A REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO E O PODER CIBERNÉTICO: Um mapeamento conceitual na obra de Joseph S. Nye Jr.

May 25, 2017 | Autor: Friedrich Maier | Categoria: International Relations, Cyberspace, Cyber Security, Relações Internacionais, Ciberespaço, Internet
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DE MARÍLIA

FRIEDRICH MAIER

A REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO E O PODER CIBERNÉTICO: Um mapeamento conceitual na obra de Joseph S. Nye Jr.

MARÍLIA 2016

FRIEDRICH MAIER

A REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO E O PODER CIBERNÉTICO: Um mapeamento conceitual na obra de Joseph S. Nye Jr.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Conselho de Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, para a obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais. Área de Concentração: Internacionais

Teoria

das

Relações

Orientador: Prof. Dr. Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos

MARÍLIA 2016

FRIEDRICH MAIER

A REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO E O PODER CIBERNÉTICO: Um mapeamento conceitual na obra de Joseph S. Nye Jr.

Trabalho de Conclusão de Curso para obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, na área de concentração de Teoria das Relações Internacionais

BANCA EXAMINADORA

Orientador: _____________________________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Duarte Fernandes dos Passos UNESP - Marília

2º Examinador: __________________________________________________ Prof. Dr. Rafael Salatini de Almeida UNESP - Marilia

3ª Examinadora: _________________________________________________ Profa. Dra. Noemia Ramos Vieira UNESP - Marília

Marília, 17 de março de 2016.

Àquelas pessoas que sempre estarão no mais profundo dos meus pensamentos, esse trabalho, de certa forma, é para vocês.

AGRADECIMENTOS

Agradecer é uma das tarefas mais gratificantes que conheço, pois agradecer significa reconhecer que não somos capazes de viver individualmente; agradecer significa reconhecer que o homem sozinho não é nada. Portanto, gostaria de reconhecer o apoio de todos que se fizeram, de alguma forma, presentes em minha vida acadêmica. Agradeço à minha mãe, Silvia, à minha avó, Maria, ao meu irmão, Christian, à minha irmã, Maria Clara, ao meu avô, Valdevino, à minha tia, Ana, ao meu padrasto, Jaime, carinhos sempre ligados à mim. Agradeço ao meu companheiro, Eduardo, que desde ao meu lado, me encheu de bons sentimentos e ideias de um futuro compartilhado. Agradeço aos meus amigos, Ana Paula, Gabriela Tenório, Maria Alice, Amanda Guimarães, Lucas Geraldini, Mariana Galletti, Ana Maria e Flávia, companheiros de risadas, momentos e reflexões. Agradeço ao meu orientador, professor Rodrigo Passos, um exemplo de pesquisador e inspiração de docente a ser admirado. Agradeço aos meus professores de graduação, sempre marcos em minha vida, Noêmia, Jefferson, Lídia e Rafael. Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) que financiou o período de pesquisa do qual descendeu essa monografia. Esse trabalho, de certa forma, não poderia ser finalizado sem a ajuda de vocês.

Resumo O poder é um dos conceitos mais complexos dentro da área de estudo das Relações Internacionais. As atuais mudanças tecnológicas e a emergência de um espaço cibernético ampliam a complexidade e a intangibilidade do mesmo. Aferimos dentro da obra de Joseph S. Nye Jr sua atenção às influências que o processo de revolução da informação aplica aos atores internacionais e de que modo a emergência de um poder cibernético amplia o jogo de xadrez tridimensional da política internacional. Desse modo propomo-nos a realizar um mapeamento conceitual dentro da obra desse importante autor a fim de auxiliar a discussão dos conceitos chave que culminarão na percepção de novos fenômenos nas relações internacionais: a difusão do poder, a emergência da importância do poder brando e a necessária mudança no papel de liderança dos Estados Unidos. É nesse contexto que as mudanças apresentadas a partir do barateamento de tecnologias de informação contribuem para a entrada a baixo custo no âmbito cibernético de diversos níveis de atores (público, privado e terceiro setor). Os Estados possuem então um desafio à frente: conseguir manejar suas fontes de poder brando e poder duro num novo espaço, ao mesmo tempo que algumas de suas atribuições são transferidas a novos setores. Tendo tal pano de fundo, a monografia a seguir tem por objetivos principais demonstrar a historicidade dos conceitos de revolução da informação e poder cibernético ao longo dos anos na obra do autor, avaliar o encaixe dos mesmos dentro de sua já conhecida e ressonante sistemática de poder aferindo generalidades, particularidades e influências e, por fim, estabelecer algumas críticas a alguns pontos teórico-metodológicos. Palavras chave: revolução da informação, poder cibernético, teoria das relações internacionais, difusão do poder, Joseph S. Nye Jr, poder brando.

Abstract Power is one of the most complex concepts within the study of international relations. The current technological changes and the emergence of cyberspace increased the complexity and intangibility of power. We measure in the work of Joseph S. Nye Jr his attention to the influences that the information revolution process applies to international actors and how the emergence of a cyberpower extends the three-dimensional chess game of international politics. Therefore, we propose to conduct a conceptual mapping within the work of this important author in order to assist the discussion of the key concepts that will culminate in the perception of a new phenomenon in international relations: the diffusion of power, the emergence of soft power's importance and the needed change in US leadership role. In this context, the changes created from the cheapening of information technologies contribute to the input in the cyber context of different levels of actors (public, private and third sector). The modern states have a challenge ahead: be able to manage their sources of soft and hard power in a new space, while some of his assignments are transferred to new sectors. Having such a background, the following monograph have as main objectives to demonstrate the historicity of the concepts of information revolution and cyber power over the years in the author's work, to evaluate the fit of these concepts within his already known and resonant system of power assessing generalities, characteristics and influences and, finally, to establish critics of some theoretical and methodological points. Key words: information revolution, cyberpower, international relations theory, power diffusion, Joseph S. Nye Jr, soft power.

Sumário 1

Introdução ...................................................................................................................................... 9

2 O DESENVOLVIMENTO DOS CONCEITOS DE “REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO” E “PODER CIBERNÉTICO” AO LONGO DA OBRA DE JOSEPH S. NYE JR. ...................... 12 2.1 Os escritos de 1990-2000: uma aproximação ao tema................................................................ 12 2.1.1

A literatura de Nye no novo século XXI ................................................................................ 25

2.2 2.2.1 3

Algumas considerações ......................................................................................................... 24

Algumas Considerações ........................................................................................................ 34

O SISTEMA DE PODER DE NYE E O PODER CIBERNÉTICO ....................................... 36

3.1

O poder enquanto um conceito complexo ............................................................................. 36

3.2

Poder duro nas relações internacionais ................................................................................. 38

3.3

Poder brando nas relações internacionais............................................................................. 40

3.3.1

O funcionamento do poder brando e suas particularidades ................................................... 45

3.4

O poder cibernético ................................................................................................................. 49

3.5

Algumas considerações ........................................................................................................... 55

4

A REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO: INFLUÊNCIAS NAS ANÁLISES DE NYE ......... 57

4.1

Revolução da informação e difusão do poder ....................................................................... 57

4.2

A emergência da importância do poder brando ................................................................... 61

4.3

A liderança dos Estados Unidos na Revolução da Informação ........................................... 65

4.4

Algumas Considerações .......................................................................................................... 68

5

CONSIDERAÇÕES E CRÍTICAS ÀS PROPOSIÇÕES DO AUTOR .................................. 70

5.1

Os conceitos de Nye e o pensamento de Antonio Gramsci................................................... 70

5.2

A sistemática de poder em Nye: intangibilidade e vagueza ................................................. 75

5.3

Uma definição de poder cibernético? .................................................................................... 79

5.4

Democracias e revolução da informação. .............................................................................. 81

5.5

A homogeneização transnacional, o poder monolítico e o poder cibernético .................... 82

6

Considerações Finais ................................................................................................................... 88

7

Referências Bibliográficas .......................................................................................................... 90

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1

INTRODUÇÃO O presente trabalho consiste num mapeamento dos conceitos de “revolução da

informação” e “poder cibernético” dentro da obra de Joseph S. Nye Jr, um reconhecido teórico das relações internacionais com contribuições amplamente estudadas e empregadas em análises dentro da disciplina. Dentre as contribuições de Nye, sua esquemática de poder mais complexa destaca-se entre as outras. A proposição do autor visa uma especificação do poder que leve em conta não apenas sua face tangível, isto é, seus recursos facilmente mensuráveis, como população, economia e poderio militar, mas também sua face comportamental. É dessa sistemática mais complexa que descende um dos conceitos de maior impacto do autor: o “poder brando” (soft power1). Observamos também que o autor em questão passa a atentar mais aos desdobramentos na política internacional ocasionados pela revolução da informação, que consiste nos rápidos progressos tecnológicos empreendidos nos campos das comunicações e da informática, que por sua vez reduziram os custos de produção, processamento e transmissão da informação. Tal fenômeno possui para Nye uma grande capacidade de alteração das relações internacionais ao envolver desdobramentos como a difusão do poder, o aumento da importância do poder brando e a necessidade de alteração do papel de liderança dos Estados Unidos. Conjuntamente à revolução da informação, Nye aponta mais recentemente para a emergência de um poder cujo espaço de atuação é híbrido e totalmente dependente da vontade humana: falamos do ciberespaço e do poder cibernético. A partir do exposto, este trabalho possui por objetivo principal solucionar a questão cerne: considerando a discussão dos diferentes conceitos de poder de Nye, como avaliar a generalidade e particularidade desse autor no que se refere especificamente ao poder cibernético e à revolução da informação; em outras palavras, quais as relações, os pontos em comum entre todos os conceitos de poder de Nye e as singularidades dos conceitos de “poder cibernético” e de “revolução da informação”? A resposta a tal questão se dá sob a forma dos quatro capítulos que compõem esta monografia além da presente introdução.

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Cabe ressaltar que, ao longo do texto, todos os conceitos empregados e todas as citações encontradas em idioma estrangeiro estão traduzidas para o português com os devidos trechos originais em notas de rodapé. Concluímos que assim contribuímos para minimizar as eventuais barreiras de leitura que possam surgir ao mesmo tempo que preconizamos pelas fontes originais de leitura.

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Intentamos, a partir da leitura em extensão dos artigos e livros do autor que versam sobre os conceitos de “revolução da informação” e “poder cibernético”, discernir no segundo capítulo o desenvolvimento desses conceitos ao longo da obra de Nye. Para tal, efetuamos uma divisão do material bibliográfico por um critério temporal, que leva em consideração, num primeiro momento, os escritos que datam da década de 1990 e, num segundo momento, os escritos que datam a partir do início do século XXI. Procuramos nessa etapa identificar de que modo os conceitos de “revolução da informação” e “poder cibernético” se articulam nos dois períodos e notar o posicionamento dos mesmos em locais mais centrais dentro das análises do autor com o avançar dos anos. Já no terceiro capítulo, empreendemos, em primeiro lugar, uma síntese da sistemática do poder para o autor, perpassando por sua divisão entre recursos de poder e poderes comportamentais, especificando o “poder duro” e o “poder brando” dentro de sua obra e analisando o segundo quanto ao seu funcionamento e particularidade. Em segundo lugar, passamos à temática do poder cibernético, observamos sua definição, atores envolvidos e avaliamos o encaixe do mesmo dentro da sistemática do autor, destacando que dentre as formas apresentadas, este tipo de poder se demonstra como um dos mais intangíveis. No quarto capítulo, utilizamos do mapeamento conceitual empreendido no sentido de especificar as influências exercidas pela revolução da informação sobre a sistemática de poder apresentada, discernindo três maiores impactos: a difusão do poder entre os atores internacionais, a emergência da importância do poder brando e a mudança na atitude de liderança dos Estados Unidos. O último capítulo deste trabalho consiste numa proposta de crítica da obra de Nye. Apontamos, ainda de forma seminal, algumas críticas que foram desenvolvidas a partir das rotinas de orientação de pesquisa e de leituras de comentadores, que focam em algumas fragilidades teórico-metodológicas do autor. Pretendemos nesse capítulo, alcançar dois objetivos principais. O primeiro consiste em demonstrar que alguns dos conceitos desenvolvidos por Nye padecem de lacunas e imprecisões teóricas que dificultam o emprego dos mesmos em análises da realidade e que tais lacunas são transportadas para o conceito de poder cibernético. Para tal seguiremos o argumento de alguns comentadores que aproximam os conceitos de Nye da categoria de “hegemonia” presente na obra de Antonio Gramsci e demonstraremos de que modo pode-se notar uma apropriação equivocada das ideias do filósofo italiano pelo autor

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estadunidense. Já no segundo momento, nos propomos a extrapolar a crítica até então empreendida, preconizando uma análise distinta de Nye para a avaliação do poder cibernético, a partir de um perspectiva centrada no desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo global – também contemplada no obra de Antonio Gramsci. Apontamos, de modo propositivo, que tal mirada permite discernir clivagens de acesso e desigualdades de capacidade no ciberespaço que são perdidas de vista pela abordagem transnacional liberal de Nye, apresentando uma possibilidade de desenvolvimento na disciplina.

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2 O

DESENVOLVIMENTO

DOS

CONCEITOS

DE

“REVOLUÇÃO

DA

INFORMAÇÃO” E “PODER CIBERNÉTICO” AO LONGO DA OBRA DE JOSEPH S. NYE JR. Este capítulo terá por objetivo principal demonstrar o desenvolvimento do conceito de “revolução da informação” ao longo da literatura levantada de Joseph S. Nye Jr. e de que forma esse conceito se relaciona com outros componentes das análises do autor, como, por exemplo, a questão do terrorismo. Procuraremos, desse modo, estabelecer paralelos entre os textos levantados do primeiro período (1990-2000) e os textos do segundo período, isto é, escritos a partir de 2001.

2.1 Os escritos de 1990-2000: uma aproximação ao tema A partir da publicação de Bound to Lead (1990d), observa-se no desenvolvimento dos escritos de Nye uma atenção maior às consequências que a revolução da informação trouxe às relações internacionais e à problemática do poder, focadas, num primeiro momento, nas questões relativas à complexidade e potencialidade que a informação poderia fornecer para a política internacional. Em seu artigo para a Foreign Affairs, “Softpower” (1990e), Nye afirma: O Poder está passando de “rico em capital” para “rico em informação”. A informação está se tornando mais e mais abundante, mas a flexibilidade de agir primeiro sobre nova informação é rara. A informação se torna poder, especialmente depois que se espalha. Desse modo a capacidade de resposta em tempo hábil à nova informação é um recurso de poder crítico. Com o aumento de uma economia baseada em informação, matérias-primas têm se tornado menos importantes e habilidades de organização e flexibilidade mais importantes. (NYE Jr., 1990e, p. 75, tradução nossa)2

Como vimos acima, compreendemos que para o autor a informação passa a ser uma nova fonte de poder e que por sua vez altera a complexidade de ação internacional. Nye (1990c) demonstra, por exemplo, a incapacidade de acompanhar uma sociedade baseada na informação como uma das causas das políticas que tentavam reestruturar a URSS no período de Gorbachev:

Original: “Power is passing from the "capital-rich" to the "information-rich”. Information is becoming more and more plentiful, but the flexibility to act first on new information is rare. Information becomes power, especially before it spreads. Thus a capacity for timely response to new information is a critical power resource. With the rise of an information-based economy, raw materials have become less important and organizational skills and flexibility more important.” 2

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O sistema econômico excessivamente centralizado da União Soviética estava tendo dificuldades ao lidar com a terceira Revolução Industrial, por exemplo, a criação de uma economia baseada na informação pela aplicação de computadores e telecomunicações. (NYE Jr, 1990c, n.p., tradução nossa) 3

Observamos também, nas leituras dos artigos publicados nos primeiros anos da década de 1990, a crescente preocupação do autor em relação ao uso da informação como uma ferramenta de predomínio internacional dos Estados Unidos da América (EUA). Em “¿Decadencia de Estados Unidos?”, ainda em 1990(a), ao apontamento de necessidade de investimento em instituições internacionais e ajuda às nações em situação crítica, o autor ressalta também o papel das comunicações, com o objetivo de desenvolver uma liderança global a partir da “crescente importância dos recursos econômicos, institucionais e de informação na manutenção ou criação de um poder nacional” (p. 165, tradução nossa)4. Já sobre as mudanças da “ordem mundial”, tema corriqueiro nos artigos de Nye durante a primeira metade da década de 1990, visto os acontecimentos do fim da Guerra Fria, temos mais uma menção às transformações ocasionadas pelos progressos tecnológicos na área da informação, com ênfase, desta vez, na questão da opinião pública e da diplomacia: Mudanças tecnológicas transnacionais em comunicações e transporte estão fazendo o mundo menor. A diplomacia ocorre em tempo real; ambos George Bush e Saddam Hussein assistiram à Cable News Network para as últimas notícias. Violações dos direitos humanos e sofrimentos em massa em partes distantes do globo são trazidos para casa pela televisão. (NYE Jr, 1992, n.p., tradução nossa) 5

O autor continua, no mesmo artigo, demonstrando como a informação, juntamente com as migrações e a interdependência econômica, tornará o sistema internacional mais complexo, escapando às teorizações “antiquadas”, como a balança de poder6 (Idem). Nesse

Original: “The Soviet Union's overly centralized economic system was having difficulty coping with the third Industrial Revolution, i.e., the creation of an information-based economy by the application of computers and telecommunications.” 4 Original: “creciente importancia de los recursos económicos, institucionales y de información em el mantenimiento o creación de um poder nacional.” 5 Original: “Transnational technological changes in communications and transportation are making the world smaller. Diplomacy occurs in real time; both George Bush and Saddam Hussein watched Cable News Network for the latest reports. Human rights violations and mass suffering in distant parts of the globe are brought home by television.” 6 6 “Balança de poder” refere-se a um conceito amplamente usado nas teorias abrigadas sob o rótulo pedagógico de “realismo” nas relações internacionais, seus pressupostos básicos consistem na organização anárquica do sistema internacional de Estados, isto é, na ausência de qualquer autoridade supranacional que regule o comportamento estatal, e na concepção do Estado (e seus líderes) enquanto agente racional que busca sua independência e sobrevivência num sistema sem muitas garantias. A balança de poder seria então uma forma de auto-organização do sistema internacional, onde os Estados arranjar-se-iam a fim de evitar a preponderância de uma determinada potência e a instauração de um “império global”. Em “Bound to Lead” (1990d), Nye aponta problemas dessa concepção: “O problema com esse uso [da teoria da balança de poder] é que as ambiguidades de mensurar o poder fazem com que seja difícil determinar quando um equilíbrio real existe. De fato, as maiores preocupações em política mundial tendem a surgir das desigualdades de poder e particularmente de mudanças 3

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contexto, em 1992, o sistema educacional estadunidense demonstra-se falho: não consegue produzir nível suficiente de habilidades para continuar com os avanços numa “economia da era da informação” (Idem). Como vimos, a revolução da informação pauta diversos assuntos para Nye. Sobre a questão da “inteligência estimativa”, uma forma de criação e análise de cenários estratégicos, a informação aparece mais uma vez sob o entendimento de adição e complexidade, isto é, a informação como algo agregador de complexidade e possibilidades ao mesmo tempo. Nesses casos, a informação necessita de uma multiplicidade de fontes para uma melhor construção de cenários, sejam elas clandestinas ou de fontes abertas. (NYE Jr, 1994) Observamos mais uma vez, em “Redefining NATO's mission in the Information Age” (1999), contribuições importantes do autor para a especificação dos conceitos aqui estudados. A partir de sua já conhecida compreensão da distribuição do poder em um “jogo de xadrez tridimensional”7, passa a destacar as influências que a revolução da informação exerce sobre tal jogo, demonstrando quais caminhos a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) deveria seguir nesse novo contexto. Nye sustenta que apesar do poder brando e do poder duro serem importantes, numa era da informação, “o poder brando está adquirindo maior importância”8 (NYE Jr, 1999, n.p.), e neste contexto alguns dos interesses dos países-membros da OTAN serão diretamente perpassados pela revolução da informação. Uma das primeiras questões apresentadas pelo autor, seria uma certa incompatibilidade de governos autoritários com o crescimento dos fluxos informacionais. Para Nye: A revolução da informação terá efeitos de longo termo que beneficiarão as democracias. Sociedades democráticas podem criar informação crível porque elas não são ameaçadas por ela. Estados autoritários terão mais problema. Governos podem limitar o acesso de seus cidadãos à Internet e aos mercados globais, mas eles

maiores na distribuição desigual do poder.” (p. 37). Original: “The problem with this usage is that the ambiguities of measuring power make it difficult to determine when an equal balance exists. In fact, the major concerns in world politics tend to arise from inequalities of power and particularly from major changes in the unequal distribution of power.” 7 Em muitos dos artigos estudados, Nye passa a compreender a situação do poder internacional como um xadrez tridimensional, onde o primeiro tabuleiro, de cunho militar, seria unipolar e dominado pelos Estados Unidos da América que não encontram nenhum rival à altura; o segundo tabuleiro se referiria às questões econômicas, estando o poder distribuído entre Europa, Japão e Estados Unidos; por fim, o terceiro tabuleiro consistiria nas relações transnacionais que cruzam fronteiras sem controle governamental, nesse tabuleiro o autor aponta para uma estrutura de poder mais dispersa (NYE Jr, 1994; 2002c; 2004b; 2010b). 8 Trataremos da questão da emergência da importância do poder brando quando analisarmos a sistemática do poder em Nye e sua relação com a revolução da informação, no capítulo II.

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pagarão um alto preço se o fizerem. Singapura e China, por exemplo, estão lutando com esses problemas”. (NYE Jr, 1999, n.p., tradução nossa) 9

Ainda em relação às democracias, encontramos também em “America’s Information Edge”, escrito em 1996 e em coautoria com William A. Owens, questões interessantes sobre a temática. A relação entre democracia e revolução da informação é evidenciada: Uma das ironias do século vinte é que os teóricos marxistas, assim como seus críticos, como George Orwell, notaram corretamente que os desenvolvimentos tecnológicos podem moldar profundamente sociedades e governos, mas ambos os grupos mal interpretaram de que modo. Mudanças econômicas e tecnológicas provaram para a maior parte serem forças pluralizantes conducentes com a formação de livre mercados em vez de forças repressivas elevando o poder centralizado. (NYE Jr & OWENS, 1996, p. 29, tradução nossa) 10

E também em: A beleza da informação como um recurso de poder é que, enquanto ela pode melhorar a efetividade do poder militar bruto, ela inelutavelmente democratiza as sociedades. Os regimes comunistas e autoritários que esperavam manter sua autoridade centralizada enquanto ainda colhiam os benefícios econômicos e militares das tecnologias de informação descobriram que haviam assinado um pacto faustiano. (Idem, p. 35, tradução nossa)11

Tal relação benéfica entre democracias e informação levaria à liderança dos países que adotam essa forma de organização política no processo de revolução da informação, como observamos em “Power and Interdependence in the Information Age”, escrito em coautoria com Robert O. Keohane. Para os autores, as democracias, por serem formas de governo que não são afetadas pelos livres fluxos de informação, podem liderar os progressos nesse campo. Nem todas as democracias são líderes na revolução da informação, mas muitas são. Isso não é acidente. Suas sociedades são familiarizadas com a livre troca de informação e suas instituições de governança não são ameaçadas por isso. Elas podem moldar a informação por que elas também podem conduzi-la. Estados autoritários, normalmente entre os atrasados, têm mais dificuldades. (KEOHANE & NYE Jr, 1998, p. 93, tradução nossa) 12

Original: “The information revolution will have long-term effects that benefit democracies. Democratic societies can create credible information because they are not threatened by it. Authoritarian states will have more trouble. Governments can limit their citizens' access to the Internet and global markets, but they will pay a high price if they do so. Singapore and China, for example, are currently wrestling with these problems.” 10 Original: “One of the ironies of the twentieth century is that Marxist theorists, as well as their critics, such as George Orwell, correctly noted that technological developments can profoundly shape societies and governments, but both groups misconstrued how. Technological and economic change have for the most part proved to be pluralizing forces conducive to the formation of free markets rather than repressive forces enhancing centralized power.” 11 Original: “The beauty of information as a power resource is that, while it can enhance the effectiveness of raw military power, it ineluctably democratizes societies. The communist and authoritarian regimes that hoped to maintain their centralized authority while still reaping the economic and military benefits of information technologies discovered they had signed a Faustian bargain.” 12 Original: “Not all democracies are leaders in the information revolution, but many are. This is no accident. Their societies are familiar with the free exchange of information, and their institutions of governance are not 9

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E sobre a transparência, ligada à democracia, destacamos a visão otimista dos autores: sistemas fechados tornaram-se mais custosos, isso porque é arriscado para investidores estrangeiros investirem fundos em um país onde as decisões chave são tomadas de uma forma opaca. A transparência está se tornando um trunfo para países procurando investimentos. A habilidade de entesourar informação, que antes parecia tão valiosa para os Estados autoritários, compromete a credibilidade e a transparência necessárias para atrair o investimento em termos competitivos a nível mundial. (Idem, p. 93, tradução nossa)13

A questão do chamado “Efeito CNN” (CNN effect) é apresentada como mais um desdobramento da revolução da informação e se relaciona com a abundância de transmissão de informação nas chamadas “sociedades abertas” (open societies), que acabariam por colocar em evidência certos problemas de política externa, e outros não, ampliando a dificuldade de estabelecimento de agendas de prioridades para os líderes democráticos (NYE Jr, 1999). Soma-se a essa dificuldade, aponta Nye, o apelo que assuntos de “lista C”14, isto é, contingências que indiretamente afetam a segurança do Ocidente, mas que não interferem diretamente nos interesses ocidentais, ganham ante a mídia internacional, ressaltando características mais sensíveis ao apelo público, como as violações de direitos humanos. Como exemplo: A revolução da informação e o apetite voraz dos telespectadores por imagens visuais dramáticas têm aumentado a consciência global de alguns destes conflitos civis e os fez mais imediatos, contribuindo para pressionar a intervenção humanitária, como na Bósnia e no Kosovo. (KEOHANE & NYE Jr, 2000a, p. 198, tradução nossa)15

Notável para Nye a necessidade que a OTAN, como organização militar, terá de se adaptar ao novo contexto, no qual, de acordo com o autor, a revolução da informação diluirá o poder de controle dos Estados em certas áreas ao mesmo tempo que ampliará a capacidade de pressão da opinião pública internacional.

threatened by it. They can shape information because they can also take it. Authoritarian states, typically among the laggards, have more trouble.” 13 Original: “[...] closed systems have become more costly is that it is risky for foreigners to invest funds in a country where the key decisions are made in an opaque fashion. Transparency is becoming a key asset for counties seeking investments. The ability to hoard information, which once seemed so valuable to authoritarian states, undermines the credibility and transparency necessary to attract investment on globally competitive terms” 14 Assuntos de “lista C” refere-se a uma lista de riscos para os Estados Unidos da América aproveitável para a OTAN cunhada por William Perry e Ashton Carter e recuperada por Nye. A “Lista A” consistiria de ameaças profundas à sobrevivência, como a União Soviética representava para os EUA; já a “Lista B” consistiria de assuntos que ameaçariam os interesses ocidentais; e na “Lista C” estariam os riscos que afetam os interesses ocidentais de forma indireta (crises como Kosovo, Bósnia, Somália e Ruanda). Ver: (NYE, 1999) 15 Original: “The information revolution and the voracious appetite of television viewers for dramatic visual images have heightened global awareness of some of these civil conflicts and made them more immediate, contributing to pressure for humanitarian intervention, as in Bosnia and Kosovo”

