A Rua como elemento urbano estruturante na génese da cidade portuguesa. Rua Direita vs Estrada Comercial.

August 17, 2017 | Autor: Joao Silva Leite | Categoria: Urban History, Urban Planning, Urban Morphology, Morfologia Urbana, História Da Cidade
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A Rua como elemento urbano estruturante na génese da cidade portuguesa1 Rua Direita vs Estrada Comercial

Ana Amado2 João Silva Leite3 Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa

Resumo / Abstract A “rua” sendo elemento urbano mais comum e banal na construção dos tecidos urbanos da cidade ocidental, assume desde sempre na organização tradicional da cidade portuguesa, um papel estruturante na construção de cidade e que facilmente pode ser observado através do estudo da “Rua Direita”. Tal facto sucede igualmente na actualidade através da “Estrada Comercial” que de um modo informal estrutura grandes áreas urbanas periféricas da Área Metropolitana de Lisboa. O artigo procura apresentar estes dois elementos urbanos e suas características morfológicas, em oposição à filosófica adoptada a quando da reconstrução da baixa pombalina que                                                              1   Artigo elaborado no âmbito do Projecto de Investigação “A Rua em Portugal – Inventário Morfológico”, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PTDC/AUR/65532/2006) e desenvolvimento na Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa sob a coordenação do Professor Carlos Dias Coelho. 2 Arquitecta, mestranda em Desenho Urbano e Projecto de Espaço Publico da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica Lisboa; Bolseira de Investigação no Projecto de Investigação “A Rua em Portugal – Inventário Morfológico” financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. 3   Arquitecto, doutorando em Urbanismo da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa; Bolseiro de Investigação no Projecto de Investigação “A Rua em Portugal – Inventário Morfológico” financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

utilizou como modelo de composição de cidade a malha urbana ao invés de um modelo baseado em eixos principais. Assim, procura-se realçar essas características intrinsecamente presentes no urbanismo português que conferem à rua um papel estruturante e preponderante na composição da cidade. The “street”, as the most common urban element in the construction of the urban fabric of the occidental city, always had a vital role in building and in organizing the Portuguese city that can easily be seen through the study of "Rua Direita” (“Main Street”). This fact also has a readable parallel in our days through the “Estrada Comercial” (“Comercial Strip”), that in an informal way structure big suburban areas of the Lisbon Metropolitan Area The article presents these two urban elements and their morphological characteristics, as opposite to the philosophy adopted when the reconstruction of “Baixa Pombalina”, which used a composition model based on an urban grid, rather than a model based on a main structuring axis. This article thus seeks to enhance these characteristics inherently present in the Portuguese urbanism, giving the street a predominant role in structuring and composing the city. Introdução O plano pombalino assenta fundamentalmente na composição de um modelo urbano baseado na aplicação de uma malha regular e rígida ao território, algo pouco comum na tradição da cultura portuguesa. Esta baseou-se em processos de produção de cidade assentes em eixos estruturantes e tendo com seu principal elemento urbano a “rua”. A rua é o elemento urbano mais banal na composição e geração dos tecidos urbanos, e é através dela que muitos dos traçados das cidades portuguesas se constituem. É a partir da

rua que se define a hierarquia e o sistema de referências ao longo da história do Urbanismo Português. O estudo deste elemento é assim fundamental para a real compreensão da génese da cidade portuguesa mas também para o entendimento do potencial que esta tem por si só na estruturação das novas áreas urbanas. O artigo apresenta dois processos urbanos de distintas épocas que representam exemplos paradigmáticos deste papel gerador e estruturador dos tecidos a partir de um eixo: A “Rua Direita” como exemplo de um elemento desde sempre esteve presente na cidade portuguesa no contexto particular de Lisboa e a “Estrada Comercial” como um novo elemento urbano da cidade pós-industrial que desempenha um papel comparável nas novas áreas periféricas á capital. A “Rua Direita” A “Rua Direita” é o elemento estruturador do “modelo linear simples” que evidencia o sentido de axialidade do espaço, base da organização e composição da cidade de tradição Portuguesa. Destaca-se dos restantes elementos urbanos constitutivos do tecido, através de uma toponímia própria e das suas características formais e funcionais no contexto urbano onde se insere. O topónimo “Direita” refere-se ao conceito abstracto de direcção, especificando a funcionalidade que lhe é inerente. Pode extrair-se do topónimo “Direita” a sua natureza conceptual e os conceitos de direcção, articulação e atravessamento, sempre entendida como uma rua directa, isto é com o significado de direcção recta. Estes três conceitos são subjacentes ao próprio processo de concepção deste elemento urbano, expressando-se no objectivo claro de determinar uma direcção específica, de articular outros elementos urbanos e de hierarquizar o tecido onde se insere. Assim:

• Direcção Qualidade do elemento urbano ao estabelecer um sentido directo e único com a finalidade de alcançar determinado lugar espacial tido como referencial dentro do seu contexto urbano. • Articulação. Qualidade do elemento urbano ao estabelecer relações entre os restantes elementos constituintes do tecido, sejam estes ordinários, como ruas ou travessas, ou excepcionais, como Largos e Praças. Constitui assim uma rede hierarquizada articulando os distintos do tecido e as próprias funções urbanas. • Atravessamento. Qualidade do elemento urbano ao estabelecer-se como eixo estruturador de uma área a si afecta, conferindo-lhe uma ordem capaz de ser legível, constituindo uma área homogénea.

Fig.1 e 2 – Localização da Rua Direita em Óbidos e Lisboa

Decorrendo das qualidades atrás indicadas, a Rua Direita catalisa um conjunto de funções urbanas destacadas, particularmente uma função comercial, suportando usos muito diferenciados. Consequentemente, acresce a sua importância,

sobrevalorizando-se e afirmando-se predominante, sobre toda a restante área urbana que associa. Assim preserva as suas características de atravessamento directo com sentido único referencial, de hierarquia superior, revelando-se como elemento articulador estruturador e gerador de tecido urbano com legibilidade identidade e coerência. Identificou-se um número significativo de Ruas Direitas no território nacional, que no entanto assumem características distintas consoante a dimensão e a dinâmica de evolução dos núcleos urbanos.Na maioria das Cidades Portuguesas a existência da Rua Direita ocorre como elemento singular (fig.2). com uma única ocorrência, primeiramente em a aglomerados urbanos de dimensões reduzidas com uma dinâmica de evolução pouco significativa ou estabelecida através de uma sedimentação consistente. Perante um aglomerado que em época inicial da sua formação e consolidação se expande, a “Rua Direita” ocorre na continuidade daquele que foi o seu eixo principal e estruturante do núcleo urbano. Revela uma existência de continuidade de um eixo primordial precedente, partilhando uma geminação de similitudes com este. Um caso muito particular e excepcional no panorama nacional, dada a frequência da ocorrência do elemento urbano, o acontece na cidade de Lisboa (fig.3). Percebe-se como um fenómeno de reprodução, onde o número de ocorrências é bastante elevado, a Rua Direita existe menos como estruturadora de um núcleo central primordial que em prol de um papel de suporte à expansão da cidade a partir de eixos radiais. A Rua Direita como elemento singular. Óbidos Se tomarmos como exemplo de uma Rua Direita como elemento singular o caso da vila de Óbidos onde esta é

“…conhecida com esta designação já no século XIV (1350);…”4, por rua principal que liga a Porta da Vila ao Paço dos Alcaides”, encontramos aplicadas as suas qualidades conceptuais de direcção – na ligação directa entre Portas Principais do seu perímetro amuralhado e Porta da Alcáçova – de articulação destes pontos com o Centro do Poder (Religioso; Administrativo; Mercantil; Social – Praça de Santa Maria) e de atravessamento, quando esta percorre todo o núcleo amuralhado na sua maior extensão. Contêm um edificado diverso e com capacidade de suportar funções/usos distintos que traduzem especificidade ao espaço urbano.

