A SANTA CEIA SEGUNDO A ÓTICA DO DR. MARTINHO LUTERO E A CONTROVÉRSIA COM ZWÍNGLIO CANOAS 2016

June 2, 2017 | Autor: Everton Figur | Categoria: Zwinglio Mota Dias, Ecumenismo, Protestantismo, Martin Lutero, Santa Ceia
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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL

Everton Élio Figur

A SANTA CEIA SEGUNDO A ÓTICA DO DR. MARTINHO LUTERO E A CONTROVÉRSIA COM ZWÍNGLIO

CANOAS 2016

EVERTON ÉLIO FIGUR

A SANTA CEIA SEGUNDO A ÓTICA DO DR. MARTINHO LUTERO E A CONTROVÉRSIA COM ZWÍNGLIO

Monografia apresentado na dísciplina de: Teologia, Ética e Educação em Lutero, no quinto semestre do curso de Bacharel em Teologia da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Campus Canoas. Professor: Paulo Wille Buss

CANOAS 2016

Sumário Introdução.............................................................................................................................................. 4 1. LUTERO ANTES DA CONTROVÉRSIA COM ZWÍNGLIO .................................................... 5

1.1. Fonte da Doutrina sobre o Sacramento do Altar para Lutero .................................. 5 1.2. A presença Real do Corpo de Cristo no Sacramento do Altar .................................. 6 2. BENEFICIOS DO SACRAMENTO DO ALTAR ......................................................................... 9

2.1 Perdão dos Pecados ......................................................................................................... 9 2.2 Fortalecimento da fé ....................................................................................................... 9 2.3 A Vida Eterna................................................................................................................ 10 3. CONCEITO DA SANTA CEIA PARA ZWÍNGLIO .................................................................. 11 4. CONTROVÉRSIA DE LUTERO E ZWÍNGLIO ........................................................................ 13 Conclusão ............................................................................................................................................. 17 Obras Consultadas .............................................................................................................................. 18

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Introdução

Falar Sobre a Santa Ceia na concepção de Lutero requer muita pesquisa e dedicação. Para ter um “norte” na pesquisa em Lutero, usarei neste trabalho a melhor bússola para isto: as obras de Lutero. Com auxílio de outros autores também, para entender melhor o pensamento de Lutero a respeito deste sacramento. Também apresentarei, em resumo, a concepção de sacramento para Zwínglio, com quem Lutero teve uma controvérsia sobre o assunto, o qual lhe rendeu diversos escritos brilhantes a respeito do tema. Muito se pesquisou e se comparou entre Lutero Jovem e Lutero Maduro, mas proponho com este trabalho apresentar um esboço de leitura sobre o que disse Lutero em seus escritos sobre a Santa Ceia. Houve um desenvolvimento no pensamento de Lutero sobre várias questões sobre o Sacramento do Altar. Como diz Sasse1: “Mas nunca houve, na vida de Lutero, uma época em que ele não acreditou na Presença Real do verdadeiro corpo e sangue de Cristo no Sacramento”.

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SASSE, Hermann, Isto é o meu corpo; tradução de Mario L. Rehfeldt. 2ª Ed., Porto Alegre, Ed. Concórdia, 2003, p. 76.

