básica e fundamental, a da luta de classes. Marcel Bleibtreu, secretário da organização francesa, publicou um artigo que continha uma crítica revolucionária ao programa pablista, denominado “Where is comrade Pablo going?”, em junho de 1951. Bleibtreu atentava para a divisão do mundo em blocos e não em classes, além de salientar que essa análise mascarava o caráter contrarrevolucionário da burocracia soviética. Além disso, Pablo desconsideraria que o principal obstáculo ao socialismo era a crise de direção do movimento de massas: Devemos reagir sem demora e voltar ao método marxista de analisar a sociedade, voltar para o conceito leninista do papel da classe trabalhadora, retornar para a análise trotskista de degeneração da URSS e do caráter da burocracia, retornar à concepção fundamental de Trotsky de que a crise da humanidade é e continua a ser a crise de direção revolucionária, retornar para a linha revolucionária da classe operária, a da construção e da vitória da Quarta Internacional, o Partido Mundial da Revolução Socialista (BLEIBTREU, 1951, p.18).

A orientação, de fato, foi muito problemática, principalmente porque propôs que os militantes trotskistas se unissem a partidos com os quais já haviam entrado em confronto aberto, tanto política quanto fisicamente. Essa linha política adotada pela IV Internacional acabou ficando conhecida como “pablismo”, devido ao nome de seu mentor. Para os “pablistas”, a impotência do trotskismo internacional em criar verdadeiros partidos poderia ser substituída pelo ingresso estratégico e sistemático em Partidos Comunistas, que estariam em suposta evolução para a esquerda (MARIE, 1990, p.93). No entanto, “o entrismo sui generis” nos PCs acabou levando o trotskismo a grandes crises em todos os países em que se efetivou, provando que a forçada inserção em um determinado campo não solucionava o problema da marginalidade. De acordo com Sagra (2010), a inexperiente direção internacional não conseguiu compreender o rico e complexo processo aberto no pós-guerra, o que levou a grandes erros e desvios.

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A CISÃO DE 1952-53: O SECRETARIADO INTERNACIONAL (SI) E O COMITÊ INTERNACIONAL (CI) Embora aprovada no 3º Congresso, a linha política de Pablo implicou uma revisão total do programa trotskista e acabou lançando as bases para uma das primeiras cisões significativas da IV Internacional.17 Para Coggiola (1990), a fraqueza política dessa organização pode ser evidenciada pelo fato do programa de Pablo ter despertado escassas resistências no interior da IV Internacional, logo que foi proposto. Ainda que frágeis, as resistências levaram a maiores divergências com o passar do tempo. Em 1952, 16 membros do Comitê Central da seção francesa foram afastados por Pablo e Mandel, que nomearam uma outra direção e mais tarde expulsaram toda a seção, que se negou a fazer “entrismo sui generis” no Partido Comunista Francês (PCF) (SAGRA, 2010, p.173). Diante do ocorrido, o SWP estadunidense, publicou em 1953 uma carta aos trotskistas do mundo, “Letter to the Trotskyists throughout the world”, na qual criticava a posição adotada pelos pablistas, chamando-os de “revisionistas”, que estariam liquidando a organização, além de colocarem em questão a própria necessidade de construção da IV Internacional: Nessa carta vamos nos limitar a alguns exemplos recentes que mostram, no campo decisivo da ação, o quão longe Pablo foi em sua conciliação com o stalinismo e quão grave é esse perigo para a existência da IV Internacional (...). As linhas de discordância entre o revisionismo de Pablo e o trotskismo ortodoxo são tão profundas que nenhum compromisso é possível, político ou organizativo (SWP, 1953, p.2).

Além das acusações de revisionismo e das discordâncias em relação à política “entrista”, novas dificuldades surgiram quando eclodiu a Revolução Boliviana de 1952.18 As divergências fizeram com que se unissem aos trotskistas franceses expulsos (liderados por Pierre Lambert), os estadunidenses (Socialist Workers Party 17

A primeira crise da IV Internacional ocorreu ainda quando Trotsky estava vivo. Uma tendência do SWP estadunidense comandada por Max Shachtman e James Burham divergia sobre a política interna do partido, o caráter de classe do Estado soviético, e sobre a conduta da URSS, entendida por essa tendência como imperialista (em virtude da invasão da Finlândia e da Polônia). Trotsky defendia que a burocracia soviética não tinha chegado a destruir as bases econômicas da ditadura do proletariado, o que levaria a uma defesa incondicional da URSS contra qualquer ataque imperialista, mas também contra a política da burocracia. Essa divergência fez com que uma parcela significativa do SWP se afastasse da IV, incluindo também o trotskista brasileiro Mario Pedrosa (Cf. COGGIOLA, 1990). As posições de Trotsky acerca do debate público feito com Shachtman e Burham foram publicadas em artigos entre 1939 e 1940, mais tarde reunidos no livro Em Defesa do Marxismo. 18 Essas questões serão tratadas no Capítulo 2.

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SWP, de James P.Cannon), a seção inglesa (Socialist Labour League - SLL, de Gerry Healy) e a seção argentina de Nahuel Moreno, formando o Comitê Internacional (CI), em novembro de 1953. Michel Pablo, Ernest Mandel, Pierre Frank e a seção argentina de Juan Posadas,19 ficaram no chamado Secretariado Internacional (SI). Enquanto o Secretariado Internacional (SI) continuava se reivindicando como IV Internacional, o Comitê Internacional (CI) insistia na afirmação de que reunia a maioria das forças trotskistas. Para Coggiola (1990, p.72), o CI constitui-se “sobre a base de posições políticas contraditórias, e de uma política ambígua em direção do pablismo”. Sagra (2010) afirma que o CI aglutinava as seções mais importantes da IV, chegando a 80% dos militantes trotskistas, mas que sua atuação foi mais a de uma frente única defensiva do que a ofensiva de uma organização centralizada (SAGRA, 2010, p.176). De fato, algumas seções do CI defendiam que o rompimento com o “pablismo” era temporário, enquanto outras afirmavam que seria permanente. Anos mais tarde, a Revolução Cubana também dividiria o próprio CI, cujas análises de diferentes seções divergiam sobre o acontecimento. A cisão ocorrida em 1952-1953 é importante para um entendimento da dinâmica interna dessas organizações e para suas consequências em nível internacional. De acordo com Bensaïd (2008), essa ruptura teria sido injustificável, mas alguns ensinamentos poderiam ser retirados dessa situação: o perigo de pequenas organizações se dividirem, não sobre questões de princípios, mas por divergências táticas passageiras; o perigo de antecipar as consequências práticas de uma controvérsia teórica; as complexidades das relações entre uma organização internacional e as seções nacionais (BENSAÏD, 2008, p.94-95). Certamente, para aqueles que romperam, os limites entre “questões de princípio” e “divergências táticas passageiras” não eram tão simples nem naquele período e nem posteriormente.20 Por isso, a cisão de 1952 continuou sendo injustificável para alguns e extremamente justificável para outros, tendo em vista que o movimento trotskista nunca mais conseguiu reconstruir uma organização democrática centralizada.

19

Os uruguaios, a maioria dos brasileiros e a maioria dos bolivianos também ficaram alinhados ao SI (SAGRA, 2010, p.176). 20 Nesse sentido, destaca-se que tanto Daniel Bensaïd quanto Pierre Frank expressam um ponto de vista relacionado à defesa da política entrista do período.

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É ainda o próprio Bensaïd, que apesar de considerar o processo injustificável, aponta os problemas advindos da linha política adotada por Pablo e defendida por aqueles que permaneceram no Secretariado Internacional (SI): Se o “pablismo” foi muitas vezes o título de um falso processo, ele resume perfeitamente uma tendência para confiar mais na influência das ideias do que nas relações de força efetivas, no papel dos indivíduos mais do que no coletivo, no sentido da oportunidade mais do que numa cultura organizativa (ibid., p.93).

O

PRIMEIRO

ENSAIO

DE

REUNIFICAÇÃO:

A

FORMAÇÃO

DO

SECRETARIADO UNIFICADO (SU) EM 1963 O Secretariado Internacional (SI) seguiu realizando congressos nos anos seguintes à cisão. Em julho de 1954, ocorreu o 4º Congresso Mundial, com 60 representantes de 21 países. Nesse Congresso, “a tarefa mais importante consistiu em aprofundar as posições adotadas no Congresso precedente” (FRANK, 1973, p.87). Por isso enfatizou-se o “entrismo” nos partidos comunistas, mas também nos partidos nacionalistas dos países coloniais. Dois documentos foram adotados, um deles escrito por Pablo, que tratava da real integração dos trotskistas ao movimento de massas, que deveria se fundir a essas “por meio da ação e não pelo programa”. O outro documento foi escrito por Mandel e versava sobre a ascensão e o declínio do stalinismo. Em outubro de 1957, ocorreu o 5º Congresso Mundial organizado pelo SI, com a presença de delegados que representavam 25 países. Os documentos adotados no Congresso analisavam a inesperada prosperidade econômica nos Estados Unidos e na Europa Ocidental; aclamavam a Revolução Argelina e defendiam uma reorientação política nos Estados coloniais a fim de favorecer as revoluções que pudessem surgir através de guerrilhas; e por fim, complementavam o texto anterior de Mandel acerca do stalinismo (ibid., p.90). Nesse período, o CI não convocou um congresso próprio, realizando apenas uma conferência em Leeds, Inglaterra, em 1958 (COGGIOLA, 1990, p.72). É interessante destacar que nos anos 1950 eclodiram alguns acontecimentos importantes, especialmente na periferia do capitalismo. Entre 1954 e 1962 ocorreu a Guerra de Independência Argelina, movimento de libertação nacional do país do

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domínio francês. Em 1955, a Guerra do Vietnã dividiu o norte e o sul do país e colocou em confronto as potências econômicas do período. Em 1956 ocorreram levantamentos na Hungria e na Polônia, que impactaram a relação dos países do leste europeu com a União Soviética. Nesse mesmo ano, Nikita Khrushchov denunciou os crimes de Stalin no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, iniciando uma crise em muitos PCs do mundo. Por fim, em 1959 os guerrilheiros de Sierra Maestra tomaram o poder em Cuba, deflagrando a Revolução Cubana. Durante esse período, o movimento trotskista encontrava-se cindido, mas os acordos acerca dos acontecimentos mencionados faziam da reunificação uma possibilidade real: Os acontecimentos permitem no entanto constatar um largo acordo entre parte das tribos em diáspora: sobre o apoio ativo às revoluções argelina, cubana, vietnamita, sobre o apoio aos levantamentos antiburocráticos dos países da Europa oriental. Desde o fim dos anos 1950, estas convergências abrem a perspectiva de reunificação (ibid., p.98).

Esses acordos, advindos de acontecimentos e relações de forças próprias do período, exemplificam o quanto a existência de uma organização possui fortes determinações sociais, apesar das disputas quase que domésticas tomarem a frente em alguns momentos. Um acontecimento como uma revolução, ou uma guerra, é capaz de modificar os equilíbrios de uma organização, exigindo que essa se adapte a uma nova realidade. De acordo com Pierre Frank, movimento trotskista considerava que seu ressurgimento no mundo poderia finalmente ser sentido com a crise nos partidos comunistas: “ambos os lados estavam bem cientes de que um movimento dividido diminuiria consideravelmente as perspectivas que encontravam-se diante da IV Internacional” (FRANK, 1973, p.101). Os acontecimentos que alteraram esse equilíbrio, no entanto, levaram certo tempo para serem compreendidos e exigiram um grande debate nas fileiras trotskistas, acarretando modificações. Em 1961, ocorreu o 6º Congresso Mundial, com mais de cem delegados de cerca de 30 países, mas ainda organizado somente pelo SI. Ernest Mandel apresentou um documento sobre a economia mundial, enfatizando o crescimento econômico dos Estados operários, especialmente a China. O italiano Livio Maitan21 apresentou um documento sobre a revolução colonial, com grande ênfase nos acontecimentos na Argélia e em Cuba. Pierre Frank apresentou um documento sobre o 21

Livio Maitan (1923-2004) foi um militante trotskista italiano e destacado dirigente europeu ao lado de Ernest Mandel e Pierre Frank.

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stalinismo, apontando o caráter reformista do período de 1953-1957 e as novas contradições que começavam a surgir, como o conflito sino-soviético.22 As aproximações do SI com o CI tornaram-se mais fortes quando o trotskista estadunidense do SWP, Joseph Hansen,23 escreveu em novembro de 1962 um artigo denominado “Cuba – the Acid Test: a reply to Ultra left Sectarians”. Hansen afirmava que a situação real do trotskismo naquele momento indicava que as diferenças políticas entre as partes haviam sido reduzidas há algum tempo e novas razões para a ação conjunta teriam surgido. O mais importante, segundo ele, era que a maioria do CI e do SI havia passado pela “prova de fogo” da Revolução Cubana.24 Isso teria aberto uma possibilidade para “curar velhas feridas e reunir o movimento trotskista internacional na base mais sólida de sua história” (HANSEN, 1968 [1962], p.47). Todavia, algumas divergências ainda surgiram antes que parte do movimento pudesse consolidar sua união. O artigo não era apenas uma convocação para que o movimento trotskista se unisse novamente, “a resposta à ultraesquerda sectária” era dada àqueles que não consideravam o caráter revolucionário do ocorrido em Cuba ou a natureza do Estado operário que estaria sendo construído na ilha. O texto era uma resposta ao documento “Draft Report on the Cuban Revolution”

25

escrito pela seção francesa26 do CI, em

dezembro de 1961, que questionava as posições adotadas pelos demais trotskistas acerca dos acontecimentos em Cuba e recomendava maior cautela nas análises. Joseph Hansen, além de responder à seção francesa, liderada por Pierre Lambert, também respondeu aos ingleses do Socialist Labour League (SLL), de Gerry Healy, que também não

22

Sobre a posição das seções do movimento trotskista no conflito sino-soviético: “Durante 1959-60, quando o conflito sino-soviético começou a ser revelado publicamente como um conflito entre duas partes em que as diferenças políticas eram de primordial importância, a IV Internacional reagiu, quase unanimemente, dando apoio crítico para os chineses, cujas posições sobre um certo número de questões básicas (revolução colonial, caminhos pacíficos e parlamentares ao socialismo, de coexistência pacífica) foram progressivas em comparação com os da liderança soviética” (FRANK, 1973, p.97). 23 Joseph Leroy Hansen (1910-1979) foi um militante trotskista estadunidense e destacada liderança do Socialist Workers Party (SWP). Foi secretário e guarda-pessoal de Trotsky no México de 1937 até 1940, quando o agente stalinista Ramón Mercader assassinou o líder da IV Internacional. 24 As interpretações acerca da Revolução Cubana, feitas pelo movimento trotskista, serão tratadas ao longo dos próximos capítulos de forma mais detalhada. No tocante a esse capítulo inicial, sobre a história do movimento trotskista internacional no pós-guerra, buscou-se enfatizar apenas a questão organizacional. 25 O artigo também é conhecido como “Position of the French Section of the International Committee on the Cuban Question”. 26 Em 1965, essa seção viria a se chamar Organisation Communiste Internationaliste (OCI).

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partilhavam das análises sobre a Revolução Cubana feitas pelo SWP.27 A divisão do CI foi iniciada antes mesmo da reunificação com o SI se concluir. Dentro do SI as discordâncias também trouxeram problemas antes que a reunificação se consolidasse. Juan Posadas, o trotskista argentino que representava o SI na América Latina, acusou os dirigentes europeus de intelectuais e criou “sua” própria organização trotskista, mais tarde denominada IV Internacional Posadista (COGGIOLA, 1984, p.64). Os maiores detalhes desse acontecimento serão explanados no próximo capítulo, por isso o mais importante nesse momento é compreender que uma dissidência latino-americana – com importância considerável – rompeu com o SI antes da reunificação. A necessidade de curar velhas feridas, contudo, mostrou-se mais forte do que as discordâncias que surgiram em algumas seções. Uma comissão paritária preparou o Congresso de reunificação de 1963, o 7º Congresso Mundial, que aglutinou seções de 26 países e marcou a união de parte do CI com parte do SI, formando o chamado Secretariado Unificado (SU). Em ambos os lados, aqueles que eram contra a reunificação das partes defendiam que deveria ser feita uma discussão pautada nos problemas resultantes da cisão de 1953, com um balanço do que foi o “entrismo”, defendido por Pablo. Os adeptos da reunificação, aqui também em ambos os lados, concordaram em não criar obstáculos a um processo que consideravam mais importante do que qualquer discordância passada: A reunificação de 1963 parece, assim, traçar uma via permitindo evitar as tentações sectárias e a procura de atalhos e de substitutos. Os seus artífices concordam em não abrir a questão dolorosa. Inicia-se então uma dinâmica de saída do “entrismo”, sem balanço nem clareza (BENSAÏD, 2008, p.100).

O Congresso de reunificação de 1963 tem como documento mais importante o “Dynamics of World Revolution Today”, que registrava as bases dos acordos entre as partes e “encarnava as conclusões alcançadas por uma grande maioria dos trotskistas em todo o mundo como consequência dos gigantescos levantes do período pós-guerra” (FRANK, 1973, p.102). Outro documento político importante adotado tinha como assunto o conflito sino-soviético e a situação na URSS e em outros países considerados Estados operários. Foi também nesse congresso que uma nova liderança foi eleita, tendo como principais dirigentes Ernest Mandel, Pierre Frank, Lívio Maitan e Joseph Hansen. 27

As análises dessas organizações acerca da Revolução serão tratadas no Capítulo 3.

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Após o Congresso também ocorreu outra grande mudança nas fileiras trotskistas. Aquele que era considerado o maior responsável pela cisão de 1953, Michel Pablo, deixou a IV Internacional em 1964. Os desacordos de Pablo sobre o conflito sino-soviético e sobre a luta de libertação na Argélia o afastaram do movimento trotskista, fazendo Mandel despontar como principal teórico e dirigente europeu. Pode-se dizer que, em grande medida, a conquista do poder pelos guerrilheiros cubanos fez com que dez anos depois da cisão de 1953, parte das “tribos em diáspora” considerasse que seus acordos eram maiores do que o que lhes separava. Mas, mesmo que “uma grande maioria das forças trotskistas” (ibid., p. 106) tivesse se reunido novamente no SU, essa ainda estava longe de ser a base mais sólida da história dessa organização: A partir dessa ruptura de 1953 começou o processo de dispersão da IV Internacional. Em 1963 houve uma reunificação em torno do apoio à Revolução Cubana, porém importantes forças do trotskismo ficaram de fora, como os franceses e a maioria dos ingleses. Não se conseguiu reconstruir uma verdadeira organização democrática centralizada e o processo de dispersão continuou (SAGRA, 2010, p.176-177).

OS TROTSKISMOS: UMA LONGA MARCHA Uma história mais recente do movimento trotskista deve levar em conta as divergências surgidas após a II Guerra Mundial e a morte daquele que foi o principal dirigente dessa organização, Leon Trotsky. Como enfatizado por Alexander (1973), ainda que marcado por divisões, o trotskismo tem sido uma importante força de oposição: o trotskismo foi, assim, o mais persistente movimento de oposição dentro do Comunismo Internacional. Primeiro aparecendo na cena da política mundial como um resultado da luta por poder na União Soviética, após a morte de Lenin, o trotskismo ganhou adeptos em muitos países da Europa, assim como nos Estados Unidos e no Canadá, e algumas nações asiáticas e latinoamericanas. Ainda que o movimento tenha permanecido relativamente unido durante a vida de Trotsky, foi submetido a uma série de divisões desde a sua morte. Os seus seguidores divergiram consideravelmente na interpretação e aplicação das doutrinas desenvolvidas por ele (ALEXANDER, 1973, p.33).

Após a reunificação de 1963, e a formação do SU, muitos acontecimentos influenciaram na organização das fileiras trotskistas, tanto daquelas que foram unificadas, quanto daquelas que haviam se separado nesse processo. Como destaca

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Bensaïd, “se, no singular, o trotskismo remete para uma origem histórica comum, o termo serviu também para ser utilizado sem um prudente plural” (BENSAÏD, 2008, p.15). A origem histórica comum teve início em 1923 com a luta da Oposição de Esquerda e de Trotsky contra a direção de Stalin na URSS, culminando na fundação da IV Internacional em 1938. No entanto, a partir dos conhecimentos programáticos elaborados por Trotsky entre as duas guerras mundiais e os acontecimentos de todo um século, foram produzidas grandes diferenciações entre correntes que possuíam em comum a reivindicação do combate feito pelo revolucionário ucraniano. Por esse motivo, “é, portanto, mais conforme a realidade falar em trotskismos no plural, em vez de do trotskismo no singular” (ibid., p.16, grifo do autor). A utilização no plural também evita a proclamação de um “verdadeiro” trotskismo (Cf. BIANCHI, 2012a). É nesse sentido que, para compreender a história do trotskismo após 1963, é necessário entender que se trata muito mais da história dos trotskismos, plural tanto em sua variedade quanto em suas divergências. Em 1963, como visto anteriormente, o SU reuniu parte considerável dos trotskistas, mas a pluralidade do movimento já se fazia presente, posteriormente dando origem às seguintes organizações trotskistas: 1) O Secretariado Unificado (SU), que também enfrentou divergências que levaram a rupturas. Em 1969, no seu 9º Congresso Mundial (III Congresso da Reunificação), a polêmica ocorreu em torno da defesa da guerra de guerrilhas, resolução que acabou sendo aprovada. A maioria, favorável à essa questão, deu origem a Tendência Majoritária Internacional. A minoria, Tendência Leninista Trotskista (TLT) – mais tarde chamada de Fração Leninista Trotskista (FLT) -, que se opunha à guerrilha, era composta pelo SWP estadunidense e pelo PST argentino, dirigido por Nahuel Moreno. Em 1977, o apoio do SWP ao “castrismo” e a discussão sobre a Revolução Angolana levaram à dissolução da FLT (MARQUES, 2007). Os setores divergentes do SWP formaram a Fração Bolchevique (FB), da qual participava o PST argentino, que em 1982, juntamente com outras organizações

latino-americanas

fundou

a

Liga

Internacional

Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI), até hoje existente.

38

dos

2) A Socialist Labour League (SLL) inglesa, liderada por Healy, e a então Organisation

Communiste

Internationaliste

(OCI),

de

Lambert,

continuaram se reivindicando como Comitê Internacional, mas não por muito tempo. Com divergências que foram se acumulando, em 1971 a SLL realizou sua Conferência Internacional – sem a participação da OCI – na qual se definiu como IV Internacional, mais tarde conhecida como Healysmo, devido ao nome de sua principal liderança. A SLL foi mais tarde renomeada como Workers Revolutionary Party (WRP), mas acabou implodindo por divergências internas na década de 1980. 3) Já a OCI, realizou em 1972 uma conferência reconhecendo o fim do Comitê Internacional e aprovou a formação do Comitê de Organização pela Reconstrução da Quarta Internacional (CORQUI). O CORQUI contou com o apoio da Política Obrera (PO), uma organização trotskista argentina, e com o Partido Operário Revolucionário (POR), da Bolívia, dirigido por Guillermo Lora e também recebeu apoio do Partido Operário Marxista Revolucionário (POMR), do Peru. O CORQUI reconhecia que a divisão e a dispersão do movimento trotskista caracterizavam uma situação em que a IV Internacional não existia, organizativamente (COGGIOLA, 1984; SILVA, 1987). Anos mais tarde, Lambert, juntamente Daniel Gluckstein, outro dirigente francês, e com outras organizações entram em acordo para a reproclamação da IV Internacional, que aconteceu em 1993. Após a morte de Lambert, em 2008, Glukstein tornou-se o principal dirigente. 4) A IV Internacional Posadista foi proclamada por Juan Posadas em 1962, após sua ruptura com o CI. Apesar da morte de seu líder em 1981, o grupo continua existindo até hoje.

As ramificações apresentadas acima buscam indicar, de forma resumida e simplificada, como se deu o desenvolvimento do movimento trotskista após o evento que para alguns foi a reunificação e, para outros, a dispersão. Desde 1963 o mundo passou por diversas transformações históricas que levaram essas correntes a se unirem, divergirem, implodirem, ou reproclamarem “a IV Internacional”. Além das organizações citadas acima, atualmente se conclamam como IV Internacional: a

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Unidade Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (UIT), com seções que romperam com a LIT-QI; o Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT), fundado em 1974 na Grã-Bretanha; a Tendência Marxista Internacional (TMI), fundada nos anos 1990 após uma ruptura com o CIT; a Coordenação para Refundação da Quarta Internacional, formada em 2004, com o Partido Obrero (PO) argentino como sua maior seção; a Liga Comunista Internacional – Quarta Internacional (LCI-QI), originada de uma tendência do SWP estadunidense chamada Liga Espartaquista; e a Tendência Socialista Internacional (TSI), formada principalmente pelo Socialist Workers Party (SWP) da Grã-Bretanha.

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CAPÍTULO 2 – A IV INTERNACIONAL E A AMÉRICA LATINA: ORIGENS E ESPECIFICIDADES A história do movimento trotskista na América Latina não pode ser considerada separadamente do desenvolvimento desse movimento no restante do mundo. Em primeiro lugar porque se trata de uma organização que tem no internacionalismo sua razão de ser; em segundo, porque é por meio do contexto mundial, do ritmo dos conflitos sociais que também marcam a periodização da vida dessas organizações que podemos compreender esse movimento na América Latina. No entanto, entende-se que há certas particularidades, próprias da especificidade do continente, que devem ser levadas em conta. Como afirma Pierre Broué: Haveria, como pretendem alguns, uma “excepcionalidade” do trotskismo latino-americano? Não creio, embora incontestavelmente os trotskistas latinoamericanos sejam muito diferentes de seus camaradas de outros continentes (BROUÉ, 2005, p.189).

Nesse capítulo, busca-se narrar algumas dessas diferenças para que a posterior compreensão de suas ideias tenha maior sentido em relação ao contexto em que foram produzidas. Dessa maneira, faz-se uma breve consideração acerca das origens e características do trotskismo latino-americano para, posteriormente, destacarmos o surgimento dos primeiros grupos e partidos. Destaca-se também a centralidade do trotskismo argentino e a formação das duas organizações que serão objeto de estudo nos próximos capítulos, o Bureau Latino Americano (BLA) e o Secretariado Latino Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO). Por fim, abordaremos a cisão empreendida por Juan Posadas em 1962, posteriormente conhecida como “posadismo”.

AS

ORIGENS

E

CARACTERÍSTICAS

DO

TROTSKISMO

LATINO-

AMERICANO Em seu livro Trotskyism in Latin America, de 1973, o historiador Robert Alexander afirma que o trotskismo tem sido uma pequena, mas persistente força política da esquerda latino-americana desde os anos 1930: Os trotskistas tiveram pequenos partidos em cerca de metade dos países latino-americanos. Eles têm sido persistentes em suas atividades apesar de

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seu pequeno número de membros e sua pequena influência no movimento operário ou na política de seus respectivos países. Não foram capazes de combinar a coesão e a disciplina organizacionais dos partidos comunistas ortodoxos, mas continuaram ativos e são força importante da extrema esquerda na política latino-americana (ALEXANDER, 1973, p.44).

Para compreender o contexto diferenciado de formação desses partidos e grupos é importante vincular o seu surgimento ao período da história do marxismo latino-americano que Löwy (2012) denominou “período stalinista”, no qual a interpretação soviética do marxismo seria hegemônica. O que se entende como “stalinização” nos partidos comunistas é a criação, em cada partido, de um “aparelho dirigente – hierárquico, burocrático e autoritário – intimamente ligado, do ponto de vista orgânico, político e ideológico, à liderança soviética e que seguia fielmente todas as mudanças de sua orientação internacional” (LÖWY, 2012, p.27). Nesse momento, a orientação da Internacional Comunista havia sido traçada em 1928 no seu VI Congresso e tinha como base para sua atuação política a ideia do “terceiro período”. O primeiro período teria acontecido de 1917 a 1924, considerado como a crise do capitalismo e o ascenso revolucionário; o segundo, de 1925 a 1928, de estabilização do capitalismo; e o terceiro, vivido após 1928, entendido como o momento final do capitalismo. Para justificar como se daria o “terceiro período” em todo o mundo, os países foram divididos em três grupos: os de capitalismo altamente desenvolvido, nos quais haveria as condições para se instaurar a ditadura do proletariado; os de nível médio, que buscariam conquistas democrático-burguesas antes que a revolução se tornasse socialista; os países coloniais, semicoloniais e dependentes – maioria dos países latino-americanos – nos quais a chegada à ditadura do proletariado seria possível através de etapas preparatórias, que seriam resultado da transformação da revolução democrático-burguesa em revolução socialista. Esses países chegariam a essa condição apenas por meio da ajuda daqueles que viviam sob a ditadura do proletariado, pois não conseguiriam esse resultado por eles mesmos (KAREPOVS; MARQUES NETO, 2013). Em resumo, guiados por uma tendência eurocentrista de explicação das realidades latino-americanas, os partidos comunistas do continente entendiam que as condições econômicas e sociais na América Latina não estariam amadurecidas para uma revolução socialista. O objetivo desses PCs era concretizar uma etapa histórica nacional-democrática, que seria anti-imperialista e antifeudal.

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Embora a corrente stalinista tenha sido hegemônica na esquerda marxista do continente, outras tendências críticas surgiram para defender outro tipo de comunismo para a região, como foi o caso da corrente inspirada nas ideias de Trotsky. A concepção da “revolução permanente”, defendida por Trotsky e pelos seus seguidores latinoamericanos, divergia consideravelmente do que era proposto pelos partidos comunistas alinhados à Internacional Comunista (IC). Nessa perspectiva, a revolução permanente combinaria “tarefas democráticas, agrárias, nacionais e anticapitalistas, e a rejeição de uma aliança estratégica com a burguesia local, considerada incapaz de desempenhar um papel revolucionário significativo” (LÖWY, 2012, p.35). É importante ressaltar que antes da fundação da IV Internacional em 1938, aqueles que possuíam acordo com as ideias de Trotsky estavam organizados na chamada Oposição de Esquerda Internacional, que congregava muitas seções de partidos comunistas críticas ao regime stalinista. Adeptos dessa perspectiva surgiram na América Latina, principalmente, de cisões dos partidos comunistas – as exceções são a Bolívia e o Uruguai, nos quais esses grupos surgiram independentemente da existência dos partidos comunistas ortodoxos (Cf. ALEXANDER, 1973). Para Pierre Broué (2005), a história da Oposição de Esquerda e da IV Internacional, na América Latina, diferiria em alguns pontos daquela da Europa por sua pré-história e por seu contexto diferenciado. Nesse continente, partes inteiras de partidos comunistas, ou ao menos importantes frações de seus quadros passaram à Oposição de Esquerda e mais tarde à IV Internacional, como é o caso do Brasil, de Cuba e do Chile. No que se refere à quantidade de militantes, algumas dessas seções acabaram maiores que os partidos comunistas “oficiais”, visto que esses também estavam longe de ser partidos de massa. Essa seria uma situação que não tinha equivalente na Europa. Entretanto, ainda que pudessem ser comparadas numericamente aos partidos da Internacional Comunista (IC), sua extraordinária fragilidade política e sua existência efêmera não permitiam maiores aproximações. Alexander (1973) faz um panorama geral da existência dessas organizações na América Latina: O trotskismo tem sido um elemento relativamente menor no espectro dos partidos de esquerda na América Latina. Os grupos da Quarta Internacional têm existido em apenas cerca de metade dos países da região, e com uma ou duas exceções nunca foram grandes partidos mesmo na política de esquerda dessas nações. Contudo, até a década de 1960 eles foram os principais rivais marxistas-leninistas dos comunistas nessa área, e seus esforços persistentes para se tornarem sérios competidores pelo poder político, apesar dos

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fracassos contínuos da falta de qualquer apoio substancial do exterior, são notáveis (ibid., p.35).

Em contraste com a situação dos PCs, nenhum dos partidos e grupos associados ao trotskismo foi estabelecido com base em esforços internacionais para sua construção. De acordo com Coggiola (1984), a criação desses partidos com independência da Oposição de Esquerda Internacional mostraria que a formação do trotskismo não se devia apenas a uma luta pelo poder na URSS, mas expressaria também uma tendência de todo o movimento comunista e operário internacional. A relação desses partidos com a IV Internacional também manteve essa mesma característica de seu surgimento, ou seja, cultivou relativa independência e pouca interferência internacional. Dentre as principais características dos partidos trotskistas latinoamericanos estavam: 1) a pequena quantidade de militantes; 2) a maior presença nas capitais dos países e em uma ou duas cidades maiores, visto que em virtude do pequeno número de membros tornava-se mais difícil manter bases ao longo de todo o país; 3) a unidade e a disciplina de seus membros, que nunca foi como a dos partidos comunistas ortodoxos por uma série de motivos - não possuíam uma rígida linha a seguir como aquela que Moscou fornecia aos PCs; não tinham subsídios consideráveis; não praticavam o “turismo político” em países como URSS, China e leste europeu; não tinham a capacidade de punir os membros que violassem a disciplina do partido; faltava-lhes a grande imprensa capaz de destruir a reputação daqueles que rompessem com seus partidos; não havia meios para pagar funcionários do partido ou do sindicato; 4) muitos dos líderes trotskistas latino-americanos vieram da classe trabalhadora, ainda que também fossem recrutados membros de outras classes e grupos; 5) a experiência na política eleitoral era pequena, com a atividade política concentrada nos sindicatos, na publicação de panfletos e jornais regulares e, em alguns momentos, na participação nas guerrilhas (Cf. ALEXANDER, 1973).

OS PRIMEIROS GRUPOS E PARTIDOS Segundo Coggiola (1984), nos anos 1930 surgiram grupos ou partidos trotskistas em oposição à política dos partidos comunistas nos seguintes países:

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Argentina, Uruguai, Chile, Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Costa Rica, México, Cuba, Panamá e Porto Rico. De forma breve, analisaremos os influxos iniciais do movimento trotskista em alguns desses países. É ainda Coggiola (1984, p.30) quem afirma que “a organização trotskista mais forte neste período é, sem dúvida, a do Brasil”. A oposição de esquerda surge no país a partir de um processo cumulativo de dissensões, surgidas nas fileiras do Partido Comunista Brasileiro (PCB) entre os anos de 1927 e 1929 (KAREPOVS; MARQUES NETO, 2013). As motivações oposicionistas estavam associadas, principalmente, a discordâncias com a linha de ação pecebista. A primeira manifestação de divergência que teria culminado na formação da oposição de esquerda ocorreu em virtude da aproximação do PCB com Luís Carlos Prestes, ainda principal liderança do movimento tenentista, que já flertava com o comunismo. Rodolfo Coutinho, um dos fundadores do PCB, e Joaquim Barboza, secretário sindical do PCB, defendiam que essa postura seria uma traição ao proletariado, tendo em vista que consideravam o tenentismo como um movimento pequeno burguês (ibid.). Outras discordâncias e a volta do militante Mario Pedrosa da Alemanha,28 onde acompanhou os primeiro passos da constituição da Oposição de Esquerda Internacional, levaram à formação do primeiro grupo trotskista brasileiro: o Grupo Comunista Lênin (GCL), que em maio de 1930 passou a editar o jornal A Luta de Classe.29 Além de Pedrosa, seus principais dirigentes eram Lívio Xavier, Rodolfo Coutinho, João Dalla Déa e Wenceslau Escobar Azambuja.

28

Mario Xavier de Andrade Pedrosa (1905-1981), advogado, jornalista e crítico de arte, foi um destacado intelectual e jovem dirigente do PCB no final dos anos 1920. Foi enviado a Moscou para frequentar a Escola Leninista, mas acabou desistindo e ficando na Alemanha (depois indo à França), onde teve contato com militantes trotskistas. Em 1938, foi o único latino-americano a estar presente na fundação da IV Internacional. Foi eleito dirigente da organização, mas afastou-se do movimento alguns anos depois. Ver: MARQUES NETO, José Castilho. Solidão Revolucionária: Mário Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993; e KAREPOVS, Dainis. Mario Pedrosa e IV internacional (1938-1940). In: MARQUES NETO, José Castilho (Org.). Mario Pedrosa e o Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 2001, p.99-130. 29 O jornal A Luta de Classe foi o órgão dos trotskistas brasileiros e de suas sucessivas organizações até 1952, quando foi substituído pelo jornal Frente Operária, organizado pelo Partido Operário Revolucionário (POR). O Frente Operária foi, de 1952 a 1968, o único jornal a reivindicar as ideias trotskistas no Brasil (LEAL, 2003, p.35).

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Em 1931, publicou-se o texto “Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil”, de autoria de Mario Pedrosa e Lívio Xavier.30 Esse texto, de acordo com Karepovs e Marques Neto (2013), foi um marco na história do marxismo brasileiro (...) primeiro esforço sério no sentido compreender as especificidades da formação brasileira sob um ponto de vista marxista, e nele foram examinados, desde o período colonial, passando pela escravidão, as características do capitalismo brasileiro, os impasses da centralização do poder no federalismo brasileiro e as forças políticas em luta naquele momento (KAREPOVS; MARQUES NETO, 2013, p.130).31

O “Esboço...” representou o primeiro momento em que as bases da Oposição de Esquerda no Brasil foram fundamentadas, traçando-se as diferenças principais com as teses do PCB. Esse texto serviu como base da interpretação política dos trotskistas brasileiros durante muitos anos, sendo, décadas depois, retomado por intelectuais do meio acadêmico para explicar e compreender a chamada “revolução de 1930” (ibid., p.30). Após o surgimento do GCL, as organizações trotskistas que o sucederam, até os nos 1950, foram: a Liga Comunista do Brasil (LC), de 1931 a 1933; a Liga Comunista Internacionalista (LCI), de 1933 a 1937; o Partido Operário Leninista (POL) de 1937 a 1939; essas constituindo a chamada “primeira geração” do trotskismo brasileiro;32 e de 1939 a 1952, o Partido Socialista Revolucionário (PSR). No Chile, a Oposição de Esquerda tem origem na luta antiburocrática no interior do Partido Comunista, iniciada em 1929. Durante a ditadura de Carlos Ibáñez (1927-1931) ocorreu uma brutal repressão ao PC chileno, que acabou perdendo o 30

Para Coggiola, o “Esboço...” “juntamente com o livro de Caio Prado Jr., A evolução política do Brasil, e A caminho da revolução operária camponesa, de Leôncio Basbaum, esses textos podem ser considerados os três principais produzidos pela esquerda brasileira na década de 1930” (COGGIOLA, 2003, p.247). 31 O texto “Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil” foi publicado originalmente em A Luta de Classe, nº6, Rio de Janeiro, fev.- mar., 1931. Posteriormente foi publicado em ABRAMO, Fulvio; KAREPOVS, Dainis (Orgs.). Na contracorrente da história: documentos da Liga Comunista Internacionalista, 1930-1933. São Paulo: Brasiliense, 1984. 32 Para um aprofundamento da história das primeiras organizações trotskistas brasileiras ver: KAREPOVS, Dainis, LÖWY, Michel, MARQUES NETO, José Castilho. Trotsky e o Brasil. In: MORAES, João Quartim de. História do Marxismo no Brasil - Os influxos teóricos. Campinas: Unicamp, 1995, v.2, p. 223-246; KAREPOVS, Dainis; MARQUES NETO, José Castilho. Os trotskistas brasileiros e suas organizações políticas (1930-1966). In: RIDENTI, Marcelo; REIS, Daniel Aarão. (orgs.). História do Marxismo no Brasil – Partidos e organizações dos anos 20 aos 60. Campinas: Unicamp, 2013, v.5, p.103-155; MARQUES NETO, José Castilho; KAREPOVS, Dainis. O trotskismo e os trotskistas: os anos 1920 e 1930. In: FERREIRA, Jorge; REIS FILHO, Daniel Aarão (org.). A formação das tradições (18891945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p.379-406. Há também o texto de Osvaldo Coggiola, que abrange um período maior: COGGIOLA, Osvaldo. O trotskismo no Brasil (1928-1964). In: MAZZEO, Antonio Carlos; LAGOA, Maria Isabel; AGOSTI, Aldo (coaut.). Corações vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São Paulo, SP: Cortez, 2003, p. 239-269.