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Avançando na discussão dos conceitos, encontramos ainda em “America’s Information Edge” umas das maiores contribuições de Nye sobre os efeitos da informação nas relações internacionais e no comportamento dos atores internacionais na primeira década estudada. Os autores apontam, ao longo desse texto, as mudanças nas políticas de defesa e informação necessárias para manter a posição dominante dos EUA num mundo guiado pela revolução da informação (NYE & OWENS, 1996). Apesar de não apresentarem, nesse artigo, a “revolução da informação” enquanto um conceito, isto é, apesar de não definirem a revolução da informação enquanto a sua natureza, particularidade e escopo de ação (tarefa que será realizada em artigos posteriores), os autores apontam para as capacidades que tal fenômeno oferece se liderado pelos EUA. “Essa vantagem em informação pode ajudar a dissuadir ou derrotar ameaças militares tradicionais à custo relativamente baixo” (Idem, p. 20, tradução nossa)16. A propósito, a ligação entre a informação e suas aplicações militares são amplamente discutidas nesse artigo. Todavia, para Nye, tais aplicações apenas florescerão a partir de uma “mudança” no pensamento militar estadunidense, que leve em conta a importância da informação: O primeiro é que o pensamento ultrapassado obscurece a avaliação da informação como poder. As medidas tradicionais de força militar, produto nacional bruto, população, energia, terra e minerais têm continuado a dominar as discussões do equilíbrio de poder. Estes recursos de poder ainda são importantes [...] Mas essas medidas não conseguiram antecipar o fim da União Soviética, e elas são um meio igualmente pobre de previsão para o exercício da liderança norte-americana no próximo século. (NYE & OWENS, 1996, p. 22, tradução nossa) 17

A questão da intangibilidade, sempre presente nos escritos de Nye – visto sua associação com a palavra “poder” –, também é apresentada. O poder informacional – também não especificado, isto é, não apresentado como conceito: “Também é difícil de categorizar porque atravessa todos os outros recursos de poder militar, econômico, social e político, em

Original: “This information advantage can help deter or defeat traditional military threats at relatively low cost.” 17 Original: “The first is that outmoded thinking clouds the appreciation of information as power. Traditional measures on military force, gross national product, population, energy, land, and minerals have continued to dominate discussions of the balance of power. These power resources still matter […] But these measures failed to anticipate the demise of the Soviet Union, and they are an equally poor means of forecasting for the exercise of American leadership into the next century.” 16

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alguns casos, diminuindo suas forças, em outros multiplicando-as” (Idem, p. 23, tradução nossa)18. Os apontamentos continuam, dessa vez centrados na questão militar. Em síntese, os autores preconizam que uma capacidade de processamento de uma vastidão crescente de informação recolhida sobre determinado assunto seria peça fundamental para a criação de um “conhecimento dominante do espaço de batalha, uma grande assimetria entre o que americanos e adversários sabem” (Idem, p. 24, tradução nossa)19. Em aspectos militares, a informação: Torna-se uma mercadoria central das relações internacionais, assim como a ameaça e uso da força militar eram vistos como os recursos de poder centrais em um sistema internacional ofuscado pelo potencial conflito de superpotências. (Idem, p. 24, tradução nossa)20

Notável, de acordo com o exemplo acima, como a informação ocupa, para Nye e Owens, espaços antes ocupados por modos tradicionais de poder. Outro exemplo, nesse caso, é a comparação que os autores criam entre um “guarda-chuva de informação” e o antigo “guarda-chuva nuclear”. O pensamento sintetiza-se na proposição de que os EUA, ao desenvolverem os meios de criação e processamento de informação, ampliariam sua liderança em coalizões militares, uma vez que permitiriam uma relação de mútuo benefício com os aliados, a partir do compartilhamento informacional. Isso faria com que: América será cada vez mais vista como a líder natural da coalizão, não apenas porque ela passa a ser o mais forte, mas porque pode fornecer o insumo mais importante para boas decisões e medidas eficazes para outros membros da coalizão. Assim como o domínio nuclear era a chave para a liderança da coalizão na era antiga, o domínio da informação será a chave na era da informação. (Idem, p. 27, tradução nossa)21

Em ano subsequente, Nye continua acrescentando considerações ao fenômeno denominado “revolução da informação”. Dessa vez, a qualificação atenta-se principalmente à área econômica, demonstrando os efeitos que tal revolução ocasiona nas economias estadunidense e europeia. A citação a seguir, apesar de longa, clarifica o pensamento do autor:

Original: “is also hard to categorize because it cuts across all other military, economic, social, and political power resources, in some cases diminishing their strength, in other multiplying it.” 19 Orignal: dominant battlespace knowledge, a wide asymmetry between whats Americans and opponents know. 20 Original: “Becomes a central commodity of international relations, just as the threat and use of military force was seen as the central power resource in an international system overshadowed by the potential clash o superpowers.” 21 Original: “America will increasingly be viewed as the natural coalition leader, not just because it happens to be the strongest but because it can provide the most important input for good decisions and effective action for other coalition members. Just as nuclear dominance was the key to coalition leadership in the old era, information dominance will be the key in the information age.” 18

19

Há algo ainda mais profundo acontecendo na área econômica: a Terceira Revolução Industrial. Essa revolução – a revolução da informação – significa que os computadores e as comunicações são para o fim do século XX o que a introdução do motor a vapor foi para o fim do século XVIII, ou a introdução de eletricidade para o fim do século XIX. Estamos vendo uma tremenda onda de inovação tecnológica que vai levar de 20 a 40 anos para trabalhar em si através do sistema. Como disse o economista Joseph Schumpeter, o capitalismo é um processo de "destruição criativa". Ele tem um efeito positivo e um efeito negativo ao mesmo tempo. E, enquanto os Estados Unidos podem estar liderando esta terceira revolução industrial, outros países serão afetados também. Essa destruição criativa está acontecendo em quase todos os países industrializados. Os americanos têm respondido a ela pela criação de empregos, embora muitas vezes com baixos salários. Os europeus têm respondido a ela por aumentos salariais reais, mas com 10 a 12 por cento de desemprego e, em alguns países, o desemprego dos jovens de 20 por cento. (NYE Jr, 1997, p. 104, tradução nossa)22

Outro apontamento, também na área econômica, vem da rapidez com que os mercados reagirão aos eventos globais, uma vez que a revolução da informação ampliou notavelmente a rapidez das comunicações e a facilidade de movimentação de capitais. “Mercados reagem mais rapidamente do que antes, porque a informação se difunde muito mais rapidamente e enormes somas de capitais podem ser movidas a qualquer momento” (KEOHANE & NYE Jr, 2000a, p. 196, tradução nossa)23. Por isso: As empresas multinacionais mudaram suas estruturas organizacionais, integrando a produção mais rigorosamente a nível transnacional e se inserindo em mais redes e alianças, visto que o capitalismo global tornou-se mais competitivo e mais sujeito a mudanças rápidas. (Idem, ibidem, tradução nossa) 24

O mercado global também exerce influência sobre o fenômeno informacional, trazendo à tona as questões de regulação. Nye demonstra como a cultura cyberpunk que permeava o ambiente de fundação da Internet deu espaço às tentativas de regulação que surgiram com o e-commerce, no qual “[p]rocedimentos comerciais para a autenticação de credenciais estão criando uma estrutura que permite regulação privada, e a presença de

Original: “There is something still deeper going on in the economic area-the Third Industrial revolution. This revolution – the Information revolution – means that computers and communications are to the end of the twentieth century what the introduction of the steam engine was to the end of the eighteenth century or the introduction of electricity to the end of the nineteenth century. We are seeing a tremendous wave of technological innovation that will take 20 to 40 years to work itself through the system. As economist Joseph Schumpeter said, capitalism is a process of "creative destruction" It: has a positive and a negative effect at the same time. And while the United States may be leading this Third Industrial Revolution, other countries will be affected as well. This creative destruction is happening in almost all the industrialized countries. Americans have responded to it by creating jobs, albeit often at low wages. Europeans have responded to it by real wage increases, but with1 0 to 12 percent unemployment-and in some countries, 20 percent youth unemployment.” 23 Original: “Markets react more quickly than before, because information diffuses so much more rapidly and huge sums of capital can be moved at a moment's notice.” 24 Original: “Multinational enterprises have changed their organizational structures, integrating production more closely on a transnational basis and entering into more networks and alliances, as global capitalism has become more competitive and more subject to rapid change.” 22

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grandes entidades comerciais fornece metas para uma sobreposição de regulação pública. (KEOHANE & NYE Jr, 2000b, p. 18, tradução nossa)25. De modo semelhante, a relação entre população e governo também pode ser alterada pelo fenômeno da informação, sempre presente na literatura do autor sub examine, desta vez, como uma forma de estreitar laços e modernizar a relação do governo com a população, ampliar o papel das organizações sem fins lucrativos e aprofundar um fortalecimento democrático: A revolução na tecnologia da informação pode também ajudar o governo a se aproximar de pessoas, e quando as pessoas sentem uma conexão mais próxima com o governo, a confiança tende a ser maior. Pode ser possível ter mais devolução com a tecnologia da informação. Também pode ser possível fazer mais externalização e reduzir a burocracia no governo. Talvez o setor sem fins lucrativos começará a fornecer instituições intermediárias que irão trabalhar com o governo, tanto para ajudar a administrar serviços e no fornecimento das novas ideias que fazem a democracia florescer. (NYE Jr, 1997, p. 110, tradução nossa) 26

No artigo já citado, “Power and Intedependence in the Information Age” (1998), encontramos afirmações sobre a natureza da própria informação, a questão do paradoxo da informação e a relação entre o poder e a informação. Além disso, dentre os artigos estudados, este é o primeiro no qual o autor aponta a questão do ciberespaço, sem, entretanto, fazer menções ao poder cibernético. Explicitaremos cada uma dessas questões abaixo. A começar pelo ciberespaço, os autores realizam apenas pequenos apontamentos, o que nos oferece a compreensão de que o tema será melhor abordado em obras futuras, complementando nossa hipótese de que o conceito de poder cibernético passa a adquirir importância nas obras do autor apenas após a publicação de “Cyberpower”, em 2010. A questão central nesse artigo de 1998 refere-se à governança e às leis no ciberespaço, num apelo do autor estadunidense pelos direitos autorais: Em 1998, 100 milhões de pessoas usam a Internet. Mesmo que esse número atinja um bilhão em 2005, como alguns especialistas preveem, uma grande parte da população mundial não vai participar. Além disso, a globalização está longe de ser universal. Três quartos da população mundial não possui um telefone, muito menos um modem e um computador. Regras serão necessárias para governar o ciberespaço,

Original: “Commercial procedures for authentication of credentials are creating a framework that allows private regulation, and the presence of large commercial entities provides targets for an overlay of public regulation.” 26 Original: “The revolution in information technology may also help government get closer to people, and when people feel a closer connection to government, confidence tends to be higher. It may be possible to have more devolution with information technology. It may also be possible to do more outsourcing and cut bureaucracy in government. Perhaps the nonprofit sector will begin to provide intermediary institutions that will work with government, both in helping to administer services and in providing the new ideas that make democracy flourish.” 25

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não só proteger o utilizador legítimo de criminosos, mas para a garantia dos direitos de propriedade intelectual. (NYE Jr & KEOHANE, 1998, p. 82, tradução nossa) 27

Passando à temática da revolução da informação, temos uma primeira definição, uma conceitualização que aparecerá mais desenvolvida nos textos futuros do autor. A revolução da informação aparece enquanto uma redução dos custos, “o apagamento virtual dos custos de comunicação à distância [...], a quantidade de informação que pode ser transmitida é efetivamente infinita” (NYE & KEOHANE, 1998, p. 83, tradução nossa)28, fato do qual descende uma pluralidade de atores: Agora, qualquer pessoa com um computador pode ser um editor eletrônico (Desktop Publisher), e qualquer pessoa com um modem pode se comunicar com partes distantes do globo a um preço trivial [...] o barateamento dramático de transmissão de informação, abriu o campo para organizações em rede fracamente estruturadas e até mesmo indivíduos. (Idem, ibidem, tradução nossa) 29

Todavia o processo não é uniforme, nem está completo: Tal como acontece com o motor à vapor no final do século XVIII e eletricidade no final do século XIX, o crescimento da produtividade tem ficado defasado enquanto a sociedade aprende a utilizar as novas tecnologias. Apesar de muitas indústrias e empresas passarem por mudanças estruturais rápidas desde a década de 1980, a transformação econômica está longe de terminar. Nós ainda estamos nos estágios iniciais da revolução da informação. (Idem, ibidem, tradução nossa) 30

Para os autores, a revolução da informação alterou, até o momento, apenas uma das três dimensões da dita “interdependência complexa”31, a relativa aos canais de contato entre

Original: “In 1998, 100 million people use the Internet. Even if this number reaches a billion in 2005, as some experts predict, a large portion of the world’s people will not participate. Moreover, globalization is far from universal. Three-quarters of the world’s population does not own a telephone, much less a modem and computer. Rules will be necessary to govern cyberspace, not only protecting lawful users from criminals but ensuring intellectual property rights.” 28 Original: “virtual erasing of costs of communicating over distance [...] the amount of information that can be transmitted is effectively infinite.” 29 Original: “Now anyone with a computer can be a desktop Publisher, and anyone with a modem can communicate with distance parts of the globe at a trivial cost […] the dramatic cheapening of information transmission has opened the field to loosely structural network organizations and even individuals.” 30 Original: “As with steam at the end of the eighteenth century and electricity at the end of the nineteenth, productivity growth has lagged as society learns to utilize the new technologies. Although many industries and firms have undergone rapid structural changes since the 1980s, the economic transformation is far from complete. We are still in the early stages of the information revolution.” 31 O conceito de “interdependência complexa”, cunhado em 1977, por Robert Keohane e Joseph S. Nye Jr, refere-se, em uma aproximação simplificada, às relações entre os atores internacionais que por sua vez envolvem custos, ampliando notavelmente a complexidade do sistema internacional: "Interdependência na política mundial se refere a situações caracterizadas por efeitos recíprocos entre países ou entre os atores em diferentes países. Estes efeitos muitas vezes resultam de transações internacionais - fluxos de dinheiro, bens, pessoas e mensagens através de fronteiras internacionais. [...] Quando houver reciprocidade (embora não necessariamente simétrica) efeitos dispendiosos de transações, existe uma interdependência." (KEOHANE & NYE Jr, 1998, pp. 81-94, tradução nossa) Original: “Interdependence in world politics refers to situations characterized by reciprocal effects among countries or among actors in different countries. These effects often result from international transactions – flows of Money, good, people, and messages across international boundaries. [...] Where there are 27

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as sociedades, ampliando-os notavelmente32 (KEOHANE & NYE Jr, 2000a). A questão da força militar e a segmentação do mundo, em áreas democráticas e não democráticas, persistem (NYE Jr & KEOHANE, 1998). Segue-se numa classificação da informação, a partir do pressuposto de que “A quantidade de informação disponível no ciberespaço pouco significa por si só. A qualidade das informações e as distinções entre tipos de informação são provavelmente mais importantes” (Idem, p. 84, tradução nossa)33. São três tipos de informação apontados pelos autores: a) informação livre (free information), caracterizada pela gratuidade e pela multiplicidade de transmissores e receptores, “A explosão na quantidade de informação livre é talvez o efeito mais dramático da revolução da informação” (Idem, p. 85, tradução nossa)34; b) informação comercial (commercial information), no qual há uma recompensa financeira na sua produção e transmissão (nesse ponto os autores demonstram a necessidade de um reforço às políticas de direitos autorais, que garantiriam enormes lucros a partir desse tipo de informação); c) informação estratégica (strategic information), que só adquire importância a partir do desconhecimento do inimigo. Tal pluralidade de informação será diretamente alvo de tentativas de regularização. Nesse contexto, apresenta-se a relação de dupla modificação, entre políticas e revolução da informação, uma alterando a outra e vice-e-versa (Idem, p. 85). Sobre a questão da difusão do poder35, normalmente preconizada a partir da ideia de que os avanços tecnológicos possibilitariam o acesso à transmissão e recepção de informação a partir de custos cada vez menores, abrindo possibilidades para atores mais fracos em termos

reciprocal (although not necessarily symmetrical) costly effects of transactions, there is interdependence.” Para mais informações, ver: KEOHANE & NYE, 2001. 32 “A dimensão da interdependência complexa que mais mudou desde os anos 1970 é a participação em canais de contato entre as sociedades. Tem havido uma grande expansão de tais canais como um resultado da queda dramática dos custos de comunicação a grandes distâncias. Já não é necessário ser uma organização rica para ser capaz de se comunicar em uma base de tempo real com as pessoas ao redor do mundo.” (KEOHANE & NYE Jr, 2000a, p. 198). Original: “The dimension of complex interdependence that has changed the most since the 1970s is participation in channels of contact among societies. There has been a vast expansion of such channels as a result of the dramatic fall in the costs of communication over large distances. It is no longer necessary to be a rich organization to be able to communicate on a real-time basis with people around the globe.” 33 Original: “The quantity of information available in cyberspace means little by itself. The quality of information and distinctions between types of information are probably more important.” 34 Original: “The explosion in the quantity of free information is perhaps the most dramatic effect of the information revolution.” 35 Abordaremos melhor esse assunto no quarto capitulo desse trabalho, ponto 4.1.

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de poder (pequenos Estados, organizações em rede, agentes individuais), Nye e Keohane apontam algumas considerações, arguindo que esse efeito nivelador é mais complexo. Para fundamentar tal argumento, aponta-se que as barreiras de entrada e economias de escala ainda são importantes em algumas questões relacionadas à informação, por exemplo, na questão de formação de indústrias cinematográficas (Idem, p. 87), e que apesar da transmissão de informação ser barata, sua produção ainda demanda investimentos custosos (Idem, p. 88). Os autores apontam, em outro artigo, que a revolução da informação atua mais em intensidade do que em extensão36 (KEOHANE & NYE, 2000a). Outras duas ressalvas são apresentadas: a primeira afirmando que o pioneirismo ainda importa na dinâmica da revolução da informação e os “os pioneiros são muitas vezes os criadores dos padrões e arquitetura dos sistemas de informação” (NYE & KEOHANE, 1998, p. 88, tradução nossa)37; a segunda indica a importância do poder militar em alguns aspectos, fator que acaba por beneficiar as nações mais poderosas. O interessante, ao fim dessa argumentação é a constatação: “Contrariamente às expectativas de alguns teóricos, a revolução da informação não descentralizou muito ou equalizou o poder entre os Estados. Se alguma coisa, ela teve o efeito oposto” (Idem, ibidem, tradução nossa)38. A natureza da informação é mais uma vez abordada. Dessa, vez as questões apontam para o “paradoxo da abundância” (paradox of plenty). A ideia, em síntese, apresenta que, com a evolução tecnológica, a capacidade de transmissão de informação foi ampliada, o grande fluxo de informação livre produzido leva, consequentemente, na visão de Nye e Keohane, a

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"Às vezes essas mudanças são vistas de forma incorreta, em termos de velocidade de fluxos de informação. A maior mudança na velocidade veio com o navio à vapor e, especialmente, o telégrafo: O cabo transatlântico de 1866 reduziu o tempo de transmissão de informações entre Londres e Nova York para mais de uma semana, por um fator de cerca de mil. O telefone, por outro lado, aumentou a velocidade de tais mensagens para alguns minutos (uma vez que as mensagens de telefone não requerem decodificação), e a Internet, em comparação com o telefone, para não muito mais do que tudo isso. A diferença real reside no custo reduzido de comunicação, não na velocidade de qualquer comunicação individual. E os efeitos são, portanto, sentidos no aumento da intensidade em vez da extensão." (KEOHANE & NYE, 2000a, p. 196, tradução nossa). Original: “Sometimes these changes are incorrectly viewed in terms of the velocity of information flows. The biggest change in velocity came with the steamship and especially the telegraph: The transatlantic cable of 1866 reduced the time of transmission of information between London and New York by over a week-hence, by a factor of about a thousand. The telephone, by contrast, increased the velocity of such messages by a few minutes (since telephone messages do not require decoding), and the Internet, as compared with the telephone, by not much at all. The real difference lies in the reduced cost of communicating, not in the velocity of any individual communication. And the effects are therefore felt in the increased intensity rather than the extensity.” 37 Original: “first movers are often the creators of the standards and architecture of information systems.” 38 Original: “Contrary to the expectations of some theorists, the information revolution has not greatly decentralized or equalized power among states. If anything, it has had the opposite effect.”

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uma pobreza de atenção39. Desse modo, o “poder informacional flui para aqueles que podem editar e credivelmente validar as informações a fim de classificar o que é ao mesmo tempo correto e importante” (NYE Jr & KEOHANE, 1998, p. 89, tradução nossa)40. A credibilidade passa a ser um recurso crucial e a credibilidade assimétrica entre os atores passa a ser uma fonte de poder. A liderança estadunidense nessa área é sempre referenciada pelo autor. Em 2000, Nye reafirma essa questão, colocando, todavia, o papel da cultura local, que, enquanto limite, impõe dificuldades: O globalismo de hoje é centrado na América (America-centric), na medida em que a maior parte do ímpeto para a revolução da informação vem dos Estados Unidos, e uma grande parte do conteúdo das redes globais de informação é criada nos Estados Unidos. No entanto, as ideias e informações que entram em redes globais são baixados no contexto da política nacional e culturas locais, que agem como filtros seletivos e modificadores do que chega. As instituições políticas são muitas vezes mais resistentes à transmissão transnacional do que a cultura popular. (KEOHANE & NYE, 2000b, p. 8, tradução nossa) 41

2.1.1 Algumas considerações A partir da leitura em extensão dos artigos e livros publicados por Nye durante a década de 1990, chegamos a algumas conclusões parciais sobre o período estudado. Em primeiro lugar, é notável o interesse do autor sobre a temática da revolução da informação, conclusão que se apoia no crescente emprego dos termos e questões trazidos pelo tema ao longo dos artigos. Enquanto, durante a primeira metade da década de 1990, os termos “informação”, “revolução da informação” e “avanços tecnológicos” aparecem apenas em colocações pontuais, como aproximações do autor ao tema, na segunda metade da década de 1990, tais termos são utilizados de forma mais intensiva, compondo então, papéis mais centrais em suas análises. Em segundo lugar, observamos o interesse de Nye de sempre discutir a temática da revolução da informação em relação a uma manutenção da capacidade de liderança global dos “O baixo custo de transmissão de dados significa que a capacidade de transmitir é muito menos importante do que costumava ser, mas a capacidade de filtrar informações é mais.” (NYE Jr & KEOHANE, 1998, p. 90, tradução nossa). Original: “The low cost of transmitting data means that the ability to transmit it is much less important than it used to be, but the ability to filter information is more so.” 40 Original: “information power flows to those who can edit and credibly validate information to sort out what is both correct and important.” 41 Original: “Globalism today is America-centric, in that most of the impetus for the information revolution comes from the United States, and a large part of the content of global information networks is created in the United States. However, the ideas and information that enter global networks are downloaded in the context of national politics and local cultures, which act as selective filters and modifiers of what arrives. Political institutions are often more resistant to transnational transmission than popular culture.” 39

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Estados Unidos da América, isto é, em grande parte de suas análises, o autor aponta caminhos que devem ser seguidos pelos EUA objetivando uma liderança nas questões que tangem à revolução da informação, num caminho parecido ao do livro de maior expressão de Nye na década, Bound to Lead, que trata justamente dessa questão: a manutenção do poder estadunidense nos desafios futuros. Num

desdobramento

da

conclusão

acima,

chama

atenção

a

relação

de

complementação benéfica que a revolução da informação traz, em sua opinião, às democracias. Fica evidente nos escritos de Nye que a revolução da informação ao ter como maior expressão de seus desdobramentos o grande aumento dos fluxos de informação livre acaba por beneficiar os governos nos quais as liberdades individuais costumam ser melhor respeitadas. Quanto a essa conclusão, esse trabalho apresentará críticas no quinto capítulo, demonstrando como alguns eventos da atualidade demonstram certas tensões entre os governos democráticos e os ditos fluxos de informação livre. Por fim, depreendemos que, nos escritos da década de 1990, constam os primeiros apontamentos e ideias que serão aprofundados nos textos dos primeiros anos do século XXI. O conceito de “revolução da informação” figura, com o passar do tempo, posições mais centrais dentro das análises. De modo que os textos a seguir apresentados carregam uma maior compreensão teórica desse novo fenômeno para as relações internacionais. Além disso, uma importante adição é feita pelo autor: a incorporação da questão do poder cibernético.

2.2 A literatura de Nye no novo século XXI Observaremos nos livros e artigos escritos por Nye a partir de 2001 uma atenção crescente aos fenômenos da revolução da informação, o emprego do conceito passa ser mais usual, sendo que em alguns escritos passa como subentendido, isto é, como já cristalizado (NYE Jr, 2002a; 2004a; 2004c, 2004d, 2011b, 2015). Atentamos nesse segundo período o surgimento de uma definição do conceito de “poder cibernético”, fruto de uma familiaridade do autor com o tema. Alguns dos pressupostos elencados no período anterior ainda se manifestam, como o debate com as teorias declinistas42 e a atitude de sempre aconselhar os

42

As teorias declinistas entram em voga nos estudos de Ciência Política e Relações Internacionais estadunidenses por volta da década de 1990. Os teóricos dessa perspectiva de pensamento preconizavam, por

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Estados Unidos da América a liderar a revolução da informação, mantendo assim sua predominância mundial. Os textos mais recentes do autor reproduzem a essencialidade da ideia da revolução da informação encontrada nos textos anteriores, definindo o processo em bases primárias como “rápidos avanços tecnológicos em computadores, comunicações e softwares que em seu turno levaram à diminuições dramáticas nos custos de criação, processamento e transmissão da informação” (NYE Jr, 2010a, pp. 1-2, tradução nossa) 43. Essa redução dos custos, como já dito anteriormente, facilitaria o acesso de novos atores ao poder da informação, ocasionando um processo de difusão do poder, caracterizado pela passagem de muitas atividades para fora do controle estatal (NYE Jr, 2002d). A revolução da informação acabaria por gerar sociedades baseadas na informação (information-based society). Essas sociedades teriam por necessidade o fluxo livre de informação, onde a comunicação horizontal de computadores torna-se mais importante do que a comunicação vertical (hierárquica). Foram essas necessidades que mais uma vez não foram atendidas pelo regime soviético, ocasionando seu atraso no processo de desenvolvimento de novas tecnologias da informação e, consequentemente, o colapso de sua economia centralizada e planificada (NYE Jr, 2002d). Para Nye, a falta de flexibilidade no planejamento econômico soviético foi responsável pela incapacidade desse Estado em acompanhar o ritmo acelerado do desenvolvimento tecnológico do Ocidente. Ao falharem no aprofundamento da “revolução da informação” os soviéticos “não entraram em acordo com a terceira revolução industrial”. (Idem, p. 45, tradução nossa)44. A ligação entre as democracias e a revolução da informação é mais uma vez estabelecida nos escritos recentes. Na visão do autor, apenas as sociedades democráticas – tendo por base a sociedade estadunidense – são capazes de garantir as características necessárias para um desenvolvimento de uma sociedade e economia baseadas na informação (NYE, 2002d). Isso se dá pois, ao baratear o acesso à tecnologia, a revolução da informação amplia os canais de comunicação e acaba por permitir que cada vez mais pessoas adentrem no mundo cibernético, isso significa que manter sistemas restritos e de controle de acesso à

diversos argumentos, uma queda do poder global estadunidense, à semelhança com o ocorrido com o Império Britânico durante o começo do século XX, como por exemplo em: KENNEDY, 1989. 43 Original: “The current information revolution, sometimes called “the third industrial revolution”, is based on rapid technological advances in computers, communications, and software that in turn have led to dramatic decreases in the cost of creating, processing and transmitting information” 44 Original: “they [Soviet central planners] did not come to terms with the third industrial revolution.”