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1. LUTERO ANTES DA CONTROVÉRSIA COM ZWÍNGLIO

1.1. Fonte da Doutrina sobre o Sacramento do Altar para Lutero

Sasse2 diz que, assim como Ambrósio e Agostinho, quanto a maneira de interpretar o sacramento do altar, na Idade Média continuam a viver várias escolas de pensamentos que surgiram na Igreja Medieval e, às vezes em seitas fora da igreja, continuam a viver dentro das realidades do século XVI. Sasse continua dizendo: “Seus argumentos são repetidos incessantemente; as passagens bíblicas e as citações dos pais eclesiásticos são as mesmas através dos séculos. ” O que Tomás de Aquino, com sua doutrina sobre o Sacramento do Altar representam para a Igreja Medieval e a Igreja Romana durante todos os séculos; Lutero representa para a Igreja da Reforma, ou seja, um grande teólogo do Sacramento do Altar. Lutero foi dogmático e Litúrgico. Sua dogmática está relacionada com o Sacramento à antiga missa luterana que ele criou, a Liturgia da Santa Comunhão, que foi o legado da Igreja Luterana como herança inestimável. Apesar de toda influência católica, tanto na liturgia como na doutrina, recebida por Lutero na Idade Média, não dá para dizer que essa influência se deu de igual modo sobre a concepção de Lutero sobre o Sacramento do Altar. Sabemos por seus escritos de 1533, onde ele diz: “Certa vez, quando acordei de noite, o diabo iniciou um debate comigo, em meu coração... dizendo: Escuta, muito ilustre senhor. Sabes que por 15 anos cometeste pura idolatria adorando e apresentando a outros para adoração, não o corpo e o sangue de Cristo, mas apenas pão e vinho? ”3 Lutero estava negando que a missa privada, sem comungante era o Sacramento que Jesus instituiu. Foi a palavra de Deus que fez de Lutero defensor fervoroso da Presença Real, isso se torna evidente em um de seus escritos de 1524, antes do início da grande controvérsia sobre a Ceia. Lutero responde às perguntas que os moradores de Estrassburgo enviaram a ele, depois que Carlstadt tentou conquista-lo para o seu ponto de vista sobre o Sacramento do Altar. Lutero diz, mais ao final do escrito, o seguinte: “[...]Mas eu fui capturado pelas palavras de Deus e não consigo encontrar outra saída. As palavras estão aí, e são fortes demais para mim. Palavras humanas não podem tirá-las de minha alma. Sim, mesmo que acontecesse hoje que alguém pudesse provar com razões fortes que apenas pão e vinho estão aí, não seria preciso atacar-me 2 3

SASSE, Isto é o meu Corpo, p. 69. Confissão de Augsburgo 24, 2. Citado por Sasse (2003), p. 71.

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tão furiosamente. Pois, conforme meu velho Adão, estou, infelizmente muito inclinado a aceitar esse ponto de vista. Contudo, a maneira atrevida como o Dr. Carlstadt trata da questão absolutamente não me tenta. Pelo contrário, apenas me confirma em minha opinião. ”4

Se Lutero ficou realmente tentado a abandonar sua concepção da presença real no Sacramento do Altar, não sabemos, pois em nenhum de seus escritos; livros ou cartas, ele menciona ter qualquer dúvida sobre sua interpretação literal da Santa Ceia. As palavras de Lutero, dirigidas aos estrassbuguenses deixam bem claro que a única fonte de doutrina de Lutero sobre o Sacramento do Altar era a Palavra de Deus. Talvez ele tivesse abandonado a presença real como Zwínglio, se não fosse a palavra de Deus, que não lhe dava outra escolha a não ser continuar crendo na presença real.

1.2. A presença Real do Corpo de Cristo no Sacramento do Altar

Houve, na atitude de Lutero sobre a Santa Ceia, uma evolução com o passar do tempo. Algumas coisas que ele creu, depois passou a não crer mais. Como diz Sasse: “Mas nunca houve, na vida de Lutero, uma época em que ele não acreditou na presença real do verdadeiro corpo e sangue de Cristo no sacramento. ”5 Sua fé na presença real nunca foi fé cega, ele sabia bem das implicações que esse conceito trazia, mas, mesmo assim foi inabalável do começo ao fim. Lutero entendia, até 1519, a presença real no sentido da doutrina oficialmente aceita, ou seja, a transubstanciação6. Uma pequena dúvida em relação às especulações relacionadas a essa teoria é encontrada no “Tratado sobre o Bendito Sacramento do Santo e Verdadeiro Corpo de Cristo” de 1519, citado por Sasse, onde lemos: Há os que praticam suas artes e sutilezas a tal extremo, que perguntam onde o pão permanece quando é transformado em carne de Cristo, e o vinho quando é mudado em sangue; também de que maneira o Cristo todo, sua carne e seu sangue, podem estar compreendido em porção tão pequena de pão e vinho. Que importa isso? Basta saber que é sinal divino, no qual a carne e os sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes – como e onde, isso nós deixamos aos seus cuidados.7