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contato com a Internacional Comunista (IC). Durante esse período, Manuel Hidalgo Plaza assumiu a direção do partido. No entanto, quando as relações com a IC foram reestabelecidas, instituiu-se um outro PC chileno, encabeçado por Elias Lafferte. Na disputa entre o PC “Hidalgo” e o PC “Lafferte”, o segundo foi reconhecido como seção oficial da IC. De acordo com Coggiola (1984), os hidalguistas foram em direção à Oposição de Esquerda após esse acontecimento, pois compreenderam o alcance internacional de suas divergências com a IC. Em 1933 fundaram a Esquerda Comunista Chilena, publicando o jornal Izquierda. A organização perdurou até 1936, sendo sucedida pelo Partido Obrero Revolucionario (POR) em 1937, continuador do trotskismo no país. De acordo com Alexander (1973), o Chile foi o primeiro país na América Latina no qual os trotskistas tiveram certo significado na política nacional.33 Em Cuba, a Oposição de Esquerda se formou sob a ação do dirigente operário comunista, e líder negro, Sandalio Junco, cuja história se confunde com o próprio desenvolvimento do movimento trotskista nesse país.34 Convergindo com a chamada Ala Esquerda Estudantil, constitui-se em 1933 o Partido Bolchevique Leninista (PBL). Segundo Broué (2005, p.177), “contava com centenas de militantes e alguns asseguravam que era mais numerosa que o partido oficial”. O PBL conseguiu considerável influência entre os trabalhadores organizados no início dos anos 1930, mas enfrentou um declínio grande quando seus principais líderes deixaram suas fileiras, principalmente por questões relacionadas às políticas nacionalistas (ALEXANDER, 1973). O PBL, ainda que enfraquecido, aderiu à IV Internacional em 1938, e tempos depois mudou seu nome para Partido Operário Revolucionário (POR). Fazia parte igualmente da direção do POR, Pablo Díaz, que participaria mais tarde, com Fidel Castro e Che Guevara, da expedição do Granma.35 Para Coggiola, as cisões dos partidos comunistas mais importantes são as que levaram à formação de movimentos trotskistas no Brasil, no Chile e em Cuba (COGGIOLA, 1984, p.18). Segundo Broué (2005, p.179), “estas organizações jogaram 33

Sobre o surgimento do trotskismo no Chile ver: MIRANDA, Nicolás. Contribución para una historia del trotskismo chileno (1929-1964). Santiago: Clase contra Clase, 2000. 34 Sandalio Junco (1894-1942), padeiro, era um dos raros dirigentes negros do Partido Comunista de Cuba. Havia militado com Julio Antonio Mella, principal figura do comunismo cubano dos anos 1920. 35 Para uma análise mais aprofundada dos anos iniciais do trotskismo cubano e de sua história ver: SOLER, Martinez Rafael. El trotskismo na revolución del 1930. Tese (Doutorado) - Universidade de Oriente, Faculdade de Ciências Sociais e Humanísticas, Departamento de História, Santiago de Cuba, 1997; TENNANT, Gary Andrew. Dissident Cuban Communism: The Case of Trotskyism (1932-1965). Tese (Doutorado) – Universidade de Bradford, Inglaterra, 1999.

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um papel relativamente importante na história contemporânea de seus respectivos países”. Os trotskistas brasileiros foram muito importantes na organização da resistência às primeiras ondas fascistas, participando do confronto armado ocorrido na Praça da Sé, em outubro de 1934, contra os integralistas. A Esquerda Comunista do Chile esteve presente nas lutas dos operários chilenos da construção civil, especialmente os pedreiros de Santiago, além de ter possuído um papel fundamental em 1935 na constituição do Bloco de Esquerdas, antecessor da Frente Popular no Chile. Os trotskistas cubanos, além de controlarem a Federação Operária de Havana, estiveram presentes na revolução de 1933,36 tendo seus principais quadros disputados por parte das formações nacionalistas (BROUÉ, 2005). No entanto, mesmo que tenham sido numericamente fortes, essas seções, como tantas outras na América Latina, sofreram com a fragilidade política e com a existência efêmera. A violência e a repressão, características das sociedades latinoamericanas contribuíram muito para esse destino, ainda que a responsabilidade por muitas derrotas fosse, acima de tudo, política. Os trotskistas estavam inseridos “em um corpo social marcado pela violência e as armas de fogo” (ibid., p.189). Após o momento inicial de formação, essa primeira categoria, das grandes organizações, acabou desaparecendo e dando lugar a uma segunda, marcada por pequenos grupos dominados por rivalidades pessoais, como veremos adiante, com o caso argentino.

O TROTSKISMO ARGENTINO COMO CENTRO LATINO-AMERICANO O período posterior à II Guerra Mundial impactou consideravelmente a recém-criada IV Internacional, como visto anteriormente, afetando também o trotskismo latino-americano. Em primeiro lugar, porque as influências revolucionárias não vieram mais de Moscou ou do restante da Europa, mas sim dos Estados Unidos: “a IV 36

Em 1898, Cuba havia conseguido sua independência da Espanha com a ajuda do governo dos Estados Unidos, o que consolidou a dominação norte-americana sobre a ilha nas décadas seguintes. Os governos cubanos subsequentes foram uma sucessão de regimes autoritários que sofreram constante intervenção militar dos Estados Unidos. Nos anos 1930, com a queda do preço do açúcar após a I Guerra Mundial e a Crise de 1929, ocorreu um movimento de oposição à intervenção norte-americana na ilha. A chamada “Revolução de 1933” aglutinou diversos segmentos da sociedade – estudantes universitários, trabalhadores do campo e das cidades – que derrubaram o então presidente Gerardo Machado. De acordo com José Mao Junior (2005), a ascensão do coronel Fulgêncio Batista ao poder, logo em seguida, evidenciou o fracasso da revolução, mas também faz com que emergissem forças políticas, representações ideológicas e métodos de luta que mais tarde seriam cruciais para a Revolução de 1959.

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Internacional não vinha mais com os ventos do leste, mas sim com os do norte” (ibid., p. 191). No entanto, os “ventos do norte” parecem ter sido ainda mais fracos que os “do leste”, visto que o trotskismo latino-americano acabou se desenvolvendo com um grau ainda maior de independência. Essa independência levou a um segundo fato importante acerca do período: a configuração do movimento trotskista no continente foi alterada com o trotskismo argentino transformando-se em uma “espécie de centro latinoamericano” (COGGIOLA, 1984, p.49). Isso teria ocorrido em virtude do país ser o mais desenvolvido do continente e pelo fenômeno do peronismo colocá-lo no centro do cenário político, como veremos adiante. As principais correntes trotskistas argentinas que se constituíram ao longo dos anos 1940 distinguiram-se pela sua atitude em relação ao peronismo. Segundo Alexander, após o golpe de Estado que colocou Perón no poder em junho de 1943, “a questão ideológica mais decisiva entre os trotskistas foi como interpretar o fenômeno peronista e como determinar qual atitude os trotskistas deveriam tomar em relação a isso” (ALEXANDER, 1973, p.59). A maneira como os vários grupos trotskistas reagiram ao peronismo estava intimamente associada aos seus entendimentos sobre a “libertação nacional”, questão sempre presente na esquerda marxista do continente e de difícil resolução prática. Nesse período, destacaram-se o Grupo Cuarta Internacional (GCI), de Juan Posadas e o Grupo Obrero Marxista (GOM), de Nahuel Moreno – grupos que costumam ser reconhecidos mais pelo nome de seus principais dirigentes do que pela denominação das organizações, visto que mudaram frequentemente de nome (LÖWY, 2005).37 O grupo de Posadas passou a editar, a partir de junho de 1947, o jornal Voz Proletaria, que, de 1951 a 1962, foi considerado o órgão oficial da IV Internacional na 37

O grupo de Moreno recebeu as seguintes denominações: Grupo Obrero Marxista (GOM), de 1943 a 1948; Partido Obrero Revolucionario (POR), de 1948 a 1956 – publicamente — Federación Bonaerense del Partido Socialista (Revolución Nacional) entre 1954 e 1955; Movimiento de Agrupaciones Obreras, entre 1956 e 1957; Palabra Obrera, nome de seu periódico, de 1957 a 1965; como Partido Revolucionario de los Trabajadores (PRT) a partir de 1965, e PRT- La Verdad, depois da cisão dessa organização em 1968; Partido Socialista de los Trabajadores (PST) entre 1972 e 1982; Movimiento al Socialismo (MAS), a partir de 1982; e Partido Socialista de los Trabajadores Unificados (PSTU), a partir de 2011. Segundo González (1995, p.11) “cada uma dessas mudanças respondeu a diferentes situações da luta de classes e da orientação e tática que se consideraram mais adequadas para esse momento. Existe, desse modo, uma linha de continuidade expressa por seus quadros e pela perspectiva de construção de um partido operário revolucionário internacionalista”. O Grupo de Posadas foi rebatizado, ainda nos anos 1940 de Partido Obrero (Trotskista) – PO (T) (ALEXANDER, 1991, p.42).

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Argentina. Nessa primeira edição já havia uma interpretação definida sobre o governo peronista, visto como representante da burguesia industrial interessada no crescimento do mercado interno, o típico caso do governo nacionalista de uma semicolônia. Entretanto, como destaca o historiador Murilo Leal, (...) o foco das atenções de Voz Proletaria estava voltado para o problema das relações entre o governo e a classe operária. A ideia era de que o operariado, mesmo seguindo um movimento dirigido por uma facção burguesa, mantivesse ativo um potencial e mesmo uma atividade autônoma (LEAL, 2003, p.46).

No que se refere aos sindicatos, o grupo de Posadas afirmava que eram sindicatos operários, mas que estavam sendo dirigidos por uma burocracia que respondia aos interesses do governo e da burguesia nacional. Ainda de acordo com Leal (2003), a novidade nas posições do GCI estaria no seu entendimento sobre o apoio operário ao peronismo como parte da construção de uma experiência política de classe em que essa participaria ativamente, afirmando sua identidade ainda que mediada e distorcida por representações burguesas nacionalistas. Mesmo que a análise simplificasse a condição de Perón como representante da burguesia industrial, apresentaria uma valorização do papel do operariado como uma força ativa no movimento. Já o grupo de Moreno, caracterizou o governo peronista, inicialmente, como fascista ou semifascista. De acordo com González (1995, p.10), essa corrente via somente um aspecto do peronismo, entendido como a representação da velha estrutura do país, ligada à produção agrícola e dependente do imperialismo inglês. No entanto, mais tarde passaram a compreender que, por essa mesma razão, o peronismo oferecia uma relativa resistência à penetração do imperialismo estadunidense, o que seria determinante. Foi a partir da ligação efetiva com a IV Internacional que González acredita que o grupo de Moreno adquiriu uma visão internacionalista, estudando a realidade em que se inseria e fazendo uma autocrítica para a posterior reorientação de sua política. Esse processo de reelaboração acerca do peronismo teria começado em 1948 e acabado somente em 1954, quando se uniram a um partido peronista de esquerda, o Partido Socialista de la Revolución Nacional. De acordo com Löwy (2005), tanto o grupo de Posadas quanto o de Moreno conquistaram uma base sindical que não era desprezível. Além disso, as posições acerca do peronismo acabaram os aproximando ao longo do tempo, mas isso não fez com que 50

as rivalidades entre ambos diminuíssem. Os dois grupos disputaram a representação da IV Internacional na Argentina e também a própria direção do movimento trotskista no continente, após a II Guerra Mundial (COGGIOLA, 1984, p.50).

O BUREAU LATINO-AMERICANO (BLA) E O SECRETARIADO LATINOAMERICANO DO TROTSKISMO ORTODOXO (SLATO) Foi somente em 1951, no III Congresso da Quarta Internacional, que o embate na América Latina foi definido, quando se declarou o grupo de Posadas como seção argentina da IV Internacional, encarregando-o de organizar o Bureau Latinoamericano (BLA) da Internacional. O Congresso encerrava, dessa maneira, um longo processo no qual os grupos concorriam para a condição de seção da IV Internacional. De acordo com as resoluções adotadas no Congresso: O III Congresso Mundial da IV Internacional decide-se pelo reconhecimento oficial do GCI da Argentina como Seção Argentina da Internacional. Este reconhecimento baseia-se nas seguintes considerações, amplamente analisadas no informe apresentado pela Comissão latino-americana ao Congresso Mundial: a) A compreensão das massas na Argentina e na América Latina em geral que mostrou essa organização (...); b) Os esforços práticos que efetuou para penetrar nesse movimento em seu próprio país; c) Sua seriedade organizativa; d) Seu apego político e prático à Internacional, apego do qual deu repetidas e sólidas provas. O Congresso convida a todos os trotskistas da Argentina que apoiam a IV Internacional a aderir-se à seção oficial brindando-lhe toda ajuda e apoio possível. (BOLETIN DEL SECRETARIADO INTERNACIONAL DE LA IV INTERNACIONAL, 1951 apud LEAL, 2003, p.45).

Ainda que a situação da representação da IV Internacional na América Latina estivesse solucionada, os demais acontecimentos do período não deixavam a situação menos complicada, pois os anos 1950 foram especialmente difíceis para o movimento trotskista. Na América Latina, Löwy (2005) destaca que essa foi uma época de crises, divisões e marginalizações, mas também um período de participação nas grandes lutas operárias e populares, e até nos movimentos revolucionários de massa, em certos países. Além disso, a particularidade latino-americana estava também associada ao grande número de regimes populistas na região: Perón, na Argentina (1944-1955); Vargas, no Brasil (1950-1954); Paz Estensorro, na Bolívia (1952-1956); Jacobo Arbenz, 51

na Guatemala (1951-1954). Esses governos se amparavam em mobilizações populares para realizar reformas e desenvolver a indústria nacional, e alguns dos mais importantes movimentos sociais dessa época foram dirigidos por forças de tipo populista (LÖWY, 2005, p.201). Aos trotskistas latino-americanos estava colocado o desafio de compreender esses acontecimentos e buscar a inserção política que almejavam, ou se aliando a esses movimentos populares e fazendo a crítica de dentro ou construindo-se de forma independente. Foi da Bolívia que vieram os primeiros desafios da década para o movimento trotskista na América Latina. De acordo com Sagra (2010, p.175), a “Bolívia foi, talvez, o único país onde existiu a possibilidade de que uma seção da IV Internacional tomasse o poder durante o pós-guerra. Isso poderia haver mudado a história do continente”. Em abril de 1952 eclodiu uma revolução operária, na qual os trabalhadores organizaram milícias e derrotaram militarmente a polícia e o exército. Esses trabalhadores possuíam aspirações nacionalistas e democráticas radicais - o que fez com que alguns caracterizassem essa revolução como “democrático-burguesa” e outros como “nacional-popular”. De acordo com Löwy (2005), o Partido Obrero Revolucionario (POR) boliviano,38 que possuía grande influência, especialmente nos trabalhadores de minas, deu apoio crítico ao Movimiento Nacional Revolucionario (MNR) de Paz Estenssoro e de Juan Lecchin, tendo conquistado por alguns meses a posição hegemônica à frente da Central Obrera Boliviana (COB), uma central operária. Estenssoro chegou a expropriar minas de estanho e decretar a reforma agrária por pressão das bases populares, mas não tolerou a ameaça que representava a COB, influenciada pelas teses trotskistas. O MNR dirigiu uma ofensiva contra o POR, retomando o controle dessa central operária. A partir de então, o POR sofreu uma grave crise e a Revolução Boliviana acabou não sendo acompanhada por transformações econômicas e sociais mais profundas. A política para a Revolução Boliviana abriu uma polêmica no trotskismo latino-americano. Para alguns setores desse movimento, a aliança com o MNR foi uma

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Desde a década de 1940 o POR ganhou enorme influência no movimento operário. Em suas fileiras havia importantes dirigentes mineiros, fabris e camponeses. Seu principal dirigente, Guillermo Lora, foi o redator das Teses de Pulacayo, uma adaptação do Programa de Transição à realidade boliviana, adotadas pela Federação de Mineiros em 1946.

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grande “traição à revolução”, associada à nova orientação da IV Internacional para o período. Deve-se lembrar que as resoluções do III Congresso, de 1951, confirmaram a linha política proposta por Michel Pablo acerca do “entrismo sui generis”. Dessa forma, na Bolívia, o “entrismo” significou a orientação de apoiar criticamente o MNR. Como visto anteriormente Na ruptura da IV Internacional em 1953, devido às discordâncias sobre as teses defendidas por Pablo, formou-se o Comitê Internacional (CI), em oposição ao Secretariado Internacional (SI). O CI, na América Latina, recebeu o apoio da corrente de Moreno, para o qual a tática proposta por Pablo já havia causado a “traição à revolução” na Bolívia. Em 1954 constituiu-se o Comitê Latino Americano do Trotskismo Ortodoxo, rebatizado em 1956 de Secretariado Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO), com a participação de seções trotskistas da Argentina, do Chile e do Peru. O SLATO considerava que havia uma crise de direção internacional, por isso sua intenção era avançar na criação dessa direção: Com o SLATO se buscava contar com um organismo que elaborasse uma estratégia para a América Latina, como parte da tarefa de formação da direção internacionalista. (...) O SLATO buscava dar os primeiros passos para superar essa carência de uma direção internacional, começando pelo nível regional (GONZÁLEZ, 1996, p.115-116).

BLA e SLATO constituíram as principais correntes trotskistas dos anos 1950 na América Latina, caracterizando no continente uma divisão que se apresentava internacionalmente. De acordo com Löwy (2005), durante os anos 1950, as organizações trotskistas influenciaram diversos países latino-americanos, como Argentina, Bolívia, Chile, Peru, Uruguai, Brasil, México e Cuba, além de núcleos na Colômbia, Equador e El Salvador. Na maioria dos países latino-americanos influenciados pelo trotskismo, os movimentos dividiram-se em grupos e frações antagônicas que se organizavam a partir da cisão da própria Internacional, representada por esses dois grupos. Esses seriam grupos reduzidos, com menos de uma centena de militantes, mas suas posições radicais e a dedicação de seus militantes asseguraram uma influência muito maior do que sua força de organização. Deve-se ressaltar que muito do isolamento desses grupos estava associado à repressão militar e policial, e à hostilidade dos stalinistas.39

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No Brasil, de acordo com o artigo 13 do estatuto do PCB, “os comunistas eram proibidos de manter relações pessoais, familiares ou políticas com os trotskistas. Ainda no começo dos anos 1950, o Comitê Central vigiava para que os comunistas não conversassem com os trotskistas” (LEAL, 2003, p.77).

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Para Coggiola (1984), o BLA desenvolveu-se com bastante independência de sua direção internacional, o Secretariado Internacional (SI). Seus grupos adquiriram força no movimento sindical argentino (metalúrgicos e têxteis) e chileno (metalúrgicos). Além disso, muitos militantes foram enviados para diversos países com a intenção de colaborar na formação de seções trotskistas associadas ao BLA. No Brasil, por exemplo, o delegado argentino do BLA, Guillermo Almeyra, chegou ao país em 1952 com o objetivo de estabelecer contatos com os trotskistas brasileiros, criar um grupo e editar um periódico. Estabeleceu contatos com ex-militantes do PSR, alguns membros do PSB (Partido Socialista Brasileiro) e iniciou a constituição de um pequeno núcleo alinhado ao BLA, que ainda em 1952 fundou o Partido Operário Revolucionário (POR), e passou a publicar o jornal Frente Operária (Cf. LEAL, 2003). O SLATO também teve uma postura independente de sua direção internacional, o Comitê Internacional (CI), atuando como tendência em nível latinoamericano e permitindo uma participação de forma centralizada no processo de revolução agrária no Peru. Hugo Blanco, estudante peruano e militante do POR argentino, foi enviado para Cuzco por orientação do SLATO, onde acabou liderando o processo de ocupação de terras e de organização sindical no campo. Para apoiar a luta no Peru, o SLATO enviou vários quadros, culminando na construção da Frente de Esquerda Revolucionária (FIR), orientada pelos trotskistas (SAGRA, 2010). Mas o final dos anos 1950 ainda guardava uma surpresa para o movimento trotskista na América Latina e para a esquerda mundial. A vitória dos revolucionários cubanos, no início de 1959, impactou profundamente os trotskistas, assim como a todos os grupos políticos de esquerda na América Latina. Segundo Coggiola, a “Revolução Cubana alterou todos os equilíbrios e provocou novos reagrupamentos políticos nos países latino-americanos. (...) Para o movimento trotskista, significou um desafio em todos os planos possíveis” (COGGIOLA, 1984, p.61). As frações da Quarta Internacional (SI e CI), e seus respectivos núcleos latino-americanos (BLA e SLATO), produziram interessantes análises sobre os significados dessa revolução, que levaram a mudanças em sua orientação política para a América Latina. Em um primeiro momento, os acordos levaram à reunificação de 1963 e à formação do Secretariado Unificado (SU), como visto anteriormente. Posteriormente, as divergências acerca da guerra de

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guerrilhas e do “guevarismo” levaram a novas cisões no interior do SU, que afetaram consideravelmente o trotskismo latino-americano.

O POSADISMO Antes da reunificação de 1963, no entanto, o movimento latino-americano sofreu outra cisão. Em 1962, a situação se modificou quando as discordâncias entre o BLA e a organização internacional ao qual estava associado, o Secretariado Internacional (SI), se intensificaram. Os membros do BLA decidiram romper com o movimento internacional, alegando as seguintes razões políticas: 1) divergências acerca da compreensão da Terceira Guerra Mundial; pois o SI defendia o desarmamento unilateral dos países imperialistas, enquanto o BLA advertia a inevitabilidade da guerra e a necessidade de preparação das massas para a guerra atômica mundial, que levaria à revolução socialista; 2) para Posadas, havia uma situação revolucionária em todo o mundo, e isso seria uma questão de coerência metodológica; 3) para o BLA, os europeus estariam subordinando a revolução colonial à revolução nos países metropolitanos (LEAL, 2003, p.142-143). Apesar das alegadas razões políticas, a ruptura do BLA “parece ter sido uma resposta a outros problemas” (ibid., p.143). O principal problema seria o processo de crise pelo não crescimento da IV Internacional, entendido por Posadas como culpa dos europeus. Outra questão era que o líder argentino havia elaborado um novo projeto político tendo como base vários elementos de diferentes experiências anteriores. Com essa nova proposta política, Posadas acreditava que em poucos anos outras revoluções ocorreriam, surgindo novas correntes revolucionárias que caminhariam para o trotskismo: Nossa perspectiva é de que em dois a quatro anos se resolva o ajuste final de contas. Todos os camaradas devem basear suas perspectivas, sua atividade, suas opiniões na perspectiva de guerra em dois a quatro anos (ou pode ser para o mês que vem) (POSADAS, 1964 apud LEAL, 2003, p.142).

Posadas não apostava mais no “entrismo” – visto até então como correto – mas sim na revolução colonial como vanguarda da revolução mundial, uma adaptação que ele considerava necessária aos novos processos da história. A crítica aos europeus estava focada mais no plano da inserção das lutas sociais do que no plano político, pois

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esses eram acusados de terem desenvolvido uma percepção intelectualista dos processos e de não terem vontade militante. Por fim, Posadas também propunha uma nova forma de funcionamento interno da nova organização, pautada agora no que chamou de “centralismo monolítico” em oposição ao “centralismo democrático”, defendido anteriormente. O centralismo monolítico seria “uma única intenção, uma única vontade de ação, um único objetivo, um único programa, uma única política e uma única organização” (POSADAS, 1964). Ao analisar o rompimento de Posadas com a organização internacional da qual fazia parte e o projeto elaborado pelo trotskista argentino, Murilo Leal conclui: Certamente, o BLA e seu principal dirigente reinventaram um trotskismo fundado em tradições latino-americanas. Isto parecia válido em mais de um sentido e não somente, como acreditava o próprio Posadas, no sentido de lastrear-se nas atividades e experiências de intervenção na base do nacionalismo. A ênfase e a urgência na ação; o rancor antieuropeu e antiintelectual; a crença na eficácia da ação de grupos disciplinados e centralizados (...); a fé messiânica nas “massas” latino-americanas (análoga, nos parece, à fé na “raça cósmica”, de José de Vasconcelos) e na missão renovadora da América Latina no mundo; a necessidade e a legitimidade do projeto de reambientação do marxismo, destruindo antropofagicamente e reinventado tudo aquilo que na Europa era preservado como tradição, tudo isso, acreditamos, delimitava e condicionava o projeto do trotskismo latinoamericano de J. Posadas (LEAL, 2003, p.147-148).

Em 1962, Posadas fundou sua própria IV Internacional, que em 1967 proclamou-se “posadista”. De acordo com Coggiola (1984), o “posadismo” se auto intitulava como uma nova etapa do marxismo, superior às de Marx, Lenin e Trotsky. Nos anos que seguiram à ruptura de 1962, o líder argentino buscou criar pequenos grupos em países europeus como Espanha, França e Itália, que não lograram o êxito esperado (ALEXANDER, 1973, p.19). No entanto, muitos militantes latino-americanos seguiram o projeto político de Posadas e estiveram presentes em processos de luta entendidos como revoluções coloniais.40 O líder do trotskismo argentino acabou sendo preso em 1968 no Uruguai e logo partiu para o exílio em Roma, onde morreu em 1981. A tentativa de Posadas de criar um novo trotskismo, baseado nas tradições latino-americanas buscou afastar-se da tentação do eurocentrismo, mas parece ter caído em outra das tentações enfrentadas pelos movimentos de esquerda na América Latina, o excepcionalismo. Alguns anos após a fundação da IV Internacional Posadista, seu líder

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Leal (2003) destaca a participação de Ortiz (Alberto Sendic) e Guillermo Almeyra nas lutas do Iêmen do Sul; Gabriel Labat na Líbia; e Adolfo Gilly na Guatemala, juntamente com o próprio Posadas.

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máximo precisou enfrentar a impotência política, que não estava presente em nenhum de seus prognósticos. A esperança de que uma guerra atômica traria o socialismo fracassou, levando Posadas a teorizações fantasiosas que partiram do excepcionalismo diretamente para a excentricidade. **

Certamente há outras organizações que não foram aqui citadas, mas que também fazem parte dos trotskismos. Tendo em vista que esse não é o escopo desse trabalho, deixaremos a tarefa de mapear essas organizações para futuros pesquisadores. Buscou-se nessa primeira parte esboçar um panorama geral do movimento trotskista internacional após a II Guerra Mundial e a morte de Leon Trotsky, bem como indicar as circunstâncias históricas do desenvolvimento de sua vertente latino-americana. Nesse sentido, espera-se que a escolha das organizações aqui analisadas tenha sido explicitada, tornando o trabalho de entendimento de suas considerações acerca da Revolução Cubana, que será feito nos próximos capítulos, menos árduo para o leitor.

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PARTE II – DE SIERRA MAESTRA PARA O MUNDO: A REVOLUÇÃO CUBANA E O MOVIMENTO TROTSKISTA

Forçado a meter-se a reboque dos países avançados, um país atrasado não se conforma com a ordem de sucessão: o privilégio de uma situação historicamente atrasada – esse privilégio existe – autoriza um povo, ou mais exatamente, forçao a assimilar tudo antes dos prazos fixados, saltando uma série de etapas intermediárias. Os selvagens renunciam ao arco e flecha, para tomar logo o fuzil, sem percorrer a distância que separava, no passado, essas diferentes armas. LEON TROTSKY A revolução era tudo: romance, heroísmo nas montanhas, exlíderes estudantis com a desprendida generosidade de sua juventude - os mais velhos mal tinham passado dos trinta -, um povo exultante, num paraíso turístico tropical pulsando com os ritmos da rumba. E o que era mais: podia ser saudada por toda a esquerda revolucionária. ERIC HOBSBAWM

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Nos anos 1950, como destacou Daniel Bensaïd “a história dá sinais de degelo, mas a vida não renasce necessariamente onde se espera. A classe operária dos países industrializados não comparece ao encontro” (BENSAÏD, 2008, p.98). Os países de capitalismo avançado, com uma numerosa população operária não irromperam em movimentos revolucionários. Foi na periferia do capitalismo, no entanto, que surgiram as principais mudanças. Em uma ilha dominada pelo imperialismo em todos os âmbitos – econômico, político e social – surgiu um movimento revolucionário liderado por jovens pequeno-burgueses amparados por camponeses, que juntos tomaram o poder através de uma guerrilha rural. Como afirmou Florestan Fernandes, “o fascínio do estudo de Cuba está em que ela desmente todos os dogmatismos possíveis, tanto os ‘especificamente científicos’ quanto os ‘puramente socialistas’” (FERNANDES, 2012, p.85). Nenhum cientista social ou socialista revolucionário poderia prever seu acontecimento. Por isso, para compreender o que esse evento significava, na esfera da revolução mundial, era necessário mais do que dizer que havia ocorrido um “desvio” na rota estabelecida, como se existisse uma norma de desenvolvimento histórico (BENSAÏD, 2008). Era necessário compreender quais elementos – desde aqueles que sempre foram defendidos até os que representavam divergências com análises anteriores – possibilitaram a chegada desses revolucionários ao poder. Nesse sentido, as dúvidas em torno do ocorrido em Cuba estavam associadas a como interpretar o significado dessa revolução, tendo em vista que seus rumos, ainda que incertos, carregavam o peso de muitas expectativas. Buscou-se, nos próximos capítulos, compreender os exames feitos pelos trotskistas acerca desse acontecimento, enfatizando os elementos trazidos pela Revolução Cubana que levaram à confirmação de suas teses, aqueles que promoveram inovações, e os que posteriormente levaram a reavaliações. Para o período entre 1959 a 1963, no âmbito do trotskismo internacional, analisaram-se as publicações dos estadunidenses do SWP, a fim de compreender a posição majoritária do Comitê Internacional (CI) e as publicações francesas da revista Quatrième Internationale, com a posição do Secretariado Internacional (SI). Essa escolha também está relacionada à necessidade de entendimento das posições majoritárias dos estadunidenses e dos europeus, duas importantes forças internacionais.

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Os trotskistas estadunidenses do SWP tiveram Joseph Hansen como o principal autor de artigos acerca da Revolução Cubana. Hansen viajou para Cuba com outro militante, Farrell Dobbs,41 no início dos anos 1960, contribuindo posteriormente com análises sobre o processo revolucionário em curso. Além das análises de Hansen, o periódico do SWP, International Socialist Review, também publicou artigos de Henry Gitano, James P. Cannon, Farrell Dobbs, Luis Vitale e Hugo Gozalez Moscoso42 durante o período aqui analisado. O jornal semanal do SWP, o The Militant, que tinha Hansen como editor, também publicou matérias que abordavam as novidades ocorridas em Cuba, especialmente ao longo do primeiro ano da Revolução. Já a revista Quatrième Internationale, com Pierre Frank como seu editor responsável, tem os principais textos sobre a situação cubana assinados por A. Ortiz43 e Livio Maitan. Na América Latina, como parte desse movimento internacional cindido, também estavam o SLATO e o BLA. Alinhado ao CI, o SLATO teve Nahuel Moreno como sua principal liderança, mas também como um teórico da revolução latinoamericana e crítico da luta armada em sua forma de guerra de guerrilhas. Por meio das publicações do periódico argentino Palabra Obrera e de artigos publicados pelo trotskista argentino, buscou-se sistematizar as considerações do SLATO acerca do processo revolucionário cubano. O BLA, alinhado ao SI até 1962, também tem seu dirigente, Juan Posadas, como principal autor de análises a respeito da situação na América Latina. Por meio do Voz Proletaria, jornal argentino dessa organização, e do Frente Operária, jornal brasileiro do POR, bem como artigos posteriormente publicados por Posadas, também buscou-se a sistematização das posições do BLA. No período posterior à reunificação de 1963, optou-se por analisar as publicações referentes ao Secretariado Unificado (SU), por esse congregar a maioria do movimento trotskista internacional naquele momento e pela discussão acerca da 41

Farrell Dobbs (1907-1983) foi secretário geral do SWP estadunidense de 1953 a 1972, tendo sido candidato à presidência da república pelo partido por quatro vezes. 42 Henry Gitano, ou Henry Spira (1907-1998) foi um trotskista belga-americano, militante do SWP, e o primeiro jornalista americano a viajar para Cuba e entrevistar Fidel Castro após a Revolução. Luis Vitale (1927-2010) foi um historiador argentino-chileno membro do SLATO, que militou no Partido Obrero Revolucionario (POR) do Chile, tendo participado em 1965 do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR), organização guerrilheira chilena. Hugo Gonzalez Moscoso (1922-2010) foi militante trotskista boliviano, secretário geral do Partido Obrero Revolucionario (POR), seção boliviana da IV Internacional. 43 Acredita-se, de acordo com os documentos pesquisados, que A. Ortiz seja o pseudônimo de Alberto Sendic (1923-2009), militante uruguaio que fez parte do BLA e manteve estreita relação com o trotskismo argentino. Em 1959, após a vitória dos revolucionários cubanos, Sendic viajou para Cuba para reorganizar o movimento trotskista local.

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guerrilha estar diretamente relacionada ao desenvolvimento dessa organização. No âmbito do trotskismo internacional para esse período, as contribuições mais significativas são de Mandel, Hansen e Maitan. No trotskismo latino-americano, foram as contribuições de Moreno que polemizaram em torno da questão da guerrilha com maior ênfase, como veremos a seguir.

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CAPÍTULO 3 – CONFIRMAÇÕES: AS LIÇÕES REAFIRMADAS PELA REVOLUÇÃO CUBANA

E

TESES

Embora cindido, o movimento trotskista constatou que algumas lições trazidas pela Revolução Cubana eram importantes de serem ressaltadas, logo em seus momentos iniciais. Em primeiro lugar, a queda de uma ditadura apoiada pelo imperialismo teria colocado sua força à prova, mostrando que seria possível combatê-lo no restante do mundo e, especialmente, a partir da América Latina. Em segundo lugar, a direção do processo, feita pelo Movimento 26 de Julho, revelaria a debilidade dos partidos comunistas em serem instrumentos revolucionários válidos; por fim, o caminho seguido pela revolução, especialmente após

as expropriações de terras e

nacionalizações, era visto como um rompimento com uma ideia de revolução baseada em etapas definidas, corroborando, assim, a teoria da revolução permanente. Cada uma dessas lições trazidas pela Revolução Cubana evidenciava, para o movimento trotskista latino-americano e mundial, que suas teses anteriores haviam sido confirmadas por esse acontecimento. Veremos a seguir cada uma dessas confirmações e seus desdobramentos no então Comitê Internacional (CI) e sua organização latinoamericana, o Secretariado Latino Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO); e no Secretariado Internacional (SI) e sua respectiva organização na América Latina, o Bureau Latino Americano (BLA). O período em que essas análises, caracterizadas aqui como confirmações aconteceram, esteve relacionado, principalmente, ao momento imediatamente posterior à tomada do poder em Cuba, estendendo-se até a reunificação do movimento trotskista, em 1963.

A LUTA CONTRA O IMPERIALISMO: UMA BATALHA POSSÍVEL O Comitê Internacional (CI) e o Secretariado Latino-Americano (SLATO) Henry Gitano, trotskista belga que fazia parte do SWP estadunidense, viajou para Cuba por quase dois meses em 1960 para observar as mudanças que aconteciam na ilha. No artigo “First Year of the Cuban Revolution”, publicado na revista International Socialist Review no mesmo ano, o autor analisou o processo revolucionário e ressaltou o que ocorria anteriormente no país: por trás da beleza de cartões postais vendidos a 62

turistas, existia a miséria real de milhões. Essa miséria era fonte de lucro para o imperialismo, pois com um povo faminto e uma ditadura corrupta, havia um ambiente ideal para os investidores estadunidenses. Gitano estava correto, pois desde a independência cubana, conquistada em 1902 com a intervenção dos Estados Unidos, a ilha havia se transformado em um Estado formalmente independente, mas que servia às necessidades econômicas norteamericanas à custa de sua soberania política e econômica. A economia cubana foi reduzida à monocultura de exportação, na qual o açúcar era complementado pelo tabaco, café e frutas cítricas, com um comércio de importação e exportação totalmente vinculado aos Estados Unidos. Nas atividades econômicas mais importantes, o capital estadunidense era primordial, controlando as plantações de cana-de-açúcar, as usinas, as refinarias de petróleo, o sistema telefônico e a eletricidade (Cf. AYERBE, 2004).44 Dessa maneira, a situação de Cuba, desde o fim da dominação espanhola, era caracterizada por uma relação de dominação econômica, política, social e cultural com os Estados Unidos, que perpassava um longo período histórico.45 Como observa o historiador Fernando Ayerbe (2004), a participação norteamericana no processo de independência cubano frustrou expectativas de liberdade e soberania que alimentavam o movimento de independência desde o início: “a desilusão com o desfecho, será fator essencial na formação de uma singular consciência nacionalista, que passa a reivindicar uma terceira guerra emancipatória, desta vez contra os Estados Unidos” (AYERBE, 2004, p.25-26). Já para o trotskista do SWP, Henry Gitano, quando os guerrilheiros cubanos chegaram ao poder, teriam não apenas reivindicado uma guerra emancipatória em Cuba, mas no restante da América Latina: “a queda de Batista marcava não o fim, mas o início de uma revolução que atacava a dominação imperialista” (GITANO, 1960, p.38). Se o poder estadunidense estava sendo ameaçado em um local no qual possuía tanta 44

González (1999a) destaca que Cuba converteu-se em um “prostíbulo ianque no Caribe”, visto que além do controle das atividades econômicas legais, os Estados Unidos também tinham controle dos negócios ilegais: cassinos, cabarés, prostituição, jogo e tráfico de drogas. De acordo com Mizukami e Buzetto (1998), estimava-se existir em Cuba aproximadamente 11,5 mil prostitutas e 27 mil agentes de jogos, enquanto o número de mineiros não ultrapassava a casa dos 10 mil trabalhadores (MIZUKAMI; BUZETTO, 1998, p.65). 45 As interferências dos Estados Unidos em Cuba, desde o período colonial ao pós-Guerra Fria foram tratadas em pesquisa anterior, denominada “Relações Cuba – Estados Unidos: a política externa norteamericana no pós-Guerra Fria”, com financiamento do Programa Institucional de Iniciação Científica (CNPq-PRP/Unicamp), entre 2010 e 2011, sob orientação do Prof. Dr. Shiguenoli Miyamoto.