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Internet (como o “Grande Firewall da China”45) e à livre informação se tornam progressivamente custosos: A vigilância central é possível, mas os governos que aspiram a controlar os fluxos de informação através do controle da Internet enfrentarão altos custos e frustração final. Em vez de reforçar a centralização e a burocracia, as novas tecnologias de informação tendem a favorecer organizações em rede, novos tipos de comunidade, e exigências de diferentes papéis para o governo. (Idem, p. 53, tradução nossa) 46

Este é um dos grandes pontos de inflexão, na opinião de Nye, para algumas sociedades asiáticas, como Singapura e China; tais sociedades apresentam altos níveis de integração com a economia mundial, mas ainda são restritivas quanto à liberdade de expressão e de informação (NYE Jr, 2010a). O caso chinês é icônico: mais complicado que o de outras sociedades asiáticas, visto o tamanho territorial e demográfico e o nível de desenvolvimento econômico mais baixo da China. Para Nye nota-se uma relação entre flexibilidade democrática e intensificação dos processos da revolução da informação, a primeira seria condição necessária da segunda: Agora o governo chinês está tentando lucrar com os benefícios econômicos da Internet sem deixá-la desenredar o seu sistema de controle político. Eles fazem isso autorizando apenas quatro redes de acesso internacional, bloqueando web sites e proibindo sites chineses de usar notícias de web sites de fora do país. A Internet é censurada através dos prestadores de serviços e os portais que abrigam quadros de avisos. (NYE Jr, 2002d, p. 48, tradução nossa) 47 A liderança chinesa está ciente de que não pode controlar completamente o fluxo de informações ou acesso a sites estrangeiros pelos seus cidadãos. Sua intenção é estabelecer advertências sobre limites. Em certo sentido, os líderes chineses estão apostando que eles podem ter a Internet à la carte, escolhendo as ameixas econômicas e evitando os custos políticos que vêm com todo o menu. (Idem, p. 49, tradução nossa)48

A expressão “Grande Firewall da China” remete-se ao complexo sistema de filtragem da Internet mantido pelo governo chinês sob o nome de “Projeto Escudo Dourado”. O sistema tem por objetivo bloquear páginas da web e até domínios inteiros que sejam classificados como impróprios. Porém, esse sistema não é cem por cento eficaz, podendo ser burlado a partir de conhecimento intermediário em informática. A expressão em alusão à “Grande Muralha da China” se dá pelo motivo do sistema filtrar a navegação de aproximadamente 600 milhões de usuários chineses na Internet. 46 Original: “Central surveillance is possible, but governments that aspire to control information flows through control of the Internet face high costs and ultimate frustration. Rather than reinforcing centralization and bureaucracy, the new information technologies have tended to foster network organizations, new types of community, and demands for different roles for government.” 47 Original: “Now the Chinese government is trying to profit from the economic benefits of the Internet without letting it unravel their system of political control. They do this by authorizing only four networks for international access, blocking web sites, and forbidding Chinese web sites to use news from web sites outside the country. The Internet is censored via the service providers and the portals that host bulletin boards.” 48 Original: “The Chinese leadership is aware that it cannot control completely the flow of information or access to foreign sites by its citizens. Its intention is to lay down warnings about limits.29 In a sense, Chinese leaders are betting that they can have the Internet à la carte, picking out the economic plums and avoiding the political costs that come with the whole menu.” 45

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As alterações ocasionadas pela revolução da informação também surtem efeito na organização do sistema internacional. É a questão da difusão do poder e de alterações na soberania. O argumento central do autor nesse aspecto é a ampliação dos contatos transnacionais, típicos do sistema feudal pré-westphaliano e que gradualmente foram restritos pelas fronteiras do Estado moderno. Nye aponta a ampliação dos canais de comunicação entre as sociedades – advindos de tecnologias como a Internet – como um amplificador dos contatos

transnacionais

e,

consequentemente,

numa

alteração

de

muitos

papeis

desempenhados pelo Estado (NYE Jr, 2011c). Indivíduos e organizações privadas, que vão desde o Wikileaks, as corporações, as ONGs, os terroristas até aos movimentos sociais espontâneas, são todos empoderados a desempenhar papéis diretos. A disseminação da informação significa que o poder será mais amplamente distribuído e redes informais minarão o monopólio da burocracia tradicional. (NYE Jr, 2011a, tradução nossa)49

Uma analogia histórica é empregada pelo autor a fim de explanar essas mudanças na soberania estatal. Do mesmo modo em que os mercadores medievais que desenvolveram sua própria lex mercatoria, como uma forma de auto regulação privada de suas atividades, hoje com a revolução da informação, uma série de atores, como hackers individuais, redes de hacktivismo, corporações, organizações não governamentais e outros, criam paulatinamente códigos e normas para a Internet, em alguns momentos, fora do controle dos Estados (NYE Jr, 2002d). Essa criação de espaços privados dentro do ambiente informacional não acabará com o Estado moderno, que continuará como o ator mais importante das relações internacionais, mas adicionará camadas de relação não controladas diretamente pelos governos, o que ampliará a complexidade da ação internacional (NYE Jr, 2002d, 2010a). As ressalvas do autor são grandes. Todo esse processo deve ser visto como gradual e lento, visto que, no mundo, muitas pessoas ainda estão alheias aos processos da revolução da informação50 e que grande parte da infraestrutura da internet repousa em Estados nacionais e está sujeita a suas leis. Nas palavras do autor, “A questão central não é a continuidade de

Original: “Individuals and private organizations, ranging from Wikileaks to corporations to NGOs to terrorists to spontaneous societal movements, are all empowered to play direct roles. The spread of information means that power will be more widely distributed, and informal networks will undercut the monopoly of traditional bureaucracy” 50 "O mundo na era da informação continua a ser uma mistura de economias agrícolas, industriais e economias dominadas por serviços. As sociedades pós-industriais e governos mais fortemente afetados pela era da informação coexistem e interagem com os países até agora pouco afetados pela revolução da informação.” (NYE Jr, 2002d, p. 62, tradução nossa). Original: “The world in the information age remains a mixture of agricultural, industrial, and service-dominated economies. The postindustrial societies and governments most heavily affected by the information age coexist and interact with countries thus far little affected by the information revolution” 49

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existência do Estado soberano, mas como sua centralidade e funções são alteradas” (Idem, p. 56)51. Essa observação coaduna-se com outros dois apontamentos do autor, referentes às questões de defesa e dos problemas internacionais. Para Nye, a atualidade trouxe à tona desafios que não podem ser enfrentados apenas pelos Estados com fronteiras soberanas, são desafios como o terrorismo, o tráfico de drogas, as mudanças climáticas, a AIDS e outros. As respostas para tais problemas devem ser encontradas não no fim do Estado, mas em sua adaptação, sua reorganização, em contato direto com os outros atores internacionais, é esse processo de adaptação que implica em mudanças no papel dos agentes privados (NYE Jr, 2002d). O papel dos agentes privados também passa a ser importante na temática da defesa nacional, pois os progressos tecnológicos e seu barateamento acabam por gerar uma série de novas ameaças à defesa dos Estados, uma vez que possibilita uma multiplicação de ameaças: Hoje, os atacantes podem ser governos, grupos, indivíduos ou alguma combinação. Eles podem ser anônimos e não virem sequer de perto do país. Em 1998, quando Washington reclamou sobre cerca de sete endereços de Internet de Moscou envolvidos no roubo de segredos do Pentágono e da NASA, o governo russo respondeu que os números de telefone a partir dos quais os ataques foram originados eram inoperantes. Nós não tivemos nenhuma maneira de saber se o governo tinha sido envolvido ou não. Mais de trinta países desenvolveram programas de computador de guerra agressivos, mas, como qualquer pessoa com um computador sabe, qualquer indivíduo também pode entrar no jogo. Com algumas teclas, uma fonte anônima de qualquer lugar do mundo pode invadir e perturbar as redes de energia (privado) das cidades americanas ou os sistemas de resposta de emergência (públicos). (Idem, p. 57-58, tradução nossa)52

Ainda dentro da questão de segurança nacional, a difusão do poder na era da informação, inspira uma preocupação do autor com as questões do terrorismo, evidenciada em muitos artigos e alguns livros que datam dos períodos marcados pelo 11 de setembro de 2001 e pela subsequente invasão do Iraque (NYE Jr, 2003; 2004a; 2004c; 2004d; 2010b, 2015).

Original: “The real issue is not the continued existence of the sovereign state, but how its centrality and functions are being altered”. 52 Original: “Today, attackers may be governments, groups, individuals, or some combination. They may be anonymous and not even come near the country. In 1998, when Washington complained about seven Moscow Internet addresses involved in the theft of Pentagon and NASA secrets, the Russian government replied that phone numbers from which the attacks originated were inoperative. We had no way of knowing whether the government had been involved or not. More than thirty nations have developed aggressive computerwarfareprograms, but as anyone with a computer knows, any individual can also enter the game. With a few keystrokes, an anonymous source anywhere in the world might break into and disrupt the (private) power grids of American cities or the (public) emergency response systems” 51

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Vemos como importante compreender os pontos de relação entre a revolução da informação e o terrorismo. Em nosso entendimento, para Nye, o papel desse novo fenômeno nas relações internacionais, ao envolver custos decrescentes ao acesso à tecnologia – inclusive à tecnologia bélica – acaba por facilitar a compra de armamentos por Estados do Terceiro Mundo e por redes de terrorismo. Nye aborda a questão: O dramaticamente reduzido custo de comunicação, o aumento de domínios transnacionais (incluindo a Internet) que atravessam as fronteiras e a "democratização" da tecnologia que coloca poder destrutivo enorme nas mãos de grupos e indivíduos, todos sugerem dimensões que são historicamente novas (NYE Jr, 2002c, p. 101, tradução nossa)53

E ainda em: Ao mesmo tempo, a tecnologia e a revolução da informação têm elevado a importância das questões transnacionais e empoderado agentes não-estatais a desempenhar um papel maior na política mundial. Em 2001, um ataque de surpresa por um grupo terrorista transnacional matou mais americanos do que o Estado do Japão fez em 1941. (NYE Jr, 2004a, n.p., tradução nossa)54

O terrorismo é ligado então a um dos maiores efeitos da revolução da informação: a difusão do poder entre os atores internacionais. O terrorismo demandará adaptabilidade do ator estatal, uma vez que nem sempre é possível desmantelar o inimigo, como nos casos de embates entre nações, como era corriqueiro ocorrer no processo de transferência de poder. Temos em: Em relação a todas as previsões então na moda sobre China, Índia ou Brasil, superando os Estados Unidos nas próximas décadas, a maior ameaça pode vir de bárbaros modernos e de atores não-estatais. Em um mundo baseado na informação, a difusão do poder pode representar um perigo maior do que transição de poder. O conhecimento convencional diz que o Estado com o maior exército prevalece, mas, na era da informação, o Estado (ou o ator não-estatal) com a melhor história às vezes pode ganhar.” (NYE, 2010b, n.p., tradução nossa)55

A internet assume um papel central nessa temática, ao oferecer mecanismos que auxiliam as redes de terrorismo em sua organização, recrutamento e publicidade:

Original: “The dramatically decreased cost of communication, the rise of transnational domains (including the Internet) that cut across borders, and the “democratisation” (sic) of technology that puts massive destructive power into the hands of groups and individuals, all suggest dimensions that are historically new.” 54 Original: “At the same time, technology and the information revolution have elevated the importance of transnational issues and empowered non-state actors to play a larger role in world politics. In 2001 a surprise attack by a transnational terrorist group killed more Americans than the state of Japan did in 1941.” 55 Original: “For all the fashionable predictions of China, India, or Brazil surpassing the United States in the next decades, the greater threat may come from modern barbarians and nonstate actors. In an information-based world, power diffusion may pose a bigger danger than power transition. Conventional wisdom holds that the state with the largest army prevails, but in the information age, the state (or the nonstate actor) with the best story may sometimes win” 53

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Ao se moverem dos santuários físicos dos anos 1990 para os santuários virtuais da Internet, os terroristas reduzem o seu risco. O recrutamento não mais ocorre somente em locais físicos, como mesquitas e prisões. Em vez disso, os indivíduos alienados em nichos nacionais isolados também podem fazer contato com uma nova comunidade virtual de crentes ao redor do mundo. Esses sites não só recrutam; eles também treinam. Eles incluem instruções detalhadas sobre como fazer bombas, como atravessar fronteiras, como plantar e explodir dispositivos para matar soldados e civis. E especialistas usam salas de chat e fóruns para responder a perguntas dos formandos. Planos e instruções são então enviados através de mensagens codificadas. (NYE Jr, 2011c, n.p., tradução nossa)56

A situação complica-se, uma vez que a revolução da informação traz consigo a criação de um novo espaço geográfico, marcado pelo dinamismo e muitas vezes anonimidade, isto é, o ciberespaço. Para Nye, o ciberespaço não suplantará os corriqueiros espaços geográficos, mas complicará a atuação estatal: Mesmo grandes países com impressionantes recursos de poder duro e brando, tal como os Estados Unidos, encontram-se dividindo o palco com novos atores e tendo mais dificuldade para controlar suas fronteiras no domínio do ciberespaço. O ciberespaço não substituirá o espaço geográfico e não abolirá a soberania do Estado, mas a difusão do poder no ciberespaço vai coexistir e complicar muito o que significa exercer o poder ao longo de cada uma dessas dimensões. (NYE Jr, 2010, Cyberpower, p.3, tradução nossa)57

Passaremos agora a definir, de acordo com Nye, o ciberespaço e a dinâmica desse novo ambiente. A primeira ressalva feita pelo autor é quanto ao tempo: o ciberespaço é um fenômeno notavelmente novo58. Diferentemente dos outros domínios – terra, ar, água e espaço

Original: “By moving from the physical sanctuaries of the 1990s to the virtual sanctuaries of the Internet, the terrorists reduce their risk. No longer does recruiting occur only in physical locations such as mosques and jails. Instead, alienated individuals in isolated national niches can also make contact with a new virtual community of fellow believers around the world. Such Websites not only recruit; they also train. They include detailed instructions on how to make bombs, how to cross borders, how to plant and explode devices to kill soldiers and civilians. And experts use chat rooms and message boards to answer trainees’ questions. Plans and instructions are then sent through coded messages.” 57 Original: “Even large countries with impressive hard and soft power resources, such as the United States, find themselves sharing the stage with new actors and having more trouble controlling their borders in the domain of cyberspace. Cyberspace will not replace geographical space and will not abolish state sovereignty, but the diffusion of power in cyberspace will coexist and greatly complicate what it means to exercise power along each of these dimensions.” 58 "Às vezes, esquecemos o quão novo o ciberespaço é. Em 1969, o Departamento de Defesa começou uma conexão modesta de alguns computadores chamados ARPANET, e em 1972, os códigos para a troca de dados (TCP / IP) foram criados para constituir uma internet rudimentar capaz de trocar pacotes de informação digital. O sistema de nomes de domínio de endereços de internet começou em 1983, e os primeiros vírus de computador foram criados nesse período. A World Wide Web começou em 1989; o Google, o motor de busca mais popular, foi fundado em 1998; e a enciclopédia de código aberto (open source), Wikipedia, começa em 2001. No final dos anos 1990, as empresas começam a usar a nova tecnologia para mudar a produção e aquisição em complexas cadeias de fornecimento globais. Só recentemente houve a banda larga e as fazendas servidores para suportar a "computação em nuvem", na qual as empresas e os indivíduos podem armazenar seus dados e software na Web." (NYE Jr, 2010a, p. 03). Original: “We sometimes forget how new cyberspace is. In 1969, the Defense Department started a modest connection of a few computers called ARPANET, and in 1972, the codes for exchanging data (TCP/IP) were created to constitute a rudimentary internet capable of exchanging packets of digital information. The domain name system of internet addresses starts in 1983, and the first computer viruses were created about that time. The World Wide Web begins in 1989; Google the most popular search engine was 56

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–, o ciberespaço distingue-se por ser o único feito pelo homem (manmade), característica que lhe atribui volatilidade, visto sua maior sujeição à mudanças tecnológicas. Nye divide o ciberespaço em duas camadas, uma física infraestrutural e uma virtual. Enquanto a camada física “segue as leis econômicas de recursos rivais e crescentes custos marginais”, a camada virtual (ou informacional) “possui características de redes econômicas de crescentes retornos de escala e práticas políticas que fazem o controle jurisdicional difícil” (NYE Jr, 2010a, p. 3, tradução nossa)59. Visto a natureza híbrida do ciberespaço, os objetivos, as vantagens e as influências ocasionadas pelo poder cibernético poderão acontecer tanto na camada física, ou infraestrutural, quanto na camada virtual, ou informacional (NYE Jr, 2010a; 2011c). Isso significa que ataques por meio da camada física do domínio cibernético, como por exemplo o bombardeamento de cabos e servidores, terão influências na camada virtual, da mesma forma que ataques originados do ambiente interno ao ciberespaço podem causar danos materiais na camada física (NYE Jr, 2010a), como no caso do vírus Stuxnet, responsável por causar danos em instalações nucleares no Irã em 2010. Decorrente dos efeitos da revolução da informação, o custo de entrada nesse domínio revela-se mais baixo do que aos outros. “É mais barato e mais rápido mover elétrons ao redor do globo do que mover grandes navios por longas distâncias, através da fricção da água salgada”60 (NYE Jr, 2010a, p. 4). É essa dinâmica do ciberespaço que faz Nye acreditar que o mesmo compartilha três características presentes na batalha em terra, mas em dimensões maiores, são: o número de atores, visto que nesse domínio, Estados, organizações privadas e até entes individuais se relacionam, diferentemente dos outros domínios, onde o domínio da força coloca-se majoritariamente na mão dos Estados; facilidade de acesso, visto que as barreiras para o acesso ao ciberespaço declinam com o progresso tecnológico; e oportunidade de ocultação, uma vez que existem uma série de mecanismos que garantem certo grau de anonimidade dentro do ciberespaço (NYE Jr, 2011c), como a triangulação de IP. Todas essas

founded in 1998; and the open source encyclopedia, Wikipedia, begins in 2001. In the late 1990s, businesses begin to use the new technology to shift production and procurement in complex global supply chains. Only recently has there been the bandwidth and server farms to support “cloud computing” in which companies and individuals can store their data and software on the Web.” 59 Original: “The physical infrastructure layer follows the economic laws of rival resources and increasing marginal costs, and the political laws of sovereign jurisdiction and control. The virtual or informational layer has economic network characteristics of increasing returns to scale, and political practices that make jurisdictional control difficult” 60 Original: “It is cheaper and quicker to move electrons across the globe than to move large ships long distances through the friction of salt water”

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dinâmicas acabam por ampliar as vulnerabilidades dos complexos sistema cibernéticos, sejam eles privados ou estatais, militares ou econômicos (NYE Jr, 2010a). Quatro décadas atrás, o Pentágono criou a Internet, e hoje, por muitas contas, os Estados Unidos continuam sendo o país líder tanto no seu uso militar e social. Ao mesmo tempo, no entanto, por causa da maior dependência de computadores em rede e comunicações, os Estados Unidos são mais vulneráveis a ataques do que muitos outros países, e o domínio cibernético tornou-se uma importante fonte de insegurança. (NYE Jr, 2011b, p. 20, tradução nossa) 61

À facilidade de acesso e à pluralidade de atores, somam-se a própria estrutura da Internet, projetada para fornecer facilidade ao invés de segurança, tornando a ofensiva mais importante do que a defesa (NYE Jr, 2011b). O autor acaba por associar, de certo modo, o advento e explosão de uso da internet com o desenvolvimento da bomba de hidrogênio, visto que ambas as tecnologias inseriram a situação global num progressivo contexto de vulnerabilidades (Idem, pp. 23-25) e, em comparação com as teorias de dissuasão (deterrence) da época nuclear, o autor afirma a possibilidade de aplicar um conceito semelhante de dissuasão no campo cibernético. Escapando ao problema da atribuição, Nye afirma que ataques de maior dimensão no ciberespaço podem ser dissuadidos visto o notável grau de emaranhamento dos Estados em relações interdependentes simétricas e, além disso, aponta para a questão de dissuasão por negação, a partir da qual o desenvolvimento tecnológico pode levar à artifícios de resposta automática (self-enforcing responses), tornando ataques menos atrativos (Idem, pp. 33-34). Após destacarmos a pluralidade de atores e o ciberespaço enquanto consequências diretas da revolução da informação, adicionaremos a discussão que Nye faz quanto a própria natureza da informação. Essa discussão já se apresentou em textos anteriores e observamos neste mapeamento que, nos textos do segundo período elencado, o autor apresenta concepções semelhantes, porém alargadas. Observamos uma nova divisão das dimensões da informação, que se assemelha em partes à realizada em “Power and Interdependence in the Information Age” (1994). Dessa vez, Nye fala sobre uma dimensão que consiste em fluxos de dados e notícias geralmente gratuitas; uma dimensão que consiste na informação competitiva, utilizada para adquirir vantagem em competições econômica ou militares; e a informação de dimensão estratégica, um conjunto de informações que revelam o plano de jogo (gameplan) do seu adversário, referindo-se muito às questões de espionagem (NYE Jr, 2002d). Original: “Four decades ago, the Pentagon created the Internet, and today, by most accounts, the United States remains the leading country in both its military and societal use. At the same time, however, because of greater dependence on networked computers and communication, the United States is more vulnerable to attack than many other countries, and the cyber domain has become a major source of insecurity” 61

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O paradoxo da abundância é mais uma vez evidenciado, levando à conclusão de que o poder informacional “flui para aqueles que podem editar e autoritariamente validar informação, ordenando tanto o que é correto como importante” (Idem, p. 67, tradução nossa)62. Desse modo, a credibilidade se torna uma importante fonte de poder brando e a propaganda estatal pode, quando em excesso, se tornar contra-produtiva (NYE Jr, 2008). Outra característica que se manteve nos escritos de Nye é a manutenção do poder estadunidense como um dos pressupostos de sua análise. Na opinião do autor e em oposição aos declinistas, o século XXI continuará a ter nos EUA seu maior líder, “os Estados Unidos serão certamente os líderes da revolução global da informação” (NYE Jr, 2002a, p. 547, tradução nossa)63. Isto se dá pelos investimentos realizados no passado e pela posição predominante desse país nos desdobramentos desse processo (NYE Jr, 2002c). A ameaça da transição do poder, a saber, a passagem do poder estadunidense para outra potência é afastada na perspectiva de um futuro próximo. Mesmo no caso da China e seu expressivo crescimento econômico, Nye aponta que o gigante asiático não será capaz de perpassar o poderio estadunidense em poucas décadas64 (NYE Jr, 2011c; 2011e; 2011f). Fica evidente que, para Nye, a revolução da informação deu aos EUA “um segundo século” (NYE Jr, 2002a). Todavia, esse processo não se apresenta como linear: enquanto auxiliou a liderança dos EUA, a revolução da informação se apresenta ambivalente, influenciando a difusão do poder (como já dito anteriormente), que tende a diminuir essa preponderância: A revolução da informação contemporânea e a globalização que vai com ela estão transformando e encolhendo o mundo. No início deste novo século, essas duas forças se combinaram para aumentar o poder americano. Mas, com o tempo, a tecnologia se espalhará para outros países e povos, e a preeminência relativa dos Estados Unidos diminuirá. (NYE Jr, 2002c, p.99)65

2.2.1 Algumas Considerações

Original: “[…] flows goes to those who can edit and authoritatively validate information, sorting out what is both correct and important”. 63 Original: “The United States has certainly been the leader in the global information revolution.” 64 "Se olharmos atentamente para os recursos de poder, é provável que os Estados Unidos se mantenham mais poderosos do que a China pelas próximas décadas." (NYE Jr, 2011e). Original: “If one looks carefully at power resources, the United States is likely to remain more powerful than China for the next few decades.” 65 Original: “The contemporary information revolution and the globalization that goes with it are transforming and shrinking the world. At the beginning of this new century, these two forces have combined to increase American power. But, with time, technology will spread to other countries and peoples, and America's relative pre-eminence will diminish”. 62

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Demonstramos nessa segunda seção a evolução do conceito de “revolução da informação” ao longo da literatura de Nye. O emprego do termo, como já dito, passa a configurar como essencial para suas análises, visto a dinâmica e a grande influência que esse fenômeno exerce nos diversos domínios da relações internacionais, como economia, defesa e sociedade. A perspectiva de Nye quanto ao ciberespaço, evidenciada a partir do artigo intitulado Cyberpower (2010), acaba por adicionar mais níveis de complexidade à análise do autor. Observamos sua preocupação de tratar o ciberespaço sob uma aproximação de defesa, ressaltando as questões que envolvem o terrorismo, a defesa cibernética e a obtenção de poder nessa camada. A preocupação com o terrorismo evidencia também o grau de influência que o fenômeno estudado exerce em suas avaliações decorrentes do 11 de setembro e da invasão do Iraque. Para Nye, a revolução da informação é peça chave para entender a complexidade de organização das redes de terrorismo, perpassando por diversas fases da mesma: contabilidade, planejamento, recrutamento e até publicidade, como os recentes casos envolvendo vídeos de execuções do Estado Islâmico (EI) permitem exemplificar. O autor debruça-se também sob temáticas já abordadas em escritos anteriores, contextualizando suas ideias com o período atual. O paradoxo da abundância, chave para compreender o poder advindo da informação, mantém-se em sua explicação. A postura “anti-declinista” também adquire, no fenômeno da revolução da informação, apoio argumentativo. Para Nye, a liderança dos EUA nesse processo é fundamental para a manutenção de sua liderança global. Desse modo, em muitos textos encontramos referências claras à necessidade de adoção de políticas que prezem mais ao tipo de poder que passará a dominar as relações internacionais sob a égide dos progressos na revolução da informação: o poder brando. Trataremos melhor desta temática no capítulo seguinte. O próximo capítulo tem como objetivo relacionar o sistema de poder criado por Nye com a revolução da informação e com o poder cibernético, demonstrando as particularidades e as generalidades de ambos em relação à obra do autor.

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3 O SISTEMA DE PODER DE NYE E O PODER CIBERNÉTICO Como já havíamos comentado, um dos destaques dentro da teorização do autor estudado neste trabalho consiste em sua caracterização mais complexa do conceito de poder dentro das relações internacionais. Nye intenta separar em unidades mais sintéticas as múltiplas dimensões do poder, objetivando uma facilidade na manipulação desses conceitos no que se refere tanto aos recursos do poder quanto aos comportamentos (estratégias) a serem adotados. É dessa sistemática que emerge o conceito de “poder brando” de grande ressonância em sua teoria e nas atuais discussões de relações internacionais. Desse modo, a segunda parte deste trabalho possui dois objetivos principais. O primeiro consiste em demonstrar de forma sintética a perspectiva de Nye sobre a temática do poder; isto significa explicitar como o mesmo classifica, qualifica e separa o poder em diferentes faces. Já no segundo objetivo, passaremos a avaliar o encaixe do conceito de poder cibernético dentro dessa sistemática de poder, atribuindo suas generalidades e particularidades.