Fig. 4 – Esquema conceptual Atravessamento e Articulação.

do

elemento

urbano



Direcção,

Com um sentido de direcção Sul/ Norte a “Rua Direita” iniciase após trespassadas as portas principais do núcleo urbano e o primeiro largo de forma irregular. Desenvolve-se com um percurso ligeiramente sinuoso e de suave inclinação. Passado o meio do percurso a sua inclinação é cada vez mais                                                              4

 GARCIA, Luís de Freitas; CAETANO, Marcelo; (2007); Óbidos, Guia do Visitante; Alêtheia Editores e Câmara Municipal de Óbidos, Lisboa. (p.30) 

acentuada até alcançar as portas do cerco do castelo, depois de ter atravessado o largo que lhe põe termo e dá acesso à Alcáçova. (fig.4).

Fig.5 – Perfis longitudinais da Rua Direita.

O edificado mantém um alinhamento constante com um perfil transversal médio de cerca de quatro metros de largura, tendo cérceos de 6 a 10 metros, correspondente a dois pisos de edificado (fig.5). Embora a função dominante seja habitacional, é comum encontrar os primeiros pisos preenchidos por usos relacionados com a actividade comercial (fig.6).

Fig.6 – Perfil transversal tipo e funcional.

Fig.7 – Apropriações de uso.

A concentração de usos comerciais é uma das particularidades a que o elemento urbano “Rua Direita” se encontra particularmente vocacionado, existe mesmo uma certa apropriação do espaço da rua por parte destes estabelecimentos comerciais. Pode entender-se esta apropriação de dois modos distintos: por uma lado a redução do espaço de circulação, sofrendo o canal da via um estreitamento, por outro o extravasar do carácter público da rua para o interior das lojas do qual resulta um espaço efectivamente mais alargado (fig.7).

As formas e dimensões das parcelas de lotes e sua consequente ocupação confinante à rua são bastantes diversas: Parcelas de pequena dimensão, estreitas e compridas, que numa sequência contínua compõem quarteirões rectangulares irregulares. A implantação do edificado respeita sempre o alinhamento da Rua Direita para onde volta a sua fachada principal, reservando o espaço posterior para logradouro comunicando este com uma via secundária.

Fig.8 – Amostras de parcelamento, ocupação de lote, traçado e modelo.

A malha que decorre da implantação da Rua Direita é constituída por elementos urbanos hierarquizados onde travessas provêem directamente desta sem constituir cruzamentos contínuos, não relacionando directamente os dois lados do eixo estruturante. No seu desenvolvimento as travessas são progressivamente cortadas por ruas secundárias paralelas à Rua Direita (fig.8). A relação existente entre “Rua Direita” e seus espaços excepcionais de referência revela algumas particularidades dependentes das características dos mesmos. Os espaços excepcionais mais irregulares e de dimensões reduzidas, como os largos geralmente existentes nos seus extremos, são cortados axialmente pela Rua Direita, enquanto os espaços excepcionais regulares e de maiores dimensões como as Praças detentoras de um elevado simbolismo e importância no contexto urbano, são ladeados pela Rua Direita que corre num dos seus lados (fig.9).

Fig.9 – Amostras de elementos excepcionais – Praça vs Largos.

Todos estes espaços excepcionais, embora muito distintos acabam por ritmar o eixo da Rua Direita, que os articula conferindo identidades distintas aos diversos troços. Da interligação destes elementos urbanos ordinários e excepcionais extraímos um desenho em rede (fig.11), que consequentemente nos dá a possibilidade de antever um desenho conceptual associado à produção do elemento urbano.

Fig.10 – Perfil Transversal. Fig.11 – Esquema conceptual da rede Hierárquica e seu modelo

A Rua Direita como eixo de expansão. Lisboa

Fig.12 – Esquema conceptual de Ruas Direitas em eixo continuo.