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influência, não seria mais impossível que o mesmo ocorresse no restante do continente. Por isso, a revolução não teria transformado apenas a realidade em Cuba, mas também havia trazido às massas a confiança de que elas poderiam, a partir daquele momento, derrotar o imperialismo estadunidense. O jornal semanal do SWP, o The Militant, também enfatizou o golpe da vitória cubana nos Estados Unidos. Na manchete de 12 de janeiro de 1959, “Cubans oust Batista dictatorship”, a matéria, assinada por Lillian Kiezel, ressaltava o caráter de classe do próprio Fidel Castro – pequeno-burguês – e alertava que ele não desejaria mudanças mais profundas na sociedade. Fidel, no entanto, sofreria a pressão dos jovens, dos camponeses e dos trabalhadores, que queriam uma revolução social capaz de expulsar todos aqueles que tornavam possível o poder de ditadores como Batista. No mesmo jornal também foi publicada uma charge na qual Batista voava pelos ares com um golpe de espada proferido por uma mão em que se lia “povo cubano”, com o presidente Eisenhower observando e dizendo “Ei, lá vai o meu garoto” (THE MILITANT, 1959). O governo do “garoto” de Eisenhower, Fulgêncio Batista (1952-1959), foi marcado pela corrupção, pela violência da polícia, e principalmente, pela indiferença às necessidades básicas da população. Enquanto isso, uma minoria, vinculada ao seu governo e aos capitais estadunidenses, era beneficiada e gozava de um alto nível de vida. Batista sempre obteve grande apoio dos Estados Unidos graças às suas posições favoráveis aos negócios do país na ilha, por isso sua fuga para a República Dominicana não era uma boa notícia para os interesses estadunidenses. Em abril de 1959, o The Militant passou a enfatizar o aprofundamento da Revolução Cubana e sua posição notadamente anti-imperialista. De acordo com a matéria “American Capitalists worried over Castro’s course in Cuba”, assinada por Alex Harte (1959, p.3), “três meses depois da queda do fantoche de Wall Street”, o governo de Fidel Castro estava realizando a reforma agrária, voltando-se para a industrialização e entrando em nítida colisão com as antigas classes dominantes e seus apoiadores na classe média. Mas a chegada ao poder dos guerrilheiros cubanos, sem um programa claramente definido, ainda provocava questionamentos. Além disso, alguns setores importantes do imperialismo sustentaram posições favoráveis a Castro, o que

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colaborava para as dúvidas trotskistas acerca dos desdobramentos da revolução.46 A derrota de Batista, por exemplo, foi vista com simpatia pela imprensa burguesa do continente, especialmente por acreditarem que seu regime se inscrevia como uma “tirania” que havia sido derrubada pela reação democrática (GONZÁLEZ, 1999a, p.26). Por esses questionamentos ainda presentes, as posições dentro do próprio Comitê Internacional divergiam. O SWP, então partido mais importante das seções agrupadas no CI, entendia que “o real poder em Cuba está nas mãos do povo revolucionário armado”, ainda que “um novo aparato estatal seja necessário se as massas pretendem permanecer no poder” (GITANO, 1960, p.39). No entanto, essa não era a posição adotada por outras seções que compunham o CI. Para a seção francesa em torno de Pierre Lambert, Cuba continuaria sendo um Estado capitalista, mesmo que com uma burguesia praticamente desmembrada. Ainda que Lambert acreditasse que o governo de Fidel Castro era “operário e camponês”, e que reconhecesse a existência de um duplo poder na ilha, também defendia que o regime teria uma vida muito breve e logo regressaria à “normalidade burguesa” (ibid., p.54). O Estado cubano seria o fantasma de um Estado burguês controlado por um grupo de homens ao redor de Castro. Por isso, o grupo não reconheceu o caráter revolucionário da derrubada de Batista e da expropriação do imperialismo realizada na ilha nos anos seguintes (COGGIOLA, 1984, p.67). A Socialist Labour League (SLL), dirigida por Gerry Healy, partia do pressuposto de que somente as nacionalizações não seriam capazes de mudar o caráter de classe de um Estado. Com essa postura, Healy não levava em conta as expropriações de latifúndios, bancos e outras propriedades da burguesia de Cuba e do imperialismo. Quanto à direção de Fidel Castro, o inglês da SLL oscilava entre defini-la como um regime bonapartista assentado em bases capitalistas ou uma direção pequeno-burguesa por seu programa de revolução democrática. De qualquer forma, o velho aparato estatal dirigido por Batista não teria sido destruído e as mudanças na ilha não teriam sido 46

A viagem de Fidel Castro aos Estados Unidos, em abril de 1959, também trouxe dúvidas quanto aos rumos da revolução. Nessa viagem, Castro proferiu palestras em Nova York, Washington e Nova Jersey, além de se encontrar com o vice-presidente estadunidense, Richard Nixon. Quando Nixon interrogou Castro sobre a relação de Cuba com os comunistas, Fidel respondeu: “A democracia e o comunismo não são uma e a mesma coisa para mim. Chamamos humanistas aos nossos ideais porque não queremos apenas dar liberdade ao povo, mas também proporcionar-lhes os meios de viver e conseguir comida” (CASTRO apud BAMBIRRA,1975, p.251).

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qualitativas (GONZÁLEZ, 1999a, p.55). Para o grupo de Healy, não importava o quanto Castro fosse adiante nas mudanças, pois em sua luta contra o imperialismo estadunidense seu único suporte seria a União Soviética, da qual se tornaria prisioneiro (ALEXANDER, 1973, p.233). Mas a derrubada de Batista e a chegada ao poder dos guerrilheiros cubanos também trouxe dúvidas aos grupos latino-americanos ligados ao CI, associados ao Secretariado Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO). Segundo González (1999a), o grupo argentino de Nahuel Moreno, Palabra Obrera, não publicou, em seu periódico, nenhum artigo sobre a Revolução até outubro de 1959, sendo que o tema não aparece nem mesmo nos documentos partidários internos desse ano. As dúvidas da organização, que apareceram posteriormente, estavam ancoradas no caráter não operário de sua direção, em suas atitudes paternalistas e posições conciliadoras com a burguesia e o imperialismo. O apoio à revolução dado por forças pró-imperialistas do continente também afetou a avaliação feita pelo Palabra Obrera, que chegou a dizer que se tratava de uma “revolução de libertação” do Caribe, com uma pequena-burguesia mais radicalizada que na Argentina (GONZÁLEZ, 1999a, p.41-42). Foi somente a partir de novembro de 1959 que o Palabra Obrera começou a dar maior relevância para o que ocorria em Cuba, reconhecendo a revolução como parte da luta anti-imperialista no artigo “Cuba: sigue el proceso revolucionario”. No entanto, a direção de Fidel Castro e sua relação com o imperialismo ainda eram vistas com ressalvas (Cf. PALABRA OBRERA, 1959). Ao considerar o curso desenvolvido pela revolução, o grupo Palabra Obrera chegou à conclusão, em fevereiro de 1960, que a revolução latino-americana se encontrava avançada em Cuba, por isso aprovaram o chamado de Castro para a Primeira Conferência de Havana (Cf. PALABRA OBRERA, 1960). Logo depois de serem expropriadas as refinarias de petróleo em Cuba, o periódico Palabra Obrera também passou a contar com uma seção chamada “Aquí Cuba: en Defensa de la Revolución Cubana” (GONZÁLEZ, 1999a, p.43). O grupo argentino ainda publicou, em 1960, um documento produzido originalmente pelo SWP, denominado “Balance Cubano”. É interessante constatar que a mudança de posição do grupo Palabra Obrera, da indiferença para a defesa, parece estar relacionada com o aumento das retaliações dos Estados Unidos a Cuba. Entre janeiro e maio de 1959, as reações

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negativas, por parte dos Estados Unidos ante o novo governo cubano, assumiram um caráter de advertência e foram veiculadas pela imprensa, não possuindo um caráter oficial. No entanto, com a assinatura da Lei de Reforma Agrária em maio de 1959, o confronto entre os objetivos da revolução e a política dos Estados Unidos adquiriu nova forma quando engenhos e plantações de cana-de-açúcar de propriedade de cidadãos estadunidenses foram expropriados pelo governo revolucionário (Cf. AYERBE, 2004). A partir de 1960, a política de retaliação estadunidense pôde ser vista de forma mais clara com o fim da administração Eisenhower (1953-1961) e as posteriores administrações de Kennedy e Johnson (Cf. AYERBE, 2002). As intervenções estavam voltadas tanto para uma derrubada do regime, através da força, quanto por pressões econômicas que visavam enfraquecer as conquistas do novo governo. Durante os anos que se seguiram à Revolução, foram comuns os bombardeios da Ilha por aviões estadunidenses, o recrutamento de exilados a fim de desencadear ações paramilitares, a destruição de canaviais por meio de produtos químicos, além da recusa em comprar o açúcar cubano e a interrupção do abastecimento de petróleo. O ano de 1961, no entanto, foi um dos mais turbulentos no tocante às relações entre os Estados Unidos e Cuba, impactando também as análises trotskistas. Em janeiro, reagindo às nacionalizações, os Estados Unidos romperam relações diplomáticas com Cuba. Em março, no governo Kennedy (1961-1963), criou-se a “Aliança para o Progresso”, que buscava promover o auxílio às transformações das estruturas sociais latino-americanas, a fim de “reformar para não revolucionar”. Em 16 de abril, Fidel Castro declarou: “Esta é uma revolução socialista e democrática dos humildes, com os humildes e para os humildes”. Um dia depois, o governo Kennedy, herdando um plano de seu antecessor, promoveu a invasão do sul de Cuba, na chamada Baía dos Porcos. A ação foi organizada por grupos guerrilheiros de cubanos contrarrevolucionários treinados pela Central Intelligence Agency (CIA). O objetivo era derrotar militarmente o governo cubano e promover o fim da revolução. No entanto, esses guerrilheiros foram derrotados em três dias pelas forças cubanas e pela população. O governo Kennedy precisou assumir publicamente a responsabilidade pelo acontecimento, que foi organizado na surdina, como mais um ato de sabotagem e terrorismo do governo estadunidense em relação a Cuba (Cf. MONIZ BANDEIRA, 2009).

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O ocorrido na Baía dos Porcos e a resposta de Kennedy foram objeto de análise do Palabra Obrera em seu boletim interno de 24 de abril de 1961: Em primeiro lugar, o esmagamento da contrarrevolução fortalece ainda mais a ascensão do processo revolucionário das massas latino-americanas e leva a inquietação ao seio do próprio povo ianque. Talvez tenhamos que dizer dentro de pouco tempo que se iniciou dos EUA a marcha para a revolução. Em segundo lugar, a derrota dos invasores é um golpe direto ao imperialismo em seu conjunto, ao ianque em especial. O discurso de Kennedy reflete o grande grau de desespero em que chegou o imperialismo ianque. (...) Em terceiro lugar, devemos assinalar que todo o processo de invasão e derrota nos surpreendeu um pouco, como organização (PALABRA OBRERA, 1961a, p.2).

O II Congresso Nacional do Palabra Obrera, ocorrido também em abril de 1961, definia a mudança na postura do grupo e a crença na possibilidade de derrota do imperialismo, o que se colocava de forma bem mais próxima à posição do SWP: “A mobilização dos povos da América Latina em defesa e impulsão da Revolução Cubana significa o princípio do fim para o imperialismo” (id., 1961b, p.2). Para a organização pertencente ao SLATO, era mais fácil para os latino-americanos combaterem o imperialismo porque ele estaria em todos os países do continente, onde os operários teriam a possibilidade de “deferir-lhe um golpe”. A Revolução Cubana teria sido importante para unir os povos latino-americanos contra um inimigo comum ao continente, mas também a todos os países semicoloniais do mundo. Por isso, a importância de se considerar os problemas internacionais, que sempre foi fundamental, seria agora impostergável.

O Secretariado Internacional (SI) e o Bureau Latino-Americano (BLA) Entre os setores nos quais se dividia a IV Internacional nesse período, o primeiro a apoiar a luta do Movimento 26 de Julho em Cuba foi o Secretariado Internacional orientado por Michel Pablo. Segundo González (1999a), a caracterização de Pablo de um novo conflito militar iminente após a II Guerra Mundial, combinava-se cada vez mais com sua atenção às lutas anti-imperialistas dos países dependentes. O dirigente do SI estaria impressionado pela ascensão das lutas nos países coloniais e semicoloniais, em contraste com o retrocesso que viviam os Estados Unidos e a Europa: “a revolução colonial está efetivamente, no momento atual, na vanguarda da revolução socialista e de fato já suplantou o papel anteriormente desempenhado pela revolução europeia” (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1959a, p.7).

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É nesse sentido que os acontecimentos em Cuba contribuíram para a visão de Pablo sobre a situação dos países coloniais. No entanto, o conjunto do Secretariado Internacional (SI) manteve certa distância das caracterizações personalistas do dirigente (GONZÁLEZ, 1999a, p.41). As análises iniciais do SI enfatizavam a importância da revolução na luta contra o imperialismo, mas também apresentavam desconfianças acerca do caráter pequeno-burguês de sua direção e dos desdobramentos do processo. Além disso, destacavam a necessidade de organização de um partido marxista revolucionário em Cuba. Na nota editorial da revista Quatrième Internationale, escrita em setembro de 1959, e denominada “Où va La Révolution cubaine?”, os trotskistas franceses afirmavam que o cenário romântico da revolução só poderia ser entendido quando se levasse em conta as origens pequeno-burguesas de sua direção e as forças que dominavam a etapa daquele momento – camponeses e pequeno-burgueses das cidades – e da chama revolucionária específica das tradições latino-americanas, e cubanas em particular (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1959b). Ainda que o artigo não explicite qual seria essa “chama revolucionária” específica, tendo em vista o contexto e o momento histórico da América Latina naquele período, parece ficar claro que ela diz respeito aos movimentos de emancipação nacional desses países. Em julho do ano seguinte, o SI afirmaria que a experiência cubana, para aqueles que a viam como bem sucedida, poderia inflamar outros movimentos na América Latina. Esse era o maior temor do imperialismo estadunidense, que o exemplo de Cuba se propagasse por todo o continente. É justamente no plano internacional que os progressos da revolução cubana têm sido até agora mais espetaculares e os golpes no prestígio e na dominação imperialista mais pesados. Cuba demonstrou que é possível resistir ao imperialismo, dentro da “goela do monstro”, como disse um jornalista francês. Cuba respondeu golpe por golpe aos ataques imperialistas (...) Esse é um exemplo que causa uma impressão enorme sobre todos os povos da América Latina (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1960, p.6-7).

Os impactos da tomada do poder em Cuba também foram sentidos na organização associada ao Secretariado Internacional na América Latina, o BLA. O Partido Obrero Revolucionario (POR) do Uruguai, associado ao BLA, publicou em seu jornal, Frente Obrero, uma manchete sobre Cuba sete dias após a chegada dos revolucionários ao poder: “A guerra de guerrilhas assegurou o grande triunfo das

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massas cubanas”. A declaração do POR uruguaio em sua primeira página não deixava dúvidas quanto à dimensão do evento para o continente, mas também alertava sobre seu desenvolvimento: O Partido Obrero Revolucionario (POR) saúda o triunfo das massas cubanas, que impuseram a caída do regime de Batista. Sua luta é uma experiência de valor enorme para o avanço da luta das massas em toda a América Latina e abre, em Cuba mesmo, um período de mobilizações, de lutas crescentes, e avanços reais para as massas. (...) Todo o proletariado latino-americano tem o dever não só de solidarizarse – como tem feito – com o triunfo das massas cubanas, mas também de estar alerta frente a qualquer retrocesso dessas conquistas que os inimigos de fora e de dentro da Revolução Cubana pretendam impor. Chamamos nesse sentido a classe trabalhadora uruguaia não só a expressar a sua adesão em Assembleias, manifestações, etc. às massas cubanas, mas a seguir permanentemente de perto o desenvolvimento das lutas do proletariado e dos camponeses cubanos (FRENTE OBRERO, 1959, p.1).

No Brasil, o jornal Frente Operária, do Partido Operário Revolucionário (POR), também associado ao BLA, tem em sua manchete o “Grande triunfo revolucionário em Cuba”, de janeiro de 1959. O periódico também destacava a importância do ocorrido na ilha para o restante da América Latina, mas apresentava certas dúvidas quanto ao caráter da revolução: A vitória de 26 de julho dinamiza toda a revolução latino-americana (...) Não se trata certamente de uma revolução proletária. Mas, nem por isso, estamos diante de um simples episódio de revolução “democrático-burguesa” que possa abrir caminho para a estabilidade capitalista em Cuba. O movimento de Fidel Castro é pequeno-burguês revolucionário e sua aliança objetiva com as massas lhe da um conteúdo cada vez mais radical. O imperialismo, que a princípio “flertou” com o movimento, hoje lhe é profundamente hostil (FRENTE OPERÁRIA, 1959a, p.1).

Deve-se destacar que no momento da tomada do poder em Cuba havia um partido trotskista na ilha associado ao BLA de Posadas. O Partido Obrero Revolucionario (Trotskista) foi um grupo que, segundo Alexander (1973), teve membros lutando na guerrilha juntamente com Fidel Castro em Sierra Maestra. Após 1959, esses militantes trotskistas foram muito importantes na tentativa de levar o movimento revolucionário em uma direção marxista-leninista, tendo participado das milícias armadas recrutadas pelo governo para a defesa de ataques externos e de dissidências internas. Até 1961, o POR(T) de Cuba pôde funcionar com pouca interferência, ainda que furiosamente denunciado pelos comunistas do Partido Socialista Popular (PSP), que buscavam o descrédito dos trotskistas e sua supressão (ALEXANDER, 1973, p.226). As relações do POR(T) com o governo de Castro, no 70

entanto, enfrentaram problemas após maio de 1961, quando o jornal do partido, Voz Proletaria, foi impedido de circular. Além disso, houve o episódio em que chapas de impressão da Revolução Permanente foram destruídas, tornando a situação ainda mais complicada.47 O ápice dos problemas aconteceu em agosto, quando dois dirigentes do POR(T), Idalberto e Juan León Ferreira Ramirez, foram presos quando distribuíam um folheto conclamando um congresso das cooperativas de cana de açúcar. Os periódicos associados ao BLA caracterizaram essa ofensiva contra os trotskistas como influência da incorporação dos stalinistas à direção do movimento revolucionário, em virtude do processo de fusão do Movimento 26 de Julho, do Partido Socialista Popular e do Diretório Revolucionário, formando as Organizações Revolucionárias Integradas (ORI). Os jornais trotskistas conclamavam a liberdade dos militantes cubanos presos, mas também destacavam que Cuba era o “epicentro da revolução mundial”. De acordo com Alexander (1973), o POR(T) apoiou entusiasticamente a Revolução Cubana, tanto antes quanto depois da chegada de Castro ao poder, mas esse “suporte incondicional” não foi suficiente para salvá-lo da perseguição e da supressão pelo regime cubano. Não havia lugar para um segundo partido, mesmo que esse fosse minúsculo como o POR(T) (ibid., p.234). Os partidos trotskistas associados ao BLA passaram a defender suas posições mesmo que impedidos de fazerem o mesmo em Cuba. Em seus periódicos, enfatizavam a necessidade de se formar uma Frente Única Anti-imperialista. Segundo os trotskistas argentinos do BLA, os ataques do imperialismo estariam se aprofundando com o apoio dos governos burgueses da América Latina. A Revolução Cubana representaria o ponto mais elevado da revolução nesse continente, por isso os ataques imperialistas buscavam detê-la, a fim de conter esse movimento no restante dos países. A Frente Única Anti-imperialista era uma resposta direta à ofensiva da política externa estadunidense, que com a “Aliança para o Progresso”, buscava conter os movimentos revolucionários que pudessem surgir. No que se refere à possibilidade de derrotar o imperialismo, a Revolução Cubana representou, para o movimento trotskista, uma confirmação de suas teses.

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De acordo com o historiador Luiz Bernardo Pericás, essa situação teria desagradado Che Guevara: “Favorável à liberdade de pensamento e expressão, Guevara condenara, em 1961, a destruição das chapas de impressão da obra A Revolução Permanente, por culpa de um funcionário subalterno, afirmando que ‘isto não deveria ter acontecido’” (PERICÁS, 2002, p.104).

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Excetuando o caso da seção francesa de Pierre Lambert e da SLL de Gerry Healy, os trotskistas do CI e do SI, bem como suas organizações latino-americanas, o SLATO e o BLA, concordaram em suas análises sobre a importância desse acontecimento no combate ao imperialismo estadunidense. Mesmo o SLATO, que inicialmente duvidou das relações do governo de Castro com os Estados Unidos, modificou sua posição à medida que algumas posturas se radicalizaram. É importante destacar que o exemplo cubano não foi visto por esses trotskistas apenas como algo que afetaria os países da América Latina, mas sim como uma amostra, para o restante do mundo, de que o imperialismo poderia ser derrotado. Por isso, para todas as organizações trotskistas aqui analisadas, uma das principais lições trazidas pelo povo cubano é que o imperialismo estadunidense não era mais visto como um inimigo impossível de combater.

NÃO ERA PRECISO OLHAR PARA MOSCOU: A CRISE DOS PARTIDOS COMUNISTAS O Comitê Internacional (CI) e o Secretariado Latino-Americano (SLATO) A Revolução Cubana não representou apenas um problema para o imperialismo, mas também para os partidos comunistas de todo o mundo, que se viram diante de um processo revolucionário que se afastava, em muitos aspectos, da tradição revolucionária da qual eram adeptos.48 Em decorrência dessa incongruência, a revolução acabou irradiando sua influência para além da esquerda tradicional comunista, servindo como “legitimação da heterodoxia política e ideológica” no continente, quebrando assim o pretenso monopólio dos PCs (SALES, 2005, p.27). Deve-se lembrar que a vitória dos revolucionários aconteceu em meio à Guerra Fria, e apenas três anos após o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), um dos eventos de maior importância para o movimento comunista internacional. Além da denúncia dos crimes e abusos de Stalin, feita por Khrushchov, as 48

De acordo com Castañeda (1994, p.71), havia pelo menos seis características da Revolução Cubana que incomodavam os comunistas: 1) um chamado para a necessidade de uma revolução continental, para evitar o cerco do imperialismo estadunidense; 2) a natureza socialista da revolução no continente; 3) a luta armada como caminho necessário para a revolução; 4) a liderança da revolução (classe média, urbana e ilustrada); 5) uma aliança privilegiada entre estudantes e intelectuais com o campesinato (e não com o proletariado); 6) os partidos comunistas haviam deixado de ser instrumentos revolucionários.

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teses aprovadas apontavam para a consagração da via não violenta e parlamentar ao socialismo e da coexistência entre os sistemas capitalista e comunista, a chamada “coexistência pacífica”. Essa tese defendia o princípio de que o capitalismo e o socialismo não eram antagônicos, podendo coexistir em paz. O historiador Jorge Castañeda fez uma análise do que esses PCs teriam se tornado no período: “os partidos comunistas históricos haviam deixado de ser instrumentos revolucionários válidos” (CASTAÑEDA, 1994, p.72). Para esse autor, essas organizações estariam corrompidas e debilitadas por sua defesa incondicional da URSS, por gravitarem em torno de elites governamentais e pactuarem com elas, além de apoiarem bases eleitorais partidárias do status quo, “eram irremediavelmente reformistas e incapazes de dirigir a revolução” (ibid., p.72).49 Quando a luta armada demonstrou ser uma maneira eficaz de destruir um poder ditatorial, pró-imperialista e abrir caminho para o socialismo (LÖWY, 2012a, p.44), acabou colocando em xeque a orientação que lutava por uma revolução através de uma via pacífica. O questionamento das análises dos partidos comunistas foi, certamente, uma importante questão para aqueles que defendiam que a impotência desses partidos vinha de longa data. Para o trotskista do SWP, Joseph Hansen, a “mais importante lição” trazida pela revolução era a de que “não era mais necessário olhar para Moscou em busca de uma liderança”. Para o autor do artigo “Ideology of the Cuban Revolution”, publicado em 1960 na revista do SWP, essa é a lição a ser tirada, sobretudo, pela classe trabalhadora em todos os outros países, especialmente os subdesenvolvidos, onde o potencial revolucionário é alto. Uma vez que se essa lição se aprofundar nós iremos testemunhar uma aceleração do processo revolucionário que não deixará a menor dúvida que o maior poder da sociedade reside na classe trabalhadora e que ela não vai perder seu destino manifesto de liderança nas batalhas decisivas agora iminentes (...) Para finalmente romper com a hipnose do stalinismo, foi necessário rastejar pelas selvas de Sierra Maestra (HANSEN, 1960, p.78).

É importante ressaltar, no entanto, que essa crítica à “coexistência pacífica” não foi feita apenas pelos trotskistas. Outras correntes revolucionárias como o “castrismo”, o “guevarismo” e o maoísmo viram suas forças se desenvolverem na América Latina após o questionamento da política moderada dos partidos comunistas 49

No caso brasileiro, por exemplo, o PCB, quando se viu em situação de legalidade – em 1945 – passou a defender os bons propósitos da burguesia nacional, então chamada de “progressista”. Além disso, recomendou aos trabalhadores o entendimento com os patrões em benefício do desenvolvimento da economia brasileira (GORENDER, 2014, p.24).

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(LÖWY, 2012a, p.50). Nesse sentido, a busca por respostas ao que acabara de ocorrer em Cuba levou ao crescimento dessas correntes que não estavam associadas à liderança soviética no movimento comunista internacional e que teciam críticas às suas orientações. De acordo com Castañeda, “na prática e aos olhos de muitos latinoamericanos e cubanos, pelo menos nos primeiros anos, a revolução na ilha representou uma ruptura fundamental com o esquema soviético” (CASTAÑEDA, 1994, p.72). Ainda que com o tempo a semelhança entre os modelos tenha se acentuado, nos primeiros momentos teria sido óbvio que as diferenças superavam as identidades. Para o movimento trotskista, em especial, a defesa feita pelos soviéticos da “coexistência pacífica” representava a manutenção da ordem internacional vigente, algo considerado repulsivo a todo aquele que desejasse a revolução. De acordo com o estadunidense Joseph Hansen, esse seria o motivo pelo qual os jovens revolucionários cubanos não foram atraídos pelo Partido Socialista Popular (PSP), pois esse não seria suficientemente revolucionário para aqueles que queriam mudar suas realidades. Por isso, os modelos de orientação que inspiraram esses jovens não viriam dos comunistas, mas do que lhes era mais próximo, ou seja, dos líderes do movimento de independência cubanos do século anterior, “homens dedicados que eram capazes de aceitar o martírio para avançar na causa pela liberdade” (HANSEN, 1960, p.77). O que aconteceu em Cuba, em relação ao partido comunista, não seria novidade. O trotskista estadunidense destacava que, até aquele momento, 40 anos se passaram desde a Revolução de Outubro e nenhum único partido comunista levou uma luta revolucionária ao sucesso em nenhum lugar do mundo, exceto na China e na Iugoslávia – e nesses países as lideranças desconsideraram a linha estabelecida por Moscou. Hansen ainda satiriza os avanços tecnológicos da URSS, mas sua incapacidade de liderar uma revolução: pode-se imaginar o que Lenin poderia dizer de uma União Soviética capaz de colocar satélites em órbita ao redor do sol e fotografar o outro lado da lua, mas ainda incapaz de dar inspiração direta às lutas revolucionárias-socialistas em outras terras; pelo contrário, sabotando-as, e criando assim um vácuo na direção revolucionária (HANSEN, 1960, p.77).

Outro artigo da revista International Socialist Review, “Guatemala 1954: the lesson Cuba learned”, escrito por Bert Deck em 1961, afirmava que pela primeira vez na América Latina a revolução quebrou sua dependência com a burguesia nacional “progressista”. A experiência de Cuba demonstraria que qualquer aliança com o capital 74

nacional era incompatível com um programa social real. A vitória dos guerrilheiros cubanos teria quebrado a influência ideológica de Moscou nos jovens movimentos revolucionários no continente.50 É nesse sentido que os trotskistas estadunidenses, associados ao Comitê Internacional (CI) compreenderam que o processo revolucionário cubano ocorreu sob a liderança de homens alheios à ideologia do comunismo stalinista. No entanto, nesse momento ainda não parecia claro para essa organização, principalmente pelas expectativas geradas por tal acontecimento, que isso não queria dizer que os dirigentes cubanos estivessem propondo uma ruptura com a herança comunista ou formulando uma crítica ao marxismo soviético. Hansen, em outro artigo escrito para o SWP, exemplifica essa interpretação esperançosa: “Ao trazer uma liderança de origem nãostalinista, a Revolução Cubana visivelmente acelerou o eventual fechamento de todo capítulo do stalinismo” (HANSEN, 1968 [1962], p.25). Na América Latina, o SLATO teve uma postura mais cautelosa em relação aos significados de uma direção não-stalinista. Em junho de 1960 começou a ser publicada a revista Qué Hacer?, vinculada à organização argentina Palabra Obrera. Em seu primeiro número foi publicado um artigo de Nahuel Moreno, “Cuba: política y lucha de clases”, no qual o autor afirmava que Cuba era de fato a vanguarda da revolução latino-americana, o que não impedia que fosse analisada e criticada cuidadosamente (Cf. MORENO, 1960a). Uma das principais críticas feitas pelo argentino estava associada à inexistência de um programa revolucionário e de um partido ou movimento de massas que controlasse e deliberasse sobre os problemas da realidade cubana. Em agosto do mesmo ano, outro artigo de Moreno na revista sinalizava que a partir da Revolução Cubana havia se iniciado um caminho para a

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O sociólogo estadunidense C. Wright Mills publicou o livro Listen, Yankee: The Revolution in Cuba (no Brasil, “A verdade sobre Cuba”), em 1960, com críticas aos partidos comunistas que se associavam em grande medida às teses trotskistas. Por esse motivo, foi mencionado em alguns artigos para enfatizar o argumento de que os PCs já não eram um instrumento revolucionário. A seguinte passagem do livro de Mills é citada por Bert Deck: “Em uma revolução real hoje, na América Latina ao menos, os partidos comunistas locais estão à direita da revolução. Aqui em Cuba, certamente a revolução os ultrapassou em todas as frentes. Eles sempre chegam muito tarde e com muito pouco. Esse tem sido o caso em Cuba: eles ficam para trás da revolução” (MILLS apud DECK, 1961, p.56). Outro trotskista estadunidense, James P. Cannon, em carta a George Novack em 1961, também afirmou o impacto do livro sobre ele: “esse intelectual realmente se importa com as pessoas famintas do mundo (...) o livro me comoveu profundamente. Fiquei pensando em escrever uma nota de agradecimento e simpatia” (CANNON, 1992 [1961], s.p.).

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América Latina (Cf. MORENO, 1960b). No entanto, somente em maio de 1961, após as nacionalizações feitas na ilha e as pressões do imperialismo, o argentino afirmaria: Surgiu um Estado operário, com o acréscimo de que é a primeira nação operária do mundo com um governo não controlado pelos comunistas e que tem um governo que longe de estar formado por uma associação ou casta burocrática vivendo às custas do povo, está composta por um grupo sacrificado (...) Trata-se de uma direção revolucionária que poderá ou não cometer muitos erros, mas que não se burocratizou nem formou uma casta que ganha 30, 40 vezes mais que os trabalhadores como em países dominados pelos comunistas stalinistas (MORENO, 1961a, p.25).

A posição de Moreno e, consequentemente do SLATO, sofreu uma mudança em dezembro de 1961, quando o governo cubano nacionalizou a indústria, o comércio exterior, as terras e o sistema bancário. Para o dirigente argentino, “com essas medidas, o governo cubano se elevou a um autêntico governo revolucionário” (Cf. MORENO,

1961b).

Nota-se,

dessa

maneira,

uma

maior

aproximação

nos

posicionamentos de Moreno em relação à importância do processo revolucionário aberto em Cuba. Apesar de continuar analisando de forma crítica, o trotskista argentino passa a dar maior peso para o fato da ilha possuir, naquele momento, um governo considerado revolucionário e um Estado operário. Para o historiador Martín Mangiantini (2014), alguns fatos do período poderiam explicar as posições de Moreno: a imagem de uma Cuba convertida em vanguarda da revolução latino-americana, o impulso e apoio de sua direção a estruturas armadas em vários países do continente e o ainda não expressado alinhamento do “castrismo” com a direção internacional do stalinismo (MANGIANTINI, 2014, p.66).

O Secretariado Internacional (SI) e o Bureau Latino-Americano (BLA) Os trotskistas europeus do Secretariado Internacional apresentaram uma postura menos confiante e mais cautelosa quanto à liderança da revolução, mas também depositaram nela grandes esperanças. Na já destacada nota editorial da Quatrième Internationale, de setembro de 1959, enfatizaram que Fidel Castro possuía um mérito imenso por ter conquistado a simpatia das massas camponesas pobres e por tê-las feito se mobilizarem ativamente a seu favor, principalmente pela promessa de uma reforma agrária. Contudo, ressaltavam que sua direção era composta por membros de origem social e intelectual pequeno-burguesa, que não se apoiava em nenhum partido ou

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movimento político – até aquele momento (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1959b). Na mesma edição da revista, Ernest Mandel, sob o pseudônimo de E. Germain, no artigo “Révolution coloniale et bourgeoisie nationale (les staliniens d’Amérique latine sur la trace des mencheviks”, atacava as posições dos stalinistas latino-americanos e assinalava que a partir de Cuba “havia se aberto uma nova fase da revolução latino-americana”, destacando que somente com a criação de um Estado de novo tipo, a ditadura do proletariado apoiada nas massas de camponeses pobres, seria possível conquistar a vitória final (GERMAIN, 1959, p.41). Para os europeus do SI, se era certo que Fidel não representava o stalinismo, ainda não era tão certo que seus rumos se voltariam para uma direção revolucionária. Em julho de 1960, a revista afirmava, em nota editorial, que o desenvolvimento do processo revolucionário em Cuba, ainda que ultrapassasse os limites burgueses, estava sendo feito por uma direção pequeno burguesa, com uma estrutura e uma ideologia burguesas e não socialistas (...) assim surge de forma aguda a necessidade de uma direção operária, de quadros proletários, dotados de uma ideologia proletária e revolucionária (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1960, p.6).

Os latino-americanos do BLA também destacavam a crise dos partidos comunistas advinda da conquista cubana, bem como a radicalização de algumas medidas tomadas pelo governo revolucionário. No jornal brasileiro do POR, o Frente Operária, de outubro de 1959, enfatizava-se: “Como longe estamos da conversa fiada dos stalinistas e dos nacionalistas a respeito do caminho pacífico para o socialismo!” (FRENTE OPERÁRIA, 1959b, p.1). Já o Voz Proletaria, do POR argentino, em junho do ano seguinte, afirmava que “o aprofundamento da revolução quebrou com todos os esquemas stalinistas que atuam objetivamente como freio” (VOZ PROLETARIA, 1960a, p.8).

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Fidel Castro, por sua vez, somente em fevereiro de 1962, na Segunda Declaração de Havana,51 teceu uma crítica àqueles que consideravam uma conquista pacífica e eleitoral ao poder, ou ainda uma aliança com a “burguesia nacional”, sob a hegemonia desta. Para o líder cubano, essas possibilidades, defendidas pelos PCs do continente, não cabiam aos povos latino-americanos. Dessa maneira, a classe operária e os intelectuais revolucionários, dirigindo o conjunto do povo explorado, sobretudo os camponeses, deveriam realizar a revolução em seus respectivos países, pois de acordo com Castro “o dever de todo revolucionário era fazer a revolução” (BARÃO, 2003, p.236). Ao entrar em clara polêmica com a postura de “coexistência pacífica” dos partidos comunistas do continente, o líder cubano se aproximava das críticas trotskistas e lhes dava mais argumentos para a defesa da crise desses partidos. 52 Um mês depois da declaração de Castro, o jornal Voz Proletaria, em artigo de Juan Posadas intitulado “El significado actual de la Revolución Cubana”, destacou que o avanço indiscutível da Revolução Cubana consistiu no fato de que o líder cubano se viu obrigado a declarar que entre a luta anti-imperialista e a instauração de um Estado operário não havia nenhum período de democracia burguesa – “esse foi, ao mesmo tempo, um golpe no stalinismo e um grande estímulo para as massas” (VOZ PROLETARIA, 1962, p.4). Posadas, no entanto, apresentava uma posição menos entusiasta com a liderança de Fidel Castro, argumentando principalmente que se agora ele havia se declarado um “marxista-leninista”, isso era fruto da pressão das massas nesse processo. Posição um pouco distinta tiveram os trotskistas do SI após a Segunda Declaração de Havana. Se antes a posição adotada com a liderança de Castro havia sido

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A Primeira Declaração de Havana aconteceu em 1960 e foi também chamada de “Proclamação dos Direitos dos Povos da América”. Lida por Fidel Castro para cerca de um milhão de pessoas na Praça da Revolução, a declaração condenava a exploração do homem pelo homem e a exploração dos países desenvolvidos pelo capital financeiro imperialista. Além disso, também estabelecia relações com a China e aceitava a ajuda soviética no caso de uma invasão imperialista. Já a Segunda Declaração de Havana, ocorreu em 1962 e apresentou um caráter de revide à exclusão de Cuba da Organização dos Estados Americanos (OEA), levando a mobilização popular ao seu ápice e a exacerbação do nacionalismo (LÖWY, 2009, p.463). 52 A International Socialist Review, revista do SWP, publicou em 1962 em sua contracapa a foto da Segunda Declaração de Havana com a seguinte frase: “esse documento fará história”. O texto que acompanhava a foto era um apelo para que os trotskistas comprassem as cópias dos documentos e repassassem para os demais militantes de suas organizações (Cf. INTERNATIONAL SOCIALIST REVIEW, 1962).

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mais cautelosa, agora a aproximação de suas críticas com as teses trotskistas modificaria essa dúvida: Os acentos “trotskistas” da [Segunda] Declaração [de Havana] são indiscutíveis. Pela primeira vez desde a Revolução de Outubro, foi feita uma revolução socialista que, havendo triunfado em seu país, não se encerra na obra nacional de construção econômica, que não transformou os compromissos passageiros inevitáveis com o imperialismo em uma estratégia fundada sobre a “coexistência pacífica” com esse mesmo imperialismo, uma revolução cujo chefe de Estado não titubeia em chamar os trabalhadores, os camponeses pobres do campo e trabalhadores das cidades, a tomar as armas e acabar com o reinado das classes dominantes pela via insurrecional revolucionária (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1962a, p.17-18).

Deve-se destacar, no entanto, que no decorrer dos anos 1960, o governo cubano estabeleceu uma relação contraditória com o comunismo soviético. Em alguns momentos permaneceu próximo a teses da URSS, principalmente em discussões ideológicas. Em outros momentos, como na referida Segunda Declaração de Havana, de 1962, as críticas aos partidos comunistas do continente e a negação de importantes pontos de sua teoria acabaram provocando crises e cisões nos PCs, provenientes de discussões causadas pela influência do “castrismo” (Cf. SALES, 2005). Pode-se concluir que tanto os trotskistas estadunidenses do CI, quanto os europeus do SI, demonstraram grandes expectativas com uma liderança não-stalinista no processo revolucionário em curso, mas com algumas diferenças. Os estadunidenses do SWP viram na liderança da Revolução Cubana um forte indício de que stalinismo estaria em sua derrocada final. Os latino-americanos do SLATO não tiveram a mesma postura que o SWP dentro do CI, pois demoraram a caracterizar a direção cubana como revolucionária. Devido à ausência de um programa e às dúvidas acerca dos rumos da revolução, os latino-americanos só mudaram de posição com a radicalização do processo. Enquanto isso, os europeus do SI analisaram a direção castrista de forma menos entusiasta desde o início da revolução, atentando-se para a ausência de um partido marxista revolucionário e para o caráter de classe dos líderes cubanos. Em 1962, no entanto, com a Segunda Declaração de Havana, entusiasmaram-se com a proximidade das críticas de Castro aos PCs com suas análises sobre a questão. Os latino-americanos que faziam parte do SI, reunidos no BLA, reafirmaram como a radicalização do processo revolucionário trouxe o fim dos “esquemas stalinistas”, mas ressaltaram a pressão das massas na liderança cubana.

