A Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei – 230 anos: assistência e devoção

June 8, 2017 | Autor: Suely Franco | Categoria: Cultural History, História de Minas Gerais, Irmandades Católicas, Braga
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Descrição do Produto

CONGRESSO INTERNACIONAL

500 ANOS DE HISTÓRIA DAS MISERICÓRDIAS

Atas Coordenação

Bernardo reis

Braga  .  2014



Título



Autor

congresso internacional 500 anos de história das misericórdias  .  ATAS Vários

Coordenação Bernardo reis Edição Santa Casa da Misericórdia de Braga Fotografias Sérgio Freitas



Tiragem



Data de saída

500 exemplares Setembro 2014

Capa Arranjo gráfico com tema do cartaz do Congresso Internacional 500 Anos de História das Misericórdias (des. Alexandra Esteves)

Preparação gráfica

Ulisses_200

Impressão e acabamento Graficamares, Lda. R. Parque Industrial Monte Rabadas, 10 4720-608 Prozelo - Amares

Depósito legal



ISBN

380121/14 978-972-96038-3-9

9 789729 603839

O conteúdo dos artigos e a norma ortográfica usada são da responsabilidade dos autores.

A Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei – 230 anos: assistência e devoção The Santa Casa de Misericórdia of São João del-Rei – 230 years : care and devotion

Suely Campos Franco Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ /CAPES [email protected]

Resumo Sabemos que as Misericórdias, no Brasil e em Portugal, mesmo atuando em contextos regionais bastante diferentes, tiveram e tem suas ações baseadas em princípios comuns, norteadas especialmente pelo Compromisso da Santa Casa de Lisboa. Neste sentido, apresentamos a trajetória histórica da Santa Casa de São João del-Rei que completa 230 anos em 2013, aproximando-a de suas casas congêneres, em especial a Misericórdia de Braga, que celebra neste ano seus 500 anos. Palavras-chave :  Santa Casa de Misericórdia, Braga, São João del-Rei, Irmandade da Misericordia Abstract Even performing in different regional contexts, we know that the Misericóridas in Brazil and in Portugal has its actions based on common principles that were guided specially by the Lisbon’s Santa Casa. In this sense, we show the historical path of São João del-Rei’s Santa Casa which celebrated its 230 years of existence in 2013, by approaching its congeners houses, particularly the Bragas’ Misericórdias that commemorates its 500th anniversary in this year. Keywords: : Braga, Santa Casa de Misericórdia, São João del-Rei, Irmandade da Misericordia

Misericórdias em Portugal A fundação das Santas Casas de Misericórdia em Portugal e em todo o vasto e descontínuo Império Português, nele incluído o Brasil, tem sido objeto de inúmeros estudos historiográficos mais gerais e de estudos interdisciplinares. O conhecimento da trajetória histórica das Misericórdias abre caminho para o conhecimento de diversas realidades em Portugal e no Brasil, bem como em outros territórios colonizados. Conhecer a obra das Misericórdias permite estudos transversais sobre história, psicologia, género feminino, educação, Congresso Internacional 500 Anos de História das Misericórdias. Actas