Desta maneira, a questão da presença real, na forma de mudança dos elementos em corpo e sangue é preservada, mas o modo de mudança, se é transubstanciação, ou outro modo, é deixada em aberto. Lutero se espantou com algumas teorias lançadas a respeito desse assunto, 4

WA 15, 394, 12 ss. Citado por Sasse (2003), p. 72. SASSE, Ibid, p. 84. 6 Transformação de uma substância em outra.catol teol. presença sacramental de Jesus Cristo na Eucaristia [Termo escolástico us. pela Igreja católica para explicar a conversão do pão e do vinho no corpo e no sangue de Cristo. ]. 7 WA 2, 749, 36ss.; Philad. 2, 20. Citado por Sasse (2003), p. 85. 5

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como por exemplo: comentário de Pedro d’Ailly, famoso teólogo de Paris, que no sentido de menor número de milagres seria de supor que depois da consagração, há sobre o altar verdadeiro pão e vinho e não apenas acidentes. Mais tarde Lutero vê que essas declarações, mesmo que aceitas pela Igreja, não poderiam tornar artigo de fé, pois como diz Lutero: “Pois o que se afirmar sem a escritura ou sem revelação aprovada, pode ser mantido como opinião, mas não necessita ser aceita”8. Desta passagem foi tirada a conclusão de que Lutero aceitaria a “consubstanciação” em lugar da “Transubstanciação9”, até mesmo teólogos luteranos consideram a doutrina da “consubstanciação” como doutrina genuinamente luterana. Não se deve ignorar que nem aqui ou em qualquer outro lugar Lutero faz uso do termo consubstanciação e que a igreja Luterana jamais o aceitou. A transubstanciação, segundo Lutero, é doutrina filosófica desnecessária para explicar o milagre da presença real. Este milagre só pode ser exposto como artigo de fé, como Lutero faz no início do artigo de Esmalcalde, onde ele diz: “Cremos que pão e vinho na ceia são verdadeiro corpo e sangue de Cristo, e que isto é administrado e recebido não somente por cristãos piedosos, mas também por ímpios. ”10 Nada além disso é doutrina Luterana, ou seja, o pão consagrado é o corpo e o vinho consagrado é o sangue de Cristo. Como isso é possível? Ninguém sobre a face da terra pode dizer. O que sabemos é que Cristo mesmo deu essa explicação: “Isto é o meu corpo... isto é o meu sangue”. Com base nisso é que Lutero nunca tentou dar nenhuma explicação como os filósofos e teólogos tentaram fazer, explicando os termos consubstanciação, transubstanciação, etc. Lutero expõe sua concepção de Sacramento do Altar, não de forma que seja entendida de forma racional, mas que seja entendida como Artigo de fé. Sasse11 menciona um escrito onde Lutero aborda sobre esse assunto: O indispensável é isto: “que tu pela fé abraces as palavras: isto é o meu corpo que é dado por ti. Assim come e bebe (espiritualmente) e nutre a tua fé. Então toma o corpo e o sangue como confirmação dessas palavras de Deus e dize: não foi ordenado pesquisar para conhecer como Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, ou a alma de Cristo estão no sacramento. Basta-me saber que a palavra por mim ouvida e o corpo que recebi são realmente os do meu Senhor e Deus. Que os sofistas sutis e infiéis andem em busca dessas coisas inescrutáveis introduzem a divindade no sacramento através da magia. O corpo que recebes e as palavras que ouves são daquele que, em sua mão, sustém o universo inteiro e está em toda a parte. Contenta-te com isso. ”

