A riqueza das nações e o QI Nacional

Share Embed


Descrição do Produto

Article on website Academia.edu

O QI Nacional e a Riqueza das Nações

Paulo Finuras, Ph.D. Independent Researcher

«Todas as teorias científicas que representem uma rutura e um avanço significativo são inicialmente contraintuitivas» Dennett

As causas da desigualdade no rendimento e riqueza entre nações são discutidas há pelo menos 250 anos. Já em 1748 Montesquieu na sua obra De L'Esprit des Lois propôs que os climas temperados foram sempre mais favoráveis para o desenvolvimento económico do que os climas tropicais e cerca de 30 anos mais tarde (1776), este mesmo problema foi discutido por Adam Smith na sua conhecida obra «A Riqueza das Nações», onde sugeriu que as capacidades da população de um país são o principal fator responsável pelas diferenças nacionais em termos da sua riqueza. Desde essas primeiras tentativas para analisar este problema, várias outras teorias têm sido avançadas. Destaco aqui três das principais, incluindo a mais recente e polémica de todas. Primeiro temos as «teorias climáticas e ambientais» (Andrew Kamarck, 1976) que defendem que os climas tropicais são desfavoráveis para o desenvolvimento económico porque o calor e a humidade reduzem a eficiência das capacidades de trabalho, prejudicam a produtividade da terra e proporcionam um ambiente favorável para doenças debilitantes. Isso explicará a diferença entre o que é chamado "Norte rico", com o seu clima temperado versus o " Sul pobre" com um clima predominantemente tropical. Nesta mesma linha, também Jeremy Diamond (1998) apresentou argumentos semelhantes sobre a importância crucial que os fatores climáticos e geográficos tiveram na «ascensão e queda» de muitas nações e civilizações. Em segundo lugar temos as «teorias dos fatores psicológicos e culturais» que defendem a importância das diferenças de atitudes, valores e motivações como principais fatores explicativos das diferenças

O QI Nacional e a riqueza das nações - Paulo Finuras, Ph.D. – Independent Researcher

nacionais em termos de riqueza. A primeira «grande teoria» deste tipo foi defendida por Max Weber (1904), para quem a ética de trabalho protestante explicava o mais rápido desenvolvimento económico do norte da Europa (protestante) em comparação com o Sul católico do século XVI em diante. Nesta linha de pensamento incluem-se mais tarde, primeiro, McClelland (1976) que propôs o conceito similar de «motivação para a realização», L. Harrison (1985) para quem o subdesenvolvimento é antes de mais um «estado de espírito» e ainda M. Grondona e C. Montaner (2000) com a «teoria das culturas propensas ao progresso versus culturas resistentes». Vários economistas, embora não corroborando especificamente estas teorias, acabam por simpatizar com este tipo de explicações e sugerem o que geralmente é denominado por «fatores culturais» como principais contribuintes para as diferenças nacionais no desenvolvimento económico. Nesta linha de argumentação, por exemplo, D. Landes (1998) defendeu também a importância da cultura no sentido dos «valores internos e atitudes que norteiam uma população». Finalmente, em terceiro lugar, temos a polémica «teoria do QI Nacional» de Richard Lynn e Tatu Van Hanen, que foi apresentada primeiro na sua não menos polémica obra intitulada IQ and the Wealth of Nations (2002), reeditada em 2006 e novamente atualizada em 2012. Neste trabalho defendem que as diferenças nos Quocientes de Inteligência (QI) das populações (o designado fator g dos países) são os principais responsáveis pela capacidade de produzir riqueza e são eles que explicam a diferença de rendimento entre as nações. Após uma exaustiva investigação aplicada a 185 países, defendem que embora se continue a argumentar habitualmente que «todas as pessoas de todos os países» têm o mesmo nível médio de inteligência (ou fator g) a verdade é que isso não corresponde nem às evidências nem à realidade investigada, mesmo que simpatizemos com a visão de Kofi Annan (2000) segundo a qual «a inteligência é como uma mercadoria igualmente distribuída entre as pessoas de todo o mundo». É sabido, em psicologia, que existem grandes diferenças nos níveis médios de inteligência entre diferentes nações. É tendo em conta essas diferenças e analisando a associação entre riqueza produzida e QI médio das populações que de R. Lynn e T. Van Hanen colocaram a hipótese segundo a qual, as diferenças nacionais na inteligência média das populações constituem um fator contributivo decisivo para as diferenças nacionais na riqueza dos países. Os dados parecem dar-lhes razão no sentido não só de haver uma correlação positiva como estatisticamente significativa. O facto de o apresentarem como «decisivo» é, naturalmente, discutível!