3.1 O poder enquanto um conceito complexo É em Bound to Lead (1990d), que Joseph S. Nye Jr lançará mão de seus argumentos que alteram a visão clássica de poder. Suas apreensões sobre o status da política internacional apontam para uma mudança, ainda que em estágios iniciais, dentro das relações internacionais. Os motivos dessa mudança abarcam uma série de fatores, como a globalização, o fim do conflito entre EUA e URSS, o notável grau de interdependência econômica e, é claro, a revolução da informação. Os fatores acima elencados alterariam a forma como o poder se manifesta e como os políticos devem avaliá-lo. Sob o pretexto de que as atuais teorias de relações internacionais não são capazes de compreender toda a complexidade do sistema internacional 66, Nye argumentará a necessidade de uma aproximação ao conceito de poder que leve em

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"A resposta apropriada para as mudanças que ocorrem na política mundial não é desacreditar a sabedoria tradicional do realismo e sua preocupação com o equilíbrio de poder militar, mas a perceber suas limitações e completá-la com ideias da abordagem liberal." (NYE, 1990d, p. 178). Original: “The appropriate response to the changes occurring in world politics is not to discredit the traditional wisdom of realism and its concern for the military balance of power, but to realize its limitations and to supplement it with insights from the liberal approach”

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consideração suas duas faces, uma baseada na sua característica comportamental (behavioral power) e uma baseada em suas fontes (resource power). Dessa forma, o poder comportamental divide-se em mais duas formas: o poder de comando (command power) e o poder cooptivo (co-optive power). O poder de comando é definido resumidamente por Nye como uma “habilidade de mudar o que os outros fazem” (NYE, 1990d, p. 267, tradução nossa)67 e se manifesta por meio da coerção ou da indução68. Já o poder cooptivo refere-se à habilidade de modificar as preferências dos outros atores, isto é, moldar o pensamento dos outros para que estes ajam de uma determinada forma (NYE, 1990d). Seguindo dentro da conceitualização do ator, cada forma de poder comportamental tem por base uma fonte de poder. Portanto, o poder de comando, por consistir principalmente em uma ação de coerção ou recompensa relaciona-se às fontes de poder duro (hard power), enquanto que o poder cooptivo, consistindo na atração e persuasão, relaciona-se às fontes de poder brando (soft power). O autor lança mão de ressalva, afirmando que nem sempre essa relação será perfeita, abrindo a possibilidade de que o poder de comando se relacione em alguns casos com as fontes de poder brando, da mesma forma que o poder cooptivo pode se relacionar às fontes de poder duro. Todavia, o autor afirma que a relação principal manifestase forte o suficiente para que haja a associação entre poder de comando e o poder duro e entre poder cooptivo e o poder brando (NYE, 1990d; 1990e; 2004d). Apesar da distinção acima, encontramos em textos posteriores (NYE Jr, 2012b, 2015) a utilização indistinta do conceito de “poder brando” para tratar ao mesmo tempo da face comportamental e da face de recursos do poder, isto é, Nye utiliza do conceito de “poder brando”, enquanto sinônimo de “poder cooptivo” (face comportamental) e de “poder brando” (face de fontes de poder). O mesmo aplica-se para o conceito de “poder duro”, utilizado tanto como “poder de comando” (face comportamental) e “poder duro” (face de fontes de poder). Importante destacar também que em obras mais recentes (NYE Jr, 2012b) os conceitos de “poder duro” e “poder brando” são utilizados em conjunto com outros conceitos, como “poder militar” e “poder econômico”. Podemos compreender enfim, numa síntese da sistemática mais

Original: “Command power – the ability to change what others do [...]”. Nye, para simplificar a explicação, utiliza a popular expressão em inglês “sticks and carrots” (paus e cenouras) para referir-se aos modos de se obter poder de comando, numa aproximação, essa expressão significa uma combinação de punição (militar) e recompensa (econômica). Ver: NYE Jr, 1990d. 67 68

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atual, que poder brando e poder duro referem-se à face comportamental do emprego dos diversos recursos de poder (econômico, militar, brando69) por um determinado ator70. Antes de entrarmos numa discussão dos conceitos de poder brando e poder duro, exemplificando-os e especificando-os dentro da obra do autor, atentamos como importante debruçar-nos brevemente sobre a questão da convertibilidade do poder. Para Nye, a mensuração do poder em recursos de poder – normalmente a aproximação do poder nas teorias realistas – traz consigo a questão da conversão das fontes de poder em poder comportamental. Como vemos em: Conversão de poder é um problema básico que surge quando pensamos o poder em termos de recursos. Alguns países são melhores do que outros em converter seus recursos em influência efetiva [...] Conversão de poder, é a capacidade de converter o poder potencial, medido pelo recursos, em poder realizado, medido pelo comportamento alterado de outros. Assim, uma pessoa deve saber sobre a habilidade de um país em conversão de poder, bem como sobre a sua posse de recursos de poder para prever resultados corretamente. (NYE, 1990d, p. 27)71

Notável então, a necessidade de se comparar não somente as fontes de recursos de um determinado ator internacional, mas também a sua capacidade de conversão dessas fontes em poder real, capacidade essa que depende, na visão do autor, em estratégias bem desenhadas e numa habilidade de liderança (NYE, 2004d). A questão da convertibilidade do poder será essencial para compreender a dinâmica do poder brando, a segunda face do poder e será melhor discernida nas próximas seções.

3.2 Poder duro nas relações internacionais Como já mencionado acima, faz-se necessário para nossos objetivos uma análise mais detida dos conceitos de “poder duro” e “poder brando”, procurando demonstrar as nuances do desenvolvimento do conceito de “poder brando” e sua especificidade quanto a sua forma e ao seu uso.

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Nesse caso, refere-se às fontes de poder brando. Isso significa que cada análise deve levar em conta as fontes de recurso de poder e de que modo foram empregadas a fim de constatar a existência de poder brando ou poder duro. Trataremos dessa complexidade e em sua possibilidade de gerar confusão no capítulo terceiro. 71 Original: “Power conversion is a basic problem that arises when we think of power in terms of resources. Some countries are better than others at converting their resources into effective influence […] Power conversion is the capacity to convert potential power, as measured by resources, to realized power, as measured by changed behavior of others. Thus, one has to know about a country’s skill at power conversion as well as its possession of power resources to predict outcomes correctly.” 70

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A começar pelo “poder duro”, compreendemos que Nye refere-se a esse tipo de poder nos casos de manifestação tradicional do mesmo, compreendendo uma série de fenômenos, que vão desde o embate direto numa guerra até aos meios de diplomacia coercitiva e às chantagens ou recompensas econômicas. Esse tipo de poder é evidenciado como a única caracterização de poder levada em conta pelas análises empobrecidas e truncadas da escola de pensamento realista que desconsideram a capacidade/efetividade de um poder de persuasão, ou brando (NYE Jr, 2004d, 2012b, 2015). Em textos mais atuais, o autor amplia o escopo de sua análise discernindo – dentro do “poder duro” – fenômenos relacionados a um poder militar e a um poder econômico72 (NYE Jr, 2012b). Ao especificar o poder militar, Nye define basicamente quatro meios de emprego do mesmo: a) coerção física, compreendida pelo embate militar direto, no caso da guerra tradicional (interestatal) e em casos mais contemporâneos (guerras intraestatais), como os casos de insurgência (ocasionados em ocupações, por exemplo na Invasão do Iraque em 2003) e combate a organizações terroristas; b) ameaça de coerção, que fazem uso da chamada “diplomacia coercitiva”, no qual determinado ator, melhor dotado de recursos militares, inflige uma ameaça de coerção (possibilidade de uso real da força, como num ataque ou ocupação) com objetivos de constranger ou deter determinada ação de outro ator; c) proteção, baseada nos regimes de proteção interestatais em sua maioria de alianças militares (como a OTAN) ou tratados bilaterais, onde atividades de patrulhamento conjunto e abrigo de bases estrangeiras, normalmente são exemplos; e d) assistência, baseada numa função mais branda do uso do poderio militar, a assistência consistiria em ocasiões onde a ameaça ou uso da força estariam mais afastadas, dando lugar a atividades como treinamentos conjuntos, trocas de tecnologias e operações de assistência humanitária (NYE Jr, 2012b, pp. 49-77). Ao tratar do poder econômico, Nye recupera uma de suas contribuições à disciplina de Relações Internacionais o conceito de “interdependência complexa” (cunhado em conjunto com o professor Robert O. Keohane). De acordo com o autor, uma das formas de manifestação do poder econômico se dá a partir das relações econômicas interdependentes ao redor do globo, através da manipulação das assimetrias entre os atores73. Além disso, destaca

Com frequência lemos construções como “poder econômico duro” nas análises recentes do autor, o que nos leva a compreensão de que poder brando e poder duro são também manifestações comportamentais dos recursos de poder econômico e militar. 73 “Se duas partes são interdependentes, mas uma é menos do que a outra, a parte menos dependente tem uma fonte de poder enquanto ambas valorizarem o relacionamento interdependente. Manipular a assimetrias da interdependência é uma dimensão importante do poder econômico.” (NYE Jr, 2012b, p. 84). 72

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o papel do poder econômico nos casos dos recursos naturais, sanções econômicas e questões monetárias74. Porém, ao lado das especificações o autor intenta demonstrar via exemplificação a possibilidade e a credibilidade do poder econômico, comumente desacreditado por analistas que aferem tal forma de poder como alheia às vontades do Estados (por serem competência de entes privados) e não-efetivas (NYE Jr, 2012b, pp. 79-114). Importante ressaltar que, nessa especificação mais atual, tais atividades do poder militar e econômico podem ser utilizadas tanto para a obtenção de poder brando quanto de poder duro. Entretanto, como já explicitado anteriormente, a relação entre os recursos de poder militar e poder econômico em sua maioria levam à mudança de objetivos (poder de comando) e não à estruturação de objetivos (poder cooptivo). Em síntese, cada painel de determinada situação deve ser analisado levando-se em conta de que modo atuaram os recursos de poder empregados, o que eleva, em nosso ver, a complexidade da análise que utiliza os conceitos do autor como ferramenta metodológica, visto a vagueza dos mesmos75. Sejam considerados em suas conceitualizações mais antigas (apenas fontes de poder duro, econômicas e militares) ou em sua conceitualizações mais recentes (poder militar, poder econômico), os termos acima apresentados possuem nas obras de Nye algumas características básicas que os distinguem do poder brando. Em geral, todas as fontes de poder duro são consideradas mais agressivas, mais tangíveis e mais tradicionais; são formas de se conseguir determinado objetivo mais custosas nos dias atuais e por isso devem ser complementadas com a outra face do poder que ampliará suas capacidades. É importante destacar então, que em nenhum momento o autor afirma o fim dessas formas de poder, mas sua complementaridade com as formas mais brandas. É dessa ação conjunta que resultará o chamado “poder inteligente” (NYE Jr, 2006a; 2007; 2009; 2012b; 2015). Passemos agora à face branda do poder.

3.3 Poder brando nas relações internacionais O “poder brando” enquanto conceito do autor surge em 1990, com a publicação de Bound to Lead. Desde então, passa a ganhar notoriedade nas discussões de relações 74

Nas questões monetárias o autor afirma que a moeda de determinado Estado, ao ser usada como moeda internacional confere grande poder ao seu Estado de origem. “Quando uma moeda é amplamente retida como meio de troca e armazenamento de valor, torna-se conhecida como uma moeda de reserva mundial, e isso pode conduzir a um grau de poder.” (NYE Jr, 2012b, p. 87) 75 Trataremos melhor dessa questão no capítulo 5 deste trabalho.

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internacionais e passa a ser aperfeiçoado em obras posteriores, como em Soft Power (2004d) e O futuro do poder (2012b). Esse tipo de poder refere-se às capacidade que um determinado ator tem em moldar as preferências de outro(s) ator(es). Desse modo, Nye compreende o poder brando enquanto um poder de persuasão, argumentação, atração e aquiescência (NYE Jr, 2004d). Esse tipo de poder “é mais do que apenas persuasão ou a habilidade de mover as pessoas pelo argumento, apesar de que isso é uma importante parte dele [poder brando]. Também é a habilidade de atrair, e atração frequentemente leva à aquiescência” (Idem, p. 6, tradução nossa)76. Afinal, o poder brando trata de mobilizar a cooperação com os outros sem ameaças ou pagamentos. Uma vez que depende da moeda de atração do que da força ou pagamentos, o poder brando depende em parte de como podemos enquadrar nossos próprios objetivos. Políticas baseadas em definições do interesse nacional largamente inclusivas e de longo alcance são mais fáceis de se fazerem atraentes para os outros do que políticas que tenham uma perspectiva estreita e míope. (Idem, p. 61, tradução nossa)77

O poder brando pode se manifestar em três formas principais, basicamente: a) ajuste de agenda, onde o ator utilizará de meios de poder brando para fazer com que o(s) outro(s) atore(es) encarem determinada agenda enquanto legítima78; b) atração, onde um ator utilizará de meios de poder brando para fazer com que o(s) outro(s) atore(es) moldem suas preferências; e c) persuasão onde um ator utilizará de meios de poder brando para fazer com que o(s) outro(s) atore(es) alterem suas preferências concebidas anteriormente (NYE Jr, 2004d, 2012b). Para um Estado, todas essas três formas principais de atuação por meio do poder possuem três fontes de recurso básicas, a saber: a) a cultura; b) os valores políticos; c) a política externa. Sobre a cultura, o autor afirma que esta pode representar motivos de atração ou de repulsão, dependendo dos valores expressos pela mesma. A cultura nesse caso mescla uma série de questões que perpassam a cultura popular, a cultura das elites 79 e os valores

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Original: "And soft power is more than just persuasion or the ability to move people by argument, trough that is an important part of it. It is also the ability to attract, and attraction often leads to acquiescence" 77 Original: “After all, soft power is about mobilizing cooperation from others without threats or payments. Since it depends on the currency of attraction than force or payoffs, soft power depends in part on how we frame our own objectives. Policies based on broadly inclusive and far-sighted definitions of the national interest are easier to make attractive to others than policies that take a narrow and myopic perspective” 78 “É a aquiescência do alvo à legitimidade da agenda que torna essa face do poder cooptativa e em parte constitutiva de poder brando – a capacidade de conseguir o que você quer pelos meios cooptativos de ajustar a agenda, persuadindo e suscitando uma atração positiva” (NYE Jr, 2012b, p. 34) 79 "A atração e o poder brando que cresceram a partir dos contatos culturais entre as elites fizeram contribuições importantes para os objetivos da política americana." (NYE Jr, 2004d, p. 46). Original: “The attraction and soft power that grew out of cultural contacts among elites made important contributions to American policy objectives” (NYE Jr, 2004d, p. 46)

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morais de um sociedade (NYE Jr, 2004d). A cultura já foi um importante auxílio em vitórias estadunidenses, Nye destaca alguns exemplos: "Esta atração popular-cultural ajudou os Estados Unidos a alcançar importantes objetivos de política externa. Um exemplo foi a reconstrução democrática da Europa após a Segunda Guerra Mundial. O Plano Marshall e a OTAN foram instrumentos cruciais de poder econômico e militar destinados a alcançar o resultado. Mas a cultura popular também contribuiu. [...] A atração cultural popular também contribuiu para outro importante objetivo da política externa norte-americana - a vitória na Guerra Fria. [...] Os programas estatais de propaganda e cultura soviéticos não poderiam manter o ritmo com a influência da cultura popular comercial da América em termos de flexibilidade ou atração” (Idem, pp. 48-49, tradução nossa)80

A dificuldade em considerar-se a cultura como uma das fontes de poder brando consiste em que muitas vezes os produtos culturais de um determinado Estado estão fora das determinações de seus governos. Isso significa que boa parte dessa fonte de poder brando são desenvolvidas por empresas transnacionais, como a Coca Cola e a Nike, recorrentes exemplos do autor no caso do poder brando estadunidense; conglomerados artísticos e de cinema, como o balé Bolshoi, Hollywood e, mais recentemente, Bollywood; organizações internacionais não-governamentais, como o Greenpeace e a Anistia Internacional entre outras instituições que manejam ou trabalham com cultura de massas (NYE Jr, 2006a; 2012b). Além disso, outra advertência: não podemos confundir o poder brando como sendo apenas atração cultural: "Alguns analistas tratam o poder brando simplesmente como poder cultural popular. Eles cometem o erro de igualar o comportamento de poder brando com os recursos culturais que, por vezes, ajudam a produzi-lo. Eles confundem os recursos culturais com o comportamento de atração." (NYE Jr, 2004d, p. 11, tradução nossa)81

Passando à segunda fonte de poder brando para os Estados, vemos que esta reside em seus valores políticos, isto é, os valores políticos expressos dentro das sociedades dos Estados. Nesse ponto Nye afirma que os estadunidenses e os europeus possuem grande vantagem, visto suas sociedades conformarem-se com valores amplamente divulgados e aceitos pela comunidade internacional82, como liberdade de pensamento e opinião, democracia política, defesa dos direitos humanos e etc (NYE Jr, 2015). Um Estado pode angariar um resultado positivo desses valores: “Quando a cultura de um país inclui valores universais e suas

Original: “This popular-cultural attraction helped the United States to achieve important foreign policy goals. One example was the democratic reconstruction of Europe after World War II. The Marshall Plan and NATO were crucial instruments of economic and military power aimed at achieving the outcome. But popular culture also contributed. […] Popular cultural attraction also contributed to another major American foreign policy objective – victory in the Cold War. [...] Soviet state-run propaganda and culture programs could not keep pace with the influence of America's commercial popular culture in flexibility or attraction 81 Original: "Some analysts treat soft power simply as popular cultural power. They make the mistake of equating soft power behavior with the cultural resources that sometimes help produce it. They confuse the cultural resources with the behavior of attraction." 82 São valores ocidentais e não propriamente “internacionais” em nossa visão. 80

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políticas promovem valores e interesses que outros compartilham, isso aumenta a probabilidade de se obter os objetivos desejados, por causa do relacionamento de atração e respeito criados”83 (NYE Jr, 2004d, p. 11, tradução nossa). Partindo então para a terceira fonte de poder brando encontramos um âmbito (dentre os três) que é amplamente manejado pelo Estado, a saber: a política externa. O autor tece advertências sobre a necessidade de coerência entre a política externa e a política interna dos Estados, visto que é nessa coerência que reside a credibilidade em um determinado Estado e tal credibilidade que fornecerá recursos para o manejo do poder brando: "As políticas governamentais podem reforçar ou desperdiçar o poder brando de um país. Políticas nacionais ou estrangeiras que parecem ser hipócritas, arrogantes, indiferentes à opinião dos outros, ou com base em uma abordagem estreita para os interesses nacionais podem minar o poder brando.” (Idem, p. 14, tradução nossa) 84

Tal falta de coerência entre a política externa e a política interna pode ser danosa ao poder brando de um país, nas palavras de Nye: “As ações falam mais alto que as palavras e a diplomacia pública que parece ser mera fachada para as projeções de poder duro é improvável de ser bem sucedida” (NYE Jr, 2004d, p. 110, tradução nossa)85. O caso estadunidense representa um bom exemplo de incoerência, onde políticas de pena capital em alguns Estados, altos níveis de encarceramento e a falta de controle de armas não estão em conformidade com valores políticos internacionais86 nem com o discurso de política externa estadunidense87. A Invasão do Iraque em 2003 representou, nesses moldes, uma grande perda para o poder brando estadunidense, diminuindo-o: A resposta americana doméstica para o terrorismo após 09/11 corre algum risco de reduzir nossos recursos de poder brando. [...] Também danifica a atratividade americana a percepção de que os Estados Unidos não vivem a sua própria profissão de valores na sua resposta ao terrorismo. Isso é talvez previsível, quando a Anistia Internacional se referiu às detenções da Baía de Guantánamo como um "escândalo dos direitos humanos", e a Human Rights Watch acusou os Estados Unidos com

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Original: "When a country's culture includes universal values and its policies promote values and interest that others share, it increases the probability of obtaining its desired outcomes because of the relationships of attraction and duty that it creates." (p. 11) 84 Original: "Government policies can reinforce or squander a country's soft power. Domestic or foreign policies that appear to be hypocritical, arrogant, indifferent to the opinion of others, or based on a narrow approach to national interests can undermine soft power." 85 Original: “Actions speak louder than words, and public diplomacy that appears to be mere window dressing for the projections of hard power is unlikely to succeed" 86 Ocidentais. 87 "O poder brando americano é mais corroído pelas políticas como a pena de morte ou a ausência de controle de armas, no qual somos os desvios de opinião entre os países avançados". (NYE Jr, 2004d, p. 59, tradução nossa) Original: “American soft power is eroded more by policies like capital punishment or the absence of gun control, where we are the deviants in opinion among advanced country”

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hipocrisia que mina as suas próprias políticas e coloca-o em "uma posição fraca para insistir no cumprimento dos outros. (NYE Jr, 2004d, pp.59-60, tradução nossa)88

Visto as três fontes principais de poder brando, cabe ressaltar que em escritos mais recentes Nye aponta a possibilidade de que o poder econômico e o poder militar forneçam a capacidade de gerar poder brando a um determinado Estado89. O próprio autor reconhece a dificuldade de discernir entre o aspecto duro e brando do poder econômico em: os recursos econômicos também podem produzir tanto comportamentos de poder brando quanto de poder duro. Eles podem ser usados para atrair e também para coagir. Às vezes, em situações da vida real, é difícil distinguir qual parte de um relacionamento econômico é composta de poder duro e qual é composta de poder brando. (NYE Jr, 2012b, p. 120).

Considerado em suas três fontes de recursos principais acima descritas e observando que o poder brando pode representar uma forma de ação externa dos Estados, deparamo-nos com a questão: Como podem então, os Estados aproveitarem-se do poder brando, isto é, de que forma os Estados podem manejar e utilizar o seu poder brando? A resposta de Nye para essa questão baseia-se nas formas possíveis de diplomacia pública. Importante ressaltar que em sua visão a diplomacia pública não consiste em mera propaganda ou em simples disseminação de informação, mas na construção de longos relacionamentos entre Estados, esse relacionamentos, por sua vez, geram capacidade de atuação conjunta, atração e ação, em outras palavras, poder brando (NYE Jr, 2004d, 2012b, 2015). Nye destaca três estágios básicos de diplomacia pública, cada um deles variando em grau e em intensidade das relações. O primeiro estágio de diplomacia pública consiste nas comunicações diárias. Medido em horas, dias e semanas, centra-se na capacidade dos atores em fornecer explicações e informações sobre suas políticas externas. Essa dimensão da diplomacia pública deve lidar com situações de crises (ocupando rapidamente possíveis vácuos de informação, por exemplo), tendo portanto uma reação rápida (NYE Jr, 2012b). Um

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Original: "[...] the American domestic response to terrorism after 9/111 runs some risk of reducing our softpower resources. [...] Also damaging to American attractiveness is the perception that the United States has not lived up to its own profession of values in its response to terrorism. It is perhaps predictable when Amnesty International referred to the Guantanamo Bay detentions as a "human rights scandal", and Human Rights Watch charged the Unites States with hypocrisy that undercuts its own policies and puts itself in "a weak position to insist on compliance from others" 89 "Se lembrarmos a distinção entre os recursos do poder e o comportamento do poder, perceberemos que os recursos frequentemente associados ao comportamento do poder duro também podem produzir comportamento de poder brando, dependendo do contexto e de como eles são usados." (NYE Jr, 2012b, p. 44)

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erro comum nesse estágio é a preocupação com a imprensa interna e a falta de atenção com a mídia internacional90. A comunicação estratégica marca o segundo estágio de diplomacia pública, consistindo nas longas campanhas temáticas que pretendem trabalhar pontos específicos e simples (o autor compara-a às campanhas políticas). Medida em semanas, meses e até anos essa estágio compreende grandes campanhas diplomáticas internacionais e eventos internacionais, como a Copa do Mundo, as Olímpiadas e demais encontros de grande repercussão mundial. Por fim, o último estágio da diplomacia pública baseia-se na construção de longos relacionamentos com indivíduos-chave (key individuals), por meio de intercâmbios, bolsas de estudos, seminários, entre outros, sendo medida em anos e até décadas. O autor faz algumas ressalvas. A diplomacia pública pode ser uma maneira efetiva de angariar poder brando nas relações internacionais, “Mas mesmo o melhor anúncio não pode vender um produto impopular”91 (NYE Jr, 2004d, p. 110, tradução nossa); desse modo, as políticas estatais devem se preocupar com os interesses e motivos que aparecem em suas mensagens. A relação de coerência, como já explicitada acima, é crucial para o sucesso de uma diplomacia pública do mesmo modo que a transmissão em massa para a diplomacia pública deve ser complementada com políticas de transmissão mais individualizadas (narrowcasting), por meio da internet, por exemplo. Visto as formas de manejo de poder brando pelos Estados por meio da diplomacia pública, cabem ainda duas tarefas necessárias: discernir sinteticamente o funcionamento do poder brando e ressaltar suas especificidades, contradições e problemas.

3.3.1 O funcionamento do poder brando e suas particularidades

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Nye exemplifica: "Por exemplo, após uma série de acidentes ferroviários, a imprensa britânica desdenhosamente descreveu a Grã-Bretanha como "um país do Terceiro Mundo." Sem explicação do contexto, parte da imprensa estrangeira repetiu frases em suas reportagens, o que contribuiu para a imagem de GrãBretanha como uma nação em declínio" (NYE Jr, 2004d, p. 108, tradução nossa). Original: “For example, after a series of railroad accidents, the British press scornfully described Britain as “a third world country.” Without explanation of the context, some of the foreign press repeated such phrases in their reporting, and that contributed to the image of Britain as a declining nation.” 91 Original: “Even the best advertising cannot sell an unpopular product”.

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Observamos o conceito de poder brando como um conceito em desenvolvimento. Isso explica como a cada livro do autor que trata do assunto, notamos especificações diferentes e que pretendem aperfeiçoar o conceito. É o caso de O futuro do Poder (NYE Jr, 2012b), no qual o autor explica, pela primeira vez, o funcionamento do poder brando como um esquema de dois modelos causais, um direto e o outro indireto. O modelo direto de funcionamento do poder brando tem por especificação de ação a atuação nas elites. Desse modo, um Estado tenta influenciar determinados grupos sociais de elite que posteriormente ascenderão ao poder atuando de forma mais favorável aos interesses desse Estado. Chamam atenção nesse funcionamento direto os meios de diplomacia pública de terceiro estágio, por meio dos já citados intercâmbios e bolsas de estudos. Nye exorta a capacidade de influência desse modo de ação direto: Os intercâmbios entre os estudantes e a liderança são um bom exemplo. Quarenta e cinco atuais e 165 ex-chefes de governo são produtos de educação superior nos Estados Unidos. Nem todos os quase 750.000 estudantes que vão para os Estados Unidos anualmente são atraídos pelo país, mas a grande maioria é. [...] Além disso, esses programas podem ter “efeitos de propagação” benéficos nos participantes indiretos. Os resultados podem ser dramáticos. Por exemplo, o fato de Mikhail Gorbachev ter adotado a perestroika e a glasnost foi influenciado por ideias aprendidas nos Estados Unidos por Alexander Yakovlev décadas antes. (NYE Jr, 2012b, pp. 132-133)

Já o modo indireto de poder brando funciona a partir da atração e persuasão do público de um determinado Estado. Nessa forma, um Estado A planteia influenciar o público de um Estado B a fim de gerar dentro desse um ambiente capacitante afetando as decisões políticas das elites. Esse ambiente capacitante dependerá da atração do Estado A sob o público do Estado B, e se, no entanto, os valores, a cultura ou a política externa do Estado A não forem atrativas e pelo contrário apresentarem repulsão, o Estado B terá um ambiente incapacitante para os interesses do Estado A. Entramos nas peculiaridades desse tipo de poder, que depende sobremaneira do interlocutor, isto é, das pessoas que ouvem as mensagens e observam as ações dos atores internacionais. Destacamos, a partir das leituras feitas, peculiaridades propostas pelo próprio Nye no que tange ao poder brando. A primeira delas refere-se ao ambiente em que o poder brando se dá de forma mais efetiva, e nesse caso sua associação com as democracias é essencial para o autor. Nye argumenta que enquanto líderes autocráticos utilizam de força e coerção ante seu público, o poder brando é amplamente utilizado pelos líderes das democracias; outro fator importante é a questão de concentração de poder: quanto mais disperso o poder se encontra num determinado Estado, melhor as condições de utilizar o poder brando (NYE Jr, 2004d).