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infância brasileira, enfermagem, medicina, sociologia política, antropologia como podemos constatar em estudos publicados nos últimos anos. Formada por uma irmandade leiga, a Santa Casa da Misericórdia teve origem em Portugal no final do século XV, por iniciativa principal da Rainha D. Leonor. Sabemos que mais que uma mera instituição assistencial, as Misericórdias integraram a estruturação do modelo colonial, sendo um de seus pilares. O patrocínio real e a moldagem institucional seguindo o modelo de Lisboa deram destaque e protagonismo às Misericórdias entre as demais organizações locais. Misericórdias no Brasil Multiplicando-se por todo o território brasileiro, as Santas Casas de Misericórdia ocuparam importante papel na política assistencialista do Brasil, tendo sido a ela atribuídas diversas funções ao longo de todo o período colonial e imperial. Embora não seja possível precisar com exatidão a data da fundação da maioria das Misericórdias coloniais, estudos comprovam que antes de 1750 já haviam Santas Casas de Misericórdia no Brasil e pelo menos dezesseis foram criadas entre o início da colonização portuguesa até à independência do Brasil1. A Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro foi criada na segunda metade do século XVI (1582), regida pela sede de Lisboa e pautando-se pelos mesmos “compromissos” de sua entidade-mãe, quais sejam: as 14 Obras de Misericórdia, sendo sete espirituais – “ensinar os ignorantes, dar bom conselho, punir os transgressores com compreensão, consolar os infelizes, perdoar as injúrias recebidas, suportar as deficiências do próximo, orar a Deus pelos vivos e pelos mortos” – e sete corporais – “resgatar cativos e visitar prisioneiros, tratar os doentes, vestir os nus, alimentar os famintos, dar de beber aos sedentos, abrigar os viajantes e os pobres e sepultar os mortos”. Conforme afirmação do historiador Charles R. Boxer, nas cidades mais importantes criava-se uma Câmara Municipal e uma Misericórdia2. Estas duas instituições reproduziam, nas colônias o modo social da metrópole, confor  1

A Misericórdia da Bahia foi a primeira fundada no Brasil em 1549. Boxer, Charles R. – O Império colonial português (1415-1825), Lisboa, Edições Setenta, 1969, p. 263. Conforme Boxer, a Câmara e a Misericórdia podem ser descritas como pilares gémeos da sociedade colonial portuguesa. Sobre o tema ver também em Russell-Wood, A. J. R. – Fidalgos e filantropos: a Santa Casa da Misericórdia da Bahia, 1550-1755, trad. de Sérgio Duarte, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1981.

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mavam o comportamento das pessoas e organizavam a gestão do Império. As relações entre as Misericórdias e as estruturas de poder real e dos poderes locais são absolutamente incontestáveis. Indica-nos a historiadora portuguesa Isabel Sá que, operando em nome da caridade cristã e de compromissos espirituais, as Irmandades da Misericórdia representaram, portanto, um modelo de organização econômica, social, de poder político e patrimonial que ultrapassava em muito os aspectos meramente espirituais e devocionais3. É fato evidente que existe uma perfeita correlação entre o ano de fundação de uma dada Misericórdia com o contexto histórico e socioeconômico de uma cidade. A relevância econômica e política de Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e das cidades do ciclo do ouro em Minas Gerais muito contribuiu para a criação das suas Misericórdias. Nas Minas Gerais, a fundação da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Ouro Preto em 1730 e a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei em 1783 coincide com o momento em que estas cidades se tornaram pólos auríferos relevantes. A descoberta de ouro provocou mudanças importantes na demografia brasileira e até mesmo na de Portugal. Irmandade e Santa Casa de Misericórdias de São João del-Rei Podemos afirmar que a Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei foi fundada em janeiro de 1783, quando iniciou suas atividades por iniciativa de Manuel de Jesus Fortes. Obtidos os recursos necessários para a Fundação de um hospital e uma Casa de Caridade com esmolas que para fim tirou dos fiéis, comprou uma propriedade, construiu os primeiros cômodos indispensáveis com trinta leitos. Em seguida tratou de construir a capela. O termo de aprovação da capela foi passado em 1784 e registrado no Bispado de Mariana. Manuel de Jesus Fortes permaneceu por seis anos na direção do hospital e seguiu para a cidade de Diamantina, também em Minas Gerais, onde fundou a Santa Casa da Caridade daquele distrito. A Provisão Régia de 31 de outubro de 1816 muda a Casa da Caridade em Santa Casa de Misericórdia, tomando Sua Majestade o rei D. João VI em sua proteção, mandando que se adotasse o Compromisso dado para a Misericórdia de Lisboa no que fosse aplicável, mas “[…] reformando-o quanto a distinção dos Irmãos Nobres, ou de Maior e o de mecânicos ou de menor: porque sendo a Igreja e a Religião o vinculo

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Sá, Isabel dos Guimarães – Igreja e Assistência em Portugal século XV. Separata do Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, vol. III, 1995.