O QI Nacional e a riqueza das nações - Paulo Finuras, Ph.D. – Independent Researcher

As revisões da literatura têm mostrado que em relação à média padrão de QI 100 na Grã-Bretanha e dos Estados Unidos (com D.P de 15), as populações do norte da Ásia Oriental apresentam em geral um QI médio à volta de 105 e as populações da África Subsariana um QI médio de cerca de 70 (R. Lynn, 2012). e isto não tem a ver com raças mas com «geografia» e «evolução». Dada a correlação positiva e de forte magnitude entre o QI e o PIB per capita por eles apresentada (r = .623 n= 185 países) os autores defendem um nexo de causalidade entre o fator g médio das populações e a riqueza produzida. Por que motivo R. Lynn e T. Van Hanen defendem esta posição: primeiro, porque está bem estabelecido na psicologia que a inteligência é um determinante dos rendimentos ao nível dos indivíduos e, em segundo, porque vários estudos têm mostrado que a inteligência dos grupos sociais está fortemente relacionada com os seus rendimentos médios. Mas atenção. Não é a «cultura» que explica o fator g. Ele é explicado como o resultado de uma resposta humana às pressões adaptativas e terá evoluído em função das novas situações/problemas não recorrentes do nosso ambiente adaptativo ancestral. O Prof. Kanazawa (2004) da London School of Economics and Political Science, num brilhante artigo designado a «Inteligência Geral como uma adaptação de domínio específico» mostra com uma clareza iluminada como afinal a inteligência geral não é nem tão geral nem o resultado dos vários outros módulos adaptativos (as chamadas «inteligências dedicadas») como propunham outros cientistas (L. Cosmides, J. Tooby, 1992), no fundo, uma «exaptação». Trata-se sim, e antes, de «mais» um «módulo» que emergiu para responder às novas situações e problemas adaptativos que foram surgindo durante a nossa evolução. Assim, Kanazawa resolveu um dos maiores dilemas da psicologia evolucionista (PE) e da sociobiologia, mostrando que a visão modular do cérebro proposta pela Psicologia Evolucionista se mantém, essencialmente, correta. O que o Prof. Kanazawa defende no seu artigo é que aquilo que atualmente designamos por inteligência geral, ou fator g, evoluiu primeiro como uma adaptação de domínio específico na esfera da «novidade evolutiva» e, portanto, não terá sido «geral» na sua origem. Este tipo de inteligência só ganhou importância e tornou-se «geral», sustenta Kanazawa, (...) porque muitos elementos no ambiente natural (físico) evoluíram «rapidamente» embora grande parte do ambiente social se tenha mantido o mesmo».

O QI Nacional e a riqueza das nações - Paulo Finuras, Ph.D. – Independent Researcher

Uma vez que os nossos ancestrais passaram a esmagadora maioria do tempo da sua história evolutiva na África subsaariana, esta é evolutivamente mais familiar para o cérebro humano do que para o resto do mundo que é «evolutivamente mais novo». Portanto, e se a inteligência geral evoluiu como um meio para lidar com situações «evolutivamente novas», então a teoria prevê que ela deve evoluir mais rapidamente no resto do mundo do que no ambiente ancestral da África subsaariana. De resto, como refere ainda o próprio Kanazawa, os dados disponíveis parecem apoiar a sua argumentação segundo a qual as pessoas «mais inteligentes» podem resolver melhor problemas do que as pessoas «menos inteligentes» (em termos de fator g) se, e apenas se, esses problemas forem evolutivamente novos, não tendo essas mesmas pessoas nenhuma outra vantagem na resolução de problemas considerados evolutivamente familiares (aliás há estudos que mostram mesmo uma relação inversa: as pessoas com fator g mais alto por vezes apresentam dificuldades em resolver problemas incrivelmente mais simples mas que são evolutivamente familiares). É muito importante notar (para não haver interpretações erradas de leituras apressadas daquilo que escrevo e do que defendo do trabalho de Kanazawa) que as diferenças geográficas no QIs nacionais não são explicáveis pelas diferenças entre as «raças». Como o próprio Prof. Kanazawa indica, (…) há nações em grande parte negras fora da África subsaariana, principalmente nas Caraíbas e no Pacífico Sul, com QIs nacionais significativamente mais elevados do que aqueles na África subsaariana (68,8 vs. 80,5). (…). Segundo este cientista, a diferença é sobretudo geográfica e isto é perfeitamente consistente com a teoria da evolução da inteligência geral como uma resposta de «domínio específico» às pressões e problemas novos e não recorrentes durante a nossa evolução. Este fator g ter-se-á desenvolvido e disseminado universalmente na espécie humana porque começaram a surgir de forma recorrente problemas adaptativos que o exigiam cada vez mais. Que a capacidade de desenvolvimento e riqueza de um país seja, provavelmente, o resultado da confluência de todos estes fatores (ambiente, recursos e QI médio da sua população) parece-me fazer sentido. Afinal, tudo aquilo que conduziu à industrialização e à produção de riqueza dos países foram fenómenos completamente novos do ponto de vista evolutivo.