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Para o movimento trotskista, de forma geral, apoiar os líderes cubanos – ainda que com ressalvas – era importante porque trazia o questionamento das teses dos partidos comunistas, ao mesmo tempo em que fortalecia análises que não estivessem associadas a essa corrente que, no período, era hegemônica. Em um primeiro momento, era mais importante que se destacasse que não era preciso olhar para Moscou, ainda que o ideal também não fosse olhar para Havana. Dessa maneira, seria possível confirmar outra tese trotskista, a de que os partidos comunistas não eram mais instrumentos revolucionários. Contudo, o apoio do movimento trotskista ao que ocorria em Cuba e as expectativas geradas por esse processo não estavam associadas apenas ao fato de suas lideranças não serem stalinistas. A Revolução Cubana não era somente uma amostra de que os partidos comunistas não poderiam liderar uma revolução, como também era a prova de que sua teoria revolucionária – baseada em etapas – havia fracassado.

UM PROCESSO REVOLUCIONÁRIO PERMANENTE O Comitê Internacional (CI) e o Secretariado Latino Americano (SLATO) Segundo González (1999a), a Revolução Cubana foi um duro golpe no stalinismo por ter intensificado sua crise, pois além do questionamento da “coexistência pacífica”, o mesmo também aconteceu com a teoria da “revolução por etapas”, à qual aderiram todos os partidos comunistas alinhados a URSS (GONZÁLEZ, 1999a, p.35). Não era só a política implementada pelo stalinismo que era vista como problemática, mas também a principal concepção na qual ela estava fundamentada. Na concepção das etapas históricas, adotada pelos partidos comunistas, os países chamados coloniais, semicoloniais e dependentes só poderiam transitar à ditadura do proletariado através de uma série de etapas preparatórias, como resultado de um período de transformação democrático-burguesa em revolução socialista. A primeira fase estaria relacionada a uma etapa nacional e democrática, quando seriam resolvidas as tarefas anti-imperialistas e a liquidação dos resquícios feudais ou semifeudais das formações sociais desses países. Para que isso ocorresse, a burguesia nacional poderia ser considerada como uma aliada do proletariado, tendo em vista que a contradição

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central estaria entre essa burguesia nacional e o imperialismo. Numa próxima etapa, a contradição repousaria entre a burguesia e o proletariado, quando entraria em questão a etapa socialista (BARÃO, 2003, p.268). Esses países chegariam a essa condição apenas por meio da ajuda daqueles que viviam sob a ditadura do proletariado (ou seja, a URSS), pois não conseguiriam esse resultado por eles mesmos. Dessa maneira, a URSS precisaria se desenvolver internamente, construindo o socialismo dentro de suas fronteiras, o “socialismo em um só país”, tendo em vista que a probabilidade de uma revolução mundial ocorrer havia se estendido no tempo. Em virtude da defesa do “socialismo em um só país” e da necessidade de uma revolução por etapas, o trotskista estadunidense do CI, Joseph Hansen, afirmou que o stalinismo teria se provado como “o freio mais potente da revolução na experiência do proletariado” (HANSEN, 1960, p.77). A ênfase no rompimento do modelo das etapas históricas e a crítica ao stalinismo como freio de revoluções por parte dos trotskistas estava amplamente relacionada à defesa da teoria da revolução permanente, elaborada por Trotsky. Bianchi (2000) afirma que ao longo de sua a vida, Trotsky cunhou pelo menos três formulações da teoria. A primeira delas em 1905, com o cruzamento da análise do desenvolvimento do capitalismo na Rússia com a experiência da própria revolução de 1905 e do que ela havia trazido para a história das revoluções: a universalização da greve geral como arma privilegiada da luta operária e a construção de organismos de poder operário denominados soviets. Trotsky defendia uma revolução socialista que tinha o proletariado como seu sujeito social, combinando tarefas democráticas e socialistas. Em 1917, acrescentou em sua teoria o papel dirigente do partido, ou seja, definindo o sujeito político dessa transformação social. Somente em 1929, Trotsky destacaria que essa teoria deveria ser apresentada em associação com os métodos da revolução internacional, sendo que nos países coloniais ou semicoloniais “a teoria da revolução permanente significaria que a solução verdadeira e completa de suas tarefas democráticas e nacionais-libertadoras, só seria concebível por meio da ditadura do proletariado” (TROTSKY, 1985, p.137). Em suma, a teoria da revolução permanente constatava que a burguesia deixara de ser revolucionária e se tornara conservadora, o que a impossibilitava de realizar tarefas democrático-burguesas necessárias aos países coloniais e semicoloniais.

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“Essas tarefas estariam a cargo do proletariado, que, hegemônico, não se deteria apenas nelas e rumaria para resolver tarefas anticapitalistas, transformando a revolução inicialmente democrática em socialista, e estendendo-se a outros países” (KAREPOVS et al., 1995, p.119-120). A revolução socialista só poderia acontecer de forma ininterrupta e se completar em escala internacional.53 Em sua formulação, “a teoria da revolução permanente é, ao mesmo tempo, uma teoria da revolução e uma teoria da transição ao socialismo baseada na permanente transformação das relações sociais” (BIANCHI, 2000, p.111). Em Cuba, a “revolução que saltava etapas”54 ao combinar tarefas democráticas e anti-imperialistas com a expropriação da burguesia, confirmava o aspecto central da teoria da revolução permanente (GONZÁLEZ, 1999a, p.40). Entre os estadunidenses do CI, mais uma vez foi Joseph Hansen quem afirmou que o caso de Cuba não fez com que os trotskistas buscassem um novo programa, mas sim confirmassem suas análises anteriores acerca da revolução permanente: Nós afirmávamos que o caso de Cuba confirmou nossas análises anteriores e, assim, confirmou o acerto das análises de Trotsky sobre a União Soviética e sua teoria da revolução permanente. Disso derivamos uma base significativa e útil para encontrar nosso lugar na Revolução Cubana (HANSEN, 1968 [1962], p.9).

Na América Latina, o SLATO demonstrou acordo com os estadunidenses do SWP, pois também defendeu a concepção da revolução permanente presente em Cuba. Na edição de junho de 1960 da revista Qué Hacer?, Moreno destacava que: 1) sem um governo direto da classe operária não haveria solução permanente para nenhum país. Para alcançar esse governo seria indispensável um processo de luta revolucionária “intransigente, anti-imperialista e antipatronal”; 2) o processo revolucionário, uma vez começado, não poderia parar em nenhuma estrutura econômica ou social exploradora. Para o trotskista argentino, “estas posições se confirmaram plenamente. Cuba e Bolívia são exemplos vivos desse processo revolucionário que não pode se estagnar, que avança ou retrocede, mas não pode parar” (QUÉ HACER?, 1960a). Em dezembro do ano 53

A concepção da teoria da revolução permanente “diferenciava radicalmente o trotskismo do comunismo pró-soviético, além, é claro, de sua independência em relação à URSS e sua crítica ao autoritarismo burocrático” (LÖWY, 2012a, p.35). 54 A expressão foi utilizada por Che Guevara, que sustentou que estava erguida uma revolução para todos os países latino-americanos, que “saltava etapas”, combinando a luta contra o imperialismo e o começo da construção do socialismo. Com isso, Guevara se chocava frontalmente com as posições do stalinismo (GONZÁLEZ, 1999a, p.38).

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seguinte, Moreno acrescentaria que em Cuba “a revolução tem seguido um curso ininterrupto” (QUÉ HACER, 1961b).

O Secretariado Internacional (SI) e o Bureau Latino Americano (BLA) No Secretariado Internacional, as dúvidas acerca dos desdobramentos da revolução passaram a dar lugar ao otimismo quando no final de 1960, A. Ortiz escreveu o artigo “Révolution permanente a Cuba”, na revista Quatrième Internationale. Ortiz ressaltava a Revolução Cubana como o exemplo “formidável do vigor e da força da revolução latino-americana” (ORTIZ, 1960, p.32). Ainda que vizinha ao imperialismo, Cuba teria promovido o desenvolvimento de uma ampla mobilização de massas através de medidas radicais contra o imperialismo. Nos primeiros 18 meses da revolução, o governo estatizou mais de 75% da indústria do país, a produção e o comércio do açúcar, os recursos minerais, o sistema bancário, o comércio interno e o comércio exterior, os meios de transporte e de comunicação e os serviços públicos (MONIZ BANDEIRA, 2009, p.329). González (1999a) também destacava que entre setembro e outubro de 1960, o governo cubano já havia nacionalizado todos os bancos estadunidenses, as empresas de borracha e uma importante cadeia de supermercados, e também deu início à expropriação dos capitais cubanos (no total foram estatizadas 382 maiores empresas). Ao completar dois anos de revolução, 80% da capacidade industrial estava nas mãos do Estado. As milícias também começaram a ser equipadas e seus efetivos triplicaram entre abril de 1960 e o início de 1961. Pelo processo de pressão das massas, Fidel Castro criou os Comitês de Defesa da Revolução (CDR), uma estrutura organizativa para encaminhar as mobilizações do povo, mas que também facilitava seu controle e sua orientação política. Após a tentativa de invasão da Baía dos Porcos e a declaração de Castro do caráter socialista da revolução, em abril de 1961, o que restava da propriedade capitalista em Cuba foi expropriado (GONZÁLEZ, 1999a, p.32). No artigo de Ortiz, essas medidas radicais o levaram a crer que os capitalistas cubanos perderam sua base social, seu poder político e seu aparelho repressivo. O autor vai além, afirmando que o cerco diplomático e econômico imposto pelo imperialismo após a Revolução Cubana, e a consequente aliança da ilha com Estados operários, deveriam ser vistas como importantes conquistas. Cuba quebraria o

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mito do poder e da dominação imperialista, de uma América Latina como “quintal” estadunidense. A revolução latino-americana teria agora um caminho aberto de alianças com Estados operários e com a revolução africana e asiática. Apoiando-se em outros Estados operários, Cuba também estaria mostrando a outros países que romper com o imperialismo não seria uma tarefa fácil, mas possível através de uma aliança dos oprimidos de todo o mundo. De fato, as pressões estadunidenses passaram a influenciar as relações de Cuba com os demais países do continente e do mundo, mas as necessidades do país não podiam ser supridas apenas com base na relação com os países oprimidos. Em 1962, a Organização dos Estados Americanos (OEA) se viu obrigada pelos Estados Unidos a expulsar Cuba do organismo. Alegando que o regime revolucionário “exportava a subversão” para o restante do continente, a ação da OEA desencadeou uma sucessão de rupturas nas relações de governos latino-americanos com Cuba, com exceção do México (Cf. AYERBE, 2004). As dificuldades materiais na ilha aumentaram quando em fevereiro do mesmo ano os Estados Unidos decretaram o bloqueio econômico e diplomático. O governo norte-americano buscava uma crise de privações e insatisfações populares, acreditando que assim seria gerado um movimento interno contra a revolução. Dentre as radicalizações do período, a reforma agrária parece ter trazido importantes elementos para que os trotskistas do SI considerassem o caráter permanente da revolução. A Lei de Reforma Agrária, promulgada em 17 de maio de 1959, afirmava: “aqueles que trabalham a terra devem possuí-la”. A nova lei foi vista como mais uma radicalização do processo revolucionário, principalmente porque “atacou a velha estrutura econômica e os velhos privilégios de classe, e abriu caminho para profundas mudanças econômicas e sociais” (ORTIZ, 1960, p.33). A reforma agrária seria uma “declaração de guerra”, pois não havia sido realizada pelos capitalistas, mas sim contra esses e com o apoio das massas camponesas, dos trabalhadores agrícolas, dos trabalhadores urbanos e da pequena-burguesia pobre das cidades. Nesse sentido, não constituiria um ataque a uma classe feudal conservadora que impedia o desenvolvimento do país, mas ao próprio capitalismo. Isso porque, tendo em vista que a exploração das terras era estruturada pelas grandes empresas capitalistas americanas, sua expropriação seria uma afronta direta ao imperialismo.

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Contudo, não era apenas por declarar guerra ao imperialismo que essa lei era vista como um aprofundamento e uma radicalização da revolução. Segundo González (1999a), essa lei, ainda que mais profunda do que as declarações do Movimento 26 de Julho previam, se mantinha dentro dos marcos da propriedade capitalista, beneficiando 300 mil produtores, mas deixando trabalhadores rurais excluídos. Apenas quando aumentaram as pressões norte-americanas, como visto anteriormente, foi que se intensificaram as mudanças, criando-se cooperativas rurais, as “fazendas do povo”. Isso teria incorporado à reforma agrária aqueles que antes estavam excluídos – os trabalhadores assalariados e semi-assalariados rurais, que constituíam mais da metade da população agrária de Cuba (GONZÁLEZ, 1999a, p.30-31). A revista Quatrième Internationale, de julho de 1960, indicaria esse acontecimento como o ponto crucial do desenvolvimento do processo revolucionário: Baseando-se em uma mobilização camponesa que começou antes da queda de Batista, [a Revolução Cubana] não está levando em frente apenas uma reforma agrária, mas também organizando a produção com base em cooperativas camponesas. Nesse sentido foi mais longe que as revoluções da Bolívia e da Guatemala, que se limitaram a distribuir a terra, detendo-se, assim, a meio caminho da reforma (...) O imperialismo entendeu o desenvolvimento permanente da revolução; é isso que basicamente explica a extrema violência de seus ataques (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1960, p.5, grifo nosso).

Por fim, para os trotskistas do SI, quando a reforma agrária se iniciou e as nacionalizações foram feitas, até mesmo os setores pequeno-burgueses que apoiaram a revolução passaram a criticar e sabotar seu desenvolvimento. Essa seria a comprovação prática de que a burguesia era incapaz de ser revolucionária e que eram as massas que representavam a força dinâmica do processo. Nesse sentido, ao constatar que a Revolução Cubana se desenvolvera de acordo com a teoria da revolução permanente, os trotskistas buscavam não só confirmar a sua teoria revolucionária, mas ressaltar que a revolução por etapas, defendida pelos PCs, não correspondia à realidade – ou ainda pior, não contribuiria para a revolução mundial. O editorial da revista Quatrième Internationale de dezembro de 1962 foi enfático: os PCs latino-americanos tinham se transformado de vanguarda em freio da revolução no continente (id., 1962b, p.4) – mesma expressão utilizada pelo CI. O novo fato da política mundial seria que nem o stalinismo e nem o capitalismo, ou a combinação de ambos, poderia suprimir processos revolucionários indefinidamente.

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Esses não poderiam nem mesmo impedir o proletariado de romper com questões democráticas que mascaravam sua direção. Deve-se destacar, no entanto, que o SI, ao concordar com o fato de que os partidos comunistas haviam sido o freio da revolução, confrontava-se frontalmente com suas próprias teses defendidas anteriormente acerca do “entrismo sui generis” nesses mesmos partidos, considerados naquele momento como potencialmente revolucionários. Os partidários do SI na América Latina também tiveram uma postura parecida sobre os rumos revolucionários em Cuba se associarem à teoria da revolução permanente. O jornal Frente Operária, do POR brasileiro, afirmou em suas edições ao longo de 1959 que o processo revolucionário cubano levaria a uma transformação irreversível no caráter do movimento político cubano, que ultrapassaria as barreiras pequeno-burguesas e assumiria o sentido de um avanço popular de caráter extremamente radical. Na edição de outubro de 1959, o título da matéria assinada por Fulvio Schefer não deixava dúvidas quanto ao que o partido compreendia acerca da revolução: “Prossegue a revolução permanente em Cuba”. A matéria, no entanto, ressaltava que não se poderia dizer que a revolução cubana tinha perdido o caráter pequeno-burguês que a caracterizava: Os objetivos conscientes não são socialistas e nem o são as organizações que hoje lideram o povo cubano. O caráter extremamente plebeu da base dessas organizações, o fato de se terem elas forjado na luta de guerrilhas – na guerra popular – o estrangulamento da economia cubana pelo imperialismo, são alguns dos dados que explicariam este fato assombroso, esta inegável disposição de Fidel Castro de ir mais longe, de realizar a fundo a reforma agrária, a mobilizar, em defesa da revolução, as milícias operárias e camponesas (FRENTE OBRERO, 1959, p.1).

Em agosto de 1960, o jornal Voz Proletaria, do POR argentino, destacou novamente Cuba como o “epicentro da revolução na América Latina”. Para os trotskistas argentinos associados ao BLA, o processo revolucionário que vivia o continente marcava um dos níveis mais altos da revolução colonial, como parte do processo da revolução mundial: “o fenômeno que enfrentamos não é um processo único. O processo latino-americano é somente parte da revolução colonial e parte da liquidação não só do imperialismo, mas também do capitalismo” (VOZ PROLETARIA,1960b, p.3). Ainda que atentem para as relações internacionalistas da revolução latinoamericana, os jornais argentinos do POR também apontam que o aprofundamento da revolução, através das mudanças mais radicais, levaria a uma acentuação das diferenças

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no seio do governo. Tanto para sustentar, quanto para proteger a revolução em Cuba, seria necessário mais do nunca que o proletariado tomasse sua direção. Para o movimento trotskista, tanto a vitória dos revolucionários cubanos quanto a radicalização do processo por meio de mudanças na estrutura econômica e social deram provas da falácia dos partidos comunistas e da fundamentação teórica da qual se valiam, a teoria das etapas revolucionárias. Os trotskistas do CI afirmaram que não era necessário um novo programa, tendo em vista que a Revolução Cubana provou a teoria da revolução permanente, além de ter mostrado como o stalinismo havia se provado um grande freio da revolução mundial. O SLATO, de Nahuel Moreno, seguiu o mesmo caminho que a organização da qual fazia parte, mas agiu com um pouco mais de cautela na caracterização de Cuba como uma revolução permanente. Somente após as mudanças consideradas mais radicais foi que a organização atestou o fato. O mesmo ocorreu com o SI, dos trotskistas europeus, que esperaram o desenrolar das expropriações e da reforma agrária para depois afirmar o caráter ininterrupto do acontecimento. No BLA, embora o POR brasileiro considerasse que a “revolução permanente prosseguia em Cuba”, o grupo argentino da organização – liderado por Posadas – apresentava maiores questionamentos quanto à direção castrista, ainda que não tivesse nenhuma dúvida da força das massas latino-americanas. Embora os grupos estivessem cindidos, para eles não havia dúvidas de que em Cuba se apresentava a confirmação de que uma prática revolucionária só poderia estar ancorada em uma teoria da revolução permanente.

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CAPÍTULO 4 – INOVAÇÕES: OS NOVOS SUJEITOS E MÉTODOS REVOLUCIONÁRIOS O movimento trotskista, após a confirmação de parte de suas teses com a chegada dos revolucionários ao poder em Cuba, precisava agora reorientar sua prática política em acordo, ou desacordo, com os novos elementos que essa revolução trazia. Para esses trotskistas, a ruptura do restante da esquerda latino-americana com o passado poderia favorecer o crescimento de suas fileiras e o desenvolvimento da revolução mundial. Em 1961, o trotskista estadunidense James P. Cannon em uma carta intitulada “New Revolutionary Forces are emerging” questionava: “O que seria pior em nossas falas sobre a revolução se não pudéssemos reconhecer uma quando a víssemos?” (CANNON, 1961, s.p.). É nesse sentido que, para os trotskistas, era preciso reconhecer que o que ocorria em Cuba era sim uma revolução, ao mesmo tempo em que era necessário analisar de que maneira as especificidades de seus sujeitos e métodos poderiam contribuir para uma teoria revolucionária. A tarefa não seria fácil. Joseph Hansen já havia alertado, no final de 1960, para as dificuldades de uma intepretação marxista da revolução cubana: “os revolucionários cubanos certamente sentem que apontaram o caminho para toda a América Latina. Prova disso é o seu próprio sucesso. Mas quando procuramos determinar o significado exato de seus feitos, a clareza marxista não é encontrada facilmente” (HANSEN, 1960, p.75). Apesar de todas as lições e expectativas que a Revolução Cubana tinha trazido para a esquerda mundial, a clareza marxista estava ofuscada por alguns elementos que deveriam ser interpretados para que teoria e prática estivessem em constante diálogo. Nesse sentido, compreender o caráter do Estado cubano, bem como as novas dinâmicas da revolução mundial e os possíveis novos atores e métodos desse processo, eram tarefas muito importantes para o movimento trotskista. Ainda para Hansen, isso significaria não somente defender que o processo revolucionário cubano tinha suas próprias particularidades, mas também que era preciso voltar-se para a teoria bolchevique para tentar explicá-las (id., 1962 [1961], p.23). A pequena ilha, alçada ao perigoso posto de vanguarda, havia inserido elementos que não eram novos na teoria revolucionária, mas que agora ganhavam prioridade em detrimento de outros. O 88

momento que aqui se chamou de inovação tem seu início desde a tomada do poder em Cuba, intensificando-se quando ocorreu a formação do SU e chegando ao seu ápice em 1969, com a defesa da guerra de guerrilhas para a América Latina no 9º Congresso Mundial da IV Internacional – SU.

UM ESTADO OPERÁRIO NA AMÉRICA LATINA O Comitê Internacional (CI) e o Secretariado Latino-Americano (SLATO) A expropriação da grande propriedade feita em 1960 e o aprofundamento da reforma agrária em Cuba foram medidas saudadas pelos trotskistas como o início de uma nova época na história da revolução mundial, não só pela confirmação de sua teoria da revolução permanente, mas principalmente pelo advento de um Estado operário na América Latina. A caracterização de Cuba como o primeiro Estado operário no continente, mas com certas particularidades, foi feita tanto pela ala majoritária do CI, quanto pelo SI, como veremos a seguir. Esse acordo em relação ao caráter do Estado cubano foi especialmente importante para que o movimento trotskista internacional, então cindido, buscasse a unificação. O momento em que o debate acerca do caráter do Estado cubano e o debate sobre a necessidade da reunificação da IV Internacional convergem encontrase no artigo “Cuba: The Acid Text”, escrito em novembro de 1962 por Joseph Hansen. Como já mencionado, o autor dialogava com as organizações trotskistas que não tinham a mesma postura que o SWP sobre a Revolução Cubana, como a Socialist Labour League (SLL) de Healy, e a organização francesa de Pierre Lambert. Para Hansen, essas organizações adotavam um método mecânico e não dialético para compreender o caráter do Estado cubano, medindo os fatos por normas pré-estabelecidas. Em sua própria organização, o Comitê Internacional (CI), foi Hansen que primeiro atentou para a denominação de Cuba como um “Estado operário”. No artigo “Theory of the Cuban revolution”, escrito em 1961, o autor afirmava que ao superar as relações capitalistas de propriedade e planificar a economia, Cuba estaria atendendo aos interesses econômicos da classe trabalhadora e agindo de forma objetivamente socialista. Caso estivéssemos interessados em uma terminologia exata, isso era o que

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poderia ser chamado de “Estado operário”: “o que significa que esse é um Estado comprometido com a tarefa de levar a economia e a sociedade de Cuba em frente através da transição do capitalismo ao socialismo” (HANSEN, 1961, p.28). Essa transição, para o trotskista estadunidense, viria necessariamente porque os líderes revolucionários compreenderiam através da experiência prática, e não de noções préconcebidas, que o capitalismo não funcionaria para os pobres. Se o desejo desses homens era melhorar a vida das pessoas, então eles colocariam Cuba “no caminho do socialismo”. A confiança da transição ao socialismo depositada nos líderes cubanos, no entanto, não parou somente no artigo de Hansen. No editorial do periódico International Socialist Review do final de 1961, o SWP afirmava que Cuba era de fato um “Estado operário”. No entanto, recusava-se a caracterizar o país como um “Estado operário deformado”, como propunham alguns trotskistas do POR chileno, tendo em vista que Cuba seria um Estado nascido com deformações, especialmente a inexistência de um partido marxista revolucionário. A definição de “Estado operário deformado” já havia sido utilizada para analisar os Estados do leste europeu, que não teriam passado por revoluções operárias, sofrendo a imposição de novas relações sociais sem revoluções a partir de baixo. Como destacado anteriormente, nesses Estados, mesmo com a derrubada da burguesia do poder por uma revolução social, e com a nacionalização dos meios de produção, a classe operária nunca teria ocupado o poder político. Para os trotskistas estadunidenses, esse não era o caso da Revolução Cubana, que teria contornado o stalinismo e trazido ao poder uma liderança muito mais revolucionária. Ainda que passível de erros, esses líderes demonstrariam a capacidade de se desenvolverem no sentido revolucionário-socialista no próprio processo da revolução: “Os homens que lideraram a revolução à vitória não são stalinistas, mas revolucionários dedicados aos objetivos emancipadores mais altos. Eles são as figuras reverenciadas pelas massas cubanas e com razão” (INTERNATIONAL SOCIALIST REVIEW, 1961, p.87). Para os trotskistas estadunidenses, as inclinações desta liderança seriam claramente democráticas e não antidemocráticas. Nesse sentido, associar Cuba a um Estado operário “deformado” implicaria a imposição de uma estrutura burocrática não muito diferente do que ocorreria sob uma liderança stalinista. Portanto, se havia uma

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maneira de descrever esse Estado, seria como um “Estado operário no qual ainda faltavam formas proletárias democráticas” que estariam em vias de serem criadas (ibid., p.87). Na América Latina, os trotskistas do SLATO associados ao CI também partilhavam da mesma posição acerca do caráter do Estado cubano. Em abril de 1961 realizou-se o Segundo Congresso do Palabra Obrera, no qual se discutiu intensamente essa caracterização (GONZÁLEZ, 1999a, p.47). Moreno, em sua intervenção nesse Congresso, também não partilhou da ideia que Cuba seria um “Estado operário deformado”, concordando assim com a ala majoritária do CI. O trotskista argentino não considerava que a ilha estaria governada por uma casta burocrática, ainda que em Cuba não existisse uma democracia operária clássica. A ditadura democrática e operária estaria sendo suprida por uma ditadura de partido único, como etapa política prévia, em virtude das particularidades do processo cubano, mas a conquista da ditadura do proletariado seria um caminho inevitável. De acordo com Moreno, Cuba seguiria como um “Estado operário em transição”, fluido e dinâmico, que chegaria à democracia operária após as condições objetivas e subjetivas se encontrarem (ibid., p.49). Para isso, o desenrolar dos acontecimentos no restante do continente deveria ajudar, pois o passo mais importante para facilitar as condições objetivas para a democracia operária seria o desenvolvimento da revolução na América Latina. Quanto à ideia de Cuba como o primeiro Estado socialista na América Latina, Moreno ainda possuía ressalvas. Em maio de 1961, no artigo “Primer Estado socialista?”, o argentino esclarecia que nenhum país no mundo era socialista, começando pela Rússia. Os marxistas haviam denominado que o socialismo era um regime sem classes, sem burocracia, sem polícia, sem exército e no qual todos trabalhavam e usufruíam de um bom nível de vida, mas isso não foi o que acabou acontecendo. Nos países em que o imperialismo e os exploradores foram expulsos não se conseguiu chegar a um regime econômico, técnico e cultural avançado. Por isso, esses povos ainda seriam atrasados, mas estariam no caminho para o socialismo: Os marxistas modernos, os trotskistas ortodoxos, têm chamado de Estados operários – e não socialistas – os que se encontram em uma etapa de transição. No entanto, não há nenhum país que tenha chegado ao socialismo, e mesmo a URSS, que por sua estrutura econômico-técnica poderia estar perto disso, tem um regime político e econômico mais próximo ao

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imperialismo que ao socialismo. Por essas razões, devemos ser conscientes de que Cuba não é um país socialista e não tem nenhuma possibilidade de ser em curto prazo. Obviamente, Cuba deixou de ser uma colônia, ou um Estado capitalista. Isso é um salto fabuloso que a revolução de Fidel imprimiu ao país: varreu política e economicamente o imperialismo e o capitalismo (MORENO, 1961, p.26).

O Secretariado Internacional (SI) e o Bureau Latino Americano (BLA) Na revista Quatrième Internationale, os trotskistas do SI apontaram as mesmas particularidades sobre o Estado cubano no artigo “L’état ouvrier cubain”, de A. Ortiz, em maio de 1961. No ano em que Fidel Castro havia declarado a revolução como socialista, Ortiz enfatizava: Essa revolução que foi proclamada nem capitalista e nem socialista, mas humanista por seus autores, que foi proclamada democrática pelo stalinismo, que foi definida como uma revolução sem ideologia por Sartre, como uma revolução dos intelectuais e da juventude por Wright Mills, essa mesma revolução se define hoje como uma revolução socialista, seu regime é definido como uma República socialista e seu governo se proclama como um governo dos trabalhadores e dos camponeses (ORTIZ, 1961, p.49).

Embora Ortiz apresentasse a declaração do próprio Estado cubano, não considerava a ilha como um “país socialista” – como não seriam muitos dos Estados operários daquele período – mas acreditava que naquele momento era um “Estado operário com um caráter particular, um regime de transição para o socialismo” (ibid., p.49). O que caracterizaria Cuba como um Estado operário seriam as novas formas de propriedade instauradas pelo governo revolucionário, que eram a base da sociedade cubana, e que teriam sido conquistadas e defendidas pela mobilização revolucionária das massas, pelas milícias armadas, contra os ataques externos e a contrarrevolução interna. A estatização dos meios de produção, dos transportes, dos bancos, a expropriação das grandes propriedades de terra e a substituição pela propriedade direta do Estado com a partilha dessas terras, bem como a formação de cooperativas teriam transformado a antiga propriedade privada existente na Ilha. No entanto, Ortiz ressaltava que o aparelho estatal ainda não tinha uma composição e nem uma estrutura operária. Também não existiam formas de poder como conselhos de trabalhadores e camponeses – soviets. Para o trotskista do SI, o grande apoio objetivo e subjetivo para que a Revolução Cubana continuasse no caminho da revolução permanente seria o 92

desenvolvimento da revolução latino-americana, como parte da revolução anticolonial. Para tanto, Ortiz enfatizava a necessidade do desenvolvimento de partidos marxistas revolucionários, associados à IV Internacional, e que tivessem como programa a revolução proletária. Os trotskistas latino-americanos do SI, associados no BLA, também seguiram as demais organizações trotskistas na caracterização do Estado cubano e na importância desse fato para a crise no imperialismo. Em abril de 1961, o jornal Voz Proletaria afirmava que a revolução estaria profundamente enraizada nas massas operárias e camponesas. Reconhecendo a existência de um Estado operário em Cuba, os trotskistas do BLA ressaltavam a centralidade do país para o enfraquecimento e a desorganização do imperialismo, principal estímulo para as lutas anti-imperialistas e anticapitalistas das massas latino-americanas. Em março de 1962, o jornal conclamava pela “defesa incondicional do Estado operário cubano”, que só poderia ser conquistado através do controle direto dos trabalhadores. O artigo assinado por Posadas afirmava que se Castro tinha medo do controle operário era porque não era tão marxista quanto se dizia (VOZ PROLETARIA, 1962, p.5). De maneira geral, a caracterização de Cuba como um “Estado operário” foi partilhada pela maioria do movimento trotskista, podendo ser considerada, em ampla medida, como uma questão que foi capaz de promover a reunificação de parte desse movimento. Ainda que alguns desacordos com o POR chileno tenham surgido acerca do caráter deformado ou não desse Estado, pode-se dizer que tanto a ala majoritária do CI e o SLATO, bem como o SI e BLA, concordaram em suas análises e possibilitaram o reconhecimento do primeiro Estado operário na América Latina. Diferentemente de apenas uma denominação, a compreensão do caráter operário do Estado cubano relacionava as confirmações anteriores com as inovações acerca do processo revolucionário que ainda seriam feitas. Além disso, esse reconhecimento era importante para a orientação da própria prática revolucionária, não apenas nesse continente, mas também no restante do mundo.

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DA CIDADE PARA O CAMPO, DOS OPERÁRIOS AOS CAMPONESES O Comitê Internacional (CI) e o Secretariado Latino-Americano (SLATO) Ernesto “Che” Guevara publicou o livro Guerra de Guerrilhas55 em abril de 1960, no qual buscou sistematizar o que considerou como ensinamentos da Revolução Cubana para os movimentos revolucionários latino-americanos. As três principais conclusões foram que: 1) As forças populares podem ganhar uma guerra contra o exército. 2) Nem sempre há que se esperar que se deem todas as condições para a revolução; o foco insurrecional pode criá-las. 3) Na América subdesenvolvida, o terreno da luta armada deve ser fundamentalmente o campo (GUEVARA, 1982, p.13).

Nos escritos de Guevara, a luta revolucionária era entendida como uma luta de massas em que o destacamento armado cumpriria a função de vanguarda e teria o campo como principal local de operações.56 Isso porque no campo haveria maiores possibilidades de que a guerrilha sobrevivesse nos primeiros momentos de sua formação. As cidades seriam um terreno desfavorável para a luta armada, tendo em vista que um único ataque bem-sucedido do inimigo poderia levar ao aniquilamento das forças guerrilheiras. Além disso, as possibilidades de propaganda política em zona urbana seriam muito menores devido às delações e ao poder repressivo do governo. No entanto, para Guevara, o papel do campo não era destacado apenas por ser um local de operações, mas também porque na América Latina, com uma economia predominantemente agrária, esse seria o local onde se encontrava a maior parte da população e as maiores contradições do continente. De um lado, o trabalhador desprovido das condições objetivas para realizar seu trabalho e, de outro, os grandes latifundiários, que concentravam a propriedade da terra nas mãos de uma minoria privilegiada e exploradora. Diante dessas contradições, a principal aspiração do camponês latinoamericano seria a propriedade da terra. Por isso, a base econômica da luta guerrilheira 55

Guerra de Guerrilhas foi considerado um manual de grande importância militar para o entendimento dos princípios gerais da guerrilha, pois contava com uma detalhada transmissão do conhecimento técnico do processo revolucionário. 56 Ainda que os conceitos de campo e de guerrilha não possam ser dissociados para Guevara, abordaremos a importância do primeiro em seus escritos para posteriormente nos determos no segundo de forma pormenorizada. É importante ressaltar que o intento deste trabalho não é se aprofundar nos escritos de Guevara ou em seus comentadores, mas sim apreender quais considerações do guerrilheiro argentino influenciaram as análises trotskistas do período.

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deveria estar associada a essa reivindicação. A reforma agrária, nesse caso, seria a principal bandeira que os guerrilheiros deveriam levantar, pois essa reivindicação seria capaz de mobilizar as massas oprimidas e desenvolver a luta. Os guerrilheiros, portanto, deveriam buscar demonstrar claramente esta relação baseada em antagonismos inconciliáveis: “o guerrilheiro é antes de tudo um revolucionário agrário. Interpreta os desejos da grande massa camponesa de ser dona da terra, dona de seus meios de produção e de seus animais, de tudo aquilo que desejou durante anos (...)” (ibid., p.16). Dessa maneira, para o revolucionário argentino, a relação da guerrilha com o campesinato seria primordial para o sucesso do desenvolvimento da revolução, tendo em vista que o campo era o terreno natural da luta armada. A massa camponesa se integraria à guerrilha quando verificasse sua eficácia no combate ao inimigo. Quando isso acontecesse, a guerrilha se tornaria uma força indestrutível. De acordo com Löwy (2012b), a importância central que Guevara dava aos camponeses, aos trabalhadores da terra, talvez fosse o mais importante elemento de seus textos estratégicos em sua concepção da revolução latino-americana: Rompendo com uma tradição da esquerda latino-americana que havia privilegiado quase exclusivamente os setores urbanos, os sindicatos e as eleições, ele colocou no centro de sua sociologia revolucionária os trabalhadores rurais, cuja oposição ao capitalismo e à ordem social oligárquica havia percebido com grande lucidez (LÖWY, 2012b, p.13).

A centralidade do campo nas considerações de alguém que esteve presente na luta travada em Sierra Maestra, e na chegada dos revolucionários cubanos ao poder, exerceu grande peso na esquerda latino-americana e mundial. Compreender como o campo e o campesinato tinham importância para a revolução nos países periféricos era uma tarefa desafiadora para o movimento trotskista.57 Deve-se ainda destacar que, no contexto mundial, os exemplos da Guerra do Vietnã e da independência da Argélia reafirmavam a importância do campo como palco da luta revolucionária e dos camponeses como seus principais atores (Cf. SALES, 2005). O livro de Guevara foi analisado pelo trotskista estadunidense Joseph Hansen, no artigo já citado, “Ideology of the Cuban Revolution”, de 1960. A preocupação de Hansen associa-se principalmente à questão de Cuba como vanguarda 57

Löwy (2012b) afirma que, apesar das convergências de Che acerca do caráter da revolução na América Latina e a teoria de Trotsky sobre a evolução da revolução democrática e socialista nos países colonizados e semicolonizados serem inegáveis, as concepções acerca dos papeis dos camponeses e do proletariado na guerra revolucionária não se assemelham de forma alguma (LÖWY, 2012b, p.101).

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da Revolução na América Latina. Isso implicaria na obrigação de se examinar as teorias e programas desse processo, especialmente no caso de Cuba ter feito uma nova descoberta. Hansen se perguntava: Nós devemos entender, a partir do que diz Guevara, que o campesinato deslocou o proletariado da liderança da classe revolucionária – nos países atrasados pelo menos? Se sim, o que isso significa para as perspectivas revolucionárias nos países industrialmente mais avançados? Deveria a perspectiva da revolução proletária ser considerada não realista nesses países? (HANSEN, 1960, p.77).