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de união entre os Irmãos da Misericórdia não admite qualquer semelhante distinção.”4 Lembra-nos Luis Alvarenga5 que a primeira Mesa Administrativa somente exerceu seu mandato até meados do ano 1817, e que o Compromisso marcava que o ano compromissório da Irmandade Santa Casa de Misericórdia começava no dia 2 de julho de cada ano, dia em que se celebrava a festa da Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel. Conforme o atual calendário litúrgico a data não procede, mas a Santa Casa de São João del-Rei e muitas outras continuam a ter seu ano administrativo iniciado nesta data6.

Fig. 1. Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei, antigas instalações. Final do século XIX.

Em 1817 foi nomeado o Capelão-mor e contratado o músico Lourenço Fernandes Braziel para organizar música para suas festividades. Este fato é mais um exemplo do zelo das Irmandades de São João del-Rei para com as suas festas religiosas, tendo sempre a música como destaque.  4

Provisão Régia de 31 de outubro de 1816. Cf. Alvarenga, Luis de Melo – História da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei (1783-1983), org. André G. D. Dangelo e Aluízio J. Viegas, Belo Horizonte, Código Comunicação, 2009, p. 37.  5 Luiz de Melo Alvarenga foi provedor da Santa Casa e dedicou muitos anos ao estudo da sua história.  6 Nesta data a Irmandade da Misericórdia celebra missa solene e Te Deum com música executada pela Orquestra Ribeiro Bastos.

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Serviços Enquanto em França o movimento da laicização foi no sentido de expulsar as freiras, depois de séculos de serviços prestados nas enfermarias7, no Brasil adoptou-se o caminho inverso. Muitas religiosas vieram, nomeadamente da França, ingressar o corpo de funcionários de hospitais mantidos pelas Misericórdias. As Irmãs de São Vicente de Paula vieram para a Santa Casa de São João del-Rei em 1889. Ficaram responsáveis pelo trabalho administrativo e operacional do hospital, mas especialmente pela manutenção do Recolhimento das Órfãs. Em 1870, foi inaugurado o primeiro prédio do Recolhimento das Órfãs, em imóvel contíguo à Santa Casa.

Fig. 2.  Recolhimento de Órfãs. São João del-Rei. Começo do século XX.

A partir de 1819, a Santa Casa passou a cogitar a conveniência de sua própria farmácia, tendo os medicamentos sido até então adquiridos nas farmácias da Vila. Foi assinado então o termo de ajuste com o boticário aprovado, José da Rocha Neves Quintela. O farmacêutico deveria plantar e tratar o horto  7

Lalouette, Jacqueline – L’Hôpital entre religions et laïcité. Du Moyen Âge à nous jours, Paris, Letouzey et Ané, 2006. Collection Mémoire chrétienne au présent, 4.

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botânico nos fundos do hospital. Também nesta época, foi ampliado o serviço médico, sendo nomeado um cirurgião ajudante 8.

Fig. 3.  Pavilhão de Cirurgia. Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei, 1913.

Fig. 4.  Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei, século XXI.

Assistência A Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei, fundada com o propósito de atender aos enfermos carentes da Vila, em 1783, também cumpriu importante papel assistencialista. De fato, até 1819, apenas acolhia somente os doentes pobres e indigentes, tendo resolvido a aceitar pensionistas somente a partir de então. Em reunião da Mesa ficou resolvido que se aceitassem doentes pensionistas para “ajudar na manutenção dos doentes pobres”. Seja como for, em 1831, a atribuição de amparar os miseráveis era reafirmada por ocasião da visita do Conselho Geral que recomendava, com veemência, a concessão de recursos financeiros “para que essa continuasse a prestar socorros à desvalida humanidade”9. A Santa Casa começou a ter responsabilidade pela criação dos expostos em julho de 183210. Em março deste ano foi autorizada a construção da Roda, tendo a Câmara Municipal enviado a lista dos expostos. Conforme seus compromissos, tinha também os encargos com o sustento dos presos ao abrigo da Santa Casa e no ano de 1833 arcou com as despesas de 12 réus que penaram  8