A particularidade da ocorrência da Rua Direita na cidade de Lisboa pode ser entendida pela sua leitura cartográfica. Pode concluir-se que até determinado período específico as “Ruas Direitas” se associam ao crescimento informal da cidade, revelando-se esta maneira de actuar como prática de constituição de tecido urbano, ou seja associando a “Rua Direita” à formação do tecido urbano da cidade. Possuidora de uma quantidade de “Ruas Direitas” capazes de serem interpretadas em conjunto, por se representarem em eixos contínuos e de desenvolvimento sequencial, e radial assinala uma direcção clara de expansão. Estes eixos são constituídos por troços que possuem nomenclaturas próprias e se distinguem uns dos outros, articulando-se através de pequenos largos ou praças. No seu desenvolvimento estes troços correspondem a reinvenções na quantidade do eixo, resultando assim um eixo composto pela associação de um número irregular e diferenciado de partes, capaz de se encontrar em constante ampliação. Apesar da possibilidade de leitura e compreensão como um todo contínuo, é notória a sua consolidação faseada, tanto morfologicamente como na sua articulação com os restantes elementos urbanos. Os elementos ordinários ou excepcionais do traçado adicionam-se sucessivamente, no entanto revelam-se importantes para o troço específico ao qual pertencem ou aos

troços que articulam. Esta diversidade de casos torna-se nítida quando se distinguem em eixo zonas homogéneas diferenciadas. Em caso singular de um núcleo que se encontra contido a determinado espaço físico a “Rua Direita” evidência o papel de estruturador. Em espaço aberto possível de se expandir constantemente somando a sua extensão e projectando a sua direcção ou seja o seu fim, ela é entendida no seu papel de elemento gerador de tecido urbano construindo sequencialmente e gerando constantemente novos tecidos de expansão da cidade (fig.12). A Estrada Comercial Na actualidade encontramos no espaço metropolitano de Lisboa novos elementos urbanos que apresentam características comparáveis à da “Rua Direita de Expansão”. Este elemento urbano pode ser caracterizado como a “Estrada Comercial”. A Estrada Comercial surge de um modo desintegrado do sistema formal da produção urbanística portuguesa, reportando-se antes a uma lógica de desenvolvimento orgânico e progressivo. A Estrada Comercial é um fenómeno que vem no seguimento das profundas transformações que se deram nas formas de crescimento das cidades durante o séc. XX. O paradigma da mobilidade de bens, pessoas e serviços passou a assentar fundamentalmente no veículo rodoviário. Tal facto possibilitou uma grande diminuição do binómio tempo-espaço, permitindo que as cidades ganhassem novos modos de crescimento não controlados pela produção urbanística clássica do planeamento. Este crescimento que antes era quase sempre baseado numa lógica de continuidade passa a desenvolver-se por fragmentos urbanos dispersos, estabelecendo relações de proximidade com os eixos de mobilidade, gerando uma metastização dos tecidos urbanos pelo território periférico das cidades.

Estas estruturas urbanas encontram-se num processo de metamorfose, decorrente da sua génese de antiga estrada nacional que devido ao crescimento urbano vai perdendo o seu âmbito viário, ganhando progressivamente um carácter urbano, transformando-se num novo tipo de rua da cidade do séc. XXI com características morfológicas próprias. Estas estruturas, mesmo que de um modo informal, apresentam, tal como a Rua Direita um papel de elemento estruturador de tecidos urbanos mesmo que fragmentados entre si. Isto sucede já que estas estruturas são praticamente os únicos eixos de ligação entre os vários fragmentos de tecido e com o centro urbano de maior consolidação. Esta posição estratégica tem potenciado ao longo das últimas décadas um forte desenvolvimento da actividade comercial neste novo elemento urbano. Cada vez mais, grandes estruturas comerciais, de armazenagem e venda ao público começam a concentra-se junto às margens destas estradas. Pequenas indústrias e um comércio específico procuram tirar partido da visibilidade e mobilidade que tais elementos lhe proporcionam. Surge assim o conceito de “Estrada Comercial”, um novo elemento urbano que em certos aspectos apresenta características funcionais semelhantes às de uma rua tradicional, mas ao mesmo tempo têm características formais e morfológicas bem distintas. O caso da N378 A estrada N378 é um dos casos paradigmáticos da Estrada Comercial existente na Área Metropolitana de Lisboa. A N378 entrou num processo de metamorfose após a construção da auto-estrada A2 (ligação entre o sul do país e Lisboa). O cruzamento entre as duas vias gerou um conjunto de oportunidades acessibilidade e consequente urbanização, baseada num parcelamento de terrenos de origem rural do qual resultou uma ocupação urbana dispersa, constituída a partir da habitação unifamiliar. Dentro desta grande área