Para responder a esses questionamentos, Hansen primeiro afirmava que, apesar das abrangentes conclusões de Guevara, as lições teóricas da Revolução Cubana ainda não haviam sido delineadas, ao menos até o início dos anos 1960. De acordo com o trotskista estadunidense, ainda que a tomada do poder em Cuba tenha sido feita pelos camponeses, “uma classe residual da era pré-capitalista”, e que o seu padrão pareça ter desafiado a teoria marxista, torna-se mais fácil compreender esses fatos quando conectados a outros eventos internacionais. Haveria dois fatos da história contemporânea que contribuiriam para a chave do entendimento: 1) o aprofundamento da decadência do capitalismo, que implicaria em erupções em diversos locais 2) as décadas de derrota da revolução proletária nos centros capitalistas devido à influência dos Partidos Comunistas sob o controle de castas burocráticas que usurparam o poder. Para Hansen, como não poderia detonar o obstáculo do stalinismo, a revolução “voltouse a uma distância considerável e tomou um desvio” (ibid., p.77). A oposição dos camponeses ao capitalismo e sua atuação no processo revolucionário, na América Latina, parece ser parte desse desvio tomado pela revolução nesses países. Se para Hansen as lições ainda não estavam delineadas de maneira clara, as suas consequências traziam elementos que colocavam Cuba como parte desse caminho alternativo. O desvio poderia ser tomado por outros países inseridos nas mesmas circunstâncias históricas, tendo o campesinato como seu principal sujeito. Já em “Theory of the Cuban Revolution”, escrito em 1961, Hansen comparava as demandas do campesinato cubano às dos camponeses na Rússia à época da Revolução de Outubro. Para o militante do SWP, as maiores demandas dos cubanos eram o fim da fome, o fim das mortes no regime de Batista e a reforma agrária, ou seja, “pão, paz e terra”, como na Rússia. Ao incorporar essas demandas, o Movimento 26 de Julho demonstraria que era uma força extremamente radicalizada, ainda que sua origem

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fosse pequeno-burguesa. A crença no campesinato como classe potencialmente revolucionária nos países periféricos ganhava, assim, maior força dentro do SWP. Como parte do desvio revolucionário, a possibilidade se fazia presente. Na América Latina, a posição do SLATO divergia em alguns pontos daquela adotada por sua respectiva organização internacional, bem como também se distanciava das teses de Guevara. Em 1962, o Palabra Obrera editou o livro A Revolução Latino-americana, que incluía os artigos publicados na revista Qué Hacer? e materiais posteriores sobre Cuba, com um prólogo de Moreno sobre “a revolução que fala nossa língua”. A Revolução Cubana, como vanguarda desse processo, teria movido os alicerces do continente, a ponto de que daquele momento em diante seria “referência obrigatória para os que estudam a história, a política, a luta de classes, a cultura ou a arte latino-americanas. Em todos os casos será necessário dizer ‘antes e depois da Revolução Cubana’” (MORENO, 1962, p.43). Moreno examinava a existência de cinco fenômenos derivados do processo revolucionário aberto por Cuba e que, seguindo uma dinâmica própria, também reagiam sobre esse processo. Os fenômenos seriam os seguintes: a mudança nas relações de força entre o imperialismo e as massas e países latino-americanos; a mudança na relação de forças entre as massas e as oligarquias nativas; o aceleramento da crise do imperialismo estadunidense; a crise dos velhos partidos nacionalistas e o surgimento de um novo movimento latino-americano e a aceleração da crise dos partidos comunistas. A partir dessas análises, Moreno buscou responder às questões abertas pelo processo cubano, preocupando-se especialmente em aproveitar as experiências de outras revoluções para a América Latina. Em relação à crise do imperialismo e à crise dos partidos comunistas, os partidários do SLATO concordavam com os trotskistas do SWP, mas alguns pontos de divergência ainda surgiriam. No tocante ao papel do campo e do campesinato, Moreno afirmava que a Revolução Cubana confirmou o que haviam demonstrado as revoluções asiáticas, ou seja, que seria falso o dogma de que a única classe que poderia cumprir com as tarefas democráticas era a classe operária. Cuba havia demonstrado que a classe média urbana e os camponeses poderiam ser forças revolucionárias. Para o historiador Martín Mangiantini, essa foi “seguramente a concessão de maior envergadura ao paradigma castrista” (MANGIANTINI, 2014, p.40). No entanto, assim como essas revoluções

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teriam rompido com esquemas falsos devido a erros interpretativos, também salientava que era a classe operária que poderia cumprir com a transição ao socialismo, ainda que no início tenham sido levadas por outras classes. Dois anos mais tarde, em 1964, Moreno publicou o artigo “Dos métodos frente a la revolución latino-americana: ¿Lucha guerrillera o lucha obrera y de masas?”, no qual buscava fazer um comentário crítico aos trabalhos teóricos de Che Guevara.58 A crítica a Guevara deixava ainda mais clara a posição adotada frente à ideia dos camponeses como vanguarda revolucionária. De acordo com Moreno, a ideia de Guevara de que o campesinato era “a classe social e vanguarda em todos os países latino-americanos” não deixava a menor possibilidade de que essa situação pudesse variar de país para país e que as distintas mentalidades campesinas provocassem distintas relações entre o proletariado, a pequena-burguesia e o campesinato. Para o trotskista argentino: Não só não é o mesmo o campesinato peruano e o argentino, como também não há a mesma relação de classes revolucionárias no Peru e na Argentina. Essas são as diferenças fundamentais que variam de país para país e de etapa a etapa e não as mentalidades campesinas. (...) O verdadeiro argumento guevarista é técnico e não social. Ele apela ao campesinato e ao campo por serem a classe e a zona ideais para a guerrilha. Ou seja, a guerrilha e a luta armada não estão a serviço do movimento de massas do país, de sua dinâmica, mas o contrário, o movimento de massas e os lugares geográficos estão a serviço da guerra de guerrilhas. O campesinato é a classe da vanguarda porque isso será melhor para o desenvolvimento da guerrilha, não porque seja na realidade (MORENO, 1964, p.11).

Os motivos pelos quais Moreno criticava Guevara estavam associados ao que o trotskista argentino considerava uma má interpretação da Revolução Cubana. Para ele, nada havia provado que o setor da vanguarda em Cuba teria sido o campesinato e não o proletariado agrícola e a pequena burguesia urbana. Mantendo a mesma concepção da publicação anterior, Moreno afirmava que “a vanguarda da revolução latino-americana muda de país para país e de etapa em etapa”, no entanto, “superamos o esquema trotskista de que somente o proletariado é a vanguarda da revolução não para cair em outro tão funesto quanto aquele” (ibid., p.12). O trotskista do SLATO destacava que não estaria disposto a sacrificar seu método por nenhum “dogma campesino”.

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Os trabalhos aos quais Moreno responde são A guerra de guerrilhas (1960), Cuba, exceção histórica ou vanguarda na luta anticolonialista? (1962) e A guerra de guerrilhas: um método (1963). O autor não menciona quais seriam as edições utilizadas.

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As principais respostas de Moreno às análises de Guevara enfatizavam: 1) que o local em que a luta aconteceria poderia ser o campo ou a cidade, pois o mais importante não seria a questão geográfica, mas sim o estabelecimento da direção revolucionária onde existisse uma maior inserção política; 2) que mesmo que o campesinato fosse o principal sujeito da transformação, não seria necessariamente através da guerra de guerrilhas que se rebelaria; 3) que os aspectos comuns do processo revolucionário latino-americano – a necessidade de uma unidade e a oposição ao imperialismo – não determinavam o caráter e o modo pelo qual a luta aconteceria em cada país. É importante destacar que essas críticas não estão associadas a uma recusa total das ideias de Guevara por parte de Moreno. A concepção do guerrilheiro do caráter continental da luta para a melhor defesa da Revolução Cubana era entendida por Moreno como uma aproximação com a teoria da revolução permanente.59 As críticas à URSS, a luta pela unidade dos países socialistas com os atrasados e o enfoque sobre o internacionalismo revolucionário também foram importantes pontos de convergência entre o trotskismo e as ideias de Guevara (MANGIANTINI, 2014, p.70). Dessa maneira, Moreno se posicionava de forma mais incisiva que o SWP tanto em sua caracterização do campesinato como vanguarda latino-americana, como em suas críticas à principal figura teórica que emergiu diretamente do processo cubano. O trotskista argentino rompia com a tradição apontada por Löwy (2012b), a de privilegiar os setores urbanos, mas alertava também para o perigo de se cair em outra tentação, a de privilegiar somente o campo e os camponeses.

O Secretariado Internacional (SI) e o Bureau Latino-Americano (BLA) Os problemas acerca da importância do campo como local privilegiado e dos camponeses como classe revolucionária também foram tratados pelos trotskistas europeus. A primeira vez em que o tema apareceu na revista Quatrième Internationale foi ainda em uma nota editorial de julho de 1960, que afirmava que a Revolução Cubana havia ultrapassado os limites democráticos burgueses ao adotar medidas que afetavam o

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Em outubro de 1967, quando Che Guevara foi morto, Moreno publicou o artigo “Guevara: herói e mártir da revolução permanente” no periódico La Verdad (publicação de sua organização na época, o PRT). Nesse artigo, o trotskista argentino destaca a relação existente entre Guevara e a teoria da revolução permanente.

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regime capitalista, principalmente por meio da reforma agrária, que teria não só distribuído as terras, como também organizado a produção com base em cooperativas camponesas (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1960) O exame do processo revolucionário cubano e do lugar ocupado pelo campesinato também foi feito por A. Ortiz no já destacado artigo “Révolution permanente a Cuba” de 1960. Para Ortiz, todas as massas exploradas em Cuba estavam mobilizadas conjuntamente, tendo em vista que a estrutura capitalista construída na ilha se baseava na superexploração das massas operárias e camponesas. Aos pequenos camponeses eram relegadas as terras menos produtivas, onde a cana de açúcar e o tabaco não podiam se desenvolver. Aqueles que trabalhavam diretamente com o corte da cana de açúcar o faziam em média por três meses ao ano, durante a colheita. A baixa industrialização, praticamente estagnada, também não poderia absorver toda a mão de obra. Em 1959 havia 700 mil desempregados em uma população de 7 milhões de habitantes. De acordo com o trotskista do SI, “foi essa situação que deu a uma revolução política um caráter social” (ORTIZ, 1960, p.36). Para Ortiz, o profundo desequilíbrio social fazia com que as massas se mobilizassem e impedissem uma solução capitalista para a crise em que viviam, impulsionando as lideranças do movimento às últimas consequências. A conquista do poder em Cuba teria sublinhado o papel do campesinato, principalmente no processo revolucionário latino-americano. Esse papel já havia sido destacado com a participação dos camponeses nas revoluções da Bolívia e da Guatemala, mas adquiriu destaque após os acontecimentos em Cuba. Teria sido na luta em Sierra Maestra, com o apoio dos camponeses explorados, que a revolução cubana adquirira uma característica de revolução agrária, conservada em um primeiro momento. No entanto, apesar da intervenção das massas operárias não ter sido tão importante na etapa insurrecional, uma vez passada essa etapa – democrática e agrária – o papel da classe trabalhadora se tornaria predominante e decisivo para uma transição ao socialismo. Dessa maneira, Ortiz se aproximava da concepção partilhada por Moreno, que compreendia ser possível o campesinato atuar como vanguarda revolucionária e levar a frente tarefas democráticas, mas que a transição ao socialismo seria própria aos setores operários. Para o trotskista do SI, “as massas operárias são o setor mais ofensivo, coerente e ativo da revolução” (ibid., p.35).

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Na América Latina, o BLA, ainda que problematizasse com maior ênfase a questão do campesinato para a revolução latino-americana após o desenvolvimento da Revolução Cubana, também reafirmava o papel do operariado. No jornal argentino Voz Proletaria, de julho de 1960, destacava-se que a revolução estaria a caminho de dar um passo a uma fase superior, na qual os objetivos econômicos e sociais levariam decisivamente à necessidade de unir a luta anti-imperialista com a luta anticapitalista e exigiriam a definição de um programa claramente revolucionário, que só poderia “ser dado pelo proletariado como condutor das grandes massas camponesas e da pequena burguesia pobre das cidades” (VOZ PROLETARIA, 1960a, p.4). O processo revolucionário que viveria a América Latina não seria equilibrado e homogêneo, não só pelo caráter desigual de seus desenvolvimentos, mas também pelo peso ainda fraco de uma “direção proletária consciente”. No caso de Cuba, para avançar no caminho revolucionário, a classe trabalhadora, os sindicatos e a Central de Trabalhadores Cubanos deveriam intervir de forma mais direta, independente da atividade e das posições do governo, tendendo a converter-se em direção da revolução. Ainda que apoiando as medidas progressistas do governo, a classe trabalhadora daria sua própria perspectiva e programa, como líder de todas as massas exploradas em Cuba, camponeses, estudantes e pequena burguesia pobre, ou seja, atuando como “a verdadeira base de apoio da revolução” (ibid., p.4) Inicialmente, se os camponeses haviam sido o centro gravitacional da revolução, com o passar do tempo esse centro deveria ser deslocado para os proletários, ou o processo revolucionário não avançaria. Para os argentinos do Voz Proletaria, isso aconteceria porque o camponês, em posse da terra, tenderia a ser conservador, pois a imensa maioria do campesinato trabalharia por interesses individuais: O deslocamento do apoio da revolução do campesinato para o proletariado, como condutor do processo revolucionário, é uma das bases essenciais da revolução permanente (...) A luta pela libertação nacional tende a se unir à luta pela libertação social. O proletariado aparece como o condutor único e insubstituível dessa luta (ibid., p.5).

As observações do movimento trotskista internacional acerca da importância do campo e dos camponeses para o processo revolucionário demonstram uma preocupação em associar a ação prática ao conhecimento teórico. A vitória cubana foi conquistada em grande medida pelo apoio dos camponeses e em um contexto no qual a classe operária mundial não havia comparecido ao encontro esperado. Assim como em 101

Cuba, nas guerras do Vietnã e de independência da Argélia o campo teve um papel importante. Além disso, as considerações do líder guerrilheiro Che Guevara enfatizavam o desempenho dos camponeses na luta revolucionária dos países latinoamericanos, influenciando as compreensões trotskistas. Dessa maneira, ainda que não incorporasse a premissa geográfica do campo e a premissa social dos camponeses como modelo a ser seguido – como fazia Che Guevara – o movimento trotskista se viu impelido a examinar de forma mais atenta os significados dessas concepções na revolução latino-americana e mundial.

ENTRE A GUERRA NUCLEAR E A PAZ MUNDIAL O Comitê Internacional (CI) e o Secretariado Latino Americano (SLATO) Um dos momentos de maior tensão de toda a Guerra Fria aconteceu em outubro de 1962 em pleno território cubano. No ano anterior, os Estados Unidos haviam instalado mísseis na Turquia, na Grã-Bretanha e na Itália, além da fracassada tentativa de invasão da Baía dos Porcos. Por esses motivos, os soviéticos decidiram instalar seis bases de mísseis na Ilha, que logo foram consideradas pelos estadunidenses como uma grande ameaça à sua segurança nacional. Diante de tal acontecimento, o governo estadunidense afirmou que não hesitaria em utilizar armas nucleares contra a iniciativa da União Soviética. Durante os treze dias de negociações entre os dois países, o temor de uma guerra nuclear atingiu níveis mundiais. Foi então que os soviéticos optaram pela retirada dos mísseis a fim de evitar uma catástrofe. Deve-se ressaltar que, embora Cuba tenha sido o foco de um possível enfrentamento, as potências envolvidas não consideraram qualquer interferência do governo revolucionário. Segundo Moniz Bandeira (2009), a resolução para o episódio da Crise dos Mísseis desagradou Fidel Castro, visto que em nenhum momento seu governo foi consultado sobre a negociação.60

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O episódio não desagradou somente a Fidel Castro, mas também a Che Guevara. Segundo Luiz Bernardo Pericás: “A desilusão do Che com os soviéticos começou com a Crise dos Mísseis, em 1962, principalmente porque se sentiu ‘traído’ pela União Soviética, que retirou seu armamento de Cuba sem avisar ao governo da ilha, capitulando aos Estados Unidos” (PERICÁS, 2002, p.95).

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Após a Crise dos Mísseis, governantes estadunidenses compreenderam que qualquer intervenção direta em Cuba significaria o início de um conflito de proporções mundiais. Além de não contar com o apoio da opinião pública na América Latina, nem na Europa Ocidental, nem mesmo dentro dos Estados Unidos, uma ação unilateral norte-americana para derrubar o governo de Castro poderia acarretar consequências ainda mais graves no contexto internacional (Cf. AYERBE, 2004). Diante desse impasse de proporções mundiais, o movimento trotskista precisou adotar uma posição perante a iminente guerra nuclear. Os estadunidenses do CI publicaram em sua revista o artigo do militante do SWP, Farrell Dobbs, denominado “The Cuba Crises: the week of the brink”. O principal ponto do artigo era a necessidade de se evitar uma possível guerra nuclear sem que isso significasse a defesa da “coexistência pacífica”, propagada anteriormente pelos partidos comunistas alinhados a Moscou. Para o estadunidense, não seria possível acreditar nessa coexistência pacífica porque quando a classe dominante se sentisse minimamente ameaçada, tentaria por todos os meios possíveis manter sua posição de privilégio. Por isso não se deveria duvidar que os Estados Unidos seriam capazes de colocar o mundo em risco, e sua própria população, a fim de manter seu poder. Além disso, não haveria nenhuma garantia de que os mísseis instalados pelos soviéticos não seriam utilizados pelos cubanos. Contudo, é importante destacar que os trotskistas do CI não consideraram errônea a atitude dos soviéticos de fornecerem armas para a defesa dos cubanos. E, caso houvesse necessidade de defesa, também não seria um erro que os cubanos as utilizassem. O agressor, nesse caso, era o imperialismo: “A culpa não era de Castro. Não era de Khrushchov. Era de Kennedy, que acelerou a crise da guerra nuclear e usou a questão da ajuda soviética para a autodefesa como seu pretexto” (DOBBS, 1963, p.4). Para Dobbs, a classe dominante norte-americana tinha sido o único governo no mundo a usar armas nucleares contra seres humanos, mas eram capazes, no entanto, de considerar os cubanos como potenciais agressores. A retirada dos mísseis feita pela União Soviética também não foi desaprovada pelos trotskistas estadunidenses, pois esses consideravam que enfrentar os Estados Unidos até o ponto de ruptura para uma guerra nuclear não seria válido. O erro soviético foi, nesse caso, não consultar o governo de Cuba para resolver tal impasse. A

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retirada dos mísseis, por outro lado, ajudava a evitar um conflito de grande magnitude, que certamente não estaria de acordo com os interesses dos Estados operários e do movimento proletário internacional. Uma guerra nuclear significaria a completa destruição da civilização humana, por isso o objetivo central do movimento operário mundial nunca poderia ser uma vitória na guerra nuclear, afinal, como mais tarde destacariam outros dois trotskistas: “para construir o comunismo, a humanidade precisa existir (...) a meta deverá ser a prevenção de uma guerra atômica mundial” (HANSEN; MANDEL, 1963, p.126, grifo dos autores). Dobbs também afirmava que o principal fato que emergiu da Crise dos Mísseis foi a possibilidade de se evitar uma guerra nuclear, ao menos temporariamente. Isso daria mais tempo para a luta pela paz mundial.61 Em certa medida, o perigo iminente de uma guerra representou um problema para análises trotskistas sobre a revolução mundial. Ao mesmo tempo em que se defendia a necessidade de evitar a guerra e lutar pela paz mundial, também se afirmava que a única forma de se opor ao poder do imperialismo era através da luta de classes. Ainda que a autodefesa militar dos países revolucionários fosse importante, apenas a ação da luta de classes seria a chave para combater a guerra imperialista. Diante desse problema, Dobbs levantou a seguinte questão: a luta de classes contra o imperialismo não poderia aumentar o perigo de uma guerra nuclear? Para o militante do SWP, os imperialistas não estariam inteiramente livres para decidir quando podem fazer uma guerra, pois também tem problemas táticos. Era por isso que o fortalecimento da luta de classes seria importante, para que se mobilizassem mais pessoas do lado da revolução e se criasse um problema tático para o imperialismo, que teria suas forças enfraquecidas. Os latino-americanos do SLATO também problematizaram o episódio da Crise dos Mísseis, enfatizando que o acontecimento teve como consequência o fortalecimento, em Cuba, dos movimentos contrarrevolucionários apoiados pelos estadunidenses – organizados pelos cubanos chamados gusanos. De acordo com o Palabra Obrera argentino, o acordo feito entre Kennedy e Khrushchov não representou o fim das ações dos Estados Unidos contra o continente: “Uma vez que o imperialismo 61

É importante notar que nos artigos escritos no período que circunscreve a Crise dos Mísseis a palavra “paz mundial” foi amplamente utilizada. Perante uma guerra nuclear iminente, defender a paz era o caminho que parecia mais consequente para alguns setores do movimento trotskista daquele período.

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conduziu esse acordo, ficou com as mãos mais livres para reiniciar seus abertos ataques contra Cuba e as massas latino-americanas” (PALABRA OBRERA, 1964, p.20). O artigo ainda destacava uma foto de Fidel Castro e proclamava: “A Cuba de Fidel não cairá, apesar dos ataques do imperialismo e dos gusanos” (ibid., p.20).

O Secretariado Internacional (SI) e o Bureau Latino-Americano (BLA) O Secretariado Internacional também se debruçou sobre o problema da Crise dos Mísseis em seus artigos para a revista Quatrième Internationale. Em dezembro de 1962, publicou a nota editorial “L’affaire cubaine et ses enseignements” e o artigo “Tous a l’action pour La défense de La révolution cubaine”. Os artigos do SI eram complementares aos do CI no tocante à necessidade de se evitar uma guerra nuclear sem se apoiar na “coexistência pacífica”. Assim como os trotskistas do CI, os europeus reunidos no SI acreditavam que o agressor, nessa situação, havia sido o imperialismo estadunidense. Para se defender, o governo cubano, por sua vez, diante da constante ameaça norte-americana, teria “perfeitamente o direito de tomar quaisquer medidas que julgasse apropriadas” (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1962c, p.12). Quanto à posição do governo soviético, os trotskistas do SI acreditavam que esse não deveria ser criticado por evitar o conflito nuclear, mas sim por atuar sem consultar Fidel Castro e por confiar nas garantias de Kennedy. Para os europeus, também não havia dúvidas de que os Estados Unidos poderiam colocar o mundo em perigo para manter seu poder: “O imperialismo está disposto a reagir com todos os meios, incluindo empurrar o mundo à beira do abismo se considerar que os pontos vitais de sua dominação estão ameaçados” (id., 1962b, p.1). É nesse sentido que a ameaça de uma guerra destrutiva estaria longe de desaparecer. No entanto, a necessidade da “paz mundial”, para os trotskistas europeus, também não significava a defesa da “coexistência pacífica”. Pelo contrário, até aquele momento, a postura dos partidos comunistas de todo o mundo, de que o capitalismo e o socialismo poderiam conviver pacificamente, teria se mostrado errônea. Isso porque ela não impediu a Segunda Guerra Mundial, nem as intervenções imperialistas no Vietnã e na Coreia, e muito menos a Crise dos Mísseis: “uma concepção que semeia a ilusão de que a guerra pode deixar de ser um perigo para a humanidade acaba desarmando o

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movimento comunista e o impede de lutar sob uma tática e uma estratégia revolucionárias” (ibid., p.4). Nesse sentido, a tese defendida por Dobbs no CI foi reforçada pelos trotskistas do SI: “se vamos evitar que a humanidade não se afunde em uma catástrofe nuclear, devemos lutar por todos os meios, antes de tudo, para paralisar e em seguida reverter o sistema capitalista, pois a sua natureza não cessa de empurrar para a guerra” (ibid., p.5). Para esses setores do movimento trotskista – CI, SLATO e SI – era necessário refrear a possível guerra nuclear e fortalecer a luta de classes. Para tanto, seria importante que a própria IV Internacional se fortalecesse e retomasse sua unidade a fim de intensificar essa luta. Os trotskistas europeus do SI faziam um chamado a todos os trabalhadores do mundo para a defesa da Revolução Cubana. Afirmando “solidariedade plena com a Cuba socialista” nesse momento de terrível ameaça, conclamavam os trabalhadores e camponeses pobres da América Latina, da África e da Ásia, além dos trabalhadores dos Estados Unidos, da Europa capitalista e do Japão, bem como os da União Soviética e dos demais Estados operários. A defesa de Cuba estava amplamente relacionada a uma exaltação de sua importância para o mundo: Por sua firme luta contra a primeira potência imperialista do mundo, por sua capacidade sem paralelos de mobilizar as massas, por sua confiança no povo, por sua ofensiva corajosa contra as primeiras manifestações de uma burocracia privilegiada em Cuba, o camarada Fidel Castro e seus companheiros escreveram páginas imortais no livro de ouro da revolução mundial. É o dever do proletariado internacional proteger Cuba socialista com todas as suas forças! (id., 1962c, p.13).

Por fim, deve-se destacar que durante o episódio da Crise dos Mísseis, o BLA de Posadas já havia rompido com o SI. É importante notar, no entanto, que o acontecimento tem ampla relação com as divergências que levaram à ruptura, embora não seja a causa desta. No VI Congresso Mundial do SI, em 1961, definiu-se que diante do perigo de uma Terceira Guerra Mundial, que ameaçaria a existência da humanidade, a única forma de luta efetiva seria a derrubada do capitalismo e do imperialismo, mas também seria crucial a luta pelo desarmamento unilateral dos países. O BLA, no entanto, entendia que essa posição era a “capitulação ante o pacifismo e humanismo pequeno-burguês”, por isso exigia dos demais trotskistas a aceitação da inevitabilidade da guerra, bem como o necessário preparo das massas para a guerra atômica mundial

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(LEAL, 2003, p.142). Quando Posadas rompeu com o SI, no início de 1962, fundando sua própria Internacional, proferiu o seguinte discurso: A guerra atômica vai destruir uma enorme quantidade de riquezas, de homens, de sábios, sem dúvida. Mas, ao mesmo tempo, a consciência comunista vai desenvolver-se mais rapidamente e vai recuperar num período curto, de poucos anos, o que custou cem ou duzentos anos para construir. É o preço que deve ser pago, a história é assim (POSADAS apud LEAL, 2003, p.142).

A concepção de Posadas era oposta a do restante do movimento trotskista. Enquanto o argentino considerava que uma guerra nuclear levaria a humanidade ao socialismo de forma mais rápida, os demais acreditavam que um evento dessa proporção só levaria à extinção da raça humana – e, consequentemente, à inexistência do socialismo. Em dezembro de 1962, a revista Quatrième Internationale publicou em sua seção sobre as notícias da IV Internacional uma nota sobre a América Latina, na qual o SI declarava que os jornais Voz Proletaria (Argentina), Frente Obrero (Uruguai), Frente Operária (Brasil), Vanguardia Proletaria (Chile), Voz Obrera (México) e Voz Obrera (Peru) não representavam mais a IV Internacional e sua orientação política. O SI, portanto, não possuía mais nenhuma responsabilidade sobre a linha política desses organismos. Após esse episódio, Lívio Maitan, membro do SI, viajou para a América Latina buscando manter contatos com militantes trotskistas do BLA para que esses rompessem com Posadas (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1962d, p.63). Os partidos associados ao BLA, no entanto, acabaram por apoiar Posadas, principalmente porque haviam se originado graças a delegados enviados pelo dirigente argentino a diferentes países. Isso não significava que esses partidos possuíssem amplo acordo com as teses defendidas por Posadas. No Brasil, por exemplo, de acordo com Leal (2003), os depoimentos de alguns militantes do POR convergem para a ideia de que a ruptura com o SI foi um golpe qualitativo no partido. Dessa maneira, para a maior parte do movimento trotskista – CI, SLATO e SI – a Crise dos Mísseis representou a necessidade imediata de defesa da paz mundial, sem que isso significasse a ideia de uma “coexistência pacífica”. Para essas organizações, um conflito de proporções nucleares não seria benéfico para a classe trabalhadora, pois o socialismo não poderia acontecer sem que a humanidade existisse. Posadas e o BLA, no entanto, consideraram que uma guerra nuclear seria importante

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para acelerar o desenvolvimento de uma “consciência comunista”, divergindo frontalmente das demais organizações trotskistas.

A NOVA DINÂMICA PARA A REVOLUÇÃO MUNDIAL E O CASTRISMO O Secretariado Unificado (SU) e o Secretariado Latino-Americano (SLATO) Para González (1999a), a reunificação de parte do movimento trotskista foi uma consequência indireta da Revolução Cubana. Isso porque os acordos quanto ao processo revolucionário cubano possibilitaram que o Secretariado Internacional e o Comitê Internacional retomassem o diálogo em busca de um novo arranjo. Mas foi também a necessidade de construção de partidos revolucionários em todo o mundo, além das análises feitas sobre os novos Estados operários, que representaram pontos de convergência importantes entre as partes cindidas. O documento que marca a criação do SU foi chamado de “Dynamics of World Revolution Today”. Adotado como resolução no VII Congresso da Quarta Internacional, ocorrido em junho de 1963, o artigo foi um documento de referência para o SU durante as décadas seguintes. Como o próprio título sugere, havia uma nova dinâmica para a revolução mundial, não só analisada por esses autores como também compartilhada pelo restante do movimento trotskista na busca de uma reorientação de sua prática política. A resolução iniciava-se com a descrição do contexto geral no qual se inseria a revolução mundial, que em seu esquema clássico supunha que a vitória do socialismo ocorreria primeiro nos países de capitalismo avançado. Em referência ao próprio Marx, “os países de capitalismo avançado mostram aos mais atrasados o seu futuro”. Nesse sentido, uma base industrial altamente desenvolvida e um proletariado poderoso, bem como um movimento operário forte e politicamente consciente seriam pré-condições indispensáveis objetiva e subjetivamente, que poderiam aparecer somente com o pleno desenvolvimento do capitalismo. Destacava-se, no entanto, que no início do século XX, Trotsky com a teoria da revolução permanente e Lenin com a teoria do imperialismo, afirmaram que as contradições do sistema capitalista como um todo poderiam levar o proletariado dos países atrasados – denominação da época aos países periféricos – a

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chegar ao poder antes dos mais avançados. Esse era um desvio pelo qual teria passado a revolução mundial: A revolução seguiu um caminho mais tortuoso do que até os seus maiores teóricos esperavam. Nós sabemos o alto preço que a humanidade como um todo pagou e os trabalhadores e camponeses dos Estados operários, em especial, tiveram que pagar por esse desvio (INTERNATIONAL SOCIALIST REVIEW, 1963a, p.114).

Para compreender as análises do movimento trotskista acerca da nova dinâmica da revolução mundial, e de como os países periféricos poderiam irromper em movimentos revolucionários antes dos demais, faz-se necessário retomar a concepção de Trotsky acerca da teoria do desenvolvimento desigual e combinado. De acordo com Löwy (1998), ainda que elaborada inicialmente no contexto russo, essa análise estaria impregnada de um significado muito mais abrangente, que poderia se aplicar às formações sociais situadas na periferia do sistema capitalista. As particularidades do desenvolvimento do capitalismo na Rússia revelariam um caráter desigual de sua formação, mas não eram vistas como um atraso cronológico, que seria superado com o tempo, e sim como uma rejeição de esquemas evolucionistas e eurocêntricos por parte de Trotsky (Cf. BIANCHI, 2000). Foi no primeiro capítulo de seu livro História da Revolução Russa, de 1930, que Trotsky apresentou a teoria do desenvolvimento desigual e combinado como uma proposição de alcance universal: As leis da História nada têm em comum com os sistemas pedantescos. A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processo histórico, evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos. Desta lei universal da desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, por falta de denominação apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento desigual e combinado, que significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama com as formas arcaicas com as mais modernas (TROTSKY, 1977, p.25).

Segundo Löwy (1998), essa teoria fundou uma hipótese baseada nos seguintes termos: “com a ascensão do capitalismo a um sistema mundial, a história mundial torna-se uma totalidade concreta (contraditória) e as condições do desenvolvimento social e econômico conhecem uma mudança qualitativa” (LÖWY, 1998, p.76). Nessa mudança qualitativa estaria excluída a possibilidade de uma repetição das formas de desenvolvimento de diversas nações, o que faria com que os

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países atrasados não se conformassem com uma ordem de sucessão, adotando certos traços avançados que saltariam etapas intermediárias. Como destaca o próprio Trotsky: o desenvolvimento de uma nação historicamente atrasada conduz, necessariamente, a uma combinação original das diversas fases do processo histórico. A órbita descrita toma, em seu conjunto, carácter irregular, complexo, combinado. A possibilidade de superar degraus intermediários não é, está claro, absoluta; realmente, está limitada pelas capacidades econômicas e culturais de cada país (TROTSKY, 1977, p.24).

O desenvolvimento desigual traria consigo, portanto, uma importante consequência: o privilégio dos países historicamente atrasados. Dito de outra forma, aqueles considerados “marginais, periféricos, ‘atrasados’ do ponto de vista de uma evolução histórica determinada – econômica, social ou cultural – podem tornar-se precisamente a vanguarda da transformação seguinte” (LÖWY, 1998, p.78). Nessa consequência – a da possibilidade dos países periféricos como vanguarda do movimento histórico – repousaria o ponto preciso em que a teoria do desenvolvimento desigual e combinado distinguia-se do eurocentrismo e da concepção evolucionista que considerava a história como uma sucessão de etapas rigidamente pré-determinadas.62 Segundo Bianchi (2001), essa teoria permitiu ao revolucionário russo pensar uma unidade dialética entre economia e política, situando-se no nível da atualidade da revolução proletária. Como uma teoria do desenvolvimento do capitalismo em sua fase imperialista, a proposição de Trotsky tomaria em seu centro a “contradição fundamental existente entre a nação-Estado e a internacionalização crescente das forças produtivas, transformando o mercado mundial em um elemento decisivo para apreensão do imperialismo” (BIANCHI, 2001, p.105). É nesse sentido que o artigo “Dynamics of World Revolution Today” buscava atualizar essas perspectivas clássicas do trotskismo acerca da revolução mundial, ao mesmo tempo em que fazia um balanço da luta de classes depois da II Guerra Mundial. Acreditava-se que era importante reconhecer que havia três forças da 62

Para Löwy, é importante mencionar que o debate que esteve no centro das controvérsias teóricas e políticas na América Latina por muito tempo – sobre a natureza capitalista ou semifeudal da economia colonial – é um flagrante exemplo do impacto da teoria do desenvolvimento desigual e combinado nos próprios países periféricos. De forma contrária à historiografia tradicional dos partidos comunistas, Löwy destaca os seguintes trabalhos: “o argentino Sergio Bagu (desde 1949), Caio Prado Jr., ele próprio membro do Partido Comunista Brasileiro (em 1951) e o chileno Marcelo Segall (em 1953), vão insistir sobre a dimensão capitalista da colonização. Alguns anos mais tarde, autores de inspiração marxista como Miliciades Peña (em 1957) e Luis Vitale (em 1966), vão utilizar a teoria do desenvolvimento desigual e combinado para analisar a articulação entre elementos escravistas ou semifeudais com o capitalismo, sempre insistindo sobre a predominância decisiva deste último” (LÖWY, 1998, p.80).

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revolução mundial atuando como uma unidade dialética naquele momento: a revolução colonial; a revolução política, nos Estados operários degenerados ou deformados e a revolução proletária nos países imperialistas. Cada uma dessas formas influenciava as outras e recebia impulsos ou freios em seu próprio desenvolvimento, próprios do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo. O texto dos trotskistas analisava cada uma dessas formas de revolução e concluía enfatizando o papel da IV Internacional nesse processo. A revolução colonial, para os autores, significaria que os oprimidos e explorados ao longo de séculos agora possuíam “uma voz, uma língua e uma perspectiva própria”, pois haviam se tornado “os mestres e construtores de seu próprio destino”, em áreas nas quais a tradição era a opressão e a exploração. Essas revoluções só seriam socialmente possíveis, no entanto, por meio de um Estado operário capaz de prover as bases objetivas para que esse movimento seguisse no caminho da revolução permanente. Deve-se ressaltar que a revolução colonial não poderia, apenas com suas forças, possibilitar a queda do imperialismo. O colapso do mundo colonial não estaria associado a uma imediata crise econômica nos países imperialistas, mas sim a uma relativa expansão da produção capitalista. Isso aconteceria porque tão logo os Estados independentes emergissem da revolução colonial, acabariam detidos por lideranças burguesas e pequeno-burguesas nos limites do sistema capitalista de produção, fazendo com que o real poder do imperialismo não fosse quebrado. A estrutura econômica e social desses países ainda se manteria presa ao imperialismo, principalmente por serem produtores e exportadores de matérias primas, dependentes das flutuações do mercado mundial. No entanto, isso não significaria que a revolução colonial não teria afetado a economia imperialista, pois as condições objetivas para a revolução permanente já estariam colocadas: As condições objetivas para o processo de revolução permanente nos países coloniais repousam basicamente na incapacidade das lideranças burguesas ou pequeno-burguesas nacionalistas nesses locais em resolver, dentro do âmbito do modo de produção capitalista, os problemas fundamentais criados pela ruptura econômica e cultural (INTERNATIONAL SOCIALIST REVIEW, 1963a, p.117).

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Já as condições subjetivas estariam relacionadas a uma dificuldade das massas coloniais em distinguir a conquista da independência nacional com a melhoria nos padrões materiais e culturais: Assim que as condições de vida não melhorarem, a independência parecerá incompleta, inadequada e até irreal. Isso significa que a longo prazo, nenhuma estabilidade social, econômica ou política será possível nesses países sem a vitória da revolução socialista (ibid., p.117).

Ainda que, por algum tempo, as massas pudessem identificar as lideranças burguesas e pequeno-burguesas com a luta anti-imperialista e pela independência nacional – como era o caso de Perón na Argentina, Nasser no Egito e Nehru na Índia – o equilíbrio político seria instável. Ao surgir uma liderança alternativa para a classe trabalhadora, capaz de mover os sentimentos anti-imperialistas por meio de metas concretas e revolucionárias, as antigas lideranças burguesas estariam abaladas, pois não conseguiriam levar essas tarefas a cabo. A perspectiva para os países coloniais, portanto, seria a do surgimento de prolongadas crises sociais, que as lideranças burguesas tentariam canalizar, mas que passariam desses limites. Para os trotskistas, a estratégia central para que esses limites fossem transpostos estaria associada à construção de seções da IV Internacional nesses países, que fossem capazes de compreender as especificidades nacionais e de elaborar soluções concretas para esses problemas. Dessa maneira, ainda que até aquele momento a revolução colonial não tivesse afetado econômica ou politicamente os países imperialistas de forma direta, o estabelecimento de Estados operários na China, na Coréia do Norte, no Vietnã e em Cuba, teria possibilitado “ramificações poderosas entre os partidos comunistas e na formação de uma liderança revolucionária como um todo” (ibid., p.119). A emergência de movimentos de massas liderados por tendências que se desenvolveram fora do domínio do stalinismo (Cuba e Argélia, por exemplo) “introduziu o elemento desintegrador

mais

poderoso

no

stalinismo

internacional,

favorecendo

o

desenvolvimento de uma onda revolucionária de esquerda” (ibid., p.119). É precisamente nesse ponto da análise sobre a revolução colonial, e seus efeitos no restante do mundo, que reside a importância da Revolução Cubana para esse trotskistas. A vitória da pequena ilha marcou para o trotskismo mundial uma “nova época na história da revolução mundial”, pois Cuba teria inaugurado o primeiro Estado

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operário estabelecido fora dos limites do aparato stalinista. Esse desenvolvimento deveria ser considerado como um ponto decisivo no qual os efeitos atingiriam o movimento comunista no mundo todo. Como um desses efeitos, o artigo destacava o surgimento da corrente castrista e de sua influência nos movimentos revolucionários, especialmente nas áreas coloniais – como na Argélia. O aparecimento de outros Estados operários ajudaria no fortalecimento do “castrismo” e, possivelmente, faria com que essa corrente compreendesse a necessidade de se criar novos partidos marxistas revolucionários de massas. Os trotskistas acreditavam que suas ideias pudessem influenciar o “castrismo”, levando ao “desenvolvimento de uma liderança revolucionária consciente”. Deve-se destacar que, esse aspecto é tão importante para os trotskistas, que as críticas de Fidel Castro aos PCs são comparadas aos discursos de Lenin e Trotsky. No âmbito da revolução política, o documento tratava especialmente do caso da União Soviética, entendida como um Estado operário burocraticamente degenerado pela burocracia stalinista, que passou a exercer um poder ditatorial sobre as massas. Para os trotskistas, após 1923, as massas na União Soviética apresentavam uma passividade política por dois fatores principais: a derrota da revolução internacional com o consequente isolamento do primeiro Estado operário, e o baixo padrão de vida devido ao atraso soviético. As mudanças na correlação de forças do mundo, principalmente após a Revolução Chinesa, em 1949, e a morte de Stalin, em 1953, teriam possibilitado um amadurecimento do interesse político das massas. No entanto, a ameaça de um ataque imperialista ainda era utilizada pela burocracia para silenciar as vozes da oposição. O artigo destacava, ainda, que a revolução política na União Soviética seria importante tanto porque “aceleraria o processo da revolução proletária nos países imperialistas de maneira decisiva” quanto porque favoreceria a revolução colonial. No primeiro caso porque o ressurgimento de uma democracia proletária traria um regime qualitativamente superior à maioria dos Estados democráticos burgueses, além de conduzir ao desaparecimento de líderes stalinistas dos PCs. No segundo caso, os trotskistas afirmavam que mesmo sem a restauração da democracia proletária, a União Soviética já exerceria um enorme poder de atração nas massas dos países coloniais, por

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isso uma revolução política poderia acelerar ainda mais o estabelecimento de Estados operários nos países que passassem por uma revolução colonial. O exemplo de Cuba também deixaria clara a importância da revolução política da União Soviética para os países coloniais. Com o bloqueio imposto pelos Estados Unidos em 1962, a ilha teve que se voltar aos mercados dos países de Estados operários, como URSS e a China. Isso teria impedido que Cuba fosse forçada “a ficar de joelhos para Washington”, ao mesmo tempo em que teria fortalecido a possibilidade de que outros países coloniais ou semicoloniais vissem esses mercados como alternativa: O desenvolvimento econômico, especialmente da União Soviética, aumenta o peso dos Estados operários na economia mundial, permitindo-os quebrar o monopólio imperialista de comprar produtos primários de muitos países atrasados, e colocando-os em posição de oferecer alternativas atraentes aos onerosos subsídios imperialistas a equipamentos e projetos de desenvolvimento (INTERNATIONAL SOCIALIST REVIEW, 1963, p.122).