Resende, Maria Leônia Chaves de; Silveira, Natália Cristina – “Misericórdias da Santa Casa: um estudo de caso da prática médica nas Minas Gerais oitocentista”. História Unisinos 10 (1), pp. 5-13, janeiro/abril 2006.  9 Alvarenga, Luis de Melo – História da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei (17831983), ed. cit.   10 Em 1827 a Câmara Municipal de São João del-Rei recebeu o oficio do Imperador requerendo que o encargo com os expostos e enjeitados fosse passado à Santa Casa. Resende, op. cit., p. 6.

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na forca a última pena. A Santa Casa contava ainda com lazareto, hidroterapia para os alienados, serviço dentário, este desde 1820. Com a ampliação de suas atividades, foi criado o cargo de administrador geral em 1841. Também possuía um cemitério, desativado em 1897, dando lugar ao prédio que abrigou o Colégio Nossa Senhora das Dores. Duas loterias foram concedidas por Sua Majestade o Imperador D. Pedro II à Santa Casa de Misericórdia, valendo-lhe o titulo de Protetor da Instituição.

Fig. 5.  Colégio Nossa Senhora das Dores. São João del-Rei.

Devoção Segundo as informações que constam nos arquivos da Santa Casa, as funções religiosas oficiais lá realizadas seriam em número de quatro: a festa da visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel, que marcava que o ano compromissório da Irmandade da Santa Casa que começava no dia 2 de julho de cada ano e as três festas dos santos padroados: Nossa Senhora das Dores, São José e São João de Deus, Santos outorgados no Compromisso aprovado pelos irmãos, em 21 de janeiro de 1817. Além dessas festas a Irmandade da Santa Casa ainda realizava a procissão das Endoenças, na Semana Santa e, possivelmente, a procissão dos ossos no Dia de Finados. Transcrevemos, em seguida, o trecho de um Programa de Festividade, sobre as celebrações de Nossa Senhora das Dores, durante a Quaresma, publicado no jornal O Arauto de Minas, em 17 de março de 1877: Septenário. – Começou hontem na Santa Casa de Misericórdia o septenário da Virgem Senhora das Dores que deverá se encerrar no dia 23 com solemne procissão da mesma Senhora as 6 horas da tarde; na entrada da qual occupará a Cadeira sagrada o intelligente pregador Reverendo Joaquim Ignácio Vianna.

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Capela de Nossa Senhora das Dores A primeira capela da Santa Casa de Misericórdia tinha como orago São  João de Deus, conforme desejo do fundador Manoel de Jesus Forte, e teve autorização para seu funcionamento regular no dia 6 de janeiro de 1784. Em 1913 ruiu parte da parede do lado esquerdo. Em reunião de 11 de janeiro de 1814 decidiu-se pela reconstrução da capela. A bênção e inauguração da nova capela se deu no dia 3 de março de 191811. A Quaresma, e com especial pompa a Semana Santa, era festejada pelas Irmandades da Misericórdia. As devoções do Sagrado Lausperene e ao Santíssimo Sacramento também faziam parte das devoções a que a Irmandade dava particular atenção. Maria de Fátima Castro chama atenção para as celebrações da Quaresma que dava à Irmandade da Misericórdia de Braga um empenhamento assinalável. Eram celebrações previstas no Compromisso e em vários termos que a propósito se lavraram ao aproximar-se a data da sua realização12. Como em Braga, a Irmandade da Misericórdia de São João del-Rei associava-se às celebrações da Quaresma organizadas em conjunto com outras Confrarias da cidade. No período quaresmal entre as muitas cerimônias da Semana Santa duas procissões destacavam-se como de importância, figurando entre as principais do calendário litúrgico: a de Endoenças e da Sexta-feira Santa. A procissão de Endoenças era popularmente conhecida também como dos fogaréus e era celebrada no mundo luso-brasileiro na Quinta-feira Santa, estando geralmente sobre a responsabilidade da Irmandade da Misericórdia. Em São João del-Rei isso não era diferente. Segundo documentos do arquivo da Santa Casa, essa procissão existiu até o período bem avançado do século XIX, ainda que não saibamos dela os detalhes da sua organização. Encontramos no livro do memorialista Vieira Fazenda13, a transcrição do citado cortejo no Rio de Janeiro, que deveria ser próximo ao modelo praticado em São João del-Rei, já que as duas irmandades se regiam pelos compromissos de Lisboa.