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WA 6, 508 ss. Philad. 2, 188. Citado por Sasse (2003), p. 85. União de dois ou mais corpos na mesma substância. teol. união de Cristo com o Pai e sua presença na Eucaristia. 10 Os Artigos de Esmalcalde, Terceira Parte, VI, seção 1, LC, p. 333. Citado por Hasse (2003), p. 87. 11 SASSE, Ibid, p. 88-89. 9

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As ideias filosóficas e teológicas medievais jamais tornaram base de convicção para Lutero. Não foi teimosia da parte dele que o levou a permanecer inabalado no que diz respeito a presença real de Cristo no sacramento. Foi simplesmente a reverência por aquele que pronunciou as palavras “Isto é o meu corpo”, que Lutero tinha por literal. A fé de Lutero nas palavras do sacramento não são somente aceitação de um dogma, são a aceitação de Cristo. Para ele as palavras sacramentais não são apenas uma fórmula dogmática, mas são o verdadeiro Evangelho. A Ceia do Senhor é entendida por Lutero como sendo o próprio Evangelho, o “Evangelho em Ação”, como diz Sasse12. Lutero expõe brilhantemente em sua “Grande Confissão” de 1528, sua fé nessas palavras, assim como tem fé no Evangelho, depois da controvérsia literária que teve com Zwínglio, que veremos mais adiante neste trabalho. Lá Lutero diz: Portanto, podes dizer a Cristo alegremente, tanto por ocasião de tua morte como no juízo final: Meu caro Senhor Jesus, surgiu um conflito em torno de suas palavras da última Ceia. Alguns querem que sejam entendidas de modo diferente daquilo que dizem. Contudo, visto não me poderem ensinar nada com certeza, mas apenas me conduzem à incerteza e confusão... permaneci com teu texto, com as palavras tais quais aí estão. Se houver alguma obscuridade nelas, me toleras se não as compreendi corretamente, como tolerastes os apóstolos quando eles não te entenderam em muitas coisas – por exemplo, quando lhes falaste sobre teu sofrimento e ressurreição, e ainda assim retiveram tuas palavras e não as alteraram. Assim como também tua cara mãe não entendeu quando tu lhe disseste, Lc 2: “Não sabíeis que me cumpria estar na casa de meu Pai? ” e, no entanto, ela guardou essas palavras em seu coração e não as alterou: Assim, eu também permaneci com tuas palavras: Isto é o meu corpo, etc. Vê, nenhum entusiasta ousará falar assim com Cristo. ” 13

Temos de entender essa profunda reverência de Lutero pelas palavras da instituição como palavras de Cristo como seu Evangelho, assim entenderemos a Doutrina do Sacramento do Altar para Lutero quando começou a controvérsia com Zwínglio.

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SASSE, Ibid, p. 90. Vom Abendmahl Christi, 1528, WA 26, 446, 32 ss. Citado por Sasse (2003), pp. 90.

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2. BENEFICIOS DO SACRAMENTO DO ALTAR

Palavras de Lutero: Para mencionar seus benefícios, pelo menos em parte, considera, em primeiro lugar, que ele [Jesus] instituiu este Sacramento em sua memória como diz: “Fazei isto em memória de mim. ” [Lc 22.19; 1 Co 11.24] Guarda e considera bem esta palavra: “memória”. Ela te mostrará muita coisa e te estimulará muito. 14

Toda vez que participamos do Sacramento do Altar, estamos fazendo em memória de Cristo, fazemos isto para glória divina. À Cristo que dirigimos o louvor, a honra e a glória do Sacramento. Além desta lembrança e culto à Deus, o crente recebe benefícios em sua vida na participação da Ceia do Senhor, que são: perdão dos pecados, fortalecimento da fé e a vida eterna.