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Nye afirma em muitos dos seus textos que o poder depende do contexto (NYE Jr, 2002d, 2004d, 2010a, 2012b), todavia observa-se no poder brando uma maior dependência contextual do que nas outras formas de poder. Isso deve-se ao fato de que mensagens, imagens, culturas e políticas podem ser interpretadas de diversos modos em contextos diferentes92, isto é, em determinadas regiões filmes com certas mensagens podem ser atrativos e em determinadas regiões repulsivos. Como, por exemplo: “A cultura popular pode ter efeitos contraditórios em grupos diferentes dentro de um mesmo país. Ela não provê uma fonte uniforme de poder brando. Os vídeos que atraem os jovens iranianos ofendem os mulás.” (NYE Jr, 2004d, p. 52, tradução nossa)93. A questão que se assume principal para os formuladores de política externa consiste em discernir de que forma determinadas mensagens são recebidas por determinados grupos em determinadas circunstâncias. Manejar o poder brande parece-nos extremamente complexo. Além disso, essa forma de poder tem por característica que seus resultados normalmente são difusos e levam grandes períodos de tempo para se manifestarem 94. E, além disso, os resultados de uma real influência de poder brando são pouco discerníveis de outras variáveis. O autor propõe que em muitos casos apenas exames acurados da história, desempenhados por jornalistas e historiadores, podem separar seus efeitos dentro dos acontecimentos políticos (NYE Jr, 2004d, 2012b), revelando, em nossa opinião, que suas ferramentas metodológicas são mais úteis em exames ex post95. Outra peculiaridade é discernida no fato de que, apesar de Nye afirmar a importância do poder brando para a ação estatal nas relações internacionais, boa parte das fontes de

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"Todo o poder depende do contexto quem se relaciona com quem e em que circunstâncias, mas o poder brando depende mais do que o poder duro da existência de intérpretes e receptores dispostos" (NYE Jr, 2004d, p. 16, tradução nossa) e "Mensagens e imagens são transmitidas em parte por políticas governamentais no país e no estrangeiro, e em parte pela cultura popular e alta cultura. Mas as mesmas mensagens são "baixadas" e interpretadas com diferentes efeitos por diferentes receptores em diferentes contextos. O poder brando não é uma constante, mas algo que varia de acordo com o tempo e lugar." (Idem, p. 44, tradução nossa). Originais: “All power depends on context - who relates to whom under what circumstances - but soft power depends more than hard power upon the existence of willing interpreters and receivers.” e “Messages and images are conveyed partly by government policies at home and abroad, and partly by popular and higher culture. But the same messages are “downloaded” and interpreted with different effects by different receivers in different settings. Soft power is not a constant, but something that varies by time and place”. 93 Original: “Popular culture can have contradictory effects on different groups within same country. It does not provide a uniform soft power resource. The videos that attract Iranian teenagers offend Iranian mullahs” 94 "Além disso, a atração, muitas vezes tem um efeito difuso, criando influência geral em vez de produzir uma ação específica facilmente observável." (NYE Jr, 2004d, p. 16). Original: “Moreover, attraction often has a diffuse effect, creating general influence rather than producing an easily observable specific action." 95 “Muitas vezes, é mais fácil ver a causalidade nesses casos negativos, em que um “veto” é relativamente fácil de identificar. Em casos positivos, o impacto do poder brando entre múltiplas variáveis é mais difícil de isolar e provar” (NYE Jr, 2012b, p. 1333).

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recursos desse mesmo poder encontram-se fora da jurisdição estatal e de sua ampla manipulação, como nos casos de cultura pública, no qual muitas marcas, filmes e hábitos são produzidos e mediatizados por agentes privados: Alguns ativos de poder duro (tais como as forças armadas) são estritamente governamentais, outros são inerentemente nacionais (como nossas reservas de petróleo e gás), e muitos podem ser transferidos para o controle coletivo (como ativos industriais que podem ser mobilizados em caso de emergência). Em contraste, muitos recursos de poder brando são separados do governo americano e apenas parcialmente sensível às suas finalidades. Na era do Vietnã, por exemplo, a política do governo americano e a cultura popular trabalharam com objetivos opostos. (NYE Jr, 2002d, p. 11, tradução nossa)96

Além disso, o Estado não é único ator capaz de desenvolver poder brando; agentes não estatais (empresas transnacionais, ONGs, redes terroristas, redes de hacktivismo, etc.) também possuem um poder brando próprio. As campanhas de “nomear e envergonhar” (name and shame) são apontadas como uma forma de manifestação do poder brando utilizadas pelas ONGs a fim de influenciar agendas ao redor do globo. Por fim, destacamos a relação do poder brando e do poder duro. Nye propõe uma distinção de grau entre ambos97. E, como já dito acima, afirma-se a possibilidade de que ambos os poderes se auxiliem, criando uma relação de reforço em alguns momentos, mas também um relação de enfraquecimento, onde ações de poder duro podem minar ações de poder brando. Chama atenção também a negativa explícita de Nye sobre alguma relação de dependência entre o poder duro e o poder brando. Categoricamente, o autor afirma que o poder brando não depende do poder duro, mas, como já notado por alguns comentadores98, não fornece quaisquer argumentos teóricos ou metodológicos para comprovar tal afirmação, sua argumentação baseia-se então, somente em exemplos: à afirmação “Mas o poder brando não depende do poder duro”99, segue-se: O Vaticano tem poder brando apesar da pergunta zombeteira de Stalin "Quantas divisões tem o papa? "A União Soviética já teve uma boa dose de poder duro, mas

Original: “Some hard power assets (such as armed forces) are strictly governmental, others are inherently national (such as our oil and gas reserves), and many can be transferred to collective control (such as industrial assets that can be mobilized in an emergency). In contrast, many soft power resources are separate from American government and only partly responsive to its purposes. In the Vietnam era, for example, American government policy and popular culture worked at cross-purposes.” 97 "O poder brando e poder duro estão relacionados porque ambos são aspectos da capacidade de atingir sua finalidade, afetando o comportamento dos outros. A distinção entre eles é uma questão de grau, tanto na natureza do comportamento e na tangibilidade dos recursos." (NYE Jr, 2004d, p. 7, tradução nossa). Original: "Hard and soft power are related because they are both aspects of the ability to achieve one's purpose by affecting the behavior of others. The distinction between them is one of degree, both in the nature of behavior and in the tangibility of the resources." (NYE Jr, 2004d, p. 7) 98 Ver: RAMOS & ZAHRAN, 2010. 99 Original: “But soft power does not depend on hard power” 96

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perdeu muito dele após as invasões da Hungria e da Checoslováquia. O poder brando soviético declinou até mesmo quando os seus recursos económicos e militares duros continuaram a crescer. Por causa de suas políticas brutais, o poder duro da União Soviética, na verdade, minou seu poder brando. Em contraste, a esfera de influência soviética na Finlândia foi reforçada por um grau de poder brando. Da mesma forma, a esfera de influência dos Estados Unidos na América Latina na década de 1930 foi reforçada quando Franklin Roosevelt acrescentou o poder brando na sua "política de boa vizinhança. (NYE Jr, 2004d, p. 9, tradução nossa)100

Veremos nas seções seguintes que reside nessa manifestação de independência um dos pontos frugais das imprecisões metodológicas do autor em questão. Observamos que os conceitos de poder duro e poder brando derivam de uma apropriação equivocada das ideias do pensador italiano Antonio Gramsci, no que se refere a sua categoria de poder político. Enfim, após verificarmos mais acuradamente as especificidades dos conceitos de “poder duro” e, sobretudo, de “poder brando”, passaremos à próxima tarefa: apontar como o conceito de “poder cibernético” encaixa-se dentro dessa sistemática.

3.4 O poder cibernético Dentro das leituras desempenhadas observamos que o desenvolvimento do conceito de “poder cibernético” por Nye se dá a partir de seu artigo “Cyberpower” (2010a)101. Encontramos muitos traços dessa obra em discussões futuras do autor (NYE Jr, 2011a; 2011b; 2011c). Compreendemos então que o poder cibernético assume uma dupla conceitualização, isto é, o poder cibernético tem em alguns pontos um determinado significado e em outros momentos, outro. O primeiro significado dentro da sistemática de poder de Nye é como um poder de domínio, abarcando os recursos e a capacidade de geração de poder brando e poder duro dentro de um determinado âmbito. Desse modo, o “poder cibernético” pode ser avaliado por analogia em conjunto com conceitos como “poder naval”, “poder aéreo” e “poder

Original: “The Vatican has soft power despite Stalin’s mocking question “how many divisions does the Pope have?” The Soviet Union once had a good deal of soft power, but it lost much of it after the invasions of Hungary and Czechoslovakia. Soviet soft power declined even as its hard economic and military resources continued to grow. Because of its brutal policies, the Soviet Union’s hard power actually undercut its soft power. In contrast, the Soviet sphere of influence in Finland was reinforced by a degree of soft power. Similarly, the United States’ sphere of influence in Latin America in the 1930s was reinforced when Franklin Roosevelt added the soft power of his “good neighbor policy”. 101 Esse artigo tornar-se-ia, com algumas alterações, o capítulo 05 do livro The Future of Power(2011c) 100

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terrestre”102 (NYE Jr, 2010a, 2011c). Todavia, nota-se uma característica diversa ante o poder cibernético e os outros conceitos relacionados aos espaços ar, terra e água. Tal diferença reside na amplitude do domínio cibernético. Partindo dessa amplitude temos a segunda definição do conceito, quando o autor fornece indicações de tratar o poder cibernético enquanto uma nova forma de exercício de poder, sendo avaliado então em analogia com os conceitos de “poder militar” e o “poder econômico”, podendo relacionar-se com o poder duro e o poder brando. Desse modo, visto os progressos desenvolvidos pela revolução da informação sobre tecnologias como a Internet, muitas sociedades atuais dependem crucialmente de sistemas de redes quase que totalmente localizados no domínio cibernético, isso significa dizer que muitas camadas e atividades de atores estatais, empresas privadas, agentes individuais e organizações não governamentais internacionais estão inseridas dentro do espaço cibernético e, portanto, suscetíveis à aplicações do poder cibernético, tanto em sua face branda, quanto em sua face dura. Nye exemplifica: muitas indústrias e serviços públicos têm processos que são controlados por computadores vinculados em sistemas Scada (supervisory control and data acquisition). Um software mal-intencionado inserido nesses sistemas pode ser instruído a fechar um processo, como fez o vírus Stuxnet com as instalações nucleares iranianas em 2010. (NYE Jr, 2012b, p. 168)

A partir dessas ponderações, o poder cibernético pensado enquanto fonte de recursos assume-se para o autor como relacionado às capacidades de atuação no espaço cibernético, é o que observamos em: O poder cibernético pode ser definido como um conjunto de recursos que se relacionam à criação, ao controle e à comunicação de informações eletrônicas e baseadas em computador – infraestrutura, redes, softwares, habilidades humanas. Isso inclui não somente a Internet dos computadores ligados à rede, mas também intranets, tecnologias de telefonia celular e comunicações via satélite. (NYE Jr, 2012b, pp. 162-163)

Já pensado em termos comportamentais, isto é, de alteração de comportamento, Nye caracteriza o poder cibernético como “a habilidade de obter os objetivos preferidos através do

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O autor faz tal analogia: "Por analogia, o poder marítimo refere-se ao uso de recursos no domínio dos oceanos para ganhar batalhas navais no oceano, para controlar gargalos de transporte, como estreitos, e para demonstrar uma presença no mar, mas também inclui a capacidade de usar os oceanos para influenciar batalhas, comércio e opiniões sobre a terra." (NYE Jr, 2010a, p. 4, tradução nossa). Original: “By analogy, sea power refers to the use of resources in the oceans domain to win naval battles on the ocean, to control shipping chokepoints like straits, and to demonstrate an offshore presence, but it also includes the ability to use such the oceans to influence battles, commerce, and opinions on land”

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uso de recursos de informação eletronicamente conectados do domínio cibernético”103 (NYE Jr, 2010a, p. 3-4, tradução nossa). Visto o caráter híbrido do domínio cibernético 104, temos que esses objetivos podem ser alcançados por meio dos instrumentos cibernéticos tanto dentro do ciberespaço quanto fora do mesmo, isto é, possuindo impactos virtuais e físicos (NYE Jr, 2010a; 2011b; 2011c). Da mesma forma, o controle da camada física (ou infraestrutural) também pode gerar efeitos dentro do ciberespaço: a peculiaridade deste espaço geográfico, isto é, sua característica híbrida, permite uma expansão de seus efeitos e conexão entre os mundos físico e virtual. Seguindo tal raciocínio, Nye afirma a possibilidade de se falar em “poder intraespaço cibernético” e “poder extraespaço cibernético”; ambos podendo gerar poder duro e poder brando. Discernimos das leituras, que, ao se especificar o poder cibernético, devemos atentar: a) aos recursos de poder, se são instrumentos físicos ou informacionais; b) às camadas de atuação/geração de efeitos, se intraespaço cibernético ou extraespaço cibernético; e c) às faces do poder, se poder brando ou duro. Temos como exemplo hipotético: um ator pode utilizar do poder cibernético para conseguir objetivos intraespaço cibernético (camada de atuação), a partir de recursos de informação (recurso de poder), alcançando tanto poder brando, ao estabelecer a determinação de normas e padrões da Internet por meio de atração da comunidade cibernética, quanto poder duro, em ataques de negação de serviços. Do mesmo modo, um ator pode utilizar o poder cibernético para conseguir objetivos extraespaço cibernético (camada de atuação) a partir de recursos físicos (recursos de poder), alcançando poder brando, em campanhas de denúncia e manifestação pública contra empresas que utilizam animais em testes laboratoriais, ou poder duro, por meio de bombardeamento de cabos e servidores de Internet. Visto as peculiaridades desta forma de poder, devemos seguir de acordo com Nye numa aproximação que leve em conta a dotação de recursos de poder dos diferentes atores nas relações internacionais, a fim de compreender suas relações de poder e possibilidades no campo cibernético. De tal forma, o autor propõe uma primeira aproximação que leve em conta três categorias de atores: governos, organizações com redes altamente estruturadas e indivíduos e redes fracamente estruturadas (NYE Jr, 2010a, 2012b). Cada uma dessas

Original: “the ability to obtain preferred outcomes through use of the electronically interconnected information resources of the cyber domain”. 104 Como discernimos na seção 2.2. 103

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categorias compreende diferentes graus de capacidade e disponibilidade de recursos bem como vulnerabilidades. A manipulação da interdependência (nos moldes da análise do autor para o poder econômico) é crucial para os relacionamentos no ambiente cibernético. A começar pelos atores governamentais, Nye afirma que apesar da tendência à difusão do poder ocasionada pela revolução da informação, os governos ainda permanecerão como os mais capazes dentro do ambiente cibernético, suas altas capacidades para desempenhar poder cibernético deitam raízes na territorialidade da camada física (ou estrutural) do ciberespaço, onde os meios de controle jurisdicionais oferecem grande capacidade, e nos altos recursos disponíveis para a ação governamental em alguns Estados líderes (como os Estados Unidos, a China e alguns membros da União Europeia). Esses recursos oferecem várias possibilidades de ação, como os ataques cibernéticos105 (poder duro) e campanhas internacionais pelos direitos humanos e democracia (poder brando). Ao atentar sobre as vulnerabilidades dos governos, encontramos, como já dissemos acima, o alto nível de dependência desses de sistemas cada vez mais complexos e, portanto, altamente prejudiciais se invadidos. Além disso, os governos podem ver seu poder brando ser erodido por campanhas difamatórias na internet (NY Jr, 2010a, 2012b). A segunda categoria de atores no ambiente cibernético consiste naqueles identificados por redes altamente estruturadas, com altas capacidades financeiras, de produção de softwares e treinamento de pessoal (empresas transnacionais como a Apple, a Microsoft e a Yahoo entram nessa categoria). Por serem juridicamente imputáveis pelos governos, apresentarem o dever de manterem suas marcas e explorarem mercados nacionais, essas redes “apresentam fortes incentivos para permanecer submissas às estruturas legais locais” (NYE Jr, 2012b, p. 178), a fim de garantirem o acesso aos mercados e o lucro. De modo diferente, as grandes organizações criminosas não sofrem dessas restrições legais e intentam desafiar governos e empresas transnacionais a fim de obter lucros. Essas organizações podem ou não estar associadas clandestinamente a governos, como numa analogia dos corsários dos séculos passados. Todavia, quando pensamos nas possibilidades de danos gerados por ataques cibernéticos, não observamos nas grandes organizações terroristas um afã de utilização desses ataques. Nye propõe que tal situações ocorrem pela falta de apelos

“Os governos também têm a capacidade de realizar ataques cibernéticos ofensivos. Por exemplo, a Décima Frota e a Vigésima Quarta Força Aérea não têm navios ou aviões. Seu campo de batalha é o espaço cibernético. Suas tropas usam computadores e a internet em vez de navios e aviões” (NYE Jr, 2012b, p. 176). 105

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dos ataques cibernéticos, mas que tais podem ser empreendidos no futuro, a partir do alcance dessas organizações da sofisticação necessária106 (NYE Jr, 2010a, 2012b). Por fim, tratamos das ponderações do autor acerca da categoria de atores organizados em redes fracamente estruturadas, entram aqui pequenas comunidades cibernéticas e até mesmo indivíduos. Os atores dessa categoria possuem ao seu favor os baixos custos de entrada e saída no ambiente cibernético e a capacidade de ação quase anônima. Esses atributos permitem uma manipulação muito favorável da interdependência em relação com os governos e as redes altamente estruturadas107. A vulnerabilidade desses atores reside em sua imputação às legislações caso forem pegos, algo que de, acordo com Nye, é raro108. Logo, para o autor, a difusão do poder para atores não estatais consiste num dos maiores desafios do ciberespaço: A tecnologia cibernética dá muito mais poder para atores não-estatais do que a tecnologia nuclear, e as ameaças que cada ator coloca são suscetíveis de aumentar. Os jogos “multi-ator” transnacionais do domínio cibernético representam um novo conjunto de perguntas sobre o significado da segurança nacional. Algumas das respostas de segurança mais importantes devem ser nacionais e unilaterais, com foco na higiene, redundância e resiliência. É provável, no entanto, que os principais governos descobrirão, gradualmente, que a cooperação contra a insegurança criada por atores não-estatais exigirá maior prioridade na atenção. (NYE Jr, 2011b, p. 36, tradução nossa)109

Todos os atores acima descritos lançam-se no ciberespaço e tentam utilizar-se das características peculiares desse domínio para obterem seus objetivos. A governança dentro do ciberespaço revela-se extremamente complexa, visto que nem sempre os interesses dos atores são complementares em um local onde as vulnerabilidades foram ampliadas sobremaneira: Em alguns aspectos, a invenção e explosão do uso da Web é análoga à revolução do hidrogénio na era nuclear. Ao levar a sociedade e a economia a uma vasta dependência de comunicações em rede, ela criou enormes vulnerabilidades que podem ser exploradas não apenas através da Internet, mas também através de

Merece destaque o caso recente do grupo terrorista comumente chamado “Estado Islâmico” (EI) que utiliza amplamente da internet para divulgação de ataques e atos violentos, sem, todavia, desenvolver alguma potencialidade para desferir ataques cibernéticos. 107 No sentido de que é muito mais custoso para o um governo ou empresa sofrer um ataque cibernético ao mesmo tempo que é muito barato para o indivíduo desferir esse ataque. 108 “Em 2006, o Accountability Office do governo dos Estados Unidos estimou que apenas 5% dos criminosos cibernéticos chegavam a ser presos ou condenados.” (NYE Jr, 2012b, p. 179). 109 Original: “cyber technology gives much more power to nonstate actors than does nuclear technology, and the threats such actor pose are likely to increase. The transnational, multiactor games of the cyber domain pose a new set of questions about meaning of national security. Some of the most important security responses must be national and unilateral, focused on hygiene, redundancy, and resilience. It is likely, however, that major governments will gradually discover that cooperation against the insecurity created by nonstate actors will require greater priority in attention.” 106

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cadeias de abastecimento, dispositivos para colmatar as lacunas de ar, agentes humanos, e manipulação das redes sociais. (NYE Jr, 2011b, p. 25, tradução nossa) 110

Dentro desse contexto, Nye intenta discernir tendências futuras, apontando para possibilidades de regulamentação e criação de espaços privados mais seguros dentro do domínio cibernético. Quanto aos deslocamentos de poder, observamos conjuntamente com o autor que apesar de alguns aspectos da Internet favorecerem atores menos poderosos (no processo de difusão do poder), os grandes atores estatais e as grandes redes privadas permanecerão com grandes capacidades e, inclusive, intentarão ampliar sua capacidade de controle. É o que observamos em: As características do ciberespaço reduzem alguns dos diferenciais de poder entre os atores, e, assim, proporcionam um bom exemplo da difusão do poder que caracteriza a política global neste século. As maiores potências não são suscetíveis de serem capazes de dominar este domínio, tanto quanto elas são com outros como mar ou ar. Mas o ciberespaço também ilustra o ponto de que a difusão do poder não significa igualdade de poder ou a substituição de governos como os atores mais poderosos na política mundial. Enquanto o ciberespaço pode criar algumas mudanças de poder entre os Estados, abrindo oportunidades limitadas de ultrapassagem (leapfrogging) por pequenos Estados usando a guerra assimétrica, é pouco provável que seja um divisor de águas em transições de poder. (NYE Jr, 2010a, p. 19, tradução nossa)111

Visto a dinâmica do poder cibernético, algumas de suas peculiaridades mais latentes e uma compreensão de que o mesmo assume dentro da obra de Nye uma postura semelhante aos conceitos de poder militar e poder econômico, algumas questões nos levam à reflexão. A primeira delas é a existência de algum tipo de dependência do poder cibernético ante alguma face do poder, isto é, se o poder cibernético depende, ao fim, do poder duro ou do poder brando de algum Estado. A segunda questão que nos colocamos é a possibilidade de uma associação mais forte do poder cibernético com alguma face do poder, isto é, se assim como o poder militar, o poder cibernético está ligado ao poder duro mais fortemente do que ao poder brando ou vice-e-versa. Tais questões serão abordadas no quinto capítulo deste trabalho. Passaremos então para um pequena subseção no qual fazemos algumas considerações acerca da temática aqui discutida a fim de preparar o leitor para o próximo capítulo que terá

Original: “In some ways, the invention and explosion in the usage of the Web is analogous to the hydrogen revolution in the nuclear era. By leading society and the economy to a vast dependence on networked communications, it created enormous vulnerabilities that could be exploited not only through the Internet but also through supply chains, devices to bridge air gaps, human agents, and manipulation of social networks” 111 Original: “The characteristics of cyberspace reduce some of the power differentials among actors, and thus provide a good example of the diffusion of power that typifies global politics in this century. The largest powers are unlikely to be able to dominate this domain as much as they have others like sea or air. But cyberspace also illustrates the point that diffusion of power does not mean equality of power or the replacement of governments as the most powerful actors in world politics. While cyberspace may create some power shifts among states by opening limited opportunities for leapfrogging by small states using asymmetrical warfare, it is unlikely to be a game changer in power transitions.” 110

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por temática as influências da revolução da informação dentro da teoria do autor estadunidense aqui examinado.

3.5 Algumas considerações Esse capítulo teve por função analisar a sistemática de poder de Nye. Demonstramos a partir das leituras realizadas o desenvolvimento de ambos conceitos dentro da obra do autor aqui examinado. Podemos afirmar que tal sistemática baseia-se na divisão das múltiplas faces que o conceito de “poder” carrega de modo a facilitar o manuseio desses conceitos em análises e proposições teóricas, como vimos nos casos do “poder duro” e do “poder brando”. Sobre este último empreendemos uma revisão mais acurada dentro da bibliografia levantada, de modo a discernir suas fontes, modos de emprego e particularidades. O conceito mais ressonante de Nye em sua obra e na discussão da Teoria de Relações Internacionais é permeado por questões que ampliam sua complexidade e dificultam o seu uso: é um tipo de poder que depende muito do contexto de seus receptores e não possui a totalidade de suas fontes sob uso e controle direto dos Estados, principais atores das relações internacionais. A utilização desse poder envolve uma coordenação de alta complexidade entre política externa, empresas nacionais e diplomacia pública o que resulta em grandes desafios para os tomadores de decisão dos Estados. Todavia, encontramos também algumas falhas e lacunas metodológicas dentro desse importante conceito. A maior parte delas residem justamente na separação entre as faces de poder e trazem consigo uma série de questões que apontam para a relação de dependência do “poder brando” ante o “poder duro” e no alto grau de intangibilidade do “poder brando”. Tais questões referem-se também a uma relação entre os escritos do teórico italiano Antonio Gramsci e os conceitos de Nye, relação essa que será tema da subseção 5.1 no qual utilizaremos de alguns comentadores para explicitar e fundamentar esse argumento. Sobre o conceito de “poder cibernético” ressaltamos a novidade do mesmo na obra do autor, sendo cunhado somente em 2010 e melhor desenvolvido em trabalhos posteriores. Pode resultar desse curto tempo de desenvolvimento muitas das imprecisões que destacamos anteriormente, como a não determinação do poder cibernético enquanto um poder de domínio ou uma fonte de poder.

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Apesar disso, apontamos as definição empreendidas por Nye como um progresso, uma vez que auxiliam na caracterização desse novo ambiente, principalmente no que tange às especificações do autor quanto aos tipos de atores no ambiente cibernético. Tais contribuições contribuem para sanar o problema de uma lacuna conceitual (conceptual gap) que existe atualmente nas discussões acerca do ciberespaço e do poder cibernético (KELLO, 2012). Passaremos agora ao próximo capítulo deste trabalho, cujo objetivo principal é demonstrar de que forma o fenômeno da revolução da informação exerce influências em alguns pontos da teoria do autor sub examine.

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A REVOLUÇÃO DA INFORMAÇÃO: INFLUÊNCIAS NAS ANÁLISES DE NYE Como já definimos no primeiro capítulo deste trabalho, a revolução da informação

consiste para Nye nos rápidos avanços tecnológicos nos campos das comunicações, informática e softwares, que permitiram a redução drástica dos custos relacionados com a produção, transmissão e processamento da informação. Fenômenos como o aumento da capacidade de processamento dos microchips, a explosão da Internet e sua expansão nos usos e sistemas diários dos Estados, empresas e indivíduos e o aumento da capacidade de transmissão de dados e redução dos custos dessa transmissão por meio dos cabos de fibra óptica, são alguns dos exemplos citados pelo autor em suas obras como demonstrações desse processo que ainda está em seus primeiros passos (NYE Jr, 1998; 2002d; 2004d; 2010a, 2015). Observaremos nas subseções seguintes as influências da revolução da informação no que tange à difusão do poder, à emergência da importância do poder brando e à mudança do papel de liderança dos EUA.