A revolução proletária, por sua vez, aconteceria nos países de capitalismo mais avançado, no qual a classe operária tinha um peso quantitativo maior. Para os trotskistas, grandes mudanças teriam acontecido após o fim da Segunda Guerra Mundial, pois contrariando expectativas de economistas marxistas e não marxistas, a economia capitalista de países industrializados teria se expandido. Ao contrário do que algumas teorias previam, a melhora no nível de vida da classe trabalhadora nesses países não seria um freio para as suas lutas, mas sim um impulso. Os marxistas não poderiam negar a premissa básica de que “o capitalismo é o maior educador dos trabalhadores para o socialismo” (ibid., p.124). É interessante destacar que, para esses trotskistas, as vitórias e derrotas dos movimentos revolucionários desde 1917 expressariam a relação de forças entre a classe dominante e as massas trabalhadoras em escala mundial. Se a revolução havia vencido nos países atrasados e não nos avançados isso não significaria que os trabalhadores desses países não eram suficientemente revolucionários, mas sim que o inimigo que eles precisavam enfrentar era “imensuravelmente maior do que no mundo colonial e semicolonial” (ibid., p.115). Era a fraqueza do inimigo nos países periféricos que abriria maiores possibilidades de vitória, enquanto nos países desenvolvidos a força do inimigo demandaria um plano de luta mais forte e bem preparado. O prognóstico era de que: (...) a revolução colonial continuará, envolvendo novos países e aprofundando seu caráter social à medida que mais Estados operários aparecerem. Ela não conduzirá diretamente à derrubada do capitalismo nos

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centros imperialistas, mas desempenhará um poderoso papel na construção de uma nova direção revolucionária mundial como já está claro com o aparecimento da corrente castrista. A pressão das massas nos Estados operários continuará, com uma tendência para aumentar a ação de massas e o possível começo de uma revolução política em vários Estados operários. Ambos os desenvolvimentos influenciarão favoravelmente o ressurgimento da militância de massas entre o proletariado dos países imperialistas, reforçando uma tendência diretamente decorrente do mecanismo socioeconômico do capitalismo avançado e abrandando seu ritmo de expansão (ibid., p. 125, grifo nosso).

A possibilidade de vitória da classe trabalhadora em países imperialistas estaria colocada para as próximas décadas. Se a vitória da revolução política da URSS ainda não tivesse acontecido até esse momento, a vitória de qualquer um desses países aceleraria esse processo. Da mesma forma, a possibilidade da revolução acontecer em qualquer um desses países de capitalismo avançado também desempenharia um papel decisivo nos países mais atrasados. Essas importantes considerações sobre a dinâmica da revolução mundial, bem como os prognósticos otimistas, pautaram as análises da IV Internacional – Secretariado Unificado (SU) dos anos seguintes. Os trotskistas, no entanto, também fizeram um balanço de sua organização até aquele momento, destacando o fato de que a confirmação de suas ideais no plano teórico não teria sido acompanhada do mesmo sucesso no campo organizacional. Com exceção do Sri Lanka, a IV Internacional não teria atingido uma influência de massas em nenhum país, sendo somente um núcleo de futuros partidos revolucionários de massas. Esse problema deveria ser colocado em perspectiva histórica, pois a dificuldade de construção da organização estaria associada à dificuldade da própria construção do socialismo pelo proletariado mundial. O documento mostrava-se confiante quanto à vitória na Iugoslávia, além de destacar que a Revolução Cubana e a destruição do culto a Stalin fortaleceriam o trotskismo. Dando ainda mais ênfase em uma direção cubana não-stalinista, o artigo concordava

com

a

afirmação

de

que

os

revolucionários

cubanos

eram

“inconscientemente trotskistas”. E se inconscientes foram capazes de tal feito, conscientes poderiam levar o trotskismo a ser uma poderosa corrente.63

63

A revista na qual o artigo “Dynamics of World Revolution Today” é publicado também apresenta em sua contracapa a propaganda de uma publicação do discurso de Fidel Castro em 26 de julho de 1963, intitulado “The road to revolution in Latin America” (Cf. INTERNATIONAL SOCIALIST REVIEW, 1963a).

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Mas as aproximações dos trotskistas com a Revolução Cubana não se deteriam somente nessa afirmação. Outra importante publicação para o entendimento da caracterização do regime cubano nesse momento foi o artigo de Mandel intitulado “Defend the Cuban Revolution”, escrito em 1964, após uma viagem de quase dois meses à ilha. Mandel afirmava que um país subdesenvolvido encontrava-se no caminho para o socialismo por meio de uma revolução social real. O tom inicial do documento não deixa dúvidas quanto ao restante de suas análises: Uma revolução que transformou quartéis em escolas; que tem dado as luxuosas mansões dos ricos para alunos bolsistas do governo; que levou um milhão de jovens e adultos para a educação; uma revolução que suprimiu radicalmente a desigualdade racial e a segregação; que atingiu o milagre de eliminar, em três anos, o desemprego e o subemprego nas áreas rurais – um notório mal em todas as economias subdesenvolvidas (...); uma revolução que mesmo de acordo com os relatos de seus inimigos dos Estados Unidos garantiu, pela primeira vez, que todas as crianças tenham o suficiente para comer e ir à escola. O socialista cujo coração está no lugar certo poderia deixar de estar feliz por essa revolução? (MANDEL, 1964, p.80, grifo nosso).

A revolução socialista de Cuba representava o “mais avançado bastião da emancipação humana”. De forma mais óbvia e marcante que a Revolução Chinesa, o ocorrido na ilha teria provado que o subdesenvolvimento não se deve a uma fraqueza geográfica, racial, étnica ou econômica. Por meio de uma revolução social, Cuba provou que seria possível sair do atraso econômico, melhorando o padrão de vida das massas por meio de uma mudança radical na utilização dos recursos existentes. Ainda que apontasse erros na economia cubana e na gestão da agricultura, Mandel afirmava que esses estavam em processo de correção. No entanto, as tentativas de ataque e isolamento de Cuba, por parte dos Estados Unidos, poderiam barrar as conquistas na ilha e no restante da América Latina. Por isso, na luta entre Washington e Havana, “o dever de todo socialista, de todo aquele que acredita no progresso, é tomar partido sem hesitação a favor da Revolução Socialista de Cuba” (ibid., p.83). A dinâmica da revolução mundial e os caminhos da Revolução Cubana também preocupariam os latino-americanos do SLATO, então associados ao SU.64 No já citado artigo de Moreno, escrito em 1964, “Dos métodos frente a la revolución latino64

O SLATO demorou um ano para ingressar no SU, pois de acordo com Nahuel Moreno, “apesar dos acordos em relação à Revolução Cubana, mantínhamos nossas divergências políticas e de método com a direção que havia traído a Revolução Boliviana” (MORENO, 2008, p.26). Em 1964, ingressaram porque estariam convencidos de que “apesar das divergências, uma reunificação em base ao apoio a uma revolução operária era positiva” (ibid., p.26).

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americana: ¿Lucha guerrillera o lucha obrera y de masas?”, apesar da análise do método guerrilheiro e da crítica a Guevara serem o cerne da publicação do argentino, suas considerações acerca da revolução latino-americana apresentam convergências e divergências com o documento adotado pelo SU que merecem ser destacadas. A preocupação de Moreno também estava associada a uma nova dinâmica para a revolução mundial, especialmente na América Latina após a Revolução Cubana, “até agora o acontecimento latino-americano mais importante do século” (MORENO, 1964, p.3). Segundo Moreno, a Revolução Cubana marcaria o começo da revolução socialista em nosso continente e no mundo ocidental, além de ter dado origem a uma nova tendência revolucionária em escala continental. Aqui a análise do trotskista argentino sobre o “castrismo” se associa a dos trotskistas do SU, pois ambos veem nos líderes cubanos um grande exemplo revolucionário para a revolução mundial: Nossa admiração, respeito, reconhecimento para com eles, como chefes do processo revolucionário latino-americano, não tem limites. No caso de Fidel Castro, não temos dúvida em considerá-lo, juntamente com Lenin e Trotsky, um dos maiores gênios revolucionários deste século (ibid., p.3).

Duas principais conclusões teórico-políticas do “castrismo” estariam em amplo acordo com o trotskismo: a de que não haveria outro caminho para a revolução latino-americana e mundial que não fosse a luta de classes por meio da luta armada, com vistas a destruir o aparato da repressão estatal e a de que esse processo se daria por meio de uma revolução permanente. No entanto, ainda que se considerassem “discípulos” do “castrismo”, e que o defendessem contra ideias reformistas, os trotskistas do SLATO acreditavam que era necessário fazer uma análise crítica sobre o movimento revolucionário latino-americano, que estaria sofrendo grandes derrotas no período. A grande admiração pelos revolucionários passava a dar lugar a fortes críticas, principalmente a Che Guevara. Moreno apontava para fracassos na guerrilha paraguaia, na venezuelana e do golpe militar no Brasil. Por esses motivos, seria necessário compreender cuidadosamente o significado dessas derrotas, bem como dos êxitos, para que por meio de um método crítico-teórico fosse possível elaborar um plano de luta: “a análise da realidade latino-americana e a experiência histórica. Só isso pode permitir encontrar a estratégia correta e não generalidades técnicas super abstratas” (ibid., p.5).

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As análises do trotskista buscavam entender o processo revolucionário aberto na América Latina de forma mais geral, mas também se pautando nas realidades locais específicas. Para defender que a guerra de guerrilhas não seria o único método viável, o trotskista argentino se debruçava sobre a situação latino-americana, entendida como pré-revolucionária. Dentre os motivos para considerar essa situação como pré-revolucionária, o primeiro estaria associado a uma quebra na estrutura dos exploradores, que estariam entrando em atrito entre eles mesmos e com o imperialismo; o segundo, o de que os trabalhadores, a pequena-burguesia, o campesinato e o proletariado latino-americano não veriam outra saída que não fosse revolucionária para lutar contra o regime; o terceiro é que haveria grandes organizações de massas, sindicatos operários e camponeses, que travavam uma luta contra o regime estatal oligárquico. O problema seria que essa situação ainda possuía características especiais pela falta de dois elementos: partidos marxistas revolucionários ou partidos de massas pequeno-burgueses em luta contra o regime e a menor possibilidade de ajuda por parte dos países vizinhos, como ocorria na América Central. Isso significava que: a situação latino-americana é pré-revolucionária, mas com uma colossal debilidade do fator subjetivo que não é compensado, nem de perto, pelo entusiasmo que despertou o triunfo da revolução cubana (ibid., p.7).

Assim como os trotskistas europeus e estadunidenses do SU, Moreno enfatiza em inúmeros momentos a necessidade de construção de partidos revolucionários de massas. Em polêmica direta com Guevara, Moreno destacava que o guerrilheiro argentino se esquecia do partido, do programa e de uma política revolucionária. Ao “colocar a carroça na frente dos bois”, Che estaria deixando de lado o fato de que um programa político tem meios e objetivos parciais que, ligados um ao outro, sintetizam um programa. O programa, por sua vez, seria elaborado por um partido revolucionário para elevar os trabalhadores a um grau de consciência e organização que levasse a tarefas revolucionárias: o programa, como síntese da política revolucionária, tem como objetivo justamente ganhar o movimento de massas para os objetivos revolucionários do partido. É o intermediário entre o partido e o movimento de massas. Este programa, para ser correto, não pode deixar de levar em conta as necessidades, a tradição e as formas de organização e aspiração do movimento de massas trabalhadoras (ibid., p.12).

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O partido e o programa revolucionário são a ponte entre os anseios subjetivos da vanguarda revolucionária e as necessidades objetivas do movimento de massas, sem as quais não há ação revolucionária com possibilidade de êxito (ibid., p.13).

Moreno afirmava que Guevara invertia os termos, não tendo um programa e palavras de ordem capazes de responder às necessidades dos trabalhadores ou mobilizálos. Ao contrário, teria fins adequados para um único método: a guerra de guerrilhas. Ao considerar esse como o único método possível, Guevara estaria cometendo um crime metodológico por não compreender que o programa revolucionário varia de país para país na América Latina, ainda que se unam em um processo desigual de uma revolução única. O trotskista argentino, de acordo com as premissas de Trotsky sobre o desenvolvimento desigual e combinado e sobre a revolução permanente, compreendeu que os países latino-americanos – atrasados – podem mesmo saltar degraus nas tarefas intermediárias, mas são também limitados por suas capacidades econômicas e culturais específicas. Como afirmado por Moreno: Nós cremos que, pelo contrário, o estudo de cada país nos exige uma combinação diferente de tarefas e lutas (...) Estas tarefas democráticoburguesas se combinam sempre, desde seu início, com tarefas proletárias, socialistas. (...) Esta combinação de tarefas democráticas e socialistas também variam de país para país. Somente esse estudo concreto em um momento dado de um processo revolucionário pode permitir mostrar como se combinam essas distintas tarefas, e somente assim poderemos chegar a formular um programa revolucionário nesse país (ibid., p.16).

Apesar de não concordar com a falta de um partido revolucionário e, consequentemente, com a falta de um programa no discurso político de Guevara, Moreno destacava um ponto em que concordava com suas análises: a impossibilidade da burguesia desses países latino-americanos assumir um caráter revolucionário. Nos escritos do guerrilheiro, destaca-se a ideia de que as burguesias nacionais, em geral, não seriam capazes de manter uma atitude consequente de luta contra o imperialismo. O trotskista argentino afirma que, nesse ponto, seriam mais “guevaristas que Guevara”, pois não acreditam que a burguesia possa ser anti-imperialista nunca. Não haveria nenhuma possibilidade, nenhuma exceção, de que algum setor burguês pudesse chegar a lutar contra os latifundiários e o imperialismo. Por fim, assim como os trotskistas do SU, Moreno afirmou a importância do “castrismo” como um rompimento com o oportunismo do comunismo soviético e do

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nacionalismo burguês e pequeno-burguês que reivindicavam o caminho pacífico para o socialismo, e em colaboração com a burguesia. Reivindicando-se como parte do mesmo movimento político e social de Guevara, o “castrismo”, o trotskista argentino acreditava que esse seria um movimento a favor da revolução permanente e da luta armada para destruir os aparatos de repressão do regime capitalista. O único problema do “castrismo” seria sua corrente sectária e ultra-esquerdista: o “guevarismo”, que se contentava em aplicar mecanicamente o método de que levou ao triunfo do “castrismo” em Cuba. Sobre essa questão nos deteremos posteriormente.

O Bureau Latino-Americano (BLA) e o Posadismo Como destacado anteriormente, o BLA rompeu com IV Internacional no início de 1962, dando origem à IV Internacional Posadista. Segundo Leal (2003), depois de fundada a nova Internacional e definidos seus critérios monolíticos de funcionamento, Posadas rompeu com a convivência informal que possuía com as organizações que faziam parte do BLA. Se antes o dirigente argentino respeitava a autonomia de cada partido nacional sem uma intervenção sistemática, a situação agora passava a ser outra. O monolitismo pregado por Posadas exigia a fidelidade e a aplicação cega das diretrizes impostas por seu líder máximo. As reações ao monolitismo logo se iniciaram. No Brasil, por exemplo, um grupo de militantes presentes na V Conferência Nacional do POR, no início de 1966, divulgou um documento chamado “Criticar, Planejar e Construir o Partido Coletivamente”, analisando o processo de introversão sectária do POR e criticando o culto à personalidade. O documento foi repudiado e os militantes que o assinaram foram afastados de cargos de direção, posteriormente também se distanciando da organização. No tocante às análises sobre a dinâmica da revolução mundial, Gorender (2014), afirma que Posadas teria desenvolvido uma interpretação terceiro-mundista da revolução mundial: “das lutas emancipatórias dos povos atrasados, Posadas extraiu a perspectiva da passagem do nacionalismo pequeno-burguês ao Estado operário. A trajetória da Revolução Cubana foi a esse respeito inspiradora” (GORENDER, 2014, p.41). Foi mais uma vez no contexto brasileiro que o dirigente argentino explicitou sua posição acerca do nacionalismo quando, em dezembro de 1963, compareceu ao

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Congresso Nacional do POR e reivindicou o nacionalismo brasileiro, do qual Leonel Brizola seria a máxima expressão (ibid., p.41). Segundo Leal (2003), após a ruptura de 1962, o movimento latinoamericano do BLA perdeu sua força crítica. O líder da organização passou a compreender que a revolução nesse continente passaria necessariamente por uma fase política nacionalista. A expectativa de Posadas era a de que os dirigentes nacionalistas pudessem ser reeducados pelos trotskistas. Em fevereiro de 1966, Posadas expôs suas concepções acerca do nacionalismo revolucionário em uma reunião ampliada da IV Internacional Posadista. Na fala do dirigente, publicada posteriormente como “De la Revolución Nacionalista al Estado Obrero”, o argentino defendia que a revolução nacionalista conduziria a formas de luta socialistas: “É necessário prever que o curso da revolução nacionalista conduzirá inevitavelmente à elevação constante das formas de luta socialista e mais, de medidas econômicas socialistas” (POSADAS, 2008, p.17-18). Posadas afirmava o importante papel das revoluções nacionalistas, que poderiam levar à constituição de Estados operários. Ainda que esse desenvolvimento fosse diferente daquele próprio de revoluções proletárias, que partiriam de um programa socialista, a revolução nacionalista ganharia firmeza e estabilidade ao passo que medidas revolucionárias fossem tomadas. Por isso, ao se fortalecerem núcleos, grupos e tendências que se apoiassem em medidas socialistas concretas, o movimento nacionalista seria transformado diretamente em socialista. No exemplo argentino, Posadas destacava o apoio aos movimentos que dentro do peronismo defendessem as estatizações. Esses grupos teriam uma aproximação com as ideias e o programa socialista, o que poderia levar à transformação de um movimento caracterizado como nacionalista em socialista. A função do partido também foi analisada por Posadas nesse artigo. Para o autor, a independência do partido deveria ser mantida por meio de uma atividade constante como aliado da luta dos movimentos nacionalistas. No entanto, esse deveria atuar de forma crítica, observando as limitações do movimento e mostrando que seria possível ir mais adiante: Deve se chegar à base desse movimento, que é mantida e submetida à uma direção burguesa ou pequeno-burguesa ou à uma direção nacionalista

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revolucionária insegura, intervindo para que ela alcance uma consciência socialista (ibid.,, p.40).

Para Posadas, as direções burguesas ou pequeno-burguesas precisariam adotar medidas socialistas ou não conseguiriam avançar. Não haveria mais tempo para tarefas intermediárias, por isso o partido deveria estar junto dessas direções, para lembrá-las que ou elas avançariam do nacionalismo para ou socialismo ou cairiam. Nesse sentido, as direções nacionalistas pequeno-burguesas seriam frequentemente acessíveis à influência socialista. A atividade do partido deveria consistir, dessa maneira, em compreender que poderia ganhar essa direção. Em consequência, o partido também deveria dar às massas a segurança de que poderiam avançar, pois assim pressionariam as direções a tomarem medidas socialistas. Dessa maneira, a função do partido, para Posadas, parece ser a de atuar em duas frentes: o apoio à direção nacionalista e, ao mesmo tempo, o apoio às massas. No primeiro caso porque não era interessante que a direção nacionalista fosse derrotada, pois carregava consigo um potencial revolucionário. No segundo caso porque a pressão das massas era o que poderia fazer essa direção seguir rumo a um Estado operário, sem retroceder. Era como se o “nacionalismo revolucionário” fosse o meio do caminho entre o capitalismo e o socialismo, no qual somente as massas, orientadas pelo partido, poderiam intervir para que ocorresse essa transição. Posadas não destacava a necessidade de um programa para o partido, pois parecia acreditar que o desenvolvimento das circunstâncias levaria necessariamente à vitória. O argumento de Posadas fica mais claro quando analisamos suas considerações acerca da Revolução Cubana ainda em 1962, em artigo para o jornal Voz Proletaria: Se Fidel Castro se transformou é porque objetivamente a revolução cubana não poderia se deter em reformas dentro do capitalismo. Se avançou não foi por um motivo político e ideológico, mas sobretudo pela pressão objetiva do processo expressada pelas massas: os camponeses tomaram as terras e os trabalhadores tomaram as fábricas e depois o governo respondeu dizendo que essas medidas eram corretas. Em outras palavras, o amadurecimento político de Fidel é empírico e não produto de uma reflexão política e ideológica. O que há de positivo em Fidel é que costuma ser sensível à pressão das massas e evoluir (id., 1962, p.4).

A confiança nas massas e em sua capacidade de se organizarem em direção a um Estado operário também é destacada no mesmo artigo, quando o trotskista argentino afirma que “nada substitui as massas”:

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Nem Fidel, nem Lenin, nem nada substitui as massas. O espírito de iniciativa, de organização de criação, de direção das massas, não pode ser substituído nem mesmo por um milhão de Lenins. (...) Nada, absolutamente nada, nenhum aparato, nenhum gênio, nenhum grupo de gênios, nenhum partido substitui a capacidade criadora das massas: essa é tão grande que sem ela não existiria a revolução (ibid., 1962, p.4).

De acordo com Leal (2003), a identidade política da própria IV Internacional Posadista estava relacionada a uma teoria do avanço incontrolável da revolução. O debate sobre a intensidade e dinâmica da revolução mundial teria se dado de forma mais desenvolvida entre representantes de organizações mais maduras e sofisticadas no plano conceitual, como os estadunidenses e europeus (LEAL, 2003, p.167). Após a Revolução Cubana, o movimento trotskista buscou compreender como se encontrava a dinâmica da revolução mundial, bem como o novo elemento que surgia nesse processo, o “castrismo”. O SU orientou sua atuação futura em 1963, quando após a reunificação de parte da IV Internacional, entendeu a revolução mundial por meio de três forças em unidade dialética: a revolução colonial, a revolução política e a revolução proletária. Deve-se destacar que a revolução colonial foi, entre essas análises, a que os trotskistas do SU se detiveram com mais afinco, muito possivelmente pela vitória de Cuba e pelo desenvolvimento da revolução na Argélia. Os latino-americanos do SLATO, unidos ao SU em 1964, também destacaram a necessidade de se compreender a dinâmica revolucionária e seus métodos, especialmente na América Latina. Nahuel Moreno, dirigente da organização, ainda que não afirmasse que a revolução latino-americana fosse um tipo de revolução colonial, parece estar de acordo com os trotskistas do SU no que se refere às características do processo revolucionário nos países considerados atrasados. Moreno, no entanto, reflete mais detidamente acerca das especificidades do processo latino-americano. O grupo de Posadas, por sua vez, em sua própria IV Internacional, passou a defender um nacionalismo revolucionário no continente, empreendido por governos burgueses que seriam obrigados a aprofundar seus projetos políticos em um sentido revolucionário pela pressão das massas. As interpretações acerca do “castrismo” foram muito parecidas entre os trotskistas do SU e os latino-americanos do SLATO. Ambos defenderam Fidel Castro como um grande gênio revolucionário e depositam no líder cubano grandes esperanças,

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principalmente por suas críticas ao stalinismo e à ideia da “coexistência pacífica” empreendida pelos PCs. Por essas questões, Fidel chegou a ser colocado ao lado de Lenin e Trotsky por ambas as organizações. No entanto, SU e SLATO também defenderam amplamente a necessidade de construção de partidos capazes de dar às massas um programa revolucionário por meio do qual essas se organizariam. Nesse âmbito se encontrava o desafio da IV Internacional, o de ser capaz de formar esses partidos em todo o mundo. Já para a organização latino-americana de Posadas, Fidel Castro seria um dos representantes do nacionalismo revolucionário, que modificou suas posições por pressão das massas.

DA GUERRILHA AO SOCIALISMO? O Secretariado Unificado (SU) e o Secretariado Latino Americano (SLATO) De todas as lições, expectativas ou problemas trazidos pela vitória cubana foi certamente a questão da guerra de guerrilhas que impactou mais fortemente tanto as resoluções do trotskismo internacional quanto a organização de suas fileiras. Como afirma o historiador Martín Mangiantini, “a violência revolucionária, em suas vastas manifestações, continua sendo um dos tópicos centrais que atravessa todo o projeto radical” (MANGIANTINI, 2014, p.5). Foi nesse sentido que a manifestação da guerrilha, como forma de violência revolucionária, constituiu-se como um capítulo à parte na história dessas organizações. Diante da particularidade desse momento histórico, os trotskistas acabaram mais uma vez afetados, tanto pela crítica quanto pela adesão. No início dos anos 1960, o já mencionado livro de Che Guevara, Guerra de Guerrilhas, como o próprio nome sugere, promoveu discussões acerca da luta armada na revolução latino-americana e ampliou o debate na esquerda mundial.65 Nessa publicação, Guevara despontou como o principal teórico e sistematizador da guerra de guerrilhas como experiência de luta armada para outros países: “Encontrar as bases em 65

Após a tomada do poder, a produção de Che Guevara se voltou para a sistematização da experiência guerrilheira de Sierra Maestra: O que é um guerrilheiro (1959), Guerra e população camponesa (1959), Projeção social do exército rebelde (1959), Notas para o estudo da ideologia da revolução cubana (1960) e Guerra de guerrilhas (1960).

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que se apoia este tipo de luta, as regras a seguir pelos povos que buscam sua libertação; teorizar o fato, estruturar e generalizar esta experiência para o aproveitamento de outros” (GUEVARA, 1982, p.15). Se o triunfo da guerrilha em Cuba havia gerado grande entusiasmo em toda a esquerda, a elaboração teórica de Guevara agora propiciava um guia prático de como proceder. Guevara, além de defender o campo como terreno principal para a luta armada, também destacou a importância da criação de um foco insurrecional. Essa teoria partia do princípio de que as condições objetivas já estariam prontas para o desenvolvimento do processo revolucionário nesse continente, restando ao foco guerrilheiro a criação das condições subjetivas. Isso aconteceria porque assim que os combates tivessem se iniciado, as massas se aliariam aos guerrilheiros, o que levaria ao aumento do poder ofensivo até a vitória da revolução. A guerrilha seria, então, a vanguarda política do processo, à qual as demais tarefas estariam subordinadas. 66 Para a teoria do foco, primeiro se organizaria um pequeno grupo armado, isolado da ação do povo: “No início, há um grupo mais ou menos armado, mais ou menos homogêneo, que se dedica quase exclusivamente a esconder-se nos lugares mais agrestes, mantendo raros contatos com os camponeses” (ibid., p.66). Através de um ataque bem sucedido, esse grupo atrairia alguns camponeses e jovens idealistas, que atuariam em regiões cujas condições naturais favorecessem a defesa contra ataques do exército e seguiriam incorporando novos combatentes. Ao contar com algum ponto na área libertada, os guerrilheiros passariam a elaborar os meios para a ação avançar sobre o território controlado pelo governo. Os sucessos militares seriam assim a forma de fortalecimento da guerrilha, vista como etapa inicial da revolução. Como afirma Gorender, “o foco funcionaria como o pequeno motor acionador do grande motor, as massas” (GORENDER, 2014, p.90). Nesse sentido, o foco guerrilheiro trazia uma novidade que o singularizava: a primazia do fator militar sobre o fator político, da prioridade do foco guerrilheiro 66

De acordo com Löwy, “Seria falso limitar seu pensamento [de Che Guevara] ao tema do foco guerrilheiro. Suas ideais sobre a revolução latino-americana são bem mais profundas. (...) De qualquer forma, pode-se encontrar em seus relatos – seja pela experiência cubana ou da América Latina, ou seja ainda mais em sua trágica tentativa boliviana – uma tendência a reduzir a revolução à luta armada, a luta armada à guerrilha rural e esta ao pequeno núcleo de foco. Essa tendência dominou a herança guevarista na América Latina, ainda que se encontre, em sua obra, passagens que aliviem essa concepção (...)” (LÖWY, 2012b, p.12).

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sobre o partido (ibid., p.91). A crítica ao burocratismo e à corrupção de alguns partidos comunistas dava origem, dessa forma, à conclusão de que não seria preciso esperar por esses para iniciar a luta. A guerrilha rural assumiria essa responsabilidade, estando todos os demais fatores políticos – inclusive a formação de um novo partido revolucionário – subordinados a ela. A novidade da primazia do fator militar sobre o político passou a ser objeto de debate no movimento trotskista. Nesse período inicial das discussões, deve-se lembrar que a IV Internacional estava cindida. Ainda no SI, em uma das primeiras vezes que a questão da guerrilha foi levantada, enfatizou-se o exemplo de Cuba para a América Latina, e consequentemente da luta armada. No artigo “Amérique Latine 1962”, do trotskista italiano Livio Maitan, há uma análise das perspectivas econômicas do continente, o alerta da crise política das classes dirigentes e o destaque para os camponeses e as massas pobres das cidades. Ao afirmar a importância desses atores políticos para a revolução na América Latina, Maitan declarava que, ao espírito de revolta estimulado pelas condições materiais, acrescentou-se a expressão “fazer como em Cuba”. Crescia cada vez mais a consciência dos métodos necessários para se conquistar o objetivo “cubano”: a luta revolucionária armada, a luta de guerrilhas (MAITAN, 1962, p.16). Essa foi a primeira vez, de muitas, que o trotskista italiano defendeu a guerrilha como método e exemplo para os países latino-americanos. Já no CI, as análises até esse momento estavam associadas à compreensão do que acontecia na Ilha, de quais seriam as preocupações futuras, e de como algumas teses trotskistas poderiam ser confirmadas com a vitória cubana. O método guerrilheiro foi destacado apenas no texto de reunificação da IV Internacional escrito por Dobbs e Hansen. Os autores afirmavam que o papel proeminente do campesinato e da guerra de guerrilhas na revolução colonial desde o fim da II Guerra Mundial era notadamente uma “experiência que deve ser incorporada conscientemente na estratégia de construção de partidos marxistas revolucionários em países coloniais” (DOBBS; HANSEN, 1963, p.132). Nos escritos desse período já é possível notar uma clara diferenciação acerca do tema: enquanto Maitan, no SI, considerava o método guerrilheiro como “necessário”, os estadunidenses do CI enfatizam que esse deveria ser “incorporado conscientemente”. Contudo, ainda que essas considerações iniciais acerca da guerra de

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guerrilhas tenham sido importantes, os maiores debates sobre a importância da guerra de guerrilhas para o movimento trotskista internacional ganharam maior força entre os anos de 1968 e 1974, principalmente nos períodos que precederam os dois Congressos Mundiais da IV Internacional após sua reunificação. Nesse momento, as discussões aconteciam em conformidade com outros fatos importantes para a questão da guerrilha: o crescimento do “castrismo”, o aparecimento de movimentos que reivindicavam a luta armada em toda América Latina e o surgimento da Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS). Após a Primeira e a Segunda Declaração de Havana (1960 e 1962, respectivamente) e as publicações de Che Guevara no período, ocorreu o crescimento de organizações guerrilheiras no continente. Ainda no início dos anos 1960, surgiu uma série de grupos que, em sua maioria, tomaram o caminho da guerrilha rural com nítida inspiração no Movimento 26 de Julho: FALN (Forças Armadas de Libertação Nacional) e MIR (Movimento de Esquerda Revolucionário) na Venezuela; FAR (Forças Armadas Revolucionárias) e o MR-13 (Movimento Revolucionário 13 de Novembro) na Guatemala; MIR e ELN (Exército de Libertação Nacional) no Peru; FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional) na Nicarágua; Movimento 14 de Junho na República Dominicana e o ELN do próprio Che Guevara na Bolívia (LÖWY, 2012a, p.46). A expressão política desse período no continente se deu em julho de 1967, com a primeira Conferência da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade) em Havana.67 Nessa conferência, defendeu-se o direito de todos os povos do continente de combater a violência imperialista e reacionária com a violência revolucionária. Para isso, era preciso impulsionar a batalha de todas as massas exploradas da América Latina contra o imperialismo e as burguesias da região. De acordo com Löwy (2012a), o significado histórico desse congresso estava associado a dois fatores: a tentativa de coordenação continental do processo revolucionário latinoamericano e a proclamação do conteúdo democrático e socialista dessa revolução. Foi também na OLAS que o método guerrilheiro foi visto como o mais eficaz para a

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A proposta de criação da OLAS surgiu após a Conferência Tricontinental, realizada em Havana em janeiro de 1966. Enquanto em sua primeira declaração a OLAS realizou um balanço sobre as estratégias aplicadas no continente, defendendo a luta armada pela guerra de guerrilhas e sua coordenação nesse processo, na década seguinte seu espectro já não rondava mais a América Latina. Nos anos 1970, após a morte de Guevara, a OLAS se transformou em um centro de divulgação das lutas do continente, longe de possuir uma capacidade real de coordenação dos movimentos.

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maioria dos países no continente. A consideração tática de como obter o poder se transformou em um preceito estratégico (CASTAÑEDA, 1994, p.71).68 É importante destacar que não foram os cubanos que inventaram a luta armada na América Latina. A tradição de recursos às armas já era própria dessa região desde o século XIX, quando nacionalistas, liberais radicais e marxistas traçaram esse caminho. Castañeda (1994) relembra Martí, Mella e Guiteras, em Cuba; Zapata e Villa, no México; Sandino, na Nicarágua; Farabundo Martí, em El Salvador; José Gigueres, na Costa Rica; os levantes camponeses colombianos; as tentativas de insurreição na República Dominicana, no Haiti e em Porto Rico. Os líderes cubanos tinham muitos antepassados, mas “redefiniram uma tradição e converteram-na em política de Estado e de partido” (ibid., p.69). Além disso, a morte do próprio Che Guevara na Bolívia, ainda em 1967, não trouxe a possibilidade do fracasso das guerrilhas no continente, mas sim o apelo de sua continuidade para que a luta do revolucionário não fosse considerada como algo em vão. De acordo com Bensaïd (2007), a palavra de ordem testamentária de Che, “criar dois, três, muitos Vietnãs”, “ressoava como um imperativo imediato aos ouvidos de uma geração militante tão entusiasta como inexperiente” (BENSAÏD, 2007, p.114). Em 1967, além da expressão política da OLAS, a publicação do livro de Régis Debray, Revolução na Revolução, influenciou no debate e na prática da guerra de guerrilhas. De acordo com Debray, “passada a euforia se começa a descobrir o sentido próprio de Cuba, o alcance de seu ensinamento, que antes havia escapado. Uma nova concepção de guerra de guerrilhas vem à luz” (DEBRAY, 1967, p.4). O processo aberto por Cuba seria irreversível e geraria um modelo para toda a América Latina, principalmente pautado na guerrilha e na teoria do foco, revista pelo autor. Todo o processo de organização da luta partiria do foco guerrilheiro para a constituição da frente revolucionária e de seu programa de libertação. A guerrilha seria a nova vanguarda na América Latina, embrião do partido revolucionário. O partido seria, portanto, instrumento da luta de classes, formado a partir do exército popular. Para Debray, era necessário romper com qualquer dependência com os partidos políticos para substituir as “desfalecentes” vanguardas políticas: 68

Para González, a convocação da OLAS também significou uma aberta ruptura da direção cubana com a metodologia dos partidos stalinistas, pois Castro os caracterizou como oportunistas por sua política de “unidade popular” e de “união democrática” (GONZÁLEZ, 1999b, p.189).

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Dessa maneira termina um divórcio de várias décadas entre teoria marxista e a prática revolucionária. Por contingente e frágil que possa parecer essa reconciliação, será na guerrilha, dona de sua própria direção política, que ela se concretizará (ibid., p.77).