2.1 Perdão dos Pecados

Nós recebemos o verdadeiro corpo e sangue de Jesus com uma finalidade grandiosa para nós. Nós recebemos mesmo sem fé. Mas para receber os benefícios do Sacramento, é necessário a fé na promessa “dado e derramado em favor de vós para remissão dos pecados”. Segundo Lutero, o “é único meio de recebermos o gracioso perdão dos pecados oferecido através da Santa Ceia”.15 Em todas as suas discussões sobre o assunto, Lutero jamais perdeu de vista o gracioso perdão dos pecados que a Santa Comunhão oferece e dá. Para ele, a Ceia do Senhor era um “Santa Ceia”, precisamente porque Cristo ligou ao seu corpo e sangue a graciosa promessa: “Dado e derramado por vós”.16

O perdão dos pecados, com a vida e salvação, é o maior dom oferecido pelo Sacramento do Altar, as outras bênçãos vêm acompanhada ao mesmo e consequentemente a esse dom.

2.2 Fortalecimento da fé O principal benefício da participação do Sacramento do Altar é o “fortalecimento da fé”. A promessa da graça de Deus nunca é incerta para Deus, porém, o enfraquecimento de 14

LUTERO, Martinho, Obras Selecionadas Vol. VII, São Leopoldo/Sinodal, Porto Alegre/ Concórdia, 2000, p. 229. 15 MULLER, John T. Dogmática Cristã, 4ª ed. Porto Alegre, ed. Concórdia, 2004, p. 499. 16 MULLER, John, Ibid, p. 500.

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nossa fé é um perigo eminente que corremos em nossa vida. Por isso é importante o fortalecimento e preservação da fé no perdão dos pecados. Por isso que a Santa Ceia foi instituída. Como diz Lutero: Onde quer que a fé seja assim revigorada e renovada, também o coração sempre de novo é adicionalmente revigorado para o amor ao próximo, fortalecido para todas as boas obras e preparando para resistir aos pecados e a todas as tentações do diabo; porque a fé não pode ficar ociosa, ela tem que praticar frutos do amor, fazendo o bem e evitando o mal.17

Nós temos três grandes inimigos que querem nos levar a cairmos em pecado, como nos lembra Boone18, são eles: a carne, o mundo e o diabo. Por isso que o cristão necessita de tal fortalecimento, para que não enfraqueçam nossa fé e nos façam desviar do caminho e da comunhão com Cristo. Por isto Deus nos deu o sacramento do Altar, a fim de que possamos vencer as tentações.

2.3 A Vida Eterna

A Santa Ceia nos oferece o perdão dos pecados através do Corpo e Sangue de nosso Senhor Jesus Cristo, que é oferecido graciosamente por nós. É a garantia de que, mesmo que morra, nosso corpo também será ressuscitado, glorificado e entrará na vida eterna. A Santa Ceia nos fortalece a fé, a qual nos dá a certeza da salvação eterna, pois “Pela fé somos filhos de Deus”19, “e se somos filhos somos co-herdeiros com Cristo”20. A Santa Ceia nos fortalece nessa fé e nos sustenta no caminho através da vida, por isso devemos buscar constantemente, na Santa Ceia, o fortalecimento da fé, para nos firmar na esperança da vida eterna. “Essa esperança está estreitamente ligada a nossa fé no perdão dos pecados, que nos é assegurado na Ceia do Senhor. De sorte que devemos participar frequentemente da Ceia do Senhor”.21

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LUTERO, Martinho, Obras Selecionadas, Vol VII, p. 245. BOONE, Fernando, A dignidade na Santa Ceia segundo a ótica de Martinho Lutero, TCC ULBRA, Canoas, 2008, p. 22. 19 Gálatas 3.26. 20 Romanos 8.17. 21 KOEHLER, Edward, Dogmática da Doutrina Cristã, Traduzido da 2ª edição inglesa, Concórdia, Porto Alegre, 1951, p. 223. 18

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3. CONCEITO DA SANTA CEIA PARA ZWÍNGLIO