urbana conseguimos definir várias zonas relativamente homogéneas que têm como principal eixo de inter-ligação a estrada N378. Estas ligações são por vezes mais intensas e directas havendo uma maior articulação entre traçados urbanos. Noutros casos as relações são indirectas e o papel da N378 é apenas drenante já que são as suas ramificações que vão penetrar no interior do território, estruturando os respectivos traçados. No entanto, o papel aglutinador da N378 continua presente visto que se mantém como único eixo de ligação com a restante rede urbana (fig.13).

Fig.13 – Esquemas conceptuais dos traçados urbanos de Fernão Ferro e da estrada comercial N378.

Para além desta visão mais alargada do papel estruturador que desempenha no território importa entender as suas relações, como estrutura os tecidos urbanos confinantes e quais as suas características morfológicas. Através da análise do traçado urbano da N378 (fig.13), constata-se a sua forma espinhada e sucessivas ramificações.

Contudo, embora estas ramificações ocorram em grande número ao longo do percurso da N378, muito raramente geram cruzamentos, mas simples intercepções. As ruas transversais têm como ponto de partida a própria N378 e estendem-se pelo interior do território. Este fenómeno cria relações frágeis entre as duas margens da estrada, gerando alguns cortes nos fluxos urbanos dentro do interior do bairro. No entanto é este aspecto da estrada/rua5 que acaba por aumentar o papel estruturante do eixo, articulando os vários tecidos urbanos que o marginam sem relação entre si. Quando cruzamos o traçado urbano da N378 com esses pequenos fragmentos de tecido urbano que são adjacente podemos observar cerca de cinco principais zonas homogéneas. Todas estas zonas apresentam características morfológicas próprias e distintas, principalmente no que diz respeito à forma dos seus quarteirões e lotes. Componentes urbanas Apesar de cada fragmento de tecido confinante ter próprias características, verifica-se que nas margens da N378 todos assumem características comuns e continuidade, o que justifica o estudo do eixo como elemento uno. Tendo em conta que esta “Estrada Comercial” se encontra num processo de sedimentação e metamorfose urbana, importa perceber quais os diferentes componentes urbanas que o constituem com vista à sua caracterização. Essa percepção é facilitada através da leitura individual dos vários elementos que a constituem, realizando uma decomposição do objecto6 (fig.14). Destacam-se três principais componentes: 1- Formas de Ocupação; 2- Frentes Urbanas vs Vazios Urbanos; 3- Edificado.                                                             

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DOMINGUES, Álvaro; Rua da Estrada, Dafne Editora, Porto, 2010 Conceito do “Elementarismo”, in VIGANÒ, Paola; La città elementare, Skira, Milano, 1999. 6

Fig. 14 – Decomposição do elemento urbano estrada N378

No que diz respeito às Formas de Ocupação, verifica-se que, apesar da baixa densidade ao longo toda a via, existe uma maior dispersão a norte, por oposição a uma maior regularidade de ocupação a sul. Tal situação não será alheia ao facto de a sul existirem zonas urbanas mais regulares resultantes de um conjunto de operações de parcelamento de terrenos rurais (amostra 2). O troço norte, caracteriza-se por uma ocupação mais irregular, que ocorreu ao longo dos últimos 30 anos, a partir de uma grande diversidade de processos (amostra1). Estas diferenças de ocupação fazemse notar igualmente na implantação do edificado. Quando analisamos as Frentes Urbanas e suas continuidades versos Vazios Urbanos, verifica-se que na área mais a sul existem menos interrupções, reforçando a ideia de continuidade de frente de rua demarcada. Em comparação a área mais a norte esta apresenta mais interrupções e maiores assimetrias entre os dois lados da estrada. Importa realçar que quase nunca existe uma relação directa entre o edificado e a estrada, existindo um distanciamento desde com a rua e uma lógica de pequeno muro ou vedação que separa o espaço público do privado. Além disso, em alguns casos a frente de rua existe demarcada apenas por uma vedação, que apesar de impedir a livre utilização de terrenos privados mantém os vazios urbanos deste lotes expectantes que contribuem para as descontinuidades urbanas. Por último quando realizamos uma leitura da componente do edificado verifica-se uma maior regularização do seu posicionamento em relação à via na zona mais a sul, contudo o que importa realçar é o impacto que alguns edifícios de maior dimensão têm no conjunto do percurso. Estes estão ligados à actividade comercial, de armazenamento ou de venda. Este fenómeno é igualmente acompanhado por um processo de contaminação para as restantes edificações, visto que várias moradias de habitação