4.1 Revolução da informação e difusão do poder É observável, como apontamos no capítulo 2, que a revolução da informação traz consigo uma grande capacidade de influência dentro das relações internacionais, atingindo tanto as formas de comportamento dos atores quanto a própria organização dos mesmos. Começaremos essa seção analisando o papel da revolução da informação na alteração da relações de poder entre os atores nas relações internacionais trazendo consigo um fenômeno que segundo Nye é completamente novo: a difusão do poder. É o que Nye expressa em: O problema para todos os Estados na era da informação global de hoje é que mais coisas estão acontecendo fora do controle mesmo dos governos mais poderosos, ou o que eu chamei de difusão do poder. (NYE Jr, 2015, p. 105, tradução nossa) 112

O autor propõe, que a partir da diminuição das barreiras de acesso ao ciberespaço e à capacidade de manejo da informação, mais atores intentarão utilizar dos recursos informacionais e cibernéticos a fim de alcançar seus objetivos. Essa queda de barreiras é tão dramática que permite o acesso a essas fontes de poder não somente por parte de empresas

Original: “The problem for all states in today’s global information age is that more things are happening outside the control of even the most powerful governments, or what I have called the diffusion of power” 112

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transnacionais altamente organizadas, mas, como já vimos anteriormente, por redes fracamente organizadas e até mesmo por indivíduos113. Isso leva à uma modificação crucial quando pensamos sobre o papel do Estado em controlar e manejar o poder advindo da informação. Esse papel altera-se pelo fato de que o Estado-nação não possui mais o monopólio de controle sobre a informação e, além disso, lança-se num ambiente onde deve se relacionar com outros atores que competirão com ele em uma série de temáticas e, inclusive, pelo próprio poder de regulação do ambiente cibernético. Essa competição leva à maiores dificuldades de ação internacional e diplomática, como em: fluxos baratos de informação criaram uma enorme mudança nos canais de contato através das fronteiras estatais. Atores não-governamentais e indivíduos que operam a nível transnacional têm muito mais oportunidades para organizar e propagar seus pontos de vista. Os Estados são mais facilmente penetrados e menos como caixas pretas. Nossos líderes políticos acharão mais difícil manter um ordenamento coerente de questões de política externa. (NYE Jr, 2002d, p 74-75, tradução nossa)114

Todavia, tal não significa para Nye que estamos observando o desenrolar de uma peça que tem por ato final o fim do Estado-nação, pelo contrário115, o autor acredita que o Estado permanecerá como um ator importante, todavia, mais poroso116 e menos capaz de lidar com problemas transnacionais de forma autônoma e unilateral. Essa redução da autonomia da capacidade de ação autônoma e unilateral do Estado é central na discussão da difusão do poder, como em: A disseminação da informação significa que o poder será mais amplamente distribuído e redes informais minarão o monopólio da burocracia tradicional. A

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"A era da informação tem sido marcada por um papel cada vez mais importante de atores não-estatais na cena internacional" (NYE Jr, 2004d, p. 90, tradução nossa). Original: “The information age has been marked by an increasingly important role of nonstate actors on the international stage”. 114 Original: “cheap flows of information have created an enormous change in channels of contact across state borders. Nongovernmental actors and individuals operating transnationally have much greater opportunities to organize and to propagate their views. States are more easily penetrated and less like black boxes. Our political leaders will find it more difficult to maintain a coherent ordering of foreign policy issues” 115 "Estamos apenas começando a compreender os efeitos da revolução da informação no poder neste século. O único ponto claro é que o aumento da complexidade do sistema internacional faz o controle governamental mais difícil. É uma simplificação excessiva ver a política mundial contemporânea como uma "idade de entropia" ou "o fim do poder", mas o controle será mais difícil para todos os atores." (NYE Jr, 2015, p. 110, tradução nossa). Original: “We are only just beginning to comprehend the effects of the information revolution on power in this century. The one clear point is that the growth in complexity of the international system makes governmental control more difficult. It is an oversimplification to see contemporary world politics as an “age of entropy” or “the end of power”, but control will be more difficult for all actors” 116 "A revolução da informação faz com que os Estados sejam mais porosos. Os governos agora têm de dividir o palco com atores que podem usar a informação para melhorar o seu poder brando e pressionar os governos diretamente, ou indiretamente, através da mobilização de seus públicos."(NYE Jr, 2004d, p. 91, tradução nossa) Original: “The information revolution makes states more porous. Governments now have to share the stage with actors who can use information to enhance their soft power and press governments directly, or indirectly by mobilizing their publics”

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velocidade do tempo da internet significa que todos os governos têm menos controle sobre suas agendas. Os líderes políticos desfrutam de menos graus de liberdade antes que devam responder aos eventos, e em seguida, devem se comunicar não só com outros governos, mas também com as sociedades civis. (NYE Jr, 2015, p. 108, tradução nossa)117

A difusão de poder atua ainda mais drasticamente quando observamos o papel das grandes potências estatais, e, principalmente, na atuação da maior delas, os Estados Unidos118. As grandes potências veem, com o desenrolar da revolução da informação, sua capacidade de ação reduzida não apenas por entes privados e indivíduos, mas também pela emergências de outros Estados menores, que a partir do custo reduzido de entrada, podem tentar alcançar maior capacidade de atuação no ambiente cibernético. Embora existam muitos atores privados e governamentais no domínio do ar, um país ainda pode procurar alcançar a superioridade aérea por meio de investimentos dispendiosos em lutadores de 5ª geração e sistemas de apoio por satélite. Em contraste, como mencionado acima, as barreiras à entrada no domínio cibernético são tão baixas que os atores não-estatais e pequenos Estados podem desempenhar papéis importantes à baixos níveis de custo. (NYE Jr, 2010a, p. 4, tradução nossa)119

Isso significa então, que, com o desenrolar da revolução da informação, a necessidade de cooperação entre os diversos níveis de atores será cada vez mais importante para a resolução de questões que a cada vez mais tornam-se transnacionais, como são as epidemias globais (como o HIV, e, mais recentemente, os vírus Ebola e Zika), as mudanças climáticas, o terrorismo e a estabilização financeira, como exemplos. Ao mesmo tempo, a difusão do poder dos governos para atores não-estatais, tanto no Ocidente e no Oriente, está colocando uma série de questões transnacionais como a estabilidade financeira, as alterações climáticas, o terrorismo e as pandemias na agenda global, ao mesmo tempo que tende a enfraquecer a capacidade de todos os governos a responder. Uma vez que nenhum Estado pode lidar com sucesso com

Original: “The spread of information means that power will be more widely distributed and informal networks will undercut the monopoly of traditional bureaucracy. The speed of internet time means all governments have less control over their agendas. Political leaders enjoy fewer degrees of freedom before they must respond to events, and then must communicate not only with other governments but with civil societies as well” 118 "A revolução da informação, a mudança tecnológica e a globalização não substituirão o Estado-nação, mas continuarão a complicar os atores e questões na política mundial. O paradoxo do poder americano no século 21 é que o maior poder desde Roma não pode atingir os seus objetivos de forma unilateral na era da informação global." (NYE Jr, 2002c, p. 102, tradução nossa). Original: “The information revolution, technological change and globalization will not replace the nation-state but will continue to complicate the actors and issues in world politics. The paradox of American power in the 21st century is that the largest power since Rome cannot achieve its objectives unilaterally in a global information age.” 119 Original: “while there are many private and governmental actors in the air domain, a country can still seek to achieve air superiority through costly investments in 5th generation fighters and satellite support systems. In contrast, as mentioned above, the barriers to entry in the cyber domain are so low that non-state actors and small states can play significant roles at low levels of cost.” 117

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estas questões transnacionais agindo sozinho, mesmo uma superpotência terá que trabalhar com os outros. (NYE Jr, 2015, p. 95, tradução nossa) 120

Além disso, esses diversos níveis de atores competirão na criação das próprias regras que regerão o domínio cibernético. O papel dos agentes privados é ressaltado nessa questão por Nye, que realiza uma analogia com o papel dos mercadores no desenvolvimento da lex mercatoria, durante o fim do feudalismo, e o papel atual das empresas transnacionais de tecnologia (informática, comunicações e softwares) em criar os padrões e regras do volátil ambiente cibernético. Mercadores medievais desenvolveram a lex mercatoria, que regia as suas relações, em grande parte como um conjunto particular de regras para a condução de negócios. Da mesma forma, hoje, uma gama de indivíduos e entidades, de hackers a grandes corporações, estão a desenvolver o código e as normas da Internet em parte fora do controle das instituições políticas formais. (NYE Jr, 2002d, p. 55, tradução nossa)121

Uma ressalva é feita: a difusão do poder, para Nye, não implica numa equalização do poder122; nas palavras do próprio autor, o tamanho ainda importa123. Isso significa que apesar da queda dos custos de acesso ao domínio cibernético e à capacidade de transmissão da informação, outros pontos do domínio cibernético e no manejo da informação ainda são suscetíveis à barreiras de entrada. Os grandes Estados e empresas transnacionais possuem maiores fontes financeiras e capacidade de recursos humanos. Alguns aspectos da revolução da informação ajudam o pequeno; mas alguns ajudam o já grande e poderoso. Tamanho ainda importa. Enquanto um hacker e um governo podem ambos criarem informação e explorarem a internet, é importante para muitas Original: “At the same time, the diffusion of power from governments to non-states actors, both West and East, is putting a number of transnational issues like financial stability, climate change, terrorism, and pandemics on the global agenda at the same time that it tends to weaken the ability of all governments to respond. Since no one state can deal successfully with these transnational issues acting alone, even a superpower will have to work with others.” 121 Original: “Medieval merchants developed the lex mercatoria, which governed their relations, largely as a private set of rules for conducting business.50 Similarly today, a range of individuals and entities, from hackers to large corporations, are developing the code and norms of the Internet partly outside the control of formal political institutions.” 122 "As previsões do efeito equalizador das revoluções da informação e comunicação sobre a distribuição de poder entre os Estados estão erradas. Em parte, isso é porque as economias de escala e as barreiras à entrada persistem em matéria de informação comercial e estratégica, e em parte porque no que diz respeito à informação livre, os Estados maiores, muitas vezes, estão bem colocados na competição pela credibilidade que cria o poder brando.” (NYE Jr, 2002d, p 74-75, tradução nossa). Original: “Predictions of the equalizing effect of the information and communications revolutions on the distribution of power among states are wrong. In part this is because economies of scale and barriers to entry persist in regard to commercial and strategic information, and in part because with respect to free information, the larger states will often be well placed in the competition for the credibility that creates soft power.” 123 "Um hacker adolescente e um grande governo podem ambos causar danos consideráveis através da internet, mas isso não os torna igualmente poderosos no domínio cibernético. A difusão do poder não é o mesmo que a equalização do poder." (NYE Jr, 2010a, p. 11, tradução nossa). Original: “A teenage hacker and a large government can both do considerable damage over the internet, but that does not make them equally powerful in the cyber domain. Power diffusion is not the same as power equalization.” 120

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finalidades que grandes governos possam implementar dezenas de milhares de pessoas treinadas e tenham grande poder de computação para quebrar códigos ou penetrar em outras organizações. (NYE Jr, 2015, p. 109, tradução nossa) 124

E, além disso, apesar dos custos de disseminação da informação serem quase negligenciáveis, o recolhimento de informação, isto é, sua produção, ainda são sujeitos à barreiras de escala em alguns casos125, onde complexos cinematográficos, como Hollywood e Bollywood, e grandes empresas de notícias, como a CNN e a BBC, possuem mais capacidades que pequenos grupos de ativistas ou indivíduos (NYE Jr, 2012b, 2015). Por fim, ao fornecer um novo ambiente de atuação, no qual os custos de entrada permitem que um número maior de atores, de diversos tipos, intentem alcançar seus objetivos, isto é, ao permitir um domínio, onde o monopólio é praticamente impossível, a revolução da informação altera – e tende a alterar mais ainda – as relações de poder entre esses atores, causando outra modificação central: o aumento da importância do poder brando.

4.2 A emergência da importância do poder brando Continuando com nossa análise das influências da revolução da informação na sistemática de poder de Nye, compreendemos que esse fenômeno é responsável, segundo o autor, pela emergência da importância do poder brando e essa importância tem a tendência de se ampliar conforme a intensificação da revolução da informação e sua expansão para outras partes do globo. A argumentação do autor nesse quesito abrange uma série de fatores. Intentaremos sintetizá-la. Em primeiro lugar, visto que a revolução da informação amplia a capacidade de diversos tipos de atores em produzir e transmitir informação dentro do espaço cibernético, tal implica que as populações dos países possuem agora maiores e melhores meios de comunicação, rompendo o controle estatal e das grandes empresas transnacionais. Esse acesso à informação gera por sua vez uma maior capacidade de mobilização que tende a influenciar e

Original: “Some aspects of the information revolution help the small; but some help the already large and powerful. Size still matters. While a hacker and a government can both create information and exploit the internet, it matters for many purposes that large governments can deploy tens of thousands of trained people and have vast computing power to crack codes or intrude into other organizations” 125 "Mesmo que agora seja mais barato disseminar as informações existentes, a recolha e a produção de novas informações, muitas vezes requer grande investimento, e em muitas situações competitivas, nova informação é o que mais importa" (NYE Jr, 2015, p. 109, tradução nossa). Original: “Even though it is now cheap to disseminate existing information, the collection and production of new information often requires major investment, and in many competitive situations, new information matters most” 124

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pressionar mais as decisões dos governos126. A associação entre a revolução da informação e a democratização é colocada por Nye e tal associação garante às sociedades civis um maior poder de influência, sobretudo nas democracias (NYE Jr, 1996; 1998; 2002d; 2004d, 2015). Isso significa que as capacidades de atração e persuasão, isto é, as capacidades de poder brando, representam formas mais eficazes de agir num ambiente mais complexo, no qual os governos devem prestar contas diante de suas populações cada vez mais empoderadas pela revolução da informação. Tal pano de fundo, implica por exemplo, que o uso da força encontra maiores dificuldades para ser empregado, a necessidade de justificação moral da guerra se torna cada vez mais importante: Mas a ausência de uma ética de guerreiro prevalecente nas democracias modernas significa que o uso da força requer uma elaborada justificação moral para assegurar o apoio popular, a menos que a real sobrevivência esteja em jogo. Para democracias avançadas, a guerra continua a ser possível, mas é muito menos aceitável do que foi há um século, ou mesmo há meio século atrás. Os Estados mais poderosos perderam muito da luxúria para conquistar. (NYE Jr, 2004d, p. 19, tradução nossa) 127

Em segundo lugar, a revolução da informação traz consigo um mundo mais complexo e dinâmico. A ação por meio de poder brando para a resolução dos crescentes problemas transnacionais revela-se mais adequada às questões desse escopo. O poder duro torna-se, nessa nova complexidade, cada vez mais difícil de se manejar e empregar128, isto é: Além de muito mais atores tanto estatais como não-estatais, a agenda da política internacional está se tornando cada vez mais complexa. Não só as questões tradicionais de segurança e de economia continuam a ser importantes, mas o número de questões transnacionais aumentou e muitas delas não são suscetíveis a instrumentos de poder duro tradicionais. (NYE Jr, 2015, p. 110-111, tradução nossa)129

É nesse ponto que temos uma exortação da importância do poder brando no combate, do que para o autor, é um dos maiores desafios transnacionais do século XXI: o terrorismo.

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"O poder sobre a informação é muito mais amplamente distribuído hoje do que era até há algumas décadas. Flash mobs e manifestações ao redor do mundo desafiam os esforços dos governos em desligar o acesso à Internet, mensagens de texto e televisão." (NYE Jr, 2015, p. 107, tradução nossa). Original: “Power over information is much more widely distributed today than it was even a few decades ago. Flash mobs and demonstrations around the world challenge government’s efforts to shut down access to the internet, text messaging, and television.” 127 Original: "But the absence of a prevailing warrior ethic in modern democracies means that the use of force requires an elaborate moral justification to ensure popular support, unless actual survival is at stake. For advanced democracies, war remains possible, but it is much less acceptable than it was a century, or even a half century, ago. The most powerful states have lost much of the lust to conquer" 128 "Além disso, em um número crescente de questões no século XXI, a guerra não é o árbitro final" (NYE Jr, 2012b, p. 30) 129 Original: “In addition to a lot more actors – both state and non-state – the agenda of international politics is becoming increasingly complex. Not only do traditional issues of security and the economy remain important, but the number of transnational issues has increased and many of these are not susceptible to traditional hard power instruments.”

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Nye aborda, em uma série de suas obras, a necessidade de emprego de políticas que levem em consideração o poder brando no combate ao terror. O poder brando teria sua importância pois: A atual luta contra o terrorismo islâmico não é um choque de civilizações; é uma disputa intimamente ligada à guerra civil que lavra na civilização islâmica entre moderados e extremistas. Os Estados Unidos e seus aliados ganharão apenas se adotarem políticas que apelem aos moderados e utilizarem de forma eficaz a diplomacia pública para comunicar esse apelo. No entanto, a única superpotência do mundo e líder na revolução da informação, gasta tão pouco em diplomacia pública quanto a França ou o Reino Unido é, muitas vezes, desarmada na guerra de propaganda por fundamentalistas se escondendo em cavernas. (NYE Jr, 2004e, tradução nossa)130

Nesse novo ambiente de ação política, no qual a informação tende a ampliar-se drasticamente, Nye retoma a discussão do paradoxo da abundância, para afirmar que a credibilidade se tornará um recurso de poder brando crucial. Como já dissemos no primeiro capítulo, o paradoxo da abundância refere-se à questão de que, com a expansão da capacidade de criação e transmissão da informação, a atenção torna-se um recurso escasso no meio de uma multidão de informação131. E, sendo a atenção um recurso escasso, os diferentes atores competirão pelo recurso essencial da credibilidade, pois é a partir da credibilidade que a informação pode ser utilizada a fim de se alcançar objetivos, isto é, numa multidão de vozes, aquelas vozes que soarem mais críveis e, portanto, mais adequadas, terão maiores audiências. O paradoxo da abundância implica que o poder informacional fluirá para aqueles capazes de filtrar e dar credibilidade à informação. Ainda mais importante, a revolução da informação está criando comunidades virtuais e redes e os atores não-governamentais (terroristas incluídos) terão papéis maiores. Muitas dessas organizações terão poder brando de si próprias no momento

Original: “The current struggle against Islamist terrorism is not a clash of civilizations; it is a contest closely tied to the civil war raging within Islamic civilization between moderates and extremists. The United States and its allies will win only if they adopt policies that appeal to those moderates and use public diplomacy effectively to communicate that appeal. Yet the world's only superpower, and the leader in the information revolution, spends as little on public diplomacy as does France or the United Kingdom -- and is all too often outgunned in the propaganda war by fundamentalists hiding in caves.” 131 "Os avanços tecnológicos têm levado a uma redução drástica no custo de processamento e transmissão de informação. O resultado é uma explosão de informações, e que produziu um "paradoxo da abundância" (Simon 1998, 30-33). A abundância de informação leva à escassez de atenção. Quando as pessoas estão sobrecarregados com o volume de informações confrontando-as, é difícil saber em que focar. A atenção ao invés da informação torna-se o recurso escasso, e aqueles que podem distinguir informações valiosas da desordem de fundo ganham poder. Editores e interpretadores tornam-se mais em demanda, e esta é uma fonte de poder para aqueles que podem nos dizer onde concentrar a nossa atenção." (NYE, 2008, pp. 99-100, tradução nossa). Original: “Technological advances have led to a dramatic reduction in the cost of processing and transmitting information. The result is an explosion of information, and that has produced a “paradox of plenty” (Simon 1998, 30-33). Plenty of information leads to scarcity of attention. When people are overwhelmed with the volume of information confronting them, it is hard to know what to focus on. Attention rather than information becomes the scarce resource, and those who can distinguish valuable information from background clutter gain power. Editors and cue-givers become more in demand, and this is a source of power for those who can tell us where to focus our attention”. 130

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em que atraem cidadãos em coalizões que ultrapassam as fronteiras nacionais. A política em seguida, torna-se, em parte, uma competição de atratividade, legitimidade e credibilidade. A capacidade de compartilhar informação de ser acreditado torna-se uma importante fonte de atração e de poder. (NYE Jr, 2004d, p. 31, tradução nossa)132

E, na visão liberal de Nye, os Estados colocam-se nessa situação de maneira desfavorável. Para o autor, muitas das tentativas estatais em obter poder brando não passam de mera propaganda que é desacreditada pelas sociedades ao redor do globo. Os agentes privados possuem então maiores capacidades de gerar poder brando por meio da credibilidade (NYE Jr, 2004d). Como observamos em: Além disso, como o poder brando se torna mais importante na era da informação, vale a pena lembrar que é esse o domínio onde as organizações e redes nãogovernamentais estão preparadas para competir, porque essa é a sua principal fonte de poder. (NYE Jr, 2002d, p. 74, tradução nossa)133

Isso implica em voltarmos à questão da coerência entre a diplomacia pública e a política externa. Para Nye, as ideias estatais não se vendem por mera propaganda, mas por uma combinação entre discurso e prática que leva à credibilidade e essa credibilidade por sua vez levará ao poder brando (NYE Jr, 2004d, 2015). Por fim, uma ressalva é feita. O autor considera que o mundo ainda não consiste num mundo de sociedades pós-industriais134 e democráticas, muitos Estados ao redor do globo consistem em sociedades pré-industriais e agrícolas e sociedades em vias de industrialização, a democracia também não está presente em todos os lugares e muitos governos autocráticos ameaçam o sistema internacional e seus vizinhos, esses são os motivos que implicam ainda na importância do poder duro. É o que vemos em: O poder na era da informação global está se tornando menos tangível e menos coercitivo, particularmente entre os países avançados, mas a maioria do mundo não consiste em sociedades pós-industriais e isso limita a transformação do poder. Grandes partes da África e do Oriente Médio permanecem bloqueadas em sociedades agrícolas pré-industriais com instituições fracas e governantes autoritários. Outros países, como a China, Índia e Brasil, são economias industriais análogas à partes do Ocidente em meados do século XX. Em um mundo tão variado, todas as três fontes de poder militar, econômica e branda permanecem relevantes, embora a graus diferentes em relacionamentos diferentes. No entanto, se as

Original: “Even more important, the information revolution is creating virtual communities and networks and nongovernmental actors (terrorists included) will play larger roles. Many of these organizations will have soft power of their own as they attract citizens into coalitions that cut across national boundaries. Politics then becomes in part a competition for attractiveness, legitimacy, and credibility. The ability to share information – and to be believed – becomes an important source of attraction and power.” 133 Original: “Moreover, as soft power becomes more important in an information age, it is worth remembering that it is the domain where nongovernmental organizations and networks are poised to compete because it is their major power resource.” 134 É a forma como Nye se refere aos países como Estados Unidos, Japão e Europa Ocidental. 132

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tendências econômicas e sociais atuais continuarem, a liderança na revolução da informação e o poder brando se tornarão mais importantes na mistura. (NYE Jr, 2002a, p. 554-555, tradução nossa)135

Em resumo, demonstramos que a revolução da informação pode alterar profundamente as relações de poder entre os atores, influenciando diretamente no aumento da importância do poder brando e reside justamente no poder brando a questão cuja qual atentamos na seção seguinte: a manutenção da liderança estadunidense.

4.3 A liderança dos Estados Unidos na Revolução da Informação Joseph S. Nye Jr. apresenta-se em muitas de suas obras como um autor que defende a ideia anti-declinista no que se refere ao futuro do poder dos Estados Unidos; isto significa que Nye intentará argumentar a favor da continuidade da posição estadunidense enquanto a maior potência do mundo. Para tal, lança mão de uma série de argumentos que demonstram a superioridade estadunidense em recursos de poder estratégicos, como economia, ciência e tecnologia e poderio militar (NYE Jr, 2002c, 2002d, 2012b, 2015). Todavia, Nye aponta uma preocupação ao observar que os Estados Unidos não demonstram nos dias atuais uma capacidade satisfatória de adaptar-se à nova conjuntura criada pela revolução da informação. Para o autor, os governos estadunidenses falham em uma série de questões que acabam por minar o poderio desse Estado a longo prazo. Como exemplo: Quando os Estados Unidos tornaram-se tão impopular, que ser pró-americano é um beijo da morte na política interna de outros países, os líderes políticos estrangeiros serão menos susceptíveis de fazer concessões úteis (testemunha disso é o desafio do Chile, México e Turquia, em Março de 2003 [em não votar uma segunda resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a Guerra do Iraque]. E quando as políticas norte-americanas perdem sua legitimidade aos olhos dos outros, a desconfiança cresce, reduzindo a alavancagem dos EUA nos assuntos internacionais. (NYE Jr, 2004e, tradução nossa)136

Original: “Power in the global information age is becoming less tangible and less coercive, particularly among the advanced countries, but most of the world does not consist of postindustrial societies, and that limits the transformation of power. Much of Africa and the Middle East remains locked in preindustrial agricultural societies with weak institutions and authoritarian rulers. Other countries, such as China, India, and Brazil, are industrial economies analogous to parts of the West in the mid-twentieth century. In such a variegated world, all three sources of power-military, economic, and soft-remain relevant, although to different degrees in different relationships. However, if current economic and social trends continue, leadership in the information revolution and soft power will become more important in the mix” 136 Original: “When the United States becomes so unpopular that being pro-American is a kiss of death in other countries' domestic politics, foreign political leaders are unlikely to make helpful concessions (witness the 135

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A partir de tal observação, Nye intenta assumir a postura de um conselheiro, apontando caminhos a serem seguidos pelos tomadores de decisão estadunidenses a fim de uma melhor adaptação à revolução da informação. Os principais caminhos apontados por Nye consistem em exortar a importância do poder brando na diplomacia e política externa dos Estados Unidos: A boa notícia é que as tendências sociais da era da informação global estão ajudando a moldar um mundo que será mais conveniente aos valores americanos no longo prazo. Mas o poder brando que vem de ser uma "cidade sobre uma colina" brilhando (como o líder puritano John Winthrop primeiro colocou) não fornece a capacidade coerciva que o poder duro traz. O poder brando é crucial, mas por si só não é suficiente. Ambos, poder duro e brando, serão necessários para a política externa bem sucedida na era da informação global. Nossos líderes devem certificar-se de que eles exercem o nosso poder duro de uma forma que não mine o nosso poder brando. (NYE Jr, 2002b, p. 239, tradução nossa) 137

E apontar a necessidade de intensificar a cooperação internacional (não somente entre os Estados, mas entre os demais atores internacionais) a fim de solucionar problemas de caráter transnacional: A tradicional mentalidade da Realpolitik torna difícil em compartilhar com os outros. Mas na era da informação, tal partilha não só melhora a capacidade dos outros para cooperar conosco, mas também aumenta a sua inclinação para fazê-lo. À medida que compartilhamos inteligência e capacidades com os outros, nós desenvolvemos perspectivas e abordagens comuns que melhoram a nossa capacidade de lidar com os novos desafios. O poder flui da atração. Descartando a importância da atração como meramente popularidade efêmera ignora ideias importantes das novas teorias de liderança, bem como as novas realidades da era da informação. Não podemos permitir isso. (NYE Jr, 2004c, p. 261, tradução nossa)138.

Para o autor, os Estados Unidos vem assumindo posturas que minam sua capacidade de angariar poder brando, muitas vezes incorrendo em políticas ineficazes que, ao prezarem mais pela utilização do poder duro (militar e econômico), acabam por distanciar potenciais aliados e intensificar sentimentos de desconfiança e, até mesmo, ódio (NYE Jr, 2015).

defiance of Chile, Mexico, and Turkey in March 2003). And when U.S. policies lose their legitimacy in the eyes of others, distrust grows, reducing U.S. leverage in international affairs.” 137 Original: “The good news is that the social trends of the global information age are helping to shape a world that will be more congenial to American values in the long run. But the soft power that comes from being a shining 'city upon a hill' (as the Puritan leader John Winthrop first put it) does not provide the coercive capability that hard power does. Soft power is crucial, but alone it is not sufficient. Both hard and soft power will be necessary for successful foreign policy in a global information age. Our leaders must make sure that they exercise our hard power in a manner that does not undercut our soft power. 138 Original: “A traditional realpolitik mind-set makes it difficult to share with others. But in an information age, such sharing not only enhances the ability of others to cooperate with us but also increases their inclination to do so. As we share intelligence and capabilities with others, we develop common outlooks and approaches that improve our ability to deal with the new challenges. Power flows from that attraction. Dismissing the importance of attraction as merely ephemeral popularity ignores key insights from new theories of leadership as well as the new realities of the information age. We cannot afford that.”