Zwínglio confessou a doutrina católica romana da transubstanciação até mais ou menos 1523, apesar de parecer que ele não a tenha confessado e nem levado muito a sério. Como evidencia um escrito dele, citado por Sasse: “Em minha opinião, ninguém jamais acreditou que come Cristo corporalmente e essencialmente, apesar de quase todos terem ensinado, ou pelo menos simularam crê-lo”22. Em uma carta, escrita em 1523 para Th. Wyttenbach, ele ataca a doutrina da transubstanciação pela primeira vez, mas mantém a presença real, de certa forma. A sua opinião era de que o cristão come Cristo, que apesar disto ainda está no céu assentado à direita do Pai, mas que desce no sacramento de forma miraculosa, como é possível, ninguém sabe. Perante este milagre, Cristo ingressa na alma do crente. A relação entre os elementos e o corpo e o sangue de Cristo, Zwínglio não sonegue explicar. Esta primeira etapa no desenvolvimento da doutrina eucarística de Zwínglio é uma tentativa de espiritualizar a doutrina católica. Nisto, ele seguiu o seu mestre, Erasmo, que rejeitando a doutrina da transubstanciação, cria em uma presença miraculosa, inexplicável, do corpo de Cristo no sacramento. Quanto a fé do participante, neste sentido, parece que Zwínglio foi influenciado pelos primeiros escritos de Lutero sobre o sacramento. Como dia Sasse, “é importante tomar nota que nessa etapa da primitiva do desenvolvimento de Zwínglio não aparecem os mínimos vestígios de uma interpretação figurativa das palavras da instituição. ”23 A segunda etapa, e agora definitiva, na doutrina de Zwínglio foi atingida em 1524, sob a influência da famosa carta em que o humanista holandês Cornélio Hoen propôs um novo conceito da Ceia do Senhor. Carta esta que introduziu nas discussões do século XVI a interpretação figurativa das palavras da instituição. Este documento decretou ser falsa a doutrina católica da transubstanciação, que transformava o pão e vinho em corpo e sangue após a instituição, o que fez com que muitos cristãos adorassem a hóstia, assim como os pagãos adoravam imagens de madeira e pedra. Para Hoern, isso era invenção papista, ou até doutrina satânica. Pois Cristo só pode ser visto pela fé, e não com olhos humanos, de modo que ele acreditava que as palavras “Isto é o meu corpo” eram apenas “Isto significa o meu corpo. ”

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SASSE, isto é o meu Corpo, p. 98. SASSE, Ibid, p. 99.

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Quando Lutero ficou sabendo desta carta, a rejeitou imediatamente, ao contrário de Zwínglio, que aceitou sem restrições essa teoria de Hoern. Como diz Sasse, “daí para frente, o conceito espiritualista que compartilhava com Erasmo foi sendo substituídos pela interpretação figurativa das palavras sacramentais, e a ideia de uma presença miraculosa foi abandonada. ” 24 Zwínglio ainda teve a influência de Carlstadt, que entrou em controvérsia com Lutero, também sobre o Sacramento do Altar. O que ele parece ter aprendido de Carlstadt, é o argumento agostiniano de que o corpo de Cristo não pode estar presente ao mesmo tempo no pão e no céu. Deste modo a doutrina de Zwínglio sobre a Ceia do Senhor foi completada no mesmo ano que irrompeu a grande controvérsia de Carlstadt à doutrina de Lutero. Até este momento, tanto Lutero como Zwínglio acreditavam que a passagem de João 6 não se tratava da Santa Ceia, e isto é importante saber pois Zwínglio acreditava que Cristo falava claramente de um comer e beber espiritual e rejeitava todo o comer e beber real que era ensinado por Lutero e pela Igreja Católica Romana. Para Zwínglio, os sacramentos deixam de ser meios da graça e se tornam meros sinais daquela graça divina que pode ser recebida mesmo na ausência deles. O Sacramento do Altar deixa de fazer sentido para o cristão, se levado em conta essa concepção de Zwínglio sobre a Ceia, pois se não há presença real, deixa de ser sacramento de passa a ser uma mera lembrança sacrificial de Cristo. E isto acaba destruindo o Sacramento do Altar, devido a interpretação Espiritual do Evangelho. Como diz Sasse, “Lutero chegou a considerar Zwínglio como um dos piores inimigos da Igreja de Cristo. ”25

24 25

SASSE, Isto é o meu Corpo, p. 101. SASSE, Ibid, p. 105.