O QI Nacional e a riqueza das nações - Paulo Finuras, Ph.D. – Independent Researcher

Note-se que quando falo de um problema «novo» à escala evolutiva, falo de algo que pode ter 5000 anos ou mais, porque qualquer capacidade ou mecanismo psicológico evolutivo para resolver problemas adaptativos na nossa espécie, foi selecionado a uma escala de tempo filogenética pela nossa história evolutiva e não por qualquer capricho da natureza nem pela vontade particular de alguma população dentro da espécie. A razão do fator g se ter tornado progressivamente importante e universal para a nossa espécie deve-se simplesmente ao facto de todos nós, em geral, vivermos atualmente num mundo que do ponto de vista evolutivo é um «mundo novo»! Basta pensarmos no chamado «espaço virtual». Trata-se de um problema «novíssimo» a esta escala! Por que é se continua a insistir (erradamente) que a cultura tem a ver com a «inteligência geral»?

Referências (e sugestões para quem queira saber mais) Barkow, J. Cosmides, L., & Tooby, J. (1992). The adapted mind: Evolutionary psychology and the generation of culture. New York, NY: Oxford University Press. Diamond, J. (1998) Guns, Germs and Steel: A Short History of Everybody for the Last 13,000 Years. London: Vintage. Frank, A. (1996) The Underdevelopment of Development. In Singh C. Chew and R. A. Denmark (Eds) The Underdevelopment of Development. Essays in Honor of Andre Gunder Frank. Thousands Oaks: Sage Publications. Grondona, M. & Montaner, C. (2000). A Cultural typology of economic development. NY: Basic Books. Harrison, L. (1985). Underdevelopment is a State of Mind. NY: Basic Books Hoyos, C. & Littlejohns, M. (2000) Annan draws up road map to guide UN. Financial Times, 4 April, 16. Hoyos, C. & Littlejohns, M (2003). The Scientific Study of General Intelligence. Oxford: Pergamon Huntington, S. (2000). Culture matters, N.Y. Penguin Books Jensen, A. (1998). The g Factor. Westport, CT: Praeger Kamarck, A. (1976). The Tropics and Economic Development. London: The Johns Hopkins University Press. Kanazawa, S. (2010) “Evolutionary Psychology and Intelligence Research” by Satoshi Kanazawa, in American Psychologist; 65: 279-289 (2010) Kanazawa, S. (2004). The Savanna Principle. Managerial and Decision Economics, 25, 41–54. doi:10.1002/mde.1130

O QI Nacional e a riqueza das nações - Paulo Finuras, Ph.D. – Independent Researcher

Kanazawa, S. (2004). General intelligence as a domain-specific adaptation. Psychological Review, 111, 512–523. doi:10.1037/0033- 295X.111.2.512 Kanazawa, S. (2006). Why the less intelligent may enjoy television more than the more intelligent. Journal of Cultural and Evolutionary Psychology, 4, 27–36. doi:10.1556/JCEP.4.2006.1.2 Kanazawa, S. (2010a). Why liberals and atheists are more intelligent. Social Psychology Quarterly, 73, 33–57. doi:10.1177/0190272510361602 Kanazawa, S. (2010b) IQ and the Values of Nations, Psychology Today, May 2010 Kamarck, A. (1976) The Tropics and Economic Development: A Provocative Inquiry into the Poverty of Nations. Baltimore and London: The Johns Hopkins University Press. Landes, D. (1998) The Wealth and Poverty of Nations: Why Some Are So Rich and Some So Poor. New York: W.W. Norton & Company. Lynn, R., and Vanhanen, T. (2002) IQ and the Wealth of Nations. Westport, Connecticut: Prager. Lynn, R & Vanhanen, T. (2006). IQ and Global Inequality. Washington: Summit Publishers; USA Lynn, R., and Vanhanen, T. (2012) Intelligence: A Unifying Explanatory Construct for the Social Sciences, Richard Lynn, Montesquieu, C. (Ed. 1980 [1748]). De L'Esprit des Lois. Paris: Editions Flammarion Maddison, A. (1995). Monitoring the World Economy 1820-1992. Paris: OECD McClelland, D. (1976) The Achieving Society. Princeton: Van Nostrand. Raven, J. (1999). Standard Progressive Matrices. Oxford: Oxford Psychologists Press. Sachs, J. (2001) «Tropical underdevelopment», Cambridge, National Bureau of Economic Research Working Paper , n,º 8119, 2001 Smith, A. (2010 [1776]) Riqueza das Nações (7ª ed. Vol. 1 e 2). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian Weber, M. (1970[1930]) The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism (1904). by T. Parsons. NY: Schriber.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.