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Uma das representações de tal fato, além da emblemática invasão do Iraque em 2003, é a distribuição do dinheiro para as fontes de poder duro e de poder brando, na qual o orçamento destinado à ações que intentam ampliar o poder brando por meio da diplomacia pública, como programas de parceria e intercâmbios estudantis, transmissão de programação por rádios (Voice of America) e demais ações diplomáticas, representa apenas 0,29% do orçamento estadunidense destinado às forças armadas139. Isso aparece como paradoxal na visão de Nye, uma vez que os Estados Unidos lideram muitas áreas da revolução da informação, principalmente no que se refere aos campos de pesquisa e desenvolvimento e utilização de sistemas interconectados. E, soma-se a isso, o fato de que os Estados Unidos possuem grandes fontes de recurso de poder brando, principalmente no que se refere à sua cultura amplamente disseminada através do padrão de consumo e filmes estadunidenses e ao fato de que os valores da sociedade estadunidense, como a democracia, a liberdade de expressão, o liberalismo e os direitos humanos serem amplamente compartilhados com muitos Estados e organizações internacionais. Vemos uma descrição resumida de alguns desses valores em: Devemos lembrar também que, embora ambos poder duro e brando sejam importantes, na era da informação global o poder brando está se tornando ainda mais do que no passado. É importante que meio milhão de estudantes estrangeiros queiram estudar nos Estados Unidos a cada ano, que os europeus e asiáticos queiram assistir TV e filmes americanos, que as liberdades americanas são atraentes em muitas partes do mundo, e que os outros nos respeitem e queiram seguir o nosso exemplo quando não somos muito arrogantes. Nossos valores são importantes fontes de poder brando. Os fluxos maciços de informação barata expandiram o número de canais transnacionais de contatos através das fronteiras nacionais. Os mercados globais e organizações não governamentais passaram a desempenhar um papel maior, e muitos possuem recursos de poder brando. Estados são mais facilmente penetrados e menos como o modelo militar clássico de bolas de bilhar soberanas ricocheteando umas nas outras. Os Estados Unidos, com sua sociedade democrática aberta, irá se beneficiar do rápido desenvolvimento da era da informação global se ele desenvolver uma melhor compreensão da natureza e limites do seu poder. Suas instituições continuarão a ser atraentes e a abertura de sua sociedade continuará a reforçar a sua credibilidade. (NYE Jr, 2002b p. 238, tradução nossa)140

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"Talvez o mais surpreendente é a baixa prioridade e escassez de recursos destinados à produção de poder brando. O custo combinado de programas de diplomacia pública do Departamento de Estado e Transmissão Internacional dos Estados Unidos trata de um pouco mais de um bilhão de dólares, cerca de 4 por cento do orçamento de Assuntos Internacionais do país, cerca de 3 por cento do orçamento de Inteligência, e 0,29 por cento do orçamento Militar." (NYE Jr, 2004d, p. 123, tradução nossa). Original: “Perhaps most striking is the low priority and paucity of resources devoted to producing soft power. The combined cost of the State Department’s public diplomacy programs and U.S international broadcasting comes to a littler over a billion dollars, about 4 percent of the nation’s international affairs budget, about 3 percent of the intelligence budget, and .29 percent of military budget” (NYE Jr, 2004d, p. 123). 140 Original: “We must also remember that, while both hard and soft power are important, in a global information age soft power is becoming even more so than in the past. It matters that half a million foreign students want to study in the United States each year, that Europeans and Asians want to watch American films and TV, that

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Desse fato, o autor argui a necessidade de uma profunda mudança na condução da política externa estadunidense, no sentido de uma maior valorização das potencialidades oferecidas pelo poder brando, procurando formas de ações mais coerentes com o ambiente criado pela revolução da informação, como a busca por ações legítimas e multilaterais em organizações internacionais (como a ONU) e o planejamento de programas de diplomacia pública de maior pujança (NYE Jr, 2002d, 2004d, 2012b). Enfim, Nye propõe que as adaptações em política externa dos Estados Unidos são a chave para a manutenção da liderança global estadunidense. Concluímos portanto, que na visão do autor, os efeitos da revolução da informação são de tamanha magnitude que são capazes inclusive de alterar a posição da única superpotência da atualidade, cabendo a esta uma urgência de adaptação. Visto as três principais influências da revolução da informação no contexto das relações internacionais, passaremos à próxima seção, na qual serão feitas algumas considerações a partir da revisão dos conceitos aqui elucidados.

4.4 Algumas Considerações Nesse capítulo trouxemos ao leitor uma sistematização das influências que o fenômeno da revolução informação exerce dentro da teoria do autor em questão. Apontamos que os progressos tecnológicos que compõe esse fenômeno global influenciam – e tendem a influenciar ainda mais – âmbitos muito importantes do jogo de xadrez tridimensional das relações internacionais preconizado por Nye. A difusão do poder, por exemplo, colocará no ambiente cibernético Estados e redes altamente estruturadas em contato, numa busca pela regulação desse espaço que foi desenhado originalmente para garantir mais liberdade e mais anonimato aos usuários. Ao mesmo tempo, o comportamento dos atores individuais e das redes fracamente estruturadas

American liberties are attractive in many parts of the world, and that others respect us and want to follow our lead when we are not too arrogant. Our values are significant sources of soft power. Massive flows of cheap information have expanded the number of transnational channels of contacts across national borders. Global markets and non-governmental organizations now play a larger role, and many possess soft power resources. States are more easily penetrated and less like the classic military model of sovereign billiard balls bouncing off one another. The United States, with its open democratic society, will benefit from the rapidly developing global information age if it develops a better understanding of the nature and limits of its power. Its institutions will continue to be attractive and the openness of its society will continue to enhance its credibility.”

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influenciará tais tentativas de regulação, seja pelos próprios atos corriqueiros seja pela militância online nas redes hacktivismo. Além das influências descritas ao longo do capítulo discernimos um ponto importante dentro da teoria do autor. Aferimos que é justamente na revolução da informação que o argumento da pertinência do poder brando ganha fôlego, isto é, para o autor de Bound to Lead são justamente os fenômenos que envolvem a revolução da informação que intensificam a preconizam a necessidade de atuação estatal nos marcos do poder brando. Essa forma de poder, o conceito mais importante do autor em questão, seria capaz de atuar de modo mais favorável na diplomacia internacional por oferecer uma série de benefícios, tais como diminuições nos gastos de intervenção, maior legitimidade internacional e ampliação da cooperação. Além, é claro, de estar mais adaptada à retórica internacional no que tange à democracia e aos valores liberais individuais. São justamente uma agenda com maior atenção às questões de poder brando e uma diplomacia pública mais eficaz que também o leve em consideração, que são apontados por Nye como os caminhos para os EUA continuarem exercendo sua liderança internacional num contexto de revolução da informação, numa clara atitude anti-declinista. O “poder inteligente” proposto por Nye como a combinação entre as duas faces do poder passará a conter cada vez mais doses de “poder brando” com a intensificação do fenômeno da revolução da informação. Enfim, passaremos agora ao último capítulo deste trabalho cujo objetivo principal é oferecer ao leitor críticas de cunho teórico e metodológico de algumas das proposições de Nye que foram levantadas no decorrer do processo de pesquisa e a partir da leitura de alguns dos comentadores do teórico estadunidense.

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5 CONSIDERAÇÕES E CRÍTICAS ÀS PROPOSIÇÕES DO AUTOR O quinto capítulo deste trabalho tem por objetivo discutir brevemente, e de forma apenas propositiva, alguns pontos metodológicos e teóricos presentes dentro das obras de Joseph S. Nye Jr. A crítica dar-se-á em dois momentos. O primeiro terá por base a identificação de uma aproximação dos conceitos de Nye com as categorias do pensador italiano Antonio Gramsci. Desse modo, utilizaremos de ideias presentes no texto carcerário gramsciano que permitem desnudar pontos passíveis de crítica dentro da obra do estadunidense. Apresentaremos aqui, as ideias de “Estado integral”, “hegemonia” e a perspectiva de distintas temporalidades no internacional que se manifestam por meio de um desenvolvimento desigual e combinado (DDC)141 do capitalismo global, todas contempladas por Gramsci. Já o segundo momento de crítica utilizará do mapeamento conceitual aqui realizado a fim de discutir: a) a complexidade, vagueza e intangibilidade da sistemática de poder desenhada por Nye; b) as ambiguidades na definição de poder cibernético e a relação de dependência/ligação desse ante alguma face do poder; c) a relação entre as democracias e a livre-informação; d) a visão monolítica e homogeneizadora tanto dos conceitos de poder de Nye e sua transferência ao novo “poder cibernético”.

5.1 Os conceitos de Nye e o pensamento de Antonio Gramsci Não podemos passar pela obra do autor estadunidense aqui examinado e observar suas proposições acerca do poder brando e do poder duro (militar e econômico) sem tecer algumas considerações sobre a relação desses conceitos com a noção de hegemonia desenvolvida pelo pensador italiano Antonio Gramsci. Cabe ressaltar que o próprio Nye reconhece as ideias de Gramsci em um de seus textos, todavia de modo simples e pouco esclarecedor, como vemos em: O poder brando repousa sobre a capacidade de definir a agenda política de uma forma que molda as preferências dos outros. A nível pessoal, os pais sábios sabem que se eles criarem seus filhos com as crenças e valores corretos, seu poder será maior e durará mais tempo do que se eles têm contado apenas com palmadas,

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A despeito da categoria de desenvolvimento desigual e combinado ter sido originariamente cunhada por Leon Trotsky (1977), mostrar-se-á em caráter introdutório sua proximidade com a avaliação gramsciana sobre o capitalismo global. Para uma detalhada e bastante desenvolvida elaboração e análise sobre a proximidade entre categorias gramscianas, a análise gramsciana do capitalismo global e a categoria de desenvolvimento desigual e combinado de Trotsky, consultar: MORTON, 2011.

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cortando subsídios, ou tirando as chaves do carro. Do mesmo modo, líderes políticos e pensadores como Antonio Gramsci há muito compreenderam o poder que vem do estabelecimento da agenda e definição da estrutura de um debate. (NYE Jr, 2002, p. 9, tradução nossa, grifo nosso)142.

Esse trabalho dialoga com uma série de comentadores que observam semelhanças entre os conceitos de Nye e a noção de hegemonia para Gramsci. Seguiremos nessa subseção desenvolvendo este argumento. Para tal discutiremos de modo breve o conceito de hegemonia proposto por Gramsci, adicionaremos considerações de outros comentadores das obras de Nye sobre o assunto e apontaremos alguns problemas que surgem nesse ponto. A começar pela caracterização gramsciana de hegemonia observamos que esta compreende não uma separação, uma relação de independência, mas sim uma unidade orgânica, entre o que o autor chama de coerção e de consenso. Temos nessa categoria a ideia utilizada por Gramsci para desnudar os mecanismos pelos quais determinadas burguesias dirigentes conseguiam obter um certo consenso das classes exploradas garantindo, e até mesmo facilitando, a sua exploração (RAMOS & ZAHRAN, 2006). Partindo desse exemplo claro da realidade, Gramsci apontou para dois tipos de supremacia que poderiam ser atingidos por uma classe dirigente, um baseado em maior grau na coerção, a supremacia, e outro, baseado numa aceitação, num consenso ético, ideológico, educacional da sociedade diante de sua classe dirigente, a hegemonia (Idem). É o que vemos no excerto abaixo no qual Gramsci, ao discutir a questão do Risorgimento Italiano, aponta que a supremacia de um grupo social se manifesta através da força e de uma direção política: O critério metodológico que deve basear sua análise é este: que a supremacia de um grupo social se manifesta em dois modos, como “domínio” e como “direção intelectual e moral”. Um grupo social é dominante dos grupos adversários que tende a liquidar ou a submeter também com a força armada e é dirigente dos grupos semelhantes e aliados. Um grupo social pode e deve ser dirigente antes mesmo de conquistar o poder governamental (é essa uma das condições principais do mesmo para a conquista do poder); depois, quando exercita o poder e também o tem fortemente em mãos, torna-se dominante mas deve continuar a ser também “dirigente” (GRAMSCI, Q19, § 24, p. 2010-2011, tradução nossa)143

Original: “Soft power rests on the ability to set the political agenda in a way that shapes the preferences of others.At the personal level, wise parents know that if they have brought up their children with the right beliefs and values, their power will be greater and will last longer than if they have relied only on spankings, cutting off allowances, or taking away the car keys. Similarly, political leaders and thinkers such as Antonio Gramsci have long understood the power that comes from setting the agenda and determining the framework of a debate.” 143 Original: Il criterio metodologico su cui occorre fondare il proprio esame è questo: che la supremazia di um gruppo sociale si manifesta in due modi, come «dominio» e come «direzione intellettuale e morale». Un gruppo sociale è dominante dei gruppi avversari che tende a «liquidare» o a sottomettere anche con la forza armata ed è dirigente dei gruppi affini e alleati. Un gruppo sociale può e anzi deve essere dirigente già prima di conquistare il 142

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Podemos observar aqui a organicidade do pensamento gramsciano: a hegemonia não pressupõe o fim da ideia de coerção e da mesma forma, a alçada ao poder estatal – principal (mas não único) lócus da coerção – por um determinado grupo social não implica o abandono do status de “dirigente” (consenso). Essa apreensão da unicidade das categorias carrega a própria discussão da composição do Estado para Gramsci. Para o autor, o “Estado integral” seria um ente composto pela relação orgânica entre sociedade civil e sociedade política. Isto significa dizer que para o filósofo sardo não se pode pensar o âmbito estatal sem distinguir – metodologicamente – suas duas esferas, uma civil, composta pelos “aparelhos privados da hegemonia”, as escolas, igrejas, universidades, centros culturais e etc., e uma política, marcada pelo próprio aparelho estatal e suas instituições burocrático-repressivas. Gramsci evidencia tal relação ao discutir a chamada “opinião pública”, apontando para o interesse de monopólio sobre os instrumentos que exercem influência sobre essa: Aquilo que se chama “opinião pública” está estreitamente ligado com a hegemonia política, aquilo que é o ponto de contato entre a “sociedade civil” e a “sociedade política”, entre o consenso e a força. [...] A opinião pública é o conteúdo político da vontade política pública que pode ser discordante: por isso existe a luta pelo monopólio dos órgãos da opinião pública: jornais, partidos, parlamento, de modo que uma só força modele a opinião e portanto a vontade política nacional, organizando os discursos em uma poeira individual e incoerente. (GRAMSCI, Q 7, § 83, pp. 914-915, tradução nossa)144

Uma das imagens utilizadas por Gramsci para explicitar essa relação orgânica 145 da qual falamos é o Centauro de Maquiavel, composto pela parte férica (coerção) e humana (consenso). O professor Bianchi (2008) nos auxilia ao interpretar essa imagem: A imagem do Centauro é forte e serve para destacar a unidade orgânica entre a coerção e o consenso. É possível separar a metade fera da metade homem sem que

potere governativo (è questa una dele condizioni principali per la stessa conquista del potere); dopo, quando esercita il potere e anche se lo tiene fortemente in pugno, diventa dominante ma deve continuare ad essere anche «dirigente». 144 Original: Ciò che si chiama «opinione pubblica» è strettamente connesso con l’egemonia politica, è cioè il punto di contatto tra la «società civile» e la «società politica», tra il consenso e la forza. [...] L’opinione pubblica è il contenuto politico della volontà politica pubblica che potrebbe essere discorde: perciò esiste la lotta per il monopolio degli organi dell’opinione pubblica: giornali, partiti, parlamento, in modo che una sola forza modelli l’opinione e quindi la volontà politica nazionale, disponendo i discordi in un pulviscolo individuale e disorganico. 145 Cabe salientar na obra gramsciana a unidade orgânica entre vários conceitos e noções, cujas separações também seriam apenas um recurso metodológico: Estado e sociedade civil, “Oriente” e “Ocidente”, centro e periferia, alta cultura e cultura popular, professor e aluno, força e consenso, hegemonia e revolução passiva, Sul e Norte, guerra de posição e guerra de movimento, nacional e internacional, política e economia, estrutura e superestrutura, cultura e política, dentre outros. A propósito de tal observação, já foi possível constatar várias vezes ao longo deste texto a separação que Nye empreende em sua linha de raciocínio envolvendo vários destes aspectos.

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ocorra a morte do Centauro? É possível separar a condição de existência do poder político de sua condição de legitimidade? É possível haver coerção sem consenso? Mas tais questões podem induzir a um erro. Nessa concepção unitária, que era de Maquiavel, mas também de Gramsci, não é apenas a coerção que não pode existir sem o consenso. Também o consenso não pode existir sem a coerção. (p. 190)

Cabe ainda ressaltar que sobre a hegemonia há corrente na academia uma má interpretação do proposto por Gramsci. Essa interpretação refere-se à ênfase que muitos autores colocam na cultura ao tratar da hegemonia esquecendo-se que essa também refere-se à coerção, isto é, muitos escritos veem Antonio Gramsci como um autor que dá ênfase à ideia de consenso e que trabalha em termos puramente culturais, essa é uma visão incompleta do autor sardo, principalmente tomado sob um viés liberal. Tal ideia, como demonstrada por Passos (2016) é errônea, visto a unidade entre coerção e consenso, e descende das inúmeras vulgarizações pelas quais a obra segmentada do comunista sardo passou. A esse respeito, Morton (2007) aponta as inúmeras tentativas de moldar as proposições gramscianas de acordo com os interesses de determinada época ou grupo, assim temos Gramsci como “caminho italiano do socialismo”, como “Leninista Italiano”; Gramsci como um pós-leninista a fim sustentar a ideia eurocomunista das décadas de 1970 e 1980; Gramsci como um pós-comunista a partir de 1990 e, até mesmo, um Gramsci liberal, como já vimos acima, dando ênfase nas questões culturais por meio de um afastamento de seus escritos e a tradição do materialismo histórico (Idem, p. 80). Implicando que “[e]ssa redução de Gramsci a outra(s) matriz(es) de “verdade”, conduziu à negação da sua originalidade teórica” (DIAS et al, 1996, p. 106)146. É somente em 1975, com a publicação de uma edição crítica dos Quaderni del Carcere por Valentino Gerratana que se permite, pela primeira vez, o estudo da obra carcerária gramsciana de modo a atentar à fragmentação e ao tempo de produção147. Passamos então para a semelhança entre as ideias de Gramsci e as ideias de Nye. Fica clara a ligação entre os componentes da visão gramsciana de hegemonia, a “coerção” e o 146

É evidente que uma interpretação de Gramsci como um autor com obra fragmentária, assistemática e com vários ritmos da sua elaboração jamais pode ser tomada como “a interpretação verdadeira”. Todavia, defende-se que ao considerar parâmetros metodológicos e teórico-práticos do conjunto da sua obra carcerária e précarcerária, cartas e vida, há elementos para defender uma certa interpretação e diferenciar-se das apropriações mutiladas e vulgarizadas de suas categorias que constituíram uma hegemonia interpretativa da sua obra focada na linha política do Partido Comunista Italiano (PCI) no pós-Segunda Guerra. Afirma-se isto ao considerar todos os desdobramentos diretos e indiretos de versões temáticas, mutiladas e supostamente sistemáticas da obra de Gramsci que o PCI contribuiu para divulgar em termos de uma versão “conveniente” do comunista sardo para justificar a sua linha política. 147 Gerratana dividiu os textos dos Quaderni del carcere em textos de tipo A (primeira redação), tipo C (segunda redação) e tipo B (única redação). As datas prováveis do período de produção de cada caderno auxiliam na tarefa de demonstrar o tempo de desenvolvimento das reflexões gramscianas.

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“consenso”, e as duas faces do poder do autor estadunidense, o “poder brando” e o “poder duro”. A literatura sobre o tema nos oferece uma série de autores que reconhecem tal semelhança, porém em graus distintos. Os primeiros autores aqui retratados adotam a postura de demonstrar somente que os conceitos de Nye não são originais, apontando a anterioridade de Gramsci. É o caso de Ferreira (s/d) e sua análise do poder brando enquanto conceito-chave na avaliação da política externa estadunidense, que aponta: Não obstante, apesar do seu pioneirismo nas análises das relações internacionais, a ideia central que gira em torno desse conceito [poder brando] não é nova na ciência política. Antonio Gramsci, ao discorrer sobre a noção de hegemonia, explicou que esta se exerce pela combinação da força e do consenso, “sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria (...)”. (GRAMSCI, 2000, p. 95). O próprio Nye afirma que a ideal de se determinar o arcabouço do debate político já tinha sido discutida anteriormente por Gramsci. (p. 5)

Manifesta-se em termos semelhantes Mercer (s/d) ao chamar a atenção para a necessidade de um retorno à Gramsci e sua forma de abordar a cultura, afirmando que a pertinência desse se justifica justamente no momento em que o conceito de poder brando – símile de Gramsci – está em auge. De modo semelhante, também Li e Hong (2012) evidenciam o poder brando como uma das “palavras-chave” dos anos recentes, mas destacam que tal conceito não é absolutamente novo, evidenciando que há meio século antes de Nye, Gramsci já se debruçava sobre a questão da cultura (um dos componentes do poder brando) ao tratar da hegemonia. Há também entre os comentadores uma segunda postura, que procura demonstrar não apenas a anterioridade das ideias de Gramsci em relação a Nye, mas também que tais ideias serviram em realidade de substrato teórico e exerceram influência direta na sistemática de poder do autor estadunidense. É o que propõe Eustáquio (s/d) em texto que procura avaliar o paradigma gramsciano como fonte da teoria do poder brando, no qual encontramos que: se nos afigura fundamental para o processo de indagação das fontes da teoria do soft power: a leitura crítica do materialismo marxista feita pelo filósofo político italiano Antonio Gramsci (1891-1937) consubstanciada na teoria da hegemonia, que retoma e aprofunda algumas linhas do pensamento de Lenine (187-1924). (p. 2)

O mesmo autor conclui após desenvolvimento de seu texto a validade de sua argumentação, isto é, que “importa reconhecer que o paradigma gramsciano apresenta-se como uma das fontes inspiradores mais relevantes do soft power à margem da arquitectura tradicional do debate assente nas clivagens entre a escola liberal e realista” (pp. 07-08)

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Todavia, é em Ramos e Zharan (2006) que encontramos texto de maior envergadura metodológica e teórica a respeito da influência do pensamento de Gramsci em Nye. O trabalho aqui apresentado coaduna-se com muitas das proposições realizadas pelos autores, principalmente no que tange à afirmação de que a relação das ideias de Nye com Gramsci se deu a partir da leitura empreendida por Nye do teórico canadense Robert Cox (p. 03) e que será evidenciada na subseção que tratará das críticas metodológicas aos conceitos do autor estadunidense148. O argumento dos dois autores consiste em demonstrar que o conceito de poder brando e o conceito gramsciano de hegemonia referem-se igualmente aos mesmos preceitos, isto é, “a um conjunto de princípios gerais, idéias (sic), valores ou instituições; compartilhados, consentidos ou considerados legítimos por diferentes grupos; mas que ao mesmo tempo são recursos de poder, influência ou controle de um grupo sobre outro” (Idem, p. 6). Ramos e Zharan destacam também a relutância de Nye em discutir ou afirmar explicitamente a influência do autor italiano em seu pensamento, fato que é evidenciado pela ausência de debate no livro de Nye sobre o poder brando, Bound to Lead (1990d), com os autores gramscianos ou neogramscianos na discussão sobre hegemonias e transições de poder justamente no período histórico onde tais autores ampliam a discussão sobre tais conceitos (Idem, pp. 03-04). Em suma, intentamos nessa seção demonstrar e fundamentar a relação entre a sistemática de poder de Nye e as ideias do pensador italiano Antonio Gramsci. Assume-se aqui que é factível a relação entre os dois conceitos e a compreensão de tal relação será fundamental para o entendimento das críticas realizadas nas seções seguintes. Afirmaremos, junto com outros autores, que é de uma apropriação incompleta dos pressupostos do autorprisioneiro que residem as imprecisões metodológicas de Nye, imprecisões estas que se manifestam também na caracterização do poder cibernético, tema deste trabalho.

5.2 A sistemática de poder em Nye: intangibilidade e vagueza Começaremos essa seção numa análise mais detida à sistemática de poder cunhada por Nye. A partir da argumentação que leva em conta a relação de influência da obra de Gramsci

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Um dos exemplos de que Nye faz uma leitura indireta e viesada de Gramsci por intermédio de Cox pode ser encontrada em NYE, 1990f: p. 182.

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em Nye apontamos para uma apropriação incompleta do primeiro pelo segundo, isto significa dizer que o autor estadunidense ao tratar da questão do poder e, principalmente, do poder brando não consegue propor um conceito que dê conta da análise da realidade como o conceito gramsciano o faz. Tal constatação leva em consideração a separação que o autor de Soft Power faz do poder em duas faces e da falta de teorização a respeito da tangibilidade dos recursos de poder. Avançaremos na discussão desses dois pontos a seguir. A respeito da primeira constatação, destacamos em Nye uma tentativa de estabelecer uma separação entre as faces do poder, dividindo-o em poder duro, relacionado aos modos mais tradicionais de emprego, como a força militar e as constrições econômicas, e em poder brando, relacionado com habilidades de persuasão, atração e aquiescência. Apesar da ampla utilização do conceito de “poder brando” no campo de estudos das Relações Internacionais, levando a uma certa cristalização do mesmo na disciplina, aferimos, junto com outros comentadores (RAMOS & ZHARAN, 2010), que muitas vezes o sistema de poder desenhado por Nye manifesta-se ambíguo e vago. A própria proposta metodológica do autor, de preconizar uma análise atenta à face comportamental da manifestação do poder e não somente às fontes de poder, carece de ferramentas que auxiliem esse objetivo, isto é, Nye não nos fornece nenhuma ferramenta metodológica ou teórica que permita discernir um comportamento de poder duro e um comportamento de poder brando, pelo contrário, o autor reserva-se apenas em exemplificar historicamente suas proposições. Isso implica que não há, a partir do esquema teórico desenvolvido por Nye, uma possibilidade de estabelecer metodologicamente o poder duro e o poder brando dentro de uma análise a não ser pela submissão dos casos reais à aproximações dos exemplos utilizados pelo autor buscando encontrar similaridades. E é essa necessidade de aproximação com os exemplos do autor que nos leva diretamente a outro problema da utilização dos termos do mesmo: o alto nível de subjetividade em considerar se um determinado comportamento representa um poder duro ou um poder brando. Isso se dá, quando ao mesclar definições e afirmar que a diferença entre o poder brando e o poder duro é uma questão de grau149, o autor deixa implícita na leitura a necessidade de subjetividade em determinar qual comportamento se manifesta na utilização de determinados recursos.

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Ver: seção 3.1.1.