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Alvarenga, op. cit., p. 212. Castro, Maria de Fátima –  A Irmandade e Santa Casa da Misericórdia de Braga. Obras nas igrejas da Misericórdia e do Hospital e em outros espaços. Devoções (da 2.ª metade do século XVI à 1.ª década do século XX), vol. 1, Braga, Santa Casa da Misericórdia e autora, 2001. 13 Fazenda, José Vieira – “Procissão dos Fogaréus”. Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 140, Rio de Janeiro, 1921, pp. 131-135. 12

Fig. 6. Capela de Nossa Senhora das Dores e alunas do Colégio Nossa Senhora das Dores. São João del-Rei, início do século XX

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Assinala Alvarenga que em 5 de março de 1842 o irmão tesoureiro foi autorizado a fazer todas as despesas com a procissão do fogaréu, na Quinta-feira Santa e que era atribuição da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia14. Notícias da Santa Casa de São João del-Rei Vejamos alguns comentários registrados por viajantes que visitaram as dependências do hospital da Santa Casa de Misericórdia em vários momentos da sua história e que sinalizam sua coerência e longevidade. John Luccock, na obra Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil de 1818, escreve: “[…] é a Misericórdia ótima instituição, convenientemente arranjada, mantida em bom estado e que, em grande parte sustentada à custa de contribuições voluntárias dos cidadãos.”15 Auguste Saint-Hilaire, em Viagem pelo Distrito dos Diamantes e litoral do Brasil, 1818 (trad. De 1833), afirma: “Existe em São João del-Rei um pequeno hospital pertencente à Irmandade da Misericórdia.”16 Em sua obra Viagem às nascentes do Rio São Francisco faz descrição detalhada sobre a Procissão de Cinza feita pela Ordem de São Francisco de Assis, da qual tomava parte a Irmandade da Misericórdia. Richard Burton, em Viagens aos planaltos de Brasil – Do Rio de Janeiro ao Morro Velho, de 1868, escreve: “Nossa visita seguinte foi em direção ao norte, à Santa Casa de Misericórdia, uma das mais antigas de Minas. [...] Atualmente conseguiu todos os privilégios de que goza a sua irmã, de Lisboa. Grandes somas lhe foram legadas e foi-lhe acrescentada uma bela e limpa capela sob os auspícios de Nossa senhora das Dores.”17 Luis de Mello Alvarenga apresenta-nos comentários de memorialistas, historiadores e personalidades registrados nos livros da Santa Casa:

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Alvarenga, Luis de Melo – Efemérides da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei [texto digitalizado para edição do CD-ROM sobre a obra de Luiz de Melo Alvarenga, sob coordenação da Prof.ª Maria Leônia Chaves de Resende], 2005, p. 213. 15 Luccock, John – Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil. Tomadas durante uma estada de dez anos, de 1808 a 1818. São Paulo, Livraria Martins, 1942. 16 Saint-Hilaire, A. – Viagem pelo distrito dos diamantes e litoral do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, 1974. 17 Burton, Richard Francis – Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho, Brasília, Senado Federal, Conselho Editorial, 2001.