Além da defesa da guerrilha, Debray também polemizava com os trotskistas. Para o autor, ao considerar que a guerrilha traduziria uma tendência militarista que afastava as massas, o trotskismo estaria unido ao reformismo em frear o seu desenvolvimento. Nesse sentido, ao defender a ação das massas contra a ação de um “grupo de aventureiros”, os trotskistas – como “bons teóricos” – estariam levando as massas ao suicídio (ibid., p.22) Foi nesse contexto internacional em 1968, nos meses que antecederam a realização do 9º Congresso Mundial da Quarta Internacional – Secretariado Unificado, que a questão latino-americana adquiriu grande destaque e foi campo de uma luta política, especialmente em virtude do método revolucionário. Há uma sequência de artigos que se desdobram sobre a questão, tendo como principais autores o estadunidense Joseph Hansen e o italiano Lívio Maitan. O documento que deu início aos debates foi publicado no início de 1968 e adotado pelo SU como o esboço de uma resolução do 9º Congresso. A proposta de resolução política “The New Rise of the World Revolution” aponta para as novas tendências da situação internacional, enfatizando a emergência da crise da economia capitalista e as novas manifestações nos grandes centros urbanos. As teses foram votadas e aprovadas por ampla maioria, mas Maitan se absteve da votação. Em contrapartida, o trotskista italiano escreveu uma carta ao SU em maio de 1968 denominada “An insufficient document”. Nessa carta, Maitan tece críticas à resolução e defende que aquele tinha sido um “documento insuficiente”. Cada um dos pontos passa a ser revisto e comentado por Maitan. No entanto, todas as críticas acrescentadas pelo autor para descrever a situação internacional confluem para a posição que os trotskistas deveriam ter diante dessa realidade. Para o italiano, a crise do sistema imperialista e a maturidade das forças revolucionárias operava em escala mundial e fazia com que a revolução socialista fosse cada vez mais um problema do futuro imediato. Ora, se o socialismo era um problema do futuro imediato, os trotskistas precisavam fazer parte desse processo: “o que se espera de nós de agora em diante é que demonstremos na prática o valor histórico de

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nosso movimento, e seremos julgados essencialmente com base nisso” (MAITAN, 1969a, p.17). Fazer parte desse futuro socialista só seria possível se as dificuldades e contradições do presente fossem rompidas. Para tanto, seria necessário que o trotskismo estivesse à frente de movimentos de massas que fossem bem sucedidos ou levassem a lutas revolucionárias de um ou mais países. Caberia aos trotskistas, naquele momento, identificarem quais eram os locais em que isso seria possível e “o resto viria depois”. Para Maitan: “Nós precisamos de militantes corajosos e devotos; mas, mais do que isso, precisamos de militantes em condição de lutar o maior tempo possível” (ibid., p.18). A aposta do italiano é que a vitória da IV Internacional, naquele estágio, poderia ser construída na Bolívia. Em seguida, em novembro de 1968, Maitan reafirmou suas posições em outro documento, “Draft resolution on Latin America”, dessa vez uma resolução sobre a América Latina na qual destacava os critérios e a linha revolucionária a ser adotada. O autor afirmava que o desenvolvimento econômico do continente estava cada vez mais atrelado à exploração imperialista. Nos últimos anos o processo econômico e social teria culminado em mudanças significativas na composição da classe dominante, mas todo esse crescimento estaria relacionado ao capital estrangeiro, por isso seria impossível pensar na burguesia nacional como uma classe capaz de lutar pela libertação da tutela imperialista. Qualquer perspectiva que buscasse a colaboração da burguesia nacional deveria ser rejeitada. Além de destacar que a burguesia não poderia ser uma classe revolucionária, Maitan afirmava que a dinâmica fundamental da revolução na América Latina era permanente, uma revolução que se desenvolve em revolução socialista sem que existissem fases intermediárias de divisão. Desse modo, a perspectiva da revolução permanente não era mais uma tendência histórica, mas uma realidade nesse estágio da luta de classes (id., 1969b). Maitan ressaltava o papel dos camponeses, dos trabalhadores das cidades e dos estudantes no processo revolucionário. O campesinato, ainda que fosse uma porcentagem da população que estivesse decaindo em seu peso econômico, era ainda a classe majoritária e a que mais sofria com a exploração e a opressão. Os camponeses teriam aprendido as lições da Revolução Cubana, as quais continuavam seguindo, além de aprenderem com a experiência da guerrilha. Os trabalhadores das cidades, por sua

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vez, não cresceram quantitativamente, mas suas condições sociais só teriam piorado. Explorados e oprimidos não cessaram de ser uma “classe explosiva, a força motora da revolução”. Os estudantes, por sua vez, tinham um papel substancial muito mais importante que no passado. Não eram mais uma força de apoio, mas sim uma “força política e social capaz de estimular e aprofundar a crise revolucionária com sua intervenção” (ibid., p.5). O trotskista italiano acreditava que a instabilidade da estrutura econômica e social do continente o colocava em uma “situação pré-revolucionária”, que teria levado a “explosões sociais e políticas”. Para o autor, havia greves que desafiavam ditaduras (como no Brasil), manifestações marcadas por confrontos com as forças repressivas (Uruguai, Chile, Bolívia), alianças entre trabalhadores e o movimento estudantil (México e Brasil), que constituiriam sintomas significativos do ressurgimento da luta da classe trabalhadora em lugares nos quais ela já havia sido considerada como estagnada. A América Latina teria entrado em “um período de explosões revolucionárias e conflitos, de luta armada em diferentes níveis contra a classe dominante nativa e o imperialismo, e uma prolongada guerra civil em escala continental” (ibid., p.7). As resoluções de Maitan possuíam um otimismo excessivo, pois supervalorizavam muitos confrontos de classe existentes na América Latina. Afirmar que existia uma situação “pré-revolucionária” indicava que o autor não levava em consideração a existência de muitos governos ditatoriais no continente, o que fazia com que a repressão a movimentos sociais fosse forte. Eventos localizados acabavam sendo vistos como a expressão generalizada de uma ascensão de movimentos revolucionários. Ainda que afirmasse que não era possível prever uma fórmula universal que pudesse ser aplicada a fim de superar as contradições objetivas, Maitan acreditava que a luta armada no continente latino-americano iria assumir a forma específica da guerrilha rural: “Mesmo no caso de países nos quais grandes mobilizações e conflitos de classe nas cidades possam ocorrer primeiro, a guerra civil assumirá muitas formas de luta armada, nas quais o principal eixo durante todo um período será a guerrilha rural” (ibid., p.9). Dessa maneira, em lugar do exame concreto das situações, era feita a proposição de formas de luta que não decorriam de uma correlação de forças efetiva para aquele momento.

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Em fevereiro de 1969, Joseph Hansen apresentou um documento de crítica ao que considerava um desvio “guerrilheirista” de Maitan, o artigo “Assessment of the draft resolution on Latin America”. O trotskista estadunidense afirmava que as resoluções de Maitan estavam divididas em duas partes: a primeira seria uma análise econômica, social e política da América Latina, que apontava para a perspectiva da revolução socialista; a segunda seria a proposta de uma tática geral aplicada a todo o continente para que se atingisse a perspectiva revolucionária, essa seria a preparação para a guerrilha rural. Era na segunda parte que as polêmicas se instauravam. Para Hansen, a análise não trazia nada de novo no âmbito da questão econômica. Politicamente, a resolução do trotskista italiano seria exagerada, principalmente no tocante ao papel do campesinato em escala continental. A crítica do militante do SWP a Maitan era que ao invés de fazer um balanço da situação latinoamericana, suas resoluções somente buscavam uma tática continental e a preparação técnica para o engajamento na guerrilha rural por um período prolongado. De acordo com Hansen: “A verdade é que essa resolução é um reflexo bastante fiel das opiniões expressas publicamente pela direção cubana nessa questão” (HANSEN, 1969, p.7). Para o estadunidense, a resolução estaria em tanta conformidade com a posição cubana, que chegava a postular que a guerrilha poderia estimular a dinâmica revolucionária. A fim de apontar os erros que uma resolução pautada na influência da vitória cubana e de suas lideranças poderia causar para o movimento trotskista internacional, Hansen dedica boa parte de seu documento à análise da Revolução ocorrida na ilha. O estadunidense faz algumas considerações importantes: 1) a guerrilha não tinha sido uma invenção dos cubanos na América Latina; 2) um dos aspectos mais inesperados da Revolução Cubana foi que sua tática guerrilheira provou ser suficiente para vencer. De acordo com o trotskista, a conclusão era de que “isso havia testemunhado muito mais a fraqueza do imperialismo e da estrutura da burguesia nacional do que a descoberta de algo superior ao partido leninista de combate” (ibid., p.7); 3) mais do que um mero grupo de guerrilheiros esteve envolvido na vitória cubana, visto que o Movimento 26 de Julho tinha uma extensa organização; 4) em alguma medida, pode-se considerar que o Movimento 26 de julho atuou consideravelmente como um partido, que tinha como finalidade uma única questão: a luta armada contra a ditadura de Batista – um apelo que atravessava classes sociais; 5) quando a revolução

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atingiu um ponto de transição para o socialismo, seu líderes transcenderam seu programa inicial; 6) ao transcender seu programa, também transcenderam a tática através da qual tinham vencido; 7) o problema era que os cubanos ainda não teriam suas contas liquidadas com o stalinismo e não questionavam atitudes stalinistas, além de atacarem politicamente trotskistas; 8) uma das mais importantes lições da Revolução Cubana seria a possibilidade de levar os stalinistas para a esquerda; 9) a fórmula adotada pelos cubanos seria suprimir as diferenças com os stalinistas e formar uma aliança sobre a questão da luta armada contra as ditaduras locais e o imperialismo; 10) desde a vitória cubana os trotskistas já alertaram para a necessidade de construção de um partido marxista revolucionário; 11) a tarefa principal da vanguarda na América Latina era a construção desse partido. Dessa maneira, a resolução proposta por Maitan não apenas se adaptaria a uma posição defendida pela liderança cubana, mas também se calaria diante da acomodação dos cubanos ao stalinismo. O trotskista italiano também não levaria em conta o sectarismo dessas lideranças com os trotskistas.69 Contudo, esse não era o principal dos problemas da proposta de Maitan. Para Hansen, a prioridade de qualquer estratégia ou tática para a América Latina era a construção de um partido revolucionário: “O partido não é o meio para a luta armada. A luta armada é o meio de trazer o proletariado ao poder sob a liderança do partido” (ibid., p.9). O partido não deveria servir como acessório no desenvolvimento da luta armada. Era nesse sentido que a construção do partido deveria ser vista como tarefa central, a orientação e a maior preocupação da vanguarda. Hansen completa: “A situação explosiva da América Latina não diminui essa necessidade, ela intensifica” (ibid., p.9). As polêmicas em torno da questão da guerrilha como tática foram votadas no 9º Congresso Mundial, realizado em abril de 1969. A posição de Maitan venceu com cerca de dois terços dos votos. A aprovação dessas teses fomentou outros debates sobre o tema da luta armada, além de afetar diretamente a linha política das organizações trotskistas associadas ao SU. Na América Latina, iniciou-se uma grande luta fracional, que veremos a seguir. Para compreender as discussões sobre a luta armada no trotskismo latinoamericano, faz-se necessário analisar alguns acontecimentos que antecederam o 9º 69

Em 1966, na Conferência da Tricontinental em Havana, Fidel Castro teceu duras críticas aos trotskistas, que serão vistas no próximo capítulo.

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Congresso Mundial e que pautaram as considerações sobre essa questão. Nesse sentido, abordaremos a seguir o caminho feito pelo corrente trotskista de Nahuel Moreno na Argentina para entender como o debate acerca da guerrilha ganha destaque na organização, passando a pautar sua linha política não só para esse país, mas para outros grupos por ele influenciados no restante do continente. No Peru, no início da década de 1960, ocorreu uma expressiva ascensão insurrecional, principalmente na zona de Cuzco, no qual a máxima expressão foram os levantes e ocupações de terras por parte dos camponeses (MANGIANTINI, 2014, p.48). Um de seus principais dirigentes foi o trotskista Hugo Blanco, membro do Partido Obrero Revolucionario (POR), que liderou greves e enfrentamentos contra a oligarquia agrária da região. A situação de concentração de terras se tornava cada vez mais insustentável, tendo em vista que setecentos fazendeiros possuíam cerca de um terço dos campos produtivos, enquanto 40% da população rural vivia em comunidades com um quarto das terras produtivas (RÉNIQUE, 2009, p.81). Sob a pressão de uma população rural que se expandia, a luta pela terra se estendeu também para a serra, demonstrando a possibilidade de decadência do domínio latifundiário. Naqueles anos, a serra peruana significava, para alguns estudiosos, “um vulcão prestes a explodir” (ibid., p.81). Nesse cenário, com o lema “terra ou morte”, Hugo Blanco organizou invasões de latifúndios, expropriações de terras e liderou manifestações de trabalhadores rurais, contribuindo amplamente para a sindicalização campesina nos Vales de La Convención y Lares, em Cuzco. O fenômeno do sindicalismo agrário passou a ganhar força, bem como a perspectiva de uma revolução agrária. No entanto, a força do movimento também impulsionou uma intensa repressão por parte do governo, o que levou vários sindicatos a optarem pela defesa armada. Com a escalada da repressão e a prisão de muitos dirigentes sindicais, organizou-se uma coluna guerrilheira, liderada por Hugo Blanco. No início de 1962, o Vale de La Convención tornou-se um local controlado pela organização guerrilheira de Blanco, no qual a reforma agrária era feita pela decisão dos próprios camponeses das fazendas em que trabalhavam. O trotskista peruano, no entanto, afirmaria anos mais tarde que a luta armada não substituiria o partido revolucionário: Nós trotskistas sabemos que a luta armada é uma fase obrigatória da revolução, mas somente isso: uma fase. A luta revolucionária é um processo,

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através do qual as massas crescem em sua organização, em sua consciência, em suas formas de luta, guiadas por sua vanguarda consciente, pelo partido revolucionário. As massas, naturalmente, preferem obter suas reivindicações por vias pacíficas. Durante o processo, percebem que os exploradores não cedem e respondem às suas reivindicações com a violência; é somente então que as massas se veem obrigadas a opor à violência dos exploradores a sua própria violência (BLANCO, 1979, p.81).

Ainda em 1962 ocorreu a fusão do POR peruano com outros grupos revolucionário formando a Frente de Izquierda Revolucionaria (FIR). Com o objetivo de aprofundar a construção da FIR e impulsionar sua ligação internacional, o Palabra Obrera enviou ao Peru os militantes Daniel Pereyra, Eduardo Creus e José Martorell. O plano de Moreno era desenvolver um processo de mobilização campesina e de ocupações de terras para que fosse possível impulsionar a mobilização dos trabalhadores nas cidades e construir o partido, mas isso não aconteceu (SALAZAR, 2014, p.42). Iniciou-se uma polêmica entre os militantes enviados ao Peru, principalmente sobre o modo de inserção e a estratégia adotada para o desenvolvimento do processo. Um grupo de militantes, liderados principalmente por Pereyra, acabou realizando expropriações de bancos para custear atividades guerrilheiras, levando à identificação e perseguição aos militantes da FIR. A perseguição avançou para a região rural e em maio de 1963, Blanco foi capturado após um cerco militar. A ação ao banco peruano, que resultou em um grande desastre, foi posteriormente criticada por Hugo Blanco, que reafirmou a necessidade de construção do partido e a luta consequente: Ao falar deste desvio “putchista” não me refiro, lógico, à nossa luta armada e sua preparação, às milícias e à guerrilha. Tudo isso está dentro de nossa concepção. Considero que nossa ação neste caso foi, de maneira geral, correta. O que se pode marcar como manifestações da pressão “putchista” são: os assaltos a bancos; a falta de importância dada à construção do partido; certo aceleramento artificial, em alguns momentos, nos meses anteriores à queda de Pereyra; falta de uma análise mais atenta a cada fase e de cada fase (BLANCO, 1979, p.95).

Moreno também caracterizou os assaltos a bancos como aventureiros e putchistas – conceito que pressupõe um método de ação armada à margem da luta de classes (MANGIANTINI, 2014, p.46). O movimento no Peru, ainda que derrotado, abriu a perspectiva dos conflitos assumirem a característica da luta armada em sua forma de guerrilha. Alguns dos militantes argentinos, tanto os que haviam integrado a FIR, quanto os que haviam participado indiretamente do acontecimento, passaram a considerar a tática guerrilheira como a principal forma de inserção na luta. Esse foi o 135

caso do já citado Daniel Pereyra, mas também de outro importante militante do Palabra Obrera, envolvido indiretamente no processo. Ángel Bengochea, uma das principais lideranças do Palabra Obrera, viajou em julho de 1962 para Cuba em busca de apoio político e recursos financeiros para a luta de Blanco no Peru. Juntamente com outros quatro militantes, o argentino recebeu treinamento militar, além de encontrar-se com Guevara. Em fevereiro de 1963, após o retorno à Argentina, o então militante do Palabra Obrera passou a defender a importância de um foco guerrilheiro na província de Tucumán (BIANCHI, 2012b). Após discutir a proposta com a organização da qual fazia parte, não obteve apoio, deixando-a em agosto do mesmo ano. Bengochea afirmou, em carta à redação do Palabra Obrera, que suas divergências táticas frente à luta de massas e à ascensão ao poder tinham uma importância prática, impedindo-o de seguir a militância disciplinada. No entanto, reafirmava: “não me cabe a menor dúvida de que no futuro nos encontraremos na mesma barricada frente ao imperialismo e a oligarquia, mas agora temos diferentes formas de chegar a isso” (PALABRA OBRERA, 1963, p.5). A ruptura daria origem as Fuerzas Armadas de la Revolución Nacional (FARN), mas esse encontro futuro não chegou a acontecer, pois Bengochea morreu em uma explosão acidental de um pequeno arsenal, em 1964, antes mesmo de começar seus planos. No entanto, a polêmica em torno do método guerrilheiro continuava presente no Palabra Obrera. Um ano após a saída de Bengochea, Moreno escreveu o já citado artigo “Dos métodos frente a la revolución latinoamericana”, no qual tece críticas a algumas publicações de Guevara. Para o trotskista argentino, não haveria nenhum país em que um grupo guerrilheiro havia triunfado de acordo com o esquema “guevarista”. A experiência histórica teria provado que, para obter êxito, a guerrilha necessitaria de um grande partido de massas e de países limítrofes que a apoiassem. Além de atentar para a necessidade de um partido, Moreno também destacava o perigo de se criar ilusões acerca do método guerrilheiro: A guerrilha exige mais que nenhuma outra forma de luta, a existência de um forte partido centralizado ou de grandes líderes reconhecidos do movimento de massas. Ao esquecer essas claras indicações dadas pela experiência histórica, Guevara está cometendo um crime pedagógico: o de criar graves ilusões sobre a facilidade de fazer a guerrilha e a respeito das condições objetivas e subjetivas que esta exige (MORENO, 1964, p.18).

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A experiência cubana, para o líder argentino, também não seria uma exceção às leis gerais dos países que se libertaram através de guerras de guerrilhas, como Iugoslávia, China, Indochina e Argélia. Essas leis seriam: um exército mercenário odiado por todo o povo; um líder e um movimento de massas pequeno-burguesas, como Fidel Castro e o Movimento 26 de Julho e um grande apoio direto ou indireto das nações mais próximas, como Venezuela, Porto Rico, Costa Rica e até setores do imperialismo estadunidense. Moreno ainda destacava a importância de Fidel, que teria conseguido criar uma grande frente única de todas as classes, instituições e partidos que não eram ligados ao regime de Batista, aplicando o princípio de que em toda etapa do movimento de massas torna-se necessário fixar as consignas políticas de transição que mobilizem as classes de vanguarda – “Abaixo Batista!”, “Liberdades democráticas para o povo”, “Seremos livres ou seremos mártires”. As condições existentes em Cuba, que possibilitaram a tomada do poder, não voltariam a se repetir: “Cuba confirmou a experiência histórica de todos os países em que triunfou a guerra de guerrilhas e ao mesmo tempo a impossibilidade de repetir essa experiência” (ibid., p.20). Isso não significaria que não aconteceriam guerrilhas ou outras formas de luta armada na América Latina, mas sim que suas pautas seriam distintas daquelas da ilha. O exemplo de Cuba só poderia ocorrer em outros locais se fossem feitas análises corretas juntamente com um claro programa político e não somente uma “mera cópia” (ibid., p.20).70 Mangiantini (2014) considera que, do ponto de vista teórico, esse texto foi a ruptura estratégica para o debate em torno da conveniência da luta armada em sua forma de guerrilhas. A posição central de Moreno, que acabou sendo repetida em diversos trabalhos, “não foi invalidar a guerra de guerrilhas como uma metodologia plausível 70

Para que se possa compreender a o pensamento de Moreno no tocante à questão da luta armada, faz-se necessário o entendimento de sua diferenciação entre “teoria”, “estratégia” e “tática” – “entre esses três elementos há ligações estreitas, mas não mecânicas, e sim dialéticas” (MORENO, 2008, p.193). Por “teoria”, o trotskista argentino entende as leis gerais do processo histórico que, no caso do trotskismo, associa-se à teoria da revolução permanente, “que não é uma estratégia nem uma tática, mas a lei geral da revolução e do movimento de massas na etapa de transição do capitalismo ao socialismo” (ibid., p.193). No caso da “estratégia” e da “tática”, Moreno destaca que são termos relacionados. Para os trotskistas existiriam “duas estratégias fundamentais a longo prazo e em escala internacional e nacional: tomar o poder junto com o movimento operário” e “construir o partido como única ferramenta para chegar a isso” (ibid.,, p.194). Por isso, em relação a esses objetivos estratégicos de longo prazo, “todo o resto é tático”, tendo em vista que para construir o partido e tomar o poder seria possível e necessário utilizar a tática adequada a cada momento. Nesse sentido, “todas as táticas são válidas se se adaptam ao momento concreto, presente, da luta de classes” (ibid., p.194), por isso nunca seriam votadas para período longos, para não se converterem em estratégias a longo prazo.

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para a concretização da revolução socialista, mas sim o questionamento dessa como única possibilidade válida para obter um resultado político exitoso” (MANGIANTINI, 2014, p.68). Além disso, Moreno também procuraria não igualar a luta armada com a guerrilha como estratégia de luta, visto que essa seria entendida muito mais como uma vanguarda armada que, a partir de ações isoladas do movimento de massas, se converteria em uma criadora de consciência. Essa foi uma afirmação sustentada e aprofundada por Moreno nos anos seguintes. Os problemas advindos da concepção da guerra de guerrilhas como principal forma de luta armada ainda estariam longe de terminar para a organização trotskista liderada por Moreno e, consequentemente, para o próprio SLATO. As discussões em torno da estratégia sobre a luta armada, protagonizada por Moreno com Pereyra e Bengochea converteram-se em polêmicas na nova organização trotskista formada em 1965. Em maio de 1965, após meses de intercâmbio e atividades conjuntas, o Palabra Obrera se uniu à Frente Revolucionaria Indoamericanista Popular (FRIP), dando origem ao Partido Revolucionario de los Trabajadores (PRT). A FRIP era um grupo pequeno, orientado pelos irmãos Santucho – Mario Roberto, Francisco René e Oscar Asdrúbal – e atuava quase que exclusivamente entre os setores estudantis e trabalhadores das províncias de Tucumán, Santiago del Estero e Salta, além de possuírem um crescente interesse de inserção no proletariado rural, entendido como sujeito chave da revolução (Cf. CAMARERO, 2014).71 O Palabra Obrera, por sua vez, pautava-se na intervenção nos sindicatos peronistas e possuía presença mais forte em Buenos Aires (Cf. BIANCHI, 2012b). Essa foi a união de “duas organizações com diferenças quantitativas de peso e, sobretudo, com profundas disparidades em suas experiências preexistentes” (MANGIATINI, 2014, p.19). Inicialmente, no entanto, os acordos entre as duas partes unificadas trouxeram importantes ganhos para a nova organização: no norte do país havia se consolidado a atividade política nos engenhos de açúcar, a inserção nas lutas dos trabalhadores de forma mais acentuada e a eleição de um deputado; no centro da 71

A FRIP foi fundada em 1961, por um pequeno grupo de trabalhadores e estudantes do noroeste argentino. De acordo com Mangiantini (2014), seus posicionamentos iniciais estavam associados a uma definição nacionalista e anti-imperialista, com certa distância do marxismo. Entre suas fontes ideológicas estavam nomes relacionados ao revisionismo argentino e também o peruano Haya de La Torre, fundador da APRA (MANGIANTINI, 2014, p.19-20).

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Argentina ocorreu a recuperação do trabalho sindical em algumas regiões, além da extensão da inserção nos trabalhadores metalúrgicos; no movimento estudantil, ocorreu o lançamento e fortalecimento de uma corrente estudantil anti-imperialista e revolucionária (BIANCHI, 2012b). Apesar de a unificação ter possibilitado a superação da crise em que se encontrava o Palabra Obrera e o provincianismo da FRIP, as diferenças programáticas logo começaram a aparecer, especialmente no entendimento da questão da luta armada e na experiência guerrilheira. De acordo com Hernán Camarero, os problemas programáticos surgiram em pouco tempo: logo se tornou evidente que o PRT resultou em um produto de uma unidade forçada, com base em uma precária convergência entre componentes muito heterogêneos. Provavelmente, nos dois setores que confluíram na constituição do partido esteve presente a convicção de que um acabaria assimilando o outro em suas posições. E a confiança entre ambos nunca conseguiu se estabelecer plenamente (CAMARERO, 2014, p.13).

O primeiro congresso do PRT, ocorrido ainda em 1965, definiu as posições internacionais da organização, além de elaborar um informe sobre a América Latina. Defendeu-se o trotskismo como única corrente revolucionária mundial, enfatizando as diferenças com o “castrismo” e com o maoísmo. Sobre a América Latina, reafirmou-se a necessidade de construção de partidos revolucionários a partir da tática de frente única revolucionária (GONZÁLEZ, 1999b, p.76). De acordo com o informe, “as grandes derrotas das massas são causa exclusiva da incapacidade social, organizativa, política e metodológica de suas direções”, na qual se incluía a “incorreção da metodologia e do programa guerrilheirista” (Cf. PALABRA OBRERA, 1965) Por isso, para superar essa incapacidade, que já havia conduzido a grandes derrotas, os revolucionários deveriam ser muito cuidadosos em não provocar “aventuras” que poderiam levar inevitavelmente a mais derrotas, ocasionando o atraso do processo revolucionário em “escala regional, nacional e continental”. No entanto, as discrepâncias entre as organizações que compunham o PRT afloraram não somente sobre questões táticas, mas também sobre a própria estratégia e as formas que o caminho revolucionário deveria adotar (CAMARERO, 2014). De acordo com Mangiantini (2014), o debate sobre a possibilidade de se colocar em prática a luta armada na Argentina encontrou no partido recém-criado um cenário de discussão teórico-política. As divergências não se deram somente em um âmbito abstrato sobre a

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viabilidade do método em algumas circunstâncias, mas sim no modo concreto “de se colocar em marcha essa metodologia e nos fatores a se ter previamente em conta para a adoção dessa estratégia” (MANGIANTINI, 2014, p.66). É ainda Mangiantini (2014) quem destaca que o debate de fundo em torno da luta armada se referia ao tipo de estrutura política a ser construída para a obtenção do triunfo revolucionário. A grande questão estaria pautada no dilema entre a construção de um aparato político-militar ou a construção de um partido revolucionário com inserção e construção política entre as massas e a classe trabalhadora. Nesse sentido, abriu-se um amplo debate entre Moreno e a tendência liderada por Mario Roberto Santucho dentro do PRT. O posicionamento de Moreno, como visto anteriormente no artigo em resposta aos textos de Guevara, não estava dirigido contra a utilização da violência, mas sim contra a tática de implementá-la em determinados contextos históricos. Dessa maneira, o trotskista argentino diferenciava os conceitos de luta armada e de guerra de guerrilhas, eliminando a ideia de interpretá-los como sinônimos: A luta armada significava, para Moreno, a possibilidade do proletariado e do campesinato protagonizarem uma verdadeira insurreição ou guerra civil, enquanto a guerra de guerrilhas era uma tática que poderia ser utilizada de acordo com a conjuntura de cada lugar como complemento dessa luta de massas. A formação de uma guerrilha não poderia supor, então, uma orientação estratégica em si mesmo que terminaria por subordinar o objetivo de uma construção partidária revolucionária (ibid., p.72).

Em oposição às ideias de Moreno, dentro do PRT, a tendência liderada por Santucho, Oscar Prada e Helios Prieto, assinalava a necessidade do partido se preparar adequadamente para o início das tarefas de tipo militar. Segundo Mangiantini (2014), a diferença se estabeleceu na necessidade de construção paralela de um exército revolucionário que atuaria como braço armado do partido, cujo âmbito rural era visto como o mais adequado para a existência e preservação desse exército. As divergências com Moreno foram explicitadas no artigo “El único camino hacia el poder obrero y el socialismo”, escrito em 1968 para o IV Congresso do PRT, e assinado por Carlos Ramirez, Sergio Domecg e Juan Candela, pseudônimos de Santucho, Prada e Prieto. De acordo com esse artigo, que sistematizava as ideias dos militantes do PRT contrários às ideias de Moreno, toda a luta revolucionária deveria ocorrer em três etapas: na primeira, a revolução se encontraria pouco desenvolvida e atuaria de forma defensiva – “a luta armada será essencialmente guerra civil e irá se transformando 140

paulatinamente em guerra nacional anti-imperialista” (RAMIREZ et al., 1972 [1968], p.24); na segunda, graças à luta revolucionária, se produziria um equilíbrio de forças que levaria à terceira etapa, na qual a revolução passaria para a ofensiva e o inimigo para a defensiva. Esse setor também considerava que o “castrismo”, mesmo que sem a “clareza teórica e a pureza de ‘método’ dos grandes marxistas revolucionários do passado” teria conseguido desenvolver “uma estratégia clara para a luta revolucionária global e continental” (ibid., p.8). Deve-se ressaltar que o grupo de Santucho não fazia distinção entre “castrismo” e “guevarismo”, como Moreno, pois considerava que essa como uma falsa distinção. Buscando conciliar de forma eclética trotskismo, maoísmo e “castrismo” (ou “guevarismo”), um dos principais argumentos do artigo era o de que a tática fundamental dos processos revolucionários latino-americanos deveria ser pautada na construção de guerrilhas. Citava-se especialmente o ponto 7 do programa OLAS: “Para a maioria dos países do continente o problema de organizar, iniciar, desenvolver e completar a luta armada, hoje, é a tarefa imediata e fundamental do movimento revolucionário” (ibid., p.10). Nesse sentido, a forma concreta, política e militar que essa tática revolucionária continental deveria adquirir seria a da “guerra prolongada”, cujo principal pilar estaria constituído por exércitos guerrilheiros que deveriam formar-se respeitando as condições particulares de cada país e região (ibid., p.10). No entanto, ainda que esse fosse o principal pilar, Santucho também afirmava que essa construção militar não poderia estar desligada de uma construção partidária: A tarefa de construção do partido e a de construção da força militar, para os verdadeiros revolucionários, estão indissociavelmente ligadas. Onde não há partidos revolucionários deve-se criá-los como forças militares desde o começo. Onde existem e são fracos, deve-se desenvolvê-los, mas transformando-os em forças militares imediatamente, para que possam responder às demandas colocadas por uma estratégia político-militar em poder nessa época (ibid., p.11).

De acordo com Mangiantini (2014), o que se pode concluir dessas diferentes análises é que o debate entre os membros do PRT não estava pautado na necessidade – ou não – de construção do partido revolucionário, mas sim no papel que esse teria. Enquanto para Moreno o partido deveria constituir a vanguarda do movimento de massas, primando pela inserção na classe trabalhadora, para o grupo de Santucho esse

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deveria ser uma ferramenta política que completaria a construção militar, que deveria criar as condições objetivas para a transformação social (MANGIANTINI, 2014, p.77). O encontro de trajetórias divergentes ocasionou, três anos depois, a ruptura. Nos primeiros meses de 1968, antes da realização do IV Congresso do PRT, as diferenças instauraram a crise definitiva e o partido se dividiu em dois: o PRT – El Combatiente (PRT-EC), assim denominado em virtude do nome de seu novo periódico; e o PRT – La Verdad (PRT-LV), que também recebeu essa denominação por causa do nome do jornal do antigo PRT, conservado pelo PRT-LV. De acordo com Mangiantini (2014), pode-se afirmar que tanto o debate em torno do processo revolucionário peruano como a posterior ruptura de Bengochea constituíram os antecedentes diretos da polêmica que Moreno e Santucho protagonizaram em 1968, levando à ruptura do PRT. No já mencionado 9º Congresso Mundial da Quarta Internacional – Secretariado Unificado, o mesmo que adotou as posições de Maitan, a maioria do Congresso reconheceu o PRT (EC) como seção oficial, reduzindo o PRT (LV), de Moreno, à condição de simpatizante. Essa postura era condizente com a linha guerrilheira adotada pelo SU a partir daquele momento. De acordo com Bianchi (2012b), iniciou-se, após o Congresso, uma luta fracional para a aplicação dessa linha política, pois importantes setores trotskistas latino-americanos eram contrários a essa postura. Além disso, violou-se o acordo que garantia a relação fraternal entre as seções argentinas da IV Internacional, pois os partidários do PRT (EC) lançaram-se em ataques violentos contra o PRT (LV), inclusive com apoio da direção do SU.

O Bureau Latino-Americano (BLA) e o Posadismo Durante o período em que se deram as principais discussões sobre a luta armada em sua forma de guerra de guerrilhas, o POR brasileiro enfrentava a dura repressão após o golpe militar de 1964. De acordo com Marcelo Ridenti (1997), dentre os diversos grupos clandestinos que se pretendiam revolucionários após 1964, os trotskistas foram “dos poucos que ficaram à margem das ações armadas” (RIDENTI, 1997, p.93). Ainda que a opção pelas armas no combate à ditadura tenha ganhado relevo em muitas organizações de esquerda, os trotskistas, associados no POR, foram críticos das propostas de ações armadas urbanas e da guerrilha rural. Jacob Gorender também

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enfatizou essa característica do movimento trotskista brasileiro no período: “foram os trotskistas ortodoxos o único segmento da esquerda brasileira que se imunizou inteiramente contra a febre militarista dos anos 1960” (GORENDER, 2014, p.93). No entanto, se predominava entre os trotskistas brasileiros o afastamento de ações armadas e de movimentos guerrilheiros para o combate à ditadura, a mesma coesão não era encontrada na relação com o dirigente da Internacional da qual faziam parte. Após a ruptura do grupo que assinou o documento “Criticar, planejar e construir o partido coletivamente”, em 1966, seguiram-se outras cisões que se reivindicavam trotskistas, mas discordantes da posição “posadista” da direção do POR. Assim surgiu a Fração Bolchevique Trotskista (FBT), no Rio Grande do Sul, na qual se juntaram dissidentes do POR em São Paulo e no Nordeste em 1968-1969; e o Grupo 1º de Maio, em São Paulo, uma cisão enraizada especialmente no movimento estudantil, em 1968. Ambas as organizações eram contrárias ao método da guerra de guerrilhas e buscavam retomar um trabalho de massas no meio operário e estudantil (RIDENTI, 1997, p.93). 72 O Partido Operário Comunista (POC) também se formou em 1968, como resultado da fusão da Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (POLOP) com a dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no Rio Grande do Sul. O POC foi inicialmente crítico às ações armadas urbanas, mas acabou envolvendose com essas ações em princípio dos anos 1970, quando atuou em forma de frente com outras organizações. De acordo com Ridenti (1997), nesse período o POC se dividiu em subgrupos, alguns dos quais se reivindicavam trotskistas e defendiam as ações armadas no combate à ditadura. No entanto, é importante destacar que esse partido, enquanto todo, não reivindicava uma aproximação com nenhum movimento da IV Internacional. Severamente atingido pela repressão, o POC praticamente se desintegrou em 1971. Nesse sentido, ao final dos anos 1960, ainda que a maioria das organizações trotskistas concordasse a respeito do papel da luta armada, as divergências com o “posadismo” haviam se acentuado amplamente. De acordo com Leal (2003), após 72

Marcelo Ridenti também destaca que na década de 1970, remanescentes do Grupo 1º de Maio e da FBT integraram a Organização Socialista Internacionalista (OSI), muito conhecida no movimento estudantil da época como Liberdade e Luta. Essa foi a base da futura tendência “O Trabalho”, que atuou no interior do Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 1980 e 1990, na redemocratização política brasileira. Outros remanescentes da FBT criaram a Liga Operária, que mais tarde comporia a Convergência Socialista, que também atuou dentro do PT. A Convergência Socialista, em 1994, rompeu com o PT e formou o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) (RIDENTI, 1997, p.93).

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sucessivas rupturas, a coesão do POR passou a depender “cada vez mais da fé nos atributos carismáticos do líder, transformando-se numa ‘comunidade de crentes’” (LEAL, 2003, p.267). Ainda que os revolucionários cubanos não tivessem inventado a guerrilha, a experiência em Sierra Maestra trouxe a questão da luta armada como matéria urgente de debates. As circunstâncias históricas faziam dessa questão o maior exemplo de possibilidade de sucesso para muitas parcelas da esquerda, e não seria diferente para alguns trotskistas. Os europeus, em torno de Lívio Maitan, demonstraram maior entusiasmo com a ideia da luta armada em sua forma guerrilheira, enquanto os estadunidenses do SWP e os latino-americanos do SLATO, principalmente o grupo argentino em torno de Nahuel Moreno, discordaram em muitos aspectos, divergindo amplamente do grupo em torno de Mario Roberto Santucho. No Brasil, o POR de Posadas também foi contrário à estratégia da luta armada, especialmente no embate contra a ditadura. Ainda que o POR tenha chegado ao fim, as organizações trotskistas que dele se originaram seguiram pela mesma vertente. A guerra de guerrilhas, no entanto, após o 9º Congresso Mundial do SU, converteu-se em uma linha política, que deveria ser construída juntamente com o partido revolucionário.

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CAPÍTULO 5 – REAVALIAÇÕES: NOVAS CONSIDERAÇÕES SOBRE VELHOS PROBLEMAS Como afirma Castañeda (1994), em 1959, a Revolução Cubana havia coberto a paisagem de uma região do mundo, fazendo com que homens e mulheres depositassem sua fé revolucionária em um ideário. Contudo, ao final dos anos 1960, os problemas da experiência cubana passaram a ficar mais evidentes, principalmente pela estrutura autoritária de poder, a ausência de pluralismo político, de liberdade de expressão e de formas de controle democrático da população sobre instâncias políticas (LÖWY, 2012a, p.44). Para o movimento trotskista, esse também foi um momento de maiores questionamentos acerca do desenvolvimento do processo revolucionário, gerando reavaliações em algumas de suas considerações anteriores e alertando para a existência de problemas já conhecidos. Considera-se que a formação do Partido Comunista de Cuba em 1965, as afirmações de Castro na Tricontinental em 1966 e a derrota de muitos movimentos guerrilheiros, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, contribuíram de forma decisiva para que essas reavaliações fossem feitas pelo movimento trotskista. Contudo, é importante destacar que esse momento das reavaliações não ocorreu somente em virtude desses acontecimentos, estando também presente em considerações de outros períodos. Nesse sentido, entende-se que ainda que não seja estanque, esse momento ganha maior ênfase no período ao final dos anos 1960 e se consolida em 1974, quando o 10º Congresso da IV Internacional – SU abandona a tática de guerra de guerrilhas. Para os trotskistas reunidos no SU, o caminho seguido por Cuba não correspondeu às expectativas geradas em seu momento inicial. As relações trotskistas com a direção cubana se complicaram com a aproximação dessa com o bloco soviético; ao mesmo tempo em que a inexistência de um partido revolucionário marxista e de órgãos de democracia operária trouxeram o perigo da burocratização do Estado operário; por fim, a guerrilha não se mostrou mais como um método eficiente para o desenvolvimento da revolução no restante do continente.

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OS “AGENTES DO IMPERIALISMO” O Secretariado Unificado (SU) Como visto anteriormente, ainda que divergisse da liderança cubana em muitos aspectos, o movimento trotskista havia, até então, nutrido certa expectativa e até admiração pela direção de Fidel Castro. González (1999a), no entanto, afirma que o caráter da direção cubana foi uma característica de difícil compreensão: Precisamente, uma das particularidades mais difíceis de entender sobre a Revolução Cubana foi o caráter de sua direção. Um advogado de família proprietária de terras e ideias políticas apenas reformistas, transformou-se no dirigente da primeira revolução que no quintal do país imperialista mais poderoso da terra expropriou totalmente a propriedade burguesa. Enquanto os dirigentes do Kremlin não eram nem a sombra do que haviam sido os velhos bolcheviques transformados em burocratas, Fidel Castro, Che e os barbudos de Sierra Maestra haviam avançado com a teoria da revolução permanente. Inclusive, chegaram a enfrentar as políticas dos partidos stalinistas ligados a Moscou, e fizeram violentas críticas contra a burocratização de seus dirigentes (GONZÁLEZ, 1999a, p.47).