se têm parcialmente ou totalmente adaptado de modo a suportarem também actividades comerciais. Procurando uma melhor compreensão das características morfológicas do elemento urbano, importa destacar duas amostras que por si só são representativas da diversidade e riqueza de situações e características que constituem a “Estrada Comercial”. No caso da amostra 1 (fig.15) verificamos a diversidade das configurações dos lotes e dos diferentes tipos e ocupação. Tanto podemos encontrar um lote mais densamente ocupado, por armazéns ou “megastores”, como podemos verificar a existência de lotes praticamente sem construções, onde se encontra apenas pequenas estruturas pré-fabricas ou mesmo pequenos contentores, libertando o lote para exposição dos produtos, tão distintos como carros, peças cerâmicas, piscinas horticultura, entre outros.

Fig. 15 – Amostra 1 da estrada N378

Esta irregularidade das formas dos lotes resulta numa divisão cadastral muito irregular, sem uma ordem reconhecível e que em alguns casos têm limites muito pouco definidos. A própria relação do edificado com a frente de rua é irregular, existindo

casos de uma maior ou menor aproximação do edifício à estrada, consoante as necessidades de exposição do produto comercial. Este comportamento é por vezes acompanhado por sinais de grande dimensão que procuram publicitar os produtos à venda a grandes distâncias, captando a atenção do público em quando este se desloca dentro do automóvel. Os sinais passam a desempenhar um papel importante na construção da paisagem urbana e como esta comunica com os seus utilizadores7.

Na amostra 2 (fig.16), as dimensões dos lotes são mais regulares, quase sempre a rodar os 20m de frente e com a mesma profundidade. Existem ainda algumas situações de lotes com cerca 40m de frente, revelando um processo de agregação do módulo das parcelas.

     Fig. 16 – Amostra 2 da estrada N378

                                                             7

“O símbolo domina o espaço. A arquitectura não é suficiente. Uma vez que as relações espaciais são feitas mais por símbolos do que por formas, a arquitectura nessa paisagem se torna mais símbolo no espaço do que forma no espaço. A arquitectura define muito pouco: o grande letreiro e a construção pequena são a rega…” in VENTURI, Robert; BROWN, Denise Scott, IZENOUR, Steven; (2003); Aprendendo com Las Vegas, Cosac & Naify, São Paulo. (p.40)

A relação cheio/vazio do lote é igualmente mais regular sendo o lote ocupado por um edifício principal e em alguns casos com anexos que se localizam nas traseiras do lote. A implantação do edifício faz-se de uma maneira geral com um afastamento em relação à frente rua, havendo uma vedação ou pequeno muro a dividir o espaço público do espaço privado. Contudo, embora não exista uma relação directa do edificado com a rua (tal como sucede na “rua tradicional”) a sua maior regularidade permite já alguma presença da frente rua, existindo uma maior continuidade espacial e urbana, transparecendo uma maior sedimentação desta área.

   

    De salientar na amostra 2 que mesmo com características morfológicas distintas da amostra 1 o seu carácter comercial é mantido. Nesta área verifica-se em maior número o processo de transformação de pequenas moradias de habitação para estabelecimentos comerciais. Por vezes, quando associados a actividades de restauração, verifica-se mesmo a abdicação de parte da área privada do lote para uso público, criando pequenos espaços de permanência junta da estrada. A sinalética e em certos casos a própria arquitectura assumem igualmente um destaque na divulgação e promoção das suas actividades comerciais. No caso da arquitectura verifica-se a remodelação de parte das fachadas dos edifícios

tornando-o mais atractivos e vistosos procurando-se destacar no meio da paisagem. 8 A N378 embora apresente características morfológicas diversificadas ao longo do todo o seu percurso, consegue gerar uma identidade própria e uma forma própria e una. Essa identidade sustenta-se acima de tudo em 2 pontos: a actividade comercial e o seu traçado. Este último permite através da sua forma de “espinha dorsal” coser e interligar os vários fragmentos de tecido procurando estabelecer a união entre várias zonas urbanas algo segregadas entre si, impondo-se assim, como um elemento importante na construção de novas áreas urbanas na metrópole. Conclusão Com leitura comparada destes dois elementos urbanos, a “Rua Direita” e a “Estrada Comercial”, verifica-se a existência de uma certa continuidade no processo de produção tradicional de cidade por oposição do sistema ao produção urbanística institucional. Os dois casos de estudo apresentam características morfológicas muito distintas, no entanto o papel gerador de novas áreas de crescimento e a função aglutinadora de tecidos e áreas urbanas mantém-se. Ambos os casos de estudo assumem-se como principais eixos de união entre tecidos, articulando diferentes traçados e criando uma rede urbana estruturada, hierarquizada, legível e organizada. Importa ainda salientar que tanto as ruas direitas de Lisboa como a Estrada Comercial N378 estão associadas a áreas de expansão urbana da cidade mesmo que em tempos diferentes e com formas de crescimento igualmente distintos. As ruas direitas de Lisboa dispõem-se de um modo radial,                                                                “… a comunicação domina o espaço como elemento na arquitectura e na

8

paisagem.” in VENTURI, Robert; BROWN, Denise Scott, IZENOUR, Steven; (1978); Aprendendo com Las Vegas, Cosac & Naify, São Paulo. (p.33) 

desenvolvendo vários eixos de crescimento com uma lógica de continuidade do núcleo consolidado. A Estrada Comercial, desenvolve o seu papel estruturador numa zona particular do território não tendo necessariamente relações de continuidade com tecidos pré-existentes já consolidados. Isto advém do facto de esta surgir em zonas urbanas não consolidadas e que se encontram num acelerado processo de transformação. Por último, importa destacar que a Rua Direita pode ser lida com objecto de referência e análise para uma melhor interpretação das carências urbanas que novos elementos urbanos, dos quais a estrada comercial é exemplo, ainda demonstram. Bibliografia CARVALHO, Sérgio Luís; (1989); Cidades medievais portuguesas: uma introdução ao seu estudo, Livros Horizonte, Lisboa. CARITA, Hélder; (1999); Lisboa Manuelina e a Formação de Modelos Urbanísticos da Época Moderna (1495 – 1521), Livros Horizonte, Lisboa. DOMINGUES, Álvaro; (2010); Rua da Estrada, Dafne Editora, Porto. FERNANDES, José Manuel; (1996); Cidades e Casas da Macaronesia, FAUP publicações, Porto. MANGIN, David; (2004); La Ville Franchisée - Formes et structures de la ville contemporaine, Éditions de la Villette | SC, Paris. MARTÍN RAMOS, Angel; (2004); Lo contemporâneos, edicions UPC, Barcelona.

Urbano,

en

20

autores

PANERAI, Philippe; MANGIN, David; (1999); Project Urbain, Éditions Parenthèses, Marselha. ROSSA, Walter; (2002); A Urbe e o Traço. Uma década de Estudos sobre o Urbanismo Português, Edições Almedina, Coimbra. VENTURI, Robert; BROWN, Denise Scott, IZENOUR, Steven; (2003); Aprendendo com Las Vegas, Cosac & Naify, São Paulo. VIEIRA DA SILVA, Augusto; (1900); As Muralhas da Ribeira de Lisboa, Publicações Culturais da Câmara de Lisboa, Lisboa. VIGANÒ, Paola; (1999); La città elementare, Skira, Milano.

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