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A questão da intangibilidade também cumpre a função de abrir mais lacunas não preenchidas pelo autor. Ramos e Zharan (2010) demonstram em seu artigo que Nye opta por não estabelecer a definição do que entende por tangibilidade em suas obras (lançando mão apenas de exemplos, como de costume). Essa opção acaba por ampliar as imprecisões dos conceitos de poder brando e poder duro, uma vez que Nye intenta associar o poder duro aos recursos tangíveis e o poder brando aos recursos intangíveis, sem demonstrar o que compreende por tangibilidade. Mais uma vez, notamos nesses casos a necessidade de preencher as lacunas dos conceitos do autor com a subjetividade. Outro ponto também se torna importante: a questão da dependência ou não de um poder sobre o outro. Já vimos acima o modo como o autor estabelece a não dependência do poder brando ante o poder duro150. Ramos e Zharan (Idem) apontam mais uma vez que essa forma de argumentação implica que a obra do autor não é capaz de minimizar o problema central: em todos os exemplos, a necessidade do poder duro ou dos recursos de poder duro estão presentes151. Tal fato significa uma grande dificuldade na própria utilização autônoma do poder brando, isto é, coloca-se em questão, ao discernir que as lacunas do autor apontam para uma dependência do poder brando ante o poder duro, a própria efetividade do poder brando e sua possibilidade de emprego. Observamos que tal problema descende da relação de independência entre poder duro e poder brando e que tal relação não condiz com a caracterização de um dos teóricos que – como já afirmamos anteriormente – influenciaram o pensamento de Nye, a saber, o pensador Antonio Gramsci152. Depreendemos disso que as proposições de Nye consistem numa apropriação equivocada das categorias de Gramsci. Ao tentar discernir e separar o poder duro (coerção) do poder brando (consenso) e colocar o peso de sua análise centrado no poder brando e de sua importância na política internacional, o autor estadunidense incorre numa

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Por exemplificação, ver: página 48. “No entanto, em todos os exemplos dados por Nye a utilização dos recursos de poder duro nunca está ausente. Operações de manutenção da paz podem ser legítimas, justificadas e prosseguidas com intenções altruístas, elevando o poder brando de um Estado. No entanto, as operações devem ser conduzidas com tropas no chão e quantidades substanciais de dinheiro, ambos recursos de poder duro.” (RAMOS E ZHARAN, 2010, p. 19, tradução nossa). Original: “However, in all examples given by Nye the use of hard power resources is never absent. Peacekeeping operations can be legitimate, justified and pursued with altruistic intentions, raising a state’s soft power. Nevertheless, the operations must be conducted with troops on the ground and substantial amounts of money, both hard power resources.” 152 Apesar de reconhecer a influência de Antonio Gramsci apenas em um de seus livros teóricos, é observável que a esquemática de poder de Nye possui grandes influências do autor, como afirmamos na subseção 4.1. Ver também: RAMOS & ZAHRAN, 2006; 2010. 151

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imprecisão metodológica ao negar a relação de indissociabilidade e dependência dos conceitos originais. Tal problema se manifesta, por exemplo, na exortação que o autor faz do poder brando. A ênfase demasiada nos aspectos que numa visão gramsciana fazem parte de um consenso, leva a incompreensão da realidade em termos orgânicos: a hegemonia carrega dentro de si a coerção e o consenso, a separação entre ambos é possível apenas metodologicamente e não organicamente. Isso nos leva a concluir que “Na medida em que ignora a hegemonia, Nye cria a ilusão de um aspecto de poder brando que poderia existir em si apenas pelo consenso, ignorando a realidade social permeada por mecanismos intrínsecos de coerção.” (RAMOS & ZAHRAN, 2006, p. 22) Observamos desse modo que o autor falha em tentar separar as partes do Centauro. Visto isso, propomos que a incompreensão de Nye das categorias gramscianas que culminaram nas imprecisões e lacunas metodológicas dentro da esquemática poder brando/poder duro derivam, em certa medida, do próprio contato do autor estadunidense com a obra de Gramsci por meio das apreensões de Cox. Tal argumento se apoia, de um lado, na afirmação de Ramos e Zahran (2006, p. 03) de que Nye entrou em contato com Gramsci por meio de Cox e, por outro lado, nas proposições de Passos (2015) que sustentam haver mais pontos de distanciamento do que de aproximação entre os escritos de Cox e uma interpretação mais acurada de Gramsci. Para Passos o canadense propositor da “Teoria Crítica” incorre em falhas interpretativas no trato da obra gramsciana. Tais falhas marcam, segundo Passos (idem), a diferença entre a perspectiva gramsciana e a perspectiva adotada por Cox e se referem: a) a desconsideração explícita da sua filiação à teoria crítica de Horkheimer e a justaposição com categorias de Gramsci, portador de um estatuto epistemológico diferente daquele do filósofo alemão; b) a diferenciação entre as distintas temporalidades de nacional e internacional na visão gramsciana e o caráter transnacional de vários fenômenos na acepção coxiana; c) o caráter da sociedade civil e do bloco histórico na perspectiva da Gramsci e seu caráter generalizadamente transnacional na acepção coxiana; d) a aproximação de forma indireta entre Cox e a leitura hegemônica do PCI na apropriação do pensamento de Gramsci; e) o caráter eclético subjacente à concepção histórica coxiana por oposição ao historicismo absoluto gramsciano fundado em perspectiva da autossuficiência do materialismo histórico. (s/p)

Desse modo, sugerimos que o contato realizado por Nye, de um lado com as deturpações sofridas ao longo do tempo da obra gramsciana e, por outro lado, pelo intermédio de Cox incorreu em vulgarizações das proposições originais do autor sardo, de modo que tais

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se manifestam nas imprecisões metodológicas na definição dos conceitos de “poder brando” e “poder duro”. Apontamos que essas lacunas conceituais acima apresentadas implicam, portanto, que o esquema de poder desenhado por Nye em 1990 e aperfeiçoado ao longo dos anos não consegue fornecer um painel teórico e metodológico completo e, muitas vezes, tais ambiguidades e vaguezas de definição implicam que um exame acurado da realidade pode encontrar dificuldades em determinar recursos e comportamentos como sendo duros ou brandos e, mais difícil ainda, discernir entre o real efeito de cada um deles. Isso torna compreensível quando o próprio autor reconhece que as análises de fatos políticos que levem em consideração tais conceitos devam ser empreendidas mais facilmente ex post (NYE Jr, 2012b).

5.3 Uma definição de poder cibernético? A pergunta que dá nome a essa subseção faz-se pertinente. Conforme demonstramos nesse mapeamento, o conceito de poder cibernético passa a ser desenvolvido por Nye e assume importância em sua obra a partir da publicação de Cyberpower em 2010. Desde então, o autor tentará especificar esse conceito em obras posteriores, principalmente em dois textos mais importantes: o artigo Nuclear Lessons for Cyber Security? (2011b) e o livro The Future of Power (2011c, 2012b). Todavia, não encontramos, em nenhum desses textos, uma definição inequívoca de “poder cibernético”. Como já observamos, o autor confunde em suas obras a definição do poder cibernético, por um lado, enquanto apenas um poder de domínio, isto é, como um poder que se relaciona com determinado domínio do espaço como água, terra, ar, ciberespaço; e por outro lado, enquanto uma fonte de poder, como o poder militar e o poder econômico. Isso implica que o leitor não consegue estabelecer uma definição precisa do poder cibernético e cai em ambiguidades que prejudicam a compreensão da teoria, assim como acontece com os conceitos de poder duro e poder brando. É devido a isso que, ao não permitir uma compreensão inequívoca do poder cibernético enquanto um recurso de poder somente, o autor não permite o estabelecimento de uma ligação mais direta do poder cibernético com uma face do poder, isto é, se o poder cibernético estaria mais ligado ao poder duro (como o poder econômico e o poder militar) ou

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ao poder brando (como as fontes de poder brando). Essa falta de ligação impede que se assuma a importância de uma ou outra camada dentro do ciberespaço e impede também que o conceito seja especificado em relação a sua tangibilidade. Outro problema do conceito de poder cibernético reside no fato de que o autor não deixa claro ao leitor, em nenhum momento, assim como o faz com a questão do poder brando e do poder duro, se há alguma relação de dependência entre o poder cibernético e o poder duro, isto é, se há ou não a necessidade de apoio do poder duro (tangível) para o desempenho do poder cibernético, assim como se nota na questão do poder brando. Além disso, não é informado ao leitor se há ou não a capacidade de exercício deste poder cibernético apenas em bases de comportamento branda. Tais problemas, apresentados na definição do conceito de poder cibernético, associados a uma sistemática de poder com lacunas conceituais, como discernimos na seção anterior, implicam que o conceito do autor nesse caso acaba também por encontrar dificuldades de aplicação e definição na análise da realidade. Compreendemos que apesar das tentativas de discernir uma nova tendência dentro das Relações Internacionais, isto é, discernir a emergência de um poder cibernético, o autor incorre nos mesmos problemas conceituais que apresenta em outras partes de sua teoria. Ao não solucionar as lacunas que envolvem os conceitos de poder duro e poder brando, Nye acaba por transportar tais lacunas também para o conceito de poder cibernético. Além disso, apontamos a dificuldade de teorização do ambiente cibernético como um fator complicador. Apresentamos como peculiaridade do conceito de “poder cibernético” sua configuração mais intangível entre todas as categorias relacionadas ao poder, não somente pela amplitude de seu alcance e dificuldade de sua mensuração quantitativa, como também pelos inúmeros instrumentos de controle relacionados prática e potencialmente ao âmbito do espaço cibernético e diretamente ligados à própria condição volátil do ambiente cibernético, sempre sujeito às mudanças tecnológicas. Desse modo, pela própria dinâmica de virtualidade e de expansão do ambiente do ciberespaço – graças ao sistema híbrido como discernido na seção 3.4 – aferimos no conceito de poder cibernético o caráter de maior intangibilidade dentre todos os outros conceitos aqui trabalhados. Tal característica consiste então num desafio para a teorização de um objeto de estudo assim qualificado.

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5.4 Democracias e revolução da informação. A penúltima seção deste capítulo consiste numa rápida síntese que coloca em questão a relação benéfica e inequívoca das democracias com a revolução da informação. A visão liberal do autor propõe que as democracias liberais, ao estarem melhor associadas com a livre circulação de ideias e à liberdade de expressão, serão aquelas sociedades melhores dotadas para empreender e liderar a revolução da informação e que não sendo seriamente ameaçadas por esse novo fenômeno das relações internacionais. De modo oposto, as sociedades autocráticas terão, segundo o autor, maiores dificuldades em lidar com a revolução da informação, principalmente no controle exercido pelos governos ante a informação, uma vez que o barateamento e popularização das tecnologias de comunicação implicariam no aumento dos custos de vigilância e censura. Compreendemos que tais associações podem ser logicamente atribuídas, mas que essa relação não é perfeita. A revolução da informação, enquanto um fenômeno que alterará profundamente as relações internacionais atribuindo complexidade às mesmas, apresenta desafios para as democracias, principalmente no que tange ao livre fluxo de informação, do mesmo modo que pode permitir aos governos autocráticos novas formas de controle. Como alguns acontecimentos recentes demonstram, as democracias também são ameaçadas em certo ponto pelo imenso fluxo de informação criado pela revolução nas comunicações, fruto de que muitos âmbitos do Estado moderno ainda encontram-se opacos e poucos permeáveis ao controle popular. Os vazamentos de dados secretos do serviço de inteligência dos Estados Unidos em 2013 revelaram um complexo sistema de espionagem em massa empregado pela maior democracia liberal do mundo, não somente contra seus próprios cidadãos, mas também contra cidadãos de outros países, incluindo membros de governo e até chefes de Estado. Além disso, os escândalos envolvendo a divulgação de informações diplomáticas confidenciais de diversos países democráticos pelo site Wikileaks demonstram também que essa complexidade de relacionamento não é inequívoca. Do outro lado, alguns governos de sociedades não baseadas no modelo democrático liberal revelam esforços satisfatórios em restringir a informação e os efeitos de seu livre fluxo, utilizando formas coniventes em atingir seus objetivos. Isso nos dá a constatação de que nem sempre a revolução da informação fornecerá meios para incentivar a democratização das

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sociedades e que inclusive, os avanços empreendidos pelo fenômeno da revolução da informação podem ser utilizados para o controle centralizado das populações, como sugere o Projeto Escudo Dourado, responsável pelo “Grande Firewall da China”, que restringe a navegação da Internet aos usuários chineses. Enfim, compreendemos que o autor comete excessos em destacar a relação apenas benéfica da revolução da informação e as democracias. Apontamos, de modo oposto, que a tecnologia em si não possui uma face democrática e tampouco uma face autoritária, sua instrumentalização lhe confere esse caráter. A complexidade que a revolução da informação traz revela uma multiplicidade de relações entre os Estados, suas coletividades internas e suas relações internacionais. Os impactos da revolução da informação trarão para os governos a necessidade de avançar na tarefa que concordamos com Nye: a redefinição de seus papéis num mundo permeado por novas tecnologias – sejam eles democráticos ou não.

5.5 A homogeneização transnacional, o poder monolítico e o poder cibernético Essa seção tem por objetivo ampliar a crítica até aqui empreendida, estabelecendo pontos de discussão futuros. Partindo da obra gramsciana intentaremos demonstrar como certos pontos da perspectiva liberal presentes em Nye – e, de certo modo, também em Cox – acabam por oferecer uma imagem monolítica do poder ao desconsiderar o desenvolvimento desigual e combinado (DDC) do capitalismo e como tal concepção reverbera dentro do conceito de “poder cibernético”. Para tal, iniciaremos a discussão a partir de uma recuperação do significado do DDC e como essa perspectiva se relaciona com a própria característica ontológica das relações internacionais. Após isso, demonstraremos de que modo a perspectiva transnacional – adotada por Nye e Cox – desconsidera a existência de distintas temporalidades no plano internacional e como tal perspectiva influencia o conceito de “poder cibernético”. Encontramos em Rosenberg (2016) grande auxílio na tarefa de empregar a perspectiva do DDC do capitalismo como ferramenta explicativa para as relações internacionais contemporâneas. A argumentação do autor consiste em demonstrar que a disciplina de RRII encontra-se “presa” ao caráter ontológico da Ciência Política. Para Rosenberg tal situação acaba por minar a capacidade de desenvolvimento das RRII, manifestado pela falta de

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“grandes ideias” na área (ideias que, desenvolvidas dentro da área, possibilitariam o diálogo com outros campos de estudo153). A alternativa, propõe Rosenberg, seria repensar o caráter ontológico da disciplina a partir da consideração de que o traço característico fundamental da organização humana ao redor do globo é a fragmentação, isto é, a existência humana se dá numa multiplicidade de instâncias, independentemente das formas que tome; aqui foca-se no caráter fragmentário político e sociológico da humanidade: “não importa o quanto giramos e viramos isso em nossas mãos, o mundo ‘internacional’ sempre acaba por pressupor a mesma circunstância básica, a saber, que a existência humana não é unitária, mas múltipla” (Idem, 2016, p. 09, tradução nossa)154. A partir dessa visão, Rosenberg propõe uma perspectiva que se coaduna com a base ontológica brevemente descrita: o DDC do capitalismo. Tal perspectiva remonta ao pensamento de Leon Trotsky (1977) - contemplada por outros autores de tradição “marxista”, como Gramsci - e debruça-se sobre a problemática da existência de Estados que a partir do desenvolvimento e expansão imperialista dos países capitalistas ocidentais se viam numa condição histórica peculiar: de um lado, tal expansão significou uma “chicotada de necessidade externa”, os que não resistissem e se adequassem ao novo padrão seriam consumidos pelas potências; por outro lado, esses Estados possuíam a capacidade de se desenvolver a partir da importação das máquinas e processos gerenciais que foram desenvolvidos no Ocidente sem, entretanto, passarem pelo lento e vagaroso processo que os pioneiros passaram. Isso significou a combinação entre as diferentes sociedades em coexistência. Essa combinação leva à formação de estruturas sociais altamente diversas dos arquétipos “Ocidental” e “Oriental” preconizados por Marx, criando sociedades onde a junção do velho e do novo são a marca155 (Idem).

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Rosenberg aponta que áreas como a Geografia e a Literatura contribuem com as Relações Internacionais em pontos como a Geopolítica e a abordagem pós-colonial. Entretanto, a recíproca não ocorre: as Relações Internacionais não “retribuem tal visita”, não contribuindo para estas outras disciplinas, outro ponto que denota sua “prisão na Ciência Política”. 154 Original: no matter how much we twist and turn it in our hands, the word ‘international’ always ends up presupposing the same basic circumstance, namely, that human existence is not unitary but multiple. 155 DIAS (1996b) ao discutir tal situação dentro do Brasil, clarifica essa perspectiva: “É pela ocidentalidade que se perpetua a orientalidade. A orientalidade é, contudo, a parteira da ocidentalidade, da modernidade. Modernidade que se revela na sua plenitude: atualização do projeto capitalista. Projeto este que, pelo menos, no Brasil, o tipo de ocidentalidade vigente necessita permanentemente da orientalidade. “Modernidade” (ocidentalidade) e “atraso” (orientalidade) são, pois, absolutamente inseparáveis e necessários um ao outro por mais paradoxal e contraditório que pareça” (p. 119). Ainda a título de esclarecimento, as perspectivas gramscianas de “Oriente” e “Ocidente” usadas por Dias são metáforas e nada tem a ver com a perspectiva

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Rosenberg extrapola a ideia do DDC a partir do próprio Trostky que afirma ser a desigualdade “a lei mais geral do processo histórico” (TROTSKY, 1932 apud ROSENBERG, 2016, p. 17, tradução nossa)156 e demonstra empiricamente tal proposição: propõe-se a analisar um retrato do mundo em 1530, demonstrando as diferentes formas de organização social e a interação entre essas formas existentes ao redor do globo na época. Outros exemplos são dados retornando até mesmo às relações humanas da pré-história: o processo pré-histórico de estratificação social que criou as primeiras organizações paraestatais estavam vinculados com as interações (de violência e troca) entre comunidades assentadas e seus vizinhos. Na aurora da história humana, o desenvolvimento desigual e combinado antecede e parcialmente gera a emergência do “político” (e, portanto, também do “geopolítico”). Por que ir tão longe? O que todos esses exemplos nos contam? Primeiro, eles nos contam que Trostky estava certo: o desenvolvimento desigual e combinado realmente é um universal na história humana, e deveria, por isso, ser sempre parte do nosso modelo básico da realidade social (ROSENBERG, 2016, p. 19, tradução nossa) 157

Observamos que a perspectiva do DDC é contemplada na obra de Gramsci a partir de uma metodologia que permite inserir a discussão dos elementos da Ciência Política numa análise que os situem: nos vários níveis da relação de forças, a começar pela relação das forças internacionais (onde se localizariam as notas escritas sobre o que é uma grande potência, sobre os agrupamentos de Estados em sistemas hegemônicos e, por conseguinte, sobre o conceito de independência e soberania no que se refere às pequenas e médias potências), passando em seguida às relações objetivas sociais, ou seja, ao grau de desenvolvimento da forças produtivas, às relações de força política e de partido (sistemas hegemônicos no interior do Estado) e às relações políticas imediatas (ou seja, potencialmente militares). (GRAMSCI, 2000, Q13 §2, pp. 1920).

É a questão colocada por Gramsci – e perdida de vista pela tradição liberal de Nye – sobre a relação entre o internacional e as relações sociais fundamentais, no qual o internacional “indubitavelmente segue” as relações sociais fundamentais, mas “reage passiva

eurocêntrica normalmente empregada no significado de tais termos. Respectivamente, significam sociedades civis menos complexas e sociedades civis mais complexas, sem nenhuma conotação evolucionista ou fatalista. A sociedade civil na acepção gramsciana (ligada organicamente ao Estado e, por isto, passível também de ser o lócus da força e não somente do consenso como normalmente se define) seria a estrutura em termos marxianos, a base onde ocorre o conjunto dos conflitos de toda ordem, onde se situam os aparatos privados de construção da hegemonia, escolas, associações, sindicatos, igrejas, mídia, movimentos sociais, partidos etc. É preciso esclarecer ainda que a noção de Oriente e Ocidente de Marx não é a de Gramsci nem a de Dias. 156 Original: ‘Unevenness’, he [Trotsky] says at one point, ‘is the most general law of the historic process’. 157 Original: Does it stop even there? Arguably, the prehistoric processes of social stratification that created the first state-like organizations were bound up with interactions (of violence and exchange) between settled communities and their neighbours. At the dawn of human history, uneven and combined development antecedes and partly generates the emergence of ‘the political’ (and hence also ‘the geopolitical’) itself. Why go back so far? What do all these examples tell us? First, they tell us that Trotsky was right: uneven and combined development really is a universal in human history, and should therefore always have been part of our basic model of social reality.

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e ativamente sobre as relações políticas (de hegemonia dos partidos)” (GRAMSCI, 2000, Q 13, § 2, p. 20). Implicado que uma análise de relações internacionais não pode desconsiderar o fato de que no interior dos Estados existem coletividades em constante embate pela hegemonia, não podemos observar o Estado como um ente monolítico, reificado. Aqui, a categoria de “Estado integral” evidenciada anteriormente é elucidativa e extrapola a visão liberal presente em Nye. Longe de conceber o Estado “como uma coisa em si, como um absoluto racional” (GRAMSCI, 1975, Q1§150, p. 133, tradução minha)158 a categoria de “Estado integral” reconhece, de modo orgânico, a união-distinção entre uma sociedade civil e uma sociedade política, como vimos na famosa síntese de: “Estado = sociedade política + sociedade civil, hegemonia encouraçada de coerção” (Idem, Q6§88, p. 763-764, tradução nossa)159. Isso permite concluir que os cálculos “de poder” a nível nacional devem levar em conta as distintas coletividades internas aos Estados. Já no âmbito internacional, visto que o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo global implica que “nações individuais não podem estar no mesmo nível de desenvolvimento econômico ao mesmo tempo” (GRAMSCI, 1919 apud MORTON 2007, p. 01, tradução nossa)160, o poder não se manifesta de forma homogênea. Devemos, portanto, nos atentar às questões das temporalidades e aos modos em que a influência internacional é internalizada pelo Estado (MORTON, 2007). Assim a “análise das relações de força” abrange a questão do DDC ao conceber que “estas relações internas de um Estado-Nação entrelaçam-se com as relações internacionais, criando novas combinações originais e historicamente concretas.” (GRAMSCI, 2000, Q13 §17, p. 42) E a análise aprofunda-se, uma vez que mesmo dentro do lócus de um EstadoNação em específico existem “várias seções territoriais com estruturas diferentes e diferentes relações de força em todos os graus” (idem). A preocupação que a perspectiva do DDC traz para as análise das relações internacionais é a consideração de distintas temporalidades ao redor do globo. As relações entre os diferentes Estados (e suas coletividades internas) são marcadas por disparidades. Nessa forma de análise, preconizar o discurso transnacional é incompatível com tal realidade, pois o “transnacional” pressupõe a ideia de um globo interconectado, globalizado, permeado

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Original: Lo Stato è concepito come una cosa a sé, come un assoluto razionale. Original: Stato = società politica + società civile, cioè egemonia corazzata di coercizione. 160 Original: Capitalism is a world historical phenomenon and its uneven development means that individual nations cannot be at the same level of economic development at the same time. 159

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por uma uniformidade institucional. Nye compartilha dessa perspectiva transnacional e mesmo sua caracterização mais complexa sobre o poder esbarra nessa questão. Nye exorta um poder brando, reificado, monolítico, centrado em aspectos culturais e em “valores de atração” universais. Todavia: Os adjetivos “global” e “universal” não são equivalentes. Sugerir respostas universais para problemas globais pode significar apenas esconder as relações particulares de injustiça, as identidades particulares constituídas nesse relacionamento e ratear os mesmos direitos e obrigações entre perpetradores e vítimas (JAHN, 1998, p. 638)

Tais ideias são facilmente extrapoladas para a dimensão do ciberespaço. Esse ambiente representa a perspectiva do DDC de forma ainda mais aguda. Uma vez que os desenvolvimentos tecnológicos que deram início à revolução da informação estão ligados ao próprio modo de produção capitalista observamos a reprodução das disparidades do mundo real no mundo virtual. Nesse contexto pensar o ciberespaço consiste também em pensar as temporalidades presentes nesse novo ambiente. Enquanto a penetração da internet – porcentagem da população com acesso à Internet – na América do Norte era de 78,32% em 2011, na América Latina e Caribe era de 36,15% e na África de apenas 11,43% (CHOUCRI, 2012, p. 56). Isso demonstra que o ciberespaço não é homogêneo, as distintas clivagens de acesso acabam por gerar um ambiente também desigual. A estratégia cibernética de propagação de ideias por meio de redes sociais terá diferentes temporalidades de desenvolvimento entre um local onde apenas grupos dirigentes acessam a Web e um local onde o Facebook é popular entre as massas. Isso implica que o “poder cibernético” também não pode ser pensado de forma homogênea. Seu exercício e capacidade são condicionados pelo próprio DDC do capitalismo e, consequentemente, do ciberespaço. Parafraseando Rosenberg (2016), a análise sob a ótica do DDC pauta a existência de múltiplas sociedades e múltiplas interações. Com tal pressuposto, não se pode restringir a avaliação do ciberespaço permeada somente pelas questões tradicionais das Relações Internacionais focadas na Ciência Política, na Segurança com enfoque estritamente militar e um foco nos Estados, nas suas capacidades de poder na arena internacional e sua inserção pautada por uma perspectiva temporal homogênea e unilinear. Em síntese, essa seção teve por objetivo principal apresentar um ponto de crítica e de promissor desenvolvimento. Mirar o ciberespaço sob uma ótica que contemple os pressupostos do DDC permite análises que escapem à discussão de “poder” monolítico das interpretações liberais de RRII. O “poder cibernético” insere-se dentro de uma dinâmica

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maior e portanto deve ser trabalhado a partir de pontos que contemplem essa dinâmica no qual as clivagens de acesso e as disparidades de capacidades são representativos.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse trabalho consistiu numa tentativa de oferecer ao leitor três objetivos principais: 1) acompanhar o desenvolvimento dos conceitos de “poder cibernético” e “revolução da informação” ao longo da obra de Joseph S. Nye Jr; 2) discernir a sistemática de poder empregada por esse autor e localizar os dois conceitos dentro dessa esquemática, revelando generalidades e peculiaridades; e, por fim, 3) fornecer, de forma ainda seminal, críticas a alguns pontos de sua obra, principalmente nos aspectos teóricos e metodológicos. Observamos, no primeiro capítulo, que o conceito de revolução da informação passa ao longo da década de 1990 de uma situação periférica dentro das análises para uma posição mais central, explicando uma série de mudanças vivenciadas pelo autor e fornecendo expectativas quanto aos seus desdobramentos futuros. É nesse sentido que as obras datadas a partir de 2001 posicionam a “revolução da informação” enquanto um conceito central e cristalizado. Muitas das proposições são desenvolvidas a partir do entendimento de que a revolução da informação dita e ditará muitas das transformações que alterarão a complexidade das relações internacionais. Notamos então um papel protagonista desse conceito dentro da teoria do autor e de grande influência dentro de sua sistemática de poder, uma vez que provocará a emergência do poder brando, intensificará o fenômeno da difusão do poder e alterará profundamente o papel da liderança dos Estados Unidos. Importante ressaltar, como já dissemos anteriormente, que é na revolução da informação que Nye encontrará apoio argumentativo para a tarefa de exortar a importância e pertinência do poder brando na discussão teórica das Relações Internacionais, visto que é através do processo da revolução da informação que a importância do poder brando será agudizada. Já quanto ao conceito de poder cibernético, observamos que Nye intenta, a partir de 2010, avançar na discussão dessa temática e que a mesma não se encontra desenvolvida por completo. As ambiguidades e lacunas expressas nos conceitos de “poder brando” e de “poder duro” se transportam para o conceito de poder cibernético somando-se a uma definição imprecisa e ainda seminal do mesmo. Demonstramos e fundamentamos, no quinto capítulo, a pertinência do argumento que traz a relação entre Joseph S. Nye Jr e seus conceitos de “poder brando” e “poder duro” com o

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conceito de “hegemonia” proposto por Antonio Gramsci em seus cadernos carcerários. Aferimos que muitas das imprecisões metodológicas dos conceitos tratados pelo autor estadunidense descendem dessa relação imprecisa. Ademais, propomos o argumento que vê na apropriação de Gramsci por Nye, por meio das obras deturpadas do autor sardo e da interpretação de Cox, a raiz dessas imprecisões, apoiados na argumentação de Passos (2015) sobre a relação do próprio Cox com Gramsci. Ainda no quinto capítulo, na última subseção contribuímos com o debate sobre o “ciberespaço” e o “poder cibernético” a partir de ideias que levam em conta a perspectiva do DDC do capitalismo global. Para nós, a utilização de tal perspectiva poderá contribuir para a teorização desse ambiente que expressa de modo tão agudo o fenômeno da desigualdade do desenvolvimento ao redor do globo. Uma concepção holista, crítica, é crucial para compreender um futuro “poder cibernético” sob bases reais e não reificadas. Concluímos, após todo o desenvolvimento deste trabalho, a pertinência dos estudos de caráter teórico e metodológico das teorias de relações internacionais. Acreditamos que estudos detidos e profundos sobre teorias – mesmo que já cristalizadas na disciplina, como a de Nye – são ferramentas essenciais para ensejar debates de maior caráter qualitativo sobre tais teorias.

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