Para tornar ainda mais complexo o exame do caráter dessa direção, em 1966, as relações entre o movimento trotskista e Fidel Castro tornaram-se menos amistosas. Nesse ano, ao final da Conferência Tricontinental de Havana, o líder cubano afirmou que o trotskismo havia se tornado “um instrumento vulgar do imperialismo e da reação”. Os trotskistas eram “mercenários a serviço do imperialismo ianque” (Cf. CASTRO, 1966). Castro ainda fez a leitura de jornais trotskistas que questionavam o desaparecimento de Che Guevara e o acusavam de ter prendido ou eliminado o guerrilheiro por divergências políticas. Os ataques estavam pautados em artigos de jornais assinados por J. Posadas. As relações do líder trotskista da IV Internacional Posadista com os dirigentes cubanos sempre foram baseadas na desconfiança dos rumos de sua liderança. A partir de 1965, no entanto, Posadas acentuou suas críticas a Fidel Castro ao afirmar que Che Guevara havia sido expulso de Cuba: “A expulsão de Guevara de Cuba é parte de toda uma campanha da burocracia soviética que tende a eliminar os perigos da revolução política nos Estados operários” (POSADAS, 1965, p.3). Mais a frente, no mesmo artigo do jornal argentino Voz Proletaria, Posadas afirmava que Guevara havia sido assassinado: “Guevara foi um organizador ideológico, o teórico da Revolução. Por isso o liquidaram, mas aí está sua tendência em Cuba. Devemos confiar, podemos confiar, que em curto prazo haverá uma luta aberta” (ibid., p.4). 146

Guevara, como posteriormente se soube, havia deixado seu cargo no governo cubano para partir para o Congo e, logo depois, para preparar a luta guerrilheira na Bolívia. De acordo com Pericás (2002), naquele momento não era possível que Fidel revelasse onde estava Guevara e nem qual era sua missão, o que acabou gerando acusações tanto por parte de críticos capitalistas quanto de críticos de esquerda.73 Por isso, em um momento extremamente delicado, a reação do líder cubano teria sido tão violenta para com as críticas que relacionava ao trotskismo como um todo. De acordo com Coggiola (1984), muitos simpatizantes da Revolução Cubana protestaram contra a atitude de Fidel Castro, pois o mínimo que se poderia dizer era que as críticas trotskistas não bastavam para associá-los ao imperialismo. O fato também fez com que o SU publicasse uma “carta aberta” a Castro, mantendo seu apoio à revolução, mas se defendendo de todas as acusações (PERICÁS, 2002, p. 99). Além disso, o SU voltou-se para uma campanha em sua defesa que pedia que Castro fosse julgado em um tribunal popular em Cuba, com a presença de militantes da IV Internacional, para esclarecer suas posições. Esse apelo nunca foi respondido pelo líder cubano. As polêmicas, contudo, não se detiveram somente no discurso de Castro. Pouco tempo depois, Blas Roca, membro do Partido Comunista de Cuba, publicou um artigo em defesa do líder cubano e em claro ataque ao movimento trotskista, “The Trotskyist Slanders Cannot Tarnish the Cuban Revolution”. Roca reafirmava a relação das críticas trotskistas com o imperialismo, além de enfatizar que o trotskismo, “em sua política e teoria, é um cadáver” (ROCA, 1966, p.91). A experiência histórica também teria derrotado todas as suas teorias, reduzindo-os a pequenos grupos isolados das massas cuja única função se limitaria em combater a URSS e os Partidos Comunistas. As posições trotskistas eram vistas como uma “sabotagem indireta” a Cuba, feita por “pseudo revolucionários” que atuavam em conjunto com o imperialismo: “O imperialismo ianque encontrou, nos trotskistas, forças auxiliares muito ativas em seus 73

Pericás também analisa as relações entre Che e Fidel: “Em realidade, apesar de todas as críticas, Fidel e o Che sempre foram intimamente ligados por laços de amizade, o que é algo praticamente incontestável. Castro, portanto, não traiu Guevara de forma alguma, como alguns ainda insistem em afirmar. Quando Che vai lutar na Bolívia, com total apoio de Fidel, ele tenta, entre outras coisas, criar uma retaguarda para a Revolução Cubana, já que não confiava demasiadamente nos soviéticos e acreditava que Cuba não poderia ficar de maneira alguma isolada. Ele não exportaria a revolução, mas incentivaria e ajudaria a preparar as condições para que ocorressem revoluções com características próprias em outros países do continente” (PERICÁS, 2002, p.99).

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esforços para destruir o prestígio da Revolução Cubana aos olhos dos povos latinoamericanos através da utilização de calúnias e de propagandas confusas” (ibid., p.91). Roca enfatizava que defender a Revolução Cubana seria o dever de todo revolucionário honesto, preocupado com a soberania e a independência de cada país, e com o progresso do socialismo. O comunista cubano finalizava em tom triunfalista e ameaçador: “não há calúnia que possa extinguir dos olhos das massas latino-americanas a chama ardente do exemplo inspirador da Revolução Cubana, vitoriosa em face de todas as agressões, ataques e dificuldades” (ibid., p.95). Tanto as acusações de Roca quanto as de Fidel foram respondidas por Joseph Hansen em artigo publicado na revista International Socialist Review e na revista Quatrième Internationale, ambos em 1966. Em “Stalinism or Trotskyism in the Cuban Revolution?” Hansen fez questão de elucidar que Castro teria agrupado todos os trotskistas em um único bloco em suas críticas, sendo que os jornais nos quais se baseava eram do grupo de Posadas, que havia rompido com o SU em 1962. A resposta a Roca era um pouco mais enfática, pois Hansen considerava que o cubano era da “escola stalinista”, que considera “qualquer oposição crítica à linha monolítica decretada a partir do incontestável líder como um reflexo da pressão imperialista” (HANSEN, 1966, p.97). Hansen também afirmava que a posição da maioria do movimento trotskista foi de grande entusiasmo com o advento da Revolução Cubana. Os trotskistas a consideraram como a abertura da revolução socialista no hemisfério oeste, além de exaltarem uma liderança não stalinista no desenvolvimento do processo revolucionário. A própria reunificação da IV Internacional em Secretariado Unificado em 1963 teria sido parte da aproximação das ideias trotskistas sobre a formação de um Estado operário em Cuba. O grupo de Posadas, que Castro e Roca atacavam, seria uma “pequena seita e não a voz da IV Internacional”. Um mês depois das críticas de Castro, o periódico La Verdad, do PRT argentino, também publicou um artigo no qual se reunia ao restante do SU na campanha por esclarecimentos sobre os ataques feitos ao movimento. Para os trotskistas latinoamericanos, Castro havia retomado uma linguagem e um conteúdo típicos do stalinismo para combater ataques feitos por Posadas. A revolução precisaria se basear na verdade,

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por isso o trotskismo estaria desafiando o líder cubano na formação de um tribunal com a participação do povo (LA VERDAD, 1966b, p.4). Em julho do mesmo ano, no “Documento Latinoamericano”, mais tarde publicado na revista Estrategia, a caracterização do castrismo pelo PRT já se diferenciava daquela defendida anteriormente. Para os trotskistas latino-americanos, a crise de direção do movimento de massas no continente não havia sido superada. O castrismo, de direção reconhecida, passou a uma crise e uma perda de forças, dividindo os setores revolucionários que a apoiavam incondicionalmente: “hoje em dia o castrismo não tem, nem por traço, a força e o prestígio, como movimento político, que tinha há dois ou três anos” (PRT, 1966, p.2). Embora o pano de fundo das acusações de Fidel fossem as declarações de Posadas sobre Che Guevara, essas críticas se assentavam sobre bases mais concretas. Para González (1999a), essas posições não estavam associadas apenas a uma resposta violenta em um momento difícil, mas sim a uma aproximação maior com o bloco soviético. Esse alinhamento teria se tornado ainda mais notório quando Castro apoiou a invasão de tanques russos à Tchecoslováquia em 196874 e quando defendeu uma “via pacífica para o socialismo” no Chile, “girando 180º ao que havia defendido anteriormente” (GONZÁLEZ, 1999a, p.250). As declarações de Castro e os ataques de Blas Roca ao movimento trotskista afetaram as relações desse movimento com a direção cubana, embora não modificassem a defesa de suas conquistas ou a crítica aos seus problemas. Dentro do SU, as posições do SWP, partilhadas pelos europeus, enfatizavam a confusão feita por Castro ao considerar Posadas como o conjunto do trotskismo, além de responderem de forma mais contundente às críticas de Roca. Os latino-americanos concordavam com o restante SU, mas já apontavam para a crise do castrismo. Iniciava-se o processo de reavaliação do caráter da direção cubana no movimento trotskista.

74

A posição cubana era de que mesmo que essa invasão significasse juridicamente a violação da soberania do país, era politicamente necessária para salvaguardar as conquistas do socialismo. Segundo Sales (2009), a posição de Cuba serviu como um símbolo de reaproximação com a URSS, uma relação que se tornaria estável até os anos 1980.

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A INEXISTÊNCIA DE UM PARTIDO MARXISTA REVOLUCIONÁRIO E A FALTA DE DEMOCRACIA OPERÁRIA Em outubro de 1965 formou-se o Partido Comunista de Cuba (PCC), resultado da fusão do Movimento Revolucionário 26 de Julho, do Partido Socialista Popular (PSP) e do Diretório Estudantil. Essa formação, contudo, significou a concretização de alguns problemas já levantados pelo movimento trotskista desde o início do processo revolucionário. A formação de um partido único, que não contemplava a ideia de um partido marxista revolucionário, assim como a aproximação com setores ligados ao stalinismo, levaram ao temor de uma burocratização do processo e do afastamento das massas. A preocupação com a inexistência de um partido marxista revolucionário já aparecia nas primeiras análises acerca da Revolução Cubana e estava amplamente associada à falta de organismos de democracia operária. Ainda em 1960, em artigo de A. Ortiz para a Quatrième Internationale, enfatizava-se que a tendência a um partido único, com uma direção caracterizada como paternalista, acentuaria os perigos no desenvolvimento

da

revolução.

Ortiz

também

afirmava

a

necessidade

do

desenvolvimento da gestão dos trabalhadores sobre a economia estatizada, o desenvolvimento do Estado e do governo baseados nos sindicatos, nas cooperativas, nas milícias e em outras formas de organização popular (Cf. ORTIZ, 1960). Seguindo a mesma concepção de Ortiz, Joseph Hansen também ressaltou, em 1961, a inexistência de formas de democracia proletária no Estado operário cubano. Ainda que a teoria marxista admitisse tal exceção, Hansen afirmava que isso significaria um perigo para os interesses revolucionários das massas e dos camponeses, “um sinal de fraqueza na organização da luta” (HANSEN, 1961, p.28). Com a reunificação de parte do movimento trotskista em 1963 em torno do SU, ressaltaram-se mais as caracterizações positivas acerca do regime cubano, principalmente a formação de um Estado operário na América Latina, que seguia a dinâmica da revolução permanente. Documentos como “Dynamics of the World Revolution Today” e “Reunification of the Fourth International” atentavam para o exemplo de Cuba para o restante dos países coloniais, bem como a necessidade de sua defesa por parte dos revolucionários de todo o mundo. Em 1964, Ernest Mandel confirmou esse movimento de exaltação das características positivas existentes em Cuba 150

com o já citado “Defend the Cuban Revolution”. Para Mandel, era necessário defender com todas as forças uma revolução social que carregasse consigo as “esperanças de uma vida melhor para os oprimidos dos oprimidos – famintos, negros, índios, humilhados por quatro séculos” (MANDEL, 1964, p.83). Após as declaradas críticas de Fidel Castro ao movimento trotskista, os estadunidenses e latino-americanos em torno do SU passaram a considerar de forma mais enfática o perigo da burocratização e a necessidade de construção de órgãos de democracia operária. É mais uma vez Joseph Hansen, em sua resposta a Blas Roca, que aborda a questão ao afirmar que a principal corrente do trotskismo mundial havia defendido, desde 1959, que a Revolução Cubana era inerentemente a mais democrática desde a Revolução de Outubro na Rússia. No entanto, a ausência de uma forma de governo baseada em conselhos operários ainda seria uma grave fraqueza que deveria ser reconhecida. Hansen, no entanto, afirmava que a Revolução Cubana havia permanecido “livre da doença burocrática que causou estragos na União Soviética” (HANSEN, 1966, p.105). Os latino-americanos liderados por Nahuel Moreno também alertaram, desde o início da revolução, para a inexistência de um partido marxista revolucionário e de um programa político. Após os ataques de Castro, em artigo intitulado “Hacia dónde va Castro”, publicado em fevereiro de 1966, afirmava-se que a Revolução Cubana continuava a se desenvolver sem a existência de um partido conscientemente revolucionário, o que poderia levar à burocratização: (...) em tais condições, a falta de quadros, a liderança absolutamente pessoal de Fidel, o atraso do próprio país e a ausência de um proletariado forte, assim como a ausência de países vizinhos na América Latina que o apoiem, constantemente geram motivos de burocratização. Mas alertar sobre a possibilidade de um fato historicamente possível, não nos permite tirar agora conclusões como se esse fato já estivesse se consumado (LA VERDAD, 1966a, p.4).

A inexistência de organismos de democracia operária também foi uma questão levantada pelos latino-americanos. A direção cubana nunca teria apoiado a criação desses organismos, nem impulsionado sua formação. As organizações de massas estariam impregnadas dos métodos e da disciplina militar do Exército Rebelde. Do ponto de vista da democracia operária, o Estado operário cubano teria nascido totalmente burocratizado (Cf. GONZÁLEZ, 1999a, p.47).

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Outro trotskista latino-americano, alinhado ao SU e veemente defensor da guerra de guerrilhas no continente, Hugo González Moscoso, também apontou críticas ao desenvolvimento do processo revolucionário em Cuba. Em 1968, em “The Cuban Revolution and Its Lessons”, o boliviano do POR defendeu que na fase inicial da Revolução Cubana o perigo da conciliação de classes e da estabilização havia sido remoto, mas desde a união dos revolucionários de Sierra Maestra com o stalinismo “esse perigo se tornou real” (MOSCOSO, 1968, p.19). O dever de todo revolucionário era alertar sobre esse perigo para que fosse possível combatê-lo de forma enérgica. Acerca da burocratização do Estado, Moscoso enfatizava que isso poderia ser revertido ao se envolver as massas em todas as funções do novo Estado. Contudo, na área da organização política a Revolução Cubana havia feito poucos progressos, pois continuava como uma “democracia paternalista” e não “operária”. Para o trotskista boliviano, “o fato de Cuba ainda não ter uma organização política social própria de um Estado operário representa a fraqueza dessa revolução (...) Cuba necessita de soviets ou de conselhos operários” (ibid., p.20). Esses conselhos deveriam ser instrumentos pelos quais as massas pudessem intervir, deliberar e decidir sobre os interesses administrativos, econômicos e políticos do país. Moscoso também advertia acerca do regime de partido único que, ao governar todas as relações políticas, impediria que outras tendências atuassem. Além de esse ser um grave erro, também constituiria um sério perigo por limitar a livre iniciativa das massas, além de promover divisões e inibir seu entusiasmo com o desenvolvimento da revolução. As discussões acerca da inexistência de um partido marxista revolucionário, da falta de organismos de democracia operária e do risco da burocratização em Cuba estiveram presentes no movimento trotskista desde a tomada do poder pelos revolucionários. Essas críticas já estavam presentes no período em que o movimento se dividia em SI e CI e aparecem nos anos seguintes dentro do SU. Após a reunificação, no entanto, a crítica a esses problemas foi feita de forma mais contundente pelas organizações estadunidenses e latino-americanas. A formação do Partido Comunista Cubano em 1965 e os ataques de Castro em 1966 levaram, no entanto, à reavaliação de que a inexistência de um partido marxista revolucionário e de organismos de

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democracia operária continuava como um problema ainda incapaz de ser superado, comprometendo o pleno desenvolvimento do processo revolucionário.

A GUERRILHA COMO PROBLEMA O Secretariado Unificado (SU) Após o 9º Congresso Mundial da Quarta Internacional – SU, a seção argentina considerada oficial pelo restante do movimento trotskista, o PRT (EC), começou a colocar em prática sua estratégia de luta armada. No V Congresso desse partido, em 1970, criou-se o Ejército Revolucionario del Pueblo (ERP), braço armado da estrutura partidária (MANGIANTINI, 2014, p.127). De acordo com Bensaïd (2007), a estratégia de guerra prolongada de Mario Roberto Santucho, liderança do PRT (EC), combinava libertação nacional (referência a José Martí) e a emancipação social (referência a Che Guevara), considerando o povo argentino não apenas em luta contra suas próprias ditaduras, mas em guerra contra uma intervenção norte-americana. Dessa forma, além de criar o ERP, Santucho defendia a adoção de um armamento pesado, o acúmulo de um tesouro de guerra, o estabelecimento de zonas libertadas e o reconhecimento das instituições internacionais de um Estado de guerra (BENSAÏD, 2007, p.113). No entanto, entre 1968 e 1970, discussões internas em torno da estratégia política e militar levaram à subdivisão do PRT (EC) em outras três organizações. A Tendencia Comunista deu origem ao Grupo Obrero Revolucionario (GOR), liderado por Daniel Pereyra, que embora não renegasse o papel da luta armada como meio fundamental do processo revolucionário, alertava para a necessidade de se corrigir o militarismo que teria caído o PRT (EC), principalmente por iniciar as ações armadas sem uma caracterização do desenvolvimento da luta de classes e das forças do partido. O GOR aderiu à IV Internacional – SU em 1974, sendo reconhecido como seção simpatizante. A segunda tendência, chamada de Proletaria, liderada por Oscar Prada, foi a que mais se afastou da concepção de guerra revolucionária, levando ao abandono dessa estrutura do partido para privilegiar a inserção no movimento operário.75 A 75

Nos anos 1970, Prada fundou a Liga Socialista Revolucionaria (LSR).

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Tendencia Leninista teve Santucho como líder, converteu-se em PRT-ERP e passou a defender a primazia da ação prática sobre a teoria, além de identificar a figura do intelectual como um sujeito pequeno-burguês nocivo à revolução76 (MANGIANTINI, 2014, p.129). Em 1973, Santucho rompeu com a IV Internacional, contrariando as expectativas dos trotskistas europeus que haviam colocado em suas mãos a esperança do desenvolvimento da guerrilha na Argentina. Apesar de ter possuído uma influência relevante em certos setores da classe operária e da juventude argentina, e ter construído frentes com diversos grupos políticos, o PRT-ERP sofreu com os golpes da ditadura instaurada na Argentina em 1976. Os membros mais destacados da organização foram mortos – incluindo Santucho –, assim como parte considerável de sua militância, levando ao fim do PRT-ERP. Já os militantes do PRT (LV), liderados por Nahuel Moreno, logo após a ruptura, adotaram a forma clássica de partido marxista-leninista e se voltaram para a inserção na classe operária como forma de reconstrução depois da perda de importantes quadros para a fração de Santucho (ibid., p.132). Mesmo tendo perdido a condição de seção oficial da IV Internacional no congresso de 1969, aproximaram-se do SWP e se inseriram de forma mais ativa no debate internacional, o que permitiu com que gradativamente combatessem sua marginalidade (Cf. BIANCHI, 2012b). Alguns meses após o 9º Congresso, os argentinos do PRT (LV) elaboraram um conjunto de teses sobre a situação latino-americana. Denominado “Proyecto de tesis sobre la situación latino-americana”, o documento se iniciava com a explicação de que a delegação do PRT (LV) havia votado contra as teses de Maitan porque se opunha à guerrilha rural como principal estratégia para a etapa na qual se encontrava o continente. Por meio de alguns pontos – a nova ascensão revolucionária; as etapas da revolução latino-americana; a debilidade das guerrilhas e da OLAS; a situação econômica; as relações interburguesas e com o imperialismo; a nova etapa e o Programa de Transição; 76

O componente anti-intelectualista na posição do PRT-ERP parece aqui muito próximo ao defendido por Debray em Revolução na Revolução (1967). Para esse autor, o intelectual seria aquele que, para explicar o mundo, possui uma vinculação com o passado da humanidade, levando a uma dificuldade em propor novos modelos de atuação. Somada a essa dificuldade também estariam debilidades físicas, que tornariam o intelectual inadaptado para liderar o processo revolucionário. Debray também chegou a pontuar que os fracassos da esquerda na América Latina derivavam dos estudantes e intelectuais que compunham suas fileiras.

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a nova vanguarda e a construção do partido – o documento buscava justificar a posição tomada no Congresso Mundial. Considerava-se que uma nova situação havia se iniciado na América Latina. De 1960 a 1965, o triunfo da Revolução Cubana teria provocado uma “esquerdização” dos movimentos pequeno-burgueses, levando a uma ascensão do movimento camponês como máxima expressão desse processo e colocando os movimentos guerrilheiros na ordem do dia. No entanto, na etapa que agora se iniciava, o movimento voltaria a ter como eixo central a classe operária, “por uma decadência quase total dos movimentos guerrilheiros e pelas situações insurrecionais nas grandes cidades” (PRT-LV, 1969, p.2). O documento destacava que o golpe reacionário de 1964 no Brasil teria levado a um retrocesso geral de todo o movimento revolucionário latino-americano. Esse retrocesso teve como consequência a debilidade e extinção das guerrilhas existentes, a liquidação de seus dirigentes e a contradição aguda no desenvolvimento da direção cubana. A resposta dessa direção ao retrocesso teria sido a “esquerdização” de seu programa, chegando a conclusões gerais cada vez mais revolucionárias e corretas, mas dentro de uma estratégia geral equivocada, ou seja, tendo como único eixo a luta armada e a guerra de guerrilhas: Este desenvolvimento contraditório da direção cubana: conclusões iniciais cada vez mais corretas, dentro de uma estratégia geral incorreta e de uma total ignorância do programa adequado para ganhar o movimento de massas na etapa de retrocesso, permitiu um renascimento dos reformistas, stalinistas ou burocratas, assim como de movimentos nacionalistas burgueses e pequeno-burgueses. Enquanto a OLAS e as guerrilhas se debilitaram, os reformistas se fortaleceram (ibid., p.3).

A nova situação latino-americana também estaria acompanhada de uma conjuntura econômica “contraditória” e “trágica”, que facilitaria a unidade do imperialismo com a burguesia nacional, permitindo o surgimento de governos bonapartistas e ditatoriais. Nessa conjuntura, os levantes insurrecionais haviam enfrentado o exército e a polícia de forma mais eficaz do que a guerrilha, deslocando novamente a revolução para as cidades. Por isso, a luta nas cidades modernas teria se mostrado muito mais fácil do que as concepções “guerrilheiristas” defendiam, além de indicar que o movimento operário estaria novamente voltando para o centro da política. Nesse sentido, o documento defendia a necessidade de construção de partidos marxistas revolucionários para o enfrentamento dessa nova situação.

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No entanto, enquanto o PRT (LV) publicava esse documento, o PRT (EC) começava a preparação de seu braço armado, o ERP, como visto anteriormente. Na Bolívia, o Partido Obrero Revolucionario (POR), sob a direção de Hugo González Moscoso, defendia o desenvolvimento de guerrilhas urbanas e rurais em toda América Latina como estratégia aplicável a todos os países subdesenvolvidos.77 O descompasso entre as posições das organizações latino-americanas que compunham a IV Internacional – SU era cada vez maior, exemplificando a luta fracional iniciada com a linha política adotada no Congresso de 1969. Enquanto isso, as organizações europeias do SU continuavam apostando no sucesso das guerrilhas na América Latina. De acordo com Bianchi (2012b), o fascínio dessas organizações pelo método guerrilheiro estava associado muitas vezes a um conhecimento superficial a respeito do desenvolvimento de ações desse tipo no continente latino-americano. Em 1971, por exemplo, a revista Quatrième Internationale publicou um número especial sobre a Revolução Cubana no qual se destacava a seguinte frase em sua introdução: “a grande imprensa designou a nova geração de trotskistas como ‘guevaristas’. Nós podemos nos orgulhar, pois não há honra maior que continuar o combate do comandante Ernesto Che Guevara, símbolo heroico de nossa época revolucionária” (QUATRIÈME INTERNATIONALE, 1971, p.3). A insistência no fato da luta armada significar o mesmo que a luta guerrilheira também ocorria em descompasso com os acontecimentos. Na América Latina, as experiências de guerrilha rural sofriam derrota sobre derrota, assim como as experiências de guerrilha urbana que surgiam no combate a governos ditatoriais. Enquanto a afirmação dos trotskistas europeus se mostrava favorável à continuidade das ações guerrilheiras, do outro lado do mundo essa luta ceifava a vida de muitos militantes, vítimas de brutal repressão. Para combater ao que mais tarde chamaram de “tentação guerrilheirista”, as correntes que se opunham à defesa dessas ações formaram a Tendência Leninista 77

De acordo com o próprio Moscoso: “A Revolução Cubana não foi um caso único ou excepcional, mas sim a culminação de um processo que, para além de seus recursos naturais específicos, partiu de um nível comum a todos os países subdesenvolvidos. Isso significa que outros povos podem também seguir o caminho cubano, adaptando essas caraterísticas gerais às suas próprias características nacionais, regionais ou locais” (MOSCOSO, 1968, p.1). O autor ainda segue na defesa incondicional da guerra de guerrilhas: “Os resultados atingidos pela guerrilha em Cuba podem ser realizados em qualquer país. Portanto, eu digo que a guerra de guerrilhas é incontestavelmente o caminho pelo qual os revolucionários devem seguir para libertar seus povos da exploração capitalista e imperialista” (MOSCOSO, 1968, p.4).

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Trotskista (TLT), em 1972. Esse era um setor minoritário da QI-SU, encabeçado pelo SWP estadunidense e pelo PRT (LV) – agora chamado de Partido Socialista de Los Trabajadores (PST).78 A maioria, favorável à guerrilha, constituiu Tendência Majoritária Internacional (TMI). O documento no qual foram sintetizadas as posições da TLT foi escrito ainda em dezembro de 1972, “Argentina and Bolivia: the balance sheet”, assinado por Hugo Blanco, Peter Camejo, Joseph Hansen, Anibal Lorenzo e Nahuel Moreno, congregando representantes trotskistas que discordavam da maioria do SU. O documento começava ressaltando as diferenças que levaram à formação de duas posições distintas acerca da guerra de guerrilhas desde o 9º Congresso – principalmente o debate entre Maitan e Hansen, exposto anteriormente. Em seguida, fazia um balanço dos acontecimentos na Argentina, comandados pelo PRT (EC), e na Bolívia, comandados pelo POR (C), principalmente da experiência guerrilheira e suas consequências. Ainda que considerassem que a ala majoritária tivesse feito concessões em suas teses iniciais – a ênfase na guerrilha rural havia passado à guerrilha urbana, a possibilidade de levantes de massa nas cidades havia sido considerada, assim como a utilização de períodos de legalidade abertos em regimes ditatoriais –, isso não teria alterado nada substancialmente, pois a linha política continuava sendo a mesma. O documento também defendia enfaticamente um retorno à política de intervenção no movimento de massas e a construção de partidos revolucionários. Para os autores, a maioria a da QI-SU estava persistindo em um erro que só causaria mais desastres, por isso era necessária a organização em escala internacional de uma tendência que combatesse a orientação guerrilheira. A defesa dessa tendência consistiria em: 1) reverter o “desvio” geográfico e programático da guerrilha feito no 9º Congresso; 2) reafirmar o método indicado no Programa de Transição para a resolução de problemas enfrentados pelas direções na construção de uma liderança do proletariado; 3) comprometer-se com a estratégia leninista de construção de um partido combativo para assegurar o sucesso de novas erupções revolucionários do proletariado.

78

De acordo com Martín Mangiantini: “Em 1972 se formalizou a unidade entre o PRT La Verdad e uma divisão do Partido Socialista Argentino, encabeçada por Juan Carlos Coral (PSA – Secretaría Coral). Dessa fusão surgiu o Partido Socialista de los Trabajadores (PST), que acabou se convertendo em um partido nacional com inserção em diversas províncias e em uma ferramenta política eleitoral a partir de 1973, chegando a ser a única organização revolucionária que apresentou uma alternativa nas disputas eleitorais desse ano, capitalizadas pelo peronismo” (MANGIANTINI, 2014, p.133).

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Apesar dos debates travados pela TLT, mais tarde transformada em Fração Leninista Trotskista (FLT), a IV Internacional só iria rever a linha política da guerra de guerrilhas em fevereiro de 1974, no 10º Congresso Mundial. Com um aumento considerável de participantes, com 48 organizações representando 41 países e aproximadamente 250 delegados, o Congresso teve como principal controvérsia, entre a maioria e a minoria internacionais, a questão da luta armada na América Latina e a violência revolucionária, o debate sobre as relações com as novas vanguardas e a formação de frente única com as organizações tradicionais do movimento operário (BENSAÏD, 2007, p.116). Entre as teses adotadas pelo 10º Congresso, estavam as resoluções políticas mais gerais, as teses sobre a construção de partidos revolucionários na Europa capitalista e a preocupação sobre o estado em que se encontrava a IV Internacional naquele momento. No entanto, grande parte das contribuições estava relacionada à questão da luta armada na América Latina, à linha de orientação na Bolívia e à crise de perspectivas revolucionárias na Argentina. Nota-se, dessa maneira, a importância do continente latino-americano para a linha política adotada nesse congresso. A “Resolução sobre a luta armada na América Latina” destacava as teses defendidas no congresso anterior, de 1969, e apontava as diferenciações. Esse documento afirmava que a estratégia da IV Internacional na América Latina deveria fazer parte de um esforço central para a resolução da crise de direção revolucionária através da construção de novos partidos revolucionários de massa: “sem dar uma resposta concreta aos problemas levantados pela ascensão revolucionária, a construção desses partidos é impossível” (QUATRIÈME REVOLUTIONAIRE, 1974, p.47). A resolução também apontava o caso do PRT (EC), liderado por Santucho, que teria demonstrado “o perigo de desvios militaristas” que negligenciavam a agitação e a propaganda política, a elevação sistemática da consciência de classe e a luta contra ideologias reformistas. O documento ainda afirmava que as resoluções do 9º Congresso haviam dado respostas ao urgente debate sobre o papel da guerrilha rural, aberto após a Revolução Cubana. As experiências de países latino-americanos, no entanto, teriam provado que a linha política aprovada em 1969 foi um pouco mais difícil de se concretizar do que o esperado. Esse foi o caso do Brasil, onde as condições objetivas

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teriam se provado muito mais complexas do que os revolucionários imaginavam. Do ponto de vista subjetivo, as organizações armadas também pagaram um elevado preço pela adesão aos desvios militaristas. No Uruguai, após o golpe militar em 1973, teria se provado que a popularidade conseguida pelos Tupamaros,79 por meio de ações corajosas, não supria a elaboração de uma perspectiva revolucionária generalizada ou a construção de uma direção alternativa. No Chile, a trágica derrota sofrida pela classe trabalhadora ilustraria o quanto a resistência espontânea e defensiva seria insuficiente para conter um golpe de Estado. No entanto, o pesado tributo de falhas não deveria levar à rejeição completa da luta armada e nem à conclusão que as experiências guerrilheiras representaram um fracasso total. O esmagamento de sucessivos movimentos de massa em diversos países deveria ser entendido como o fracasso total do “foquismo”, questão candente no curso da luta de classes na América Latina. Por fim, a resolução concluía afirmando que o 9º Congresso havia respondido à nova situação surgida no continente após a Revolução Cubana, especialmente sobre a questão da luta armada. Contudo, os erros graves sobre essa questão haviam sido compreendidos após o fracasso de muitas experiências latinoamericanas. Após cinco anos, a autocrítica estava sendo feita pela QI-SU. De acordo com Bensaïd (2007), o refluxo das lutas no continente latinoamericano, com golpes de Estado na Bolívia, em 1971, no Uruguai e no Chile80 em 1973, mostraria a necessidade de uma reorientação estratégica para a América Latina: “tinha chegado a hora de nos armarmos com uma ‘lenta paciência’ e de inscrever o projeto revolucionário no longo prazo” (BENSAÏD, 2007, p.117). O movimento trotskista, organizado na IV Internacional – Secretariado Unificado, reavaliou a linha política guerrilheira defendida no 9º Congresso Mundial de 1969, abandonando a concepção da guerra de guerrilhas e voltando-se prioritariamente para a construção de partidos marxistas revolucionários. Ainda que os debates e as divergências tenham sido constantes acerca dessa questão, os trotskistas 79

Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros (MLN-T) foi um grupo uruguaio de guerrilha urbana que atuou entre os anos 1960 e 1970, tanto antes quanto depois da instauração da ditadura em 1973. A repressão ao movimento se intensificou após o golpe de Estado, levando a morte de muitos guerrilheiros e à dispersão do movimento, que só voltou à cena política após a redemocratização, em 1985. 80 De acordo com Bensaïd, a experiência chilena teria demonstrado que “o heroísmo de uma minoria determinada não é suficiente para ‘ultrapassar os aparelhos’, se seu controle sobre os setores significativos do movimento de massas não tiver anteriormente sido garantido” (BENSAÏD, 2007, p.117).

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do SU se viram diante de um fenômeno que havia influenciado grande parte da esquerda latino-americana: O fenômeno cubano despertou em escala continental uma concepção distinta na prática revolucionária da década. O castrismo gerou em um setor importante da vanguarda a ideia de que a guerra de guerrilhas era o único método adequado para a luta contra a burguesia e o imperialismo. Converteuse, assim, em um movimento continental que expressou a radicalização de importantes setores da pequena burguesia, geralmente desviando-a para posições aventureiras (GONZÁLEZ, 1999a, p.15).

A reavaliação do papel da guerra de guerrilhas parece ter representado não apenas a mudança de uma linha política específica, mas sim o fim do ciclo da influência da Revolução Cubana na organização das fileiras da IV Internacional – SU. Feitos os exames a respeito de seus significados e as mudanças pautadas em seus novos métodos e sujeitos, voltava-se agora para os problemas de seu desenvolvimento. Após 15 anos da vitória dos revolucionários em Sierra Maestra, os rumos de sua revolução e de suas ideias já se delineavam com maior clareza e, se muitas conquistas deveriam ser amplamente defendidas, as falhas também deveriam ser passíveis de críticas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Somos semelhantes a homens que tentariam escalar uma montanha e sobre os quais desabariam, sem cessar, avalanches de pedras e de neve.

LEON TROTSKY Os ecos de Sierra Maestra se estenderam para o restante do mundo, mas se fizeram ainda maiores no continente latino-americano. O capítulo histórico aberto com esse acontecimento ainda é pauta de análises que continuam se dividindo entre apoios incondicionais e rejeições sumárias. Para a esquerda revolucionária, em especial, os debates, redefinições e realinhamentos em torno de paradigmas organizativos e métodos de luta se estenderam desde a tomada do poder em Havana até nossos dias. O intento dessa dissertação foi compreender como um acontecimento de tamanha proporção foi capaz de impactar um movimento de esquerda que já se pautava em linhas políticas bem definidas. Nesse sentido, conclui-se que as organizações trotskistas aqui analisadas não poderiam continuar o seu trajeto político sem considerar e examinar o ocorrido na ilha caribenha, especialmente nos anos 1960. A própria análise dos acontecimentos acabou modificando as fileiras trotskistas quando, em 1963, pelo acordo acerca da definição do caráter do Estado cubano, parte desse movimento se reunificou na formação do Secretariado Unificado (SU). Na América Latina, o apoio à revolução fez com que o SLATO também se reunisse a esse movimento em 1964. Já o BLA, em grande medida por desacordar sobre a necessidade de se evitar uma nova guerra mundial, rompeu com o restante do movimento em 1962. Mas esse acontecimento não impactou somente a organização das fileiras trotskistas. Os significados de uma revolução que saltava etapas também precisavam ser compreendidos para que prática e teoria revolucionária convergissem. Em consequência, as primeiras tentativas de entendimento, por parte do movimento trotskista, estiveram pautadas na confirmação de algumas de suas teses. A possibilidade de enfrentar, e vencer, o imperialismo estava colocada, assim como a crise nos partidos comunistas alinhados ao stalinismo e sua teoria da revolução por etapas definidas. Esses exames foram partilhados por trotskistas europeus, estadunidenses e latino-americanos, ainda que com particularidades próprias. O grande problema, no entanto, foi que o

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entusiasmo com o fim de um período marcado pela hegemonia stalinista não significou necessariamente uma ascensão do movimento trotskista. A Revolução Cubana também trouxe a necessidade de uma maior atenção aos países considerados coloniais ou semicoloniais. Dessa maneira, a América Latina passou a ser matéria de exames conjunturais específicos, assim como também se tornou palco de estratégias políticas intensamente debatidas. Pode-se concluir que os maiores desafios das influências de Cuba, para o movimento trotskista, estiveram associados aos novos métodos e sujeitos revolucionários. O campo emergiu como um local de luta possivelmente mais eficaz, assim como os camponeses como sujeitos potencialmente revolucionários. No entanto, no tocante às inovações trazidas pela Revolução Cubana, foi certamente a guerra de guerrilhas que causou maiores questionamentos para o movimento trotskista. Nesse sentido, destaca-se o papel dos trotskistas europeus e alguns setores latino-americanos na defesa do método guerrilheiro em detrimento da construção do partido. Por outro lado, grande parte dos estadunidenses e demais organizações latino-americanas acabaram por se unir no combate ao “guerrilheirismo”. Através da hipótese aqui defendida, dos diferentes momentos nos quais as considerações trotskistas se dividem, também é possível concluir que esse movimento se insere em um lugar específico nas análises acerca do processo revolucionário cubano. Diferentemente de movimentos que concederam um apoio incondicional, ou daqueles que apenas rejeitaram o ocorrido em Cuba, grande parte do movimento trotskista conseguiu ir além dessa lógica binária. Os exames trotskistas analisaram esse grande acontecimento, tanto exaltando suas conquistas como também destacando seus principais problemas, que se tornaram mais nítidos no início dos anos 1970. Dessa maneira, os problemas com a direção cubana, a existência de um partido único, a falta de democracia operária e as aproximações com Moscou, levaram a reavaliações dos significados dessa revolução. Quando estive em Cuba, em novembro de 2013, ouvi de um garoto que conduzia um bicitaxi, que o “castrismo” e o capitalismo padeciam do mesmo mal, embora ele respeitasse tudo aquilo que a revolução e seus líderes tinham sido capazes de fazer para o seu povo. A fala do garoto associou-se quase que instantaneamente às tantas considerações que li sobre a Revolução Cubana nos jornais e documentos do movimento trotskista. Mesmo que reconhecessem a grandeza dos fatos, confirmassem

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suas teses ou incorporassem inovações, os trotskistas não deixaram de assumir uma posição crítica diante dos problemas surgidos ao longo do processo revolucionário. Essa postura esteve sempre associada à construção de um projeto político que consideravam condizente com as necessidades dos mais oprimidos. Teoria e prática, contudo, continuaram a conviver em sua “mútua e secreta” repulsão na América Latina, ainda que as tentativas de superação tenham sido buscadas incessantemente. A escalada da montanha tornou-se mais íngreme e difícil ao longo dos anos, aumentando a força das avalanches.

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