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4. CONTROVÉRSIA DE LUTERO E ZWÍNGLIO

As controvérsias de Lutero com outros teólogos a respeito da Santa Ceia, foram os mais longos e graves dos conflitos que ocorreram entre os seguidores da reforma evangélica. Até o fim de sua vida, Lutero se se voltou para este assunto. A controvérsia era quanto a interpretação simbólica da Santa Ceia. Entre seus defensores, estava Zwínglio, em Zurique. O qual apresentou o seu pensamento a respeito da Santa Ceia em 1524, 1525 e nos escritos “Debate amigável, isto é, exposição do assunto da Santa Ceia, para Martinho Lutero”26 e “Resposta cordial e recusa da pregação de Lutero contra os fanáticos”27, ambos de 1527. Vários teólogos escreveram sobre este assunto. Lutero respondeu a eles com vários escritos. Entre eles está o escrito: “Que estas palavras de Cristo ‘ Isto é meu Corpo’, etc. ainda continuam firmes contra os espíritos fanáticos”28. Sendo este considerado um dos mais acabado e sistemático dos escritos sobre a Santa Ceia. Ecolampádio respondeu a este escrito de Lutero, dizendo que as palavras “Isto é meu Corpo” não podem sustentar o entendimento da Presença Real de Cristo no Sacramento do Altar, defendido por Lutero. Pouco depois Zwínglio respondeu no escrito “Que estas palavras de Jesus Cristo: ‘Isto é meu Corpo que é dado por vós’ terão o antigo sentido inequívoco que M. Lutero com seu último livro de maneira alguma ensinou nem comprovou o sentido defendido por ele e o papa, resposta cristã de Zwínglio”. Lutero, quando soube deste escrito, tratou de prontamente responde-lo com uma obra de peso. Devido ao seu estado precário de saúde, ele achava que este seria seu último escrito. Ele redigiu então, em 1527 um texto sobre esta controvérsia. Parte deste texto ainda existe. A controvérsia de Lutero e Zwínglio se resume no significado da frase “Isto é o meu Corpo”. Enquanto para Lutero, o presente do indicativo do verbo ‘ser’ (é), nesta frase tem a intenção de literalmente SER, o pão é o corpo de Cristo, ou seja, a Presença Real de Cristo no Sacramento do Altar. Já para Zwínglio, este ‘é’ tem a ideia de significação, ou seja,

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Amica exegeses, id est, expositivo eucharistiae, ad Maritinum Lutherun. Freundliche Verglimpfung und Ablehnung über die Predigt Luthers wider die Schwärmer. 28 Dass diese Worte Christi: “Das ist mein Leib” usw. Noch fest stehen wider die Schwarmgeister. WA 23, p. 64283 27

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parafraseando as palavras de Cristo, seria: “Isto significa (ou representa) meu Corpo”, aqui não há Presença Real de Cristo no Sacramento. Lutero Expõe sua doutrinada da ubiquidade da natureza humana de Cristo que, devido a sua unidade com a natureza divina, é onipresente. Resumindo, a presença real do corpo e sangue de Cristo no Sacramento do Altar ultrapassa os limites do raciocínio e lógica humanos. Sendo compreendida somente pela fé. Lutero faz uso de várias passagens bíblicas para demonstrar onde existe significado, que era como Zwínglio entendia a Santa Ceia, e onde existia realidade. Usando o exemplo de João 15.1 “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor”, Lutero diz que “É mais lógico que algo signifique Cristo, do que ele venha a significar algo, posto que aquilo que simboliza algo sempre é inferior ao que simboliza”29. Lutero agora expõe o que Zwínglio entendia desta passagem: Zwínglio, porém, não repara na palavra “verdadeira” no versículo: “Cristo é a videira verdadeira” [Jo 15.1]. Se tivesse reparado, não poderia ter transformado esse “é” em “significa”. Pois nenhuma língua ou raciocínio permite que Cristo signifique videira verdadeira. [...] O texto obriga, de forma inarredável, que videira seja aqui um vocábulo novo, que descreve uma nova e verdadeira videira e não a videira do parreiral; consequentemente “é” aqui não pode ser uma significação; pelo contrário, Cristo o é de fato e tem a qualidade de uma videira verdadeira. [...]30

Zwínglio criticou Lutero por não ter exposto sobre o que se segue no texto, depois de “isto é o meu corpo...”, para Zwínglio, “que é dado por vós” explica a primeira parte. Mas Lutero entende bem que um texto comprova o outro, de forma irônica Lutero responde à Zwínglio dizendo que havia tomado banho a pouco tempo que, no entanto, tinha lavado suas orelhas e ouvia muito bem o que o texto fala sobre a Santa Ceia. Então Lutero faz uma explicação sobre sua interpretação do texto, sobre a Presença Real do Corpo e Sangue de Cristo na Santa Cia. Sempre que eu puder dizer “isto é o corpo de Cristo dado por nós”, ele também tem que ser visível, porque não foi dado por nós senão de maneira visível. Logo, se não estiver presente de forma visível, não está presente de maneira alguma. Se indico com a mão para o céu e digo: ali, a direita de Deus está sentado o corpo que foi dado por nós, de fato então tem que estar sentado ali visivelmente, ou não está de forma alguma, pois a expressão seguinte: “...que foi dado por vós” assim o exige, segundo a sabedoria dessa gente.31

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LUTERO, M., Obras Selecionadas IV, Porto Alegre: Ed. Concórdia, São Leopoldo: Ed Sinodal, 1993, p. 233. 30 LUTERO, M., Ibid, p. 233. 31 LUTERO, M., Ibid, p. 236.

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Zwínglio, influenciado por Erasmo e totalmente contra tudo que era romano, acaba se distanciando de sua concepção inicial de sacramento, graças também à busca filosófica e aristotélica de uma concepção do Sacramento do Altar, deixando de ser meios da graça para se tornarem meros sinais daquela graça de Deus que pode ser recebida mesmo na ausência de elementos. A partir daí, Lutero escreveu mais contra essa “nova seita perniciosa”, como ele próprio diz. Zwínglio entendia que, depois da ascensão de Cristo, seu corpo não está mais presente na terra, mas está no lado direito de Deus. Lutero diz então que estar à direita de Deus, não significa mera presença local, Deus pode criar várias formas de estar presente sem ser presença local e única. Zwínglio utilizava do texto de João 6.63 para argumentar contra o comer real na Ceia. As palavras “o espírito é o que vivifica” não pode ser aplicado ao corpo de Cristo sem destruir a encarnação de Cristo. Existem duas coisas no sacramento: palavra e elementos físicos ou o ato, os elementos não eliminam a fé, mas a requerem. Lutero diferencia “espírito” e “carne”: Espiritual não é algo realizado por nós através do Espírito e da fé. Este Espírito consiste no uso e não no objeto. ”32 Segundo Prunzel, a maior obra realizada a respeito da Santa Ceia surgiu em 1528: Uma confissão a respeito da Ceia de Cristo33. E segundo Sasse34, está é a palavra final de Lutero contra Zwínglio e Ecolampádio. Nela Lutero primeiro; condena a interpretação figurada das palavras da instituição: “Isto é”, não pode ser traduzido por “Isto significa”. Segundo, quanto as palavras “está sentado a mão direita de Deus”, Lutero faz uma exposição da doutrina de Cristo. Terceiro, a distinção entre “espírito” e “letra” não entendida por Zwínglio, colocava o “