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José Antonio Rodrigues18, em Apontamentos da população, topografia e noticias cronológicas de São João del-Rei Província de Minas Gerais, 1859, no fl. 16, escreve: “Há na cidade uma casa de Misericórdia com todos os privilégios creados por igual estabelecimento em Lisboa. Esta casa foi fundada em 1817, sobre a existência de um asylo da pobreza enferma estabelecido por um eremita castelhano de nome Manuel de Jesus [...].”19 O estabelecimento tinha, na época, dois médicos e um cirurgião, além de um capelão, que exercia as funções de pároco. Vale mencionar que a esta função é um dos privilégios concedidos pelos Estatutos. O Imperador D. Pedro II abriu o “Livro de Ouro” da Santa Casa de Misericórdia, por ocasião da primeira viagem a São João del-Rei, em 24 de abril de 1881: “Sua Magestade o Senhor Dom Pedro Segundo, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil, visitou este estabelecimento da Santa Casa de Misericórdia da cidade de São João del-Rei.”20 Heitor da Silva Costa, arquiteto construtor do Cristo Redentor do Corcovado, no Rio de Janeiro e autor do desenho e projeto do Cristo Redentor de São João del-Rei, também registra suas impressões no dia 8 de março de 1935: “Esta casa de assistência pública construída sobre plano modelar, munida do mais moderno instrumental administrado com carinho, servida com competência e dedicação de hábeis profissionais e humildes servas do senhor eleva em alto destaque o nome de São João del-Rei e de seus habitantes que dão, por essa forma, exemplo magnífico de solidariedade humana e cristã.” D. Pedro de Orléans e Bragança e família em visita a São João del-Rei em 3 de agosto de 1926 deixou registrado: “visitamos com muito prazer a Santa Casa e admiramos muito sua perfeita e exemplar instalação fazendo votos que continue a prosperar para o bem de todos e orgulho do Brasil.” O Presidente do Estado de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, registra em 13 de maio de 1928: “O hospital da Santa Casa de Misericórdia de SJDR está bem na altura dos fóruns de cultura dessa gloriosa cidade.” Benedito Valadares, Governador do Estado de Minas Gerais de 1933 a 1945 escreveu: “A Santa Casa de Misericórdia é uma instituição que tem demonstrado o espírito filantrópico e patriotismo construtivo dos Sanjoanenses.” 18

Nascido em Portugal foi provedor da Santa Casa por vários mandatos no final do século XIX e secretário da Ordem Terceira de São Francisco de Assis. 19 Alvarenga, Luis de Melo – Efemérides da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei, ed. cit., p. 142. 20 Diário de Viagem do Imperador a Minas 1881. Anuário do Museu Imperial, vol. XVIII.

Fig. 7.  Santa Casa e Capela da Santa Casa de Misericórdia. São João del-Rei, 2013.

Tancredo de Almeida Neves, ex-presidente da República do Brasil foi mesário e benemérito. Assim, ele escreve em 22 de janeiro de 1962, quando era Presidente do Conselho de Ministros do Brasil: “Voltei, no dia de hoje à Santa Casa, para renovar-lhe a minha dedicação e expressar-lhe a minha indefectível lealdade.” O arquivo da Santa Casa de Misericórdia Resultado do “Levantamento, organização e classificação dos documentos e obras raras dos arquivos e bibliotecas de São João del-Rei e Tiradentes”, desenvolvido pelo Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), projeto do qual tomámos parte, disponibilizou o Inventário de fontes do acervo da Santa Casa da Misericórdia de São João del Rei, XVIII-XX. O trabalho realizado junto ao Arquivo Eclesiástico da Diocese de São João del-Rei21, foi coordenado pelas professoras Maria Leônia Chaves 21

Disponível em http://www.ufsj.edu.br/portal-repositorio/File/labdoc/misericordia.pdf

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de Resende e Lucy Gonçalves Fontes Hargreaves, tendo como diretor Monsenhor Sebastião Raimundo de Paiva. Graças a este trabalho, o acervo da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei está hoje disponível a pesquisadores e depositado com segurança e organização no consistório da Irmandade. Os códices e documentos avulsos, foram levantados e catalogados com as seguintes tipologias:

I. Administração Geral: Asilo Maria Thereza 1890, Correspondência Enviada e Recebida, Eleições, Irmandade, Óbitos e Batizados, Recolhimento das Expostas, Relatório, Termos e Deliberações.



II. Contabilidade: Loterias, Farmácia, Depósitos e Legados, Despesas, Esmolas e Pedidores, Expostos – Receita e Despesa, Presos Pobres, Receita, Recolhimento das Expostas – Receita e Despesa, Aluguéis de Casas e Escravos, Balanços da Botica.



III. H  ospital: Consultas, Escola de Enfermagem (1942), Farmácia, Matrícula de Enfermos Pensionistas, Atestados de Óbito, Certificados de Celebração de Missas, Correspondências Recebidas, Correspondências Expedidas, Cartas de Alforria, Guias e Papeletas.

O livro n.º 15 da Irmandade tem como título “Compromisso da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei – Minas Gerais”, datando de 1812. No livro estão inscritas todas as obrigações da instituição e dos membros da mesa administrativa, bem como dos demais irmãos. Mencionam-se também as festividades, o cemitério, o cofre, o capelão, a capela, etc.22 Devemos citar, obrigatoriamente, a incansável dedicação de estudo arquivístico da Santa Casa ao qual se dedicou Luiz de Melo Alvarenga, provedor da Irmandade de 1945 a 1950. Os resultados de anos de pesquisa, organizados para as comemorações do bicentenário da instituição, foram reunidos em livro e publicado postumamente. Infelizmente, relata-nos Alvarenga no preâmbulo da publicação: “[…] ao iniciar a pesquisa, fui surpreendido com a falta do Livro n.º 1 [...] um livro de grande valor histórico para a Santa Casa de Misericórdia por tratar de assuntos referentes aos primeiros serviços de organização, incluindo os regulamentos.” Acrescenta ainda: “[…] o lugar deste livro e de outros estraviados é em arquivo e não em mãos de pesquisador, por mais ilustre [...].”

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Trata-se de uma cópia xerocada do compromisso, cujo original não se encontra depositado no arquivo da Irmandade.

Fig. 8.  Pormenor da fachada da Capela de Nossa Senhora das Dores. São João del-Rei, 2013.

Bibliografia Abreu, Laurinda – “O papel das Misericórdias dos lugares de além-mar na formação do Império português”, História, Ciências, Saúde — Manguinhos, VIII (3), pp. 591-611, Rio de Janeiro, set.-dez., 2001. Alvarenga, Luis de Melo – Efemérides da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei. [Texto digitalizado para edição do CD-ROM sobre a obra de Luiz de Melo Alvarenga, sob coordenação da Prof.ª Maria Leônia Chaves de Resende], 2005. Alvarenga, Luis de Melo – História da Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei (1783-1983), org. André G. D. Dangelo e Aluízio J. Viegas, Belo Horizonte, Código Comunicação, 2009. Araújo, Maria Marta Lobo de – “A Misericórdia de Braga: Assistência Material e Espiritual: uma obra que se apresenta”. Revista Misericórdia de Braga, 2, 2006, pp, 229-248. Araújo, Maria Marta Lobo de – “As manifestações de rua das misericórdias portuguesas em contexto barroco”. Hispania Sacra, 62 (125), 2010, pp. 93-113. Araújo, Maria Marta Lobo de – “Os brasileiros nas Misericórdias do Minho (séculos XVII-XVIII)”, in Araújo, Maria Marta Lobo de (org.) – As Misericórdias das duas margens do Atlantico: Portugal e Brasil (séculos XV-XX), Cuiaba, Carlinie & Caniato Editorial, 2009, pp. 229-260.

A Santa Casa de Misericórdia de São João del-Rei – 230 anos: assistência e devoção

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Suely Campos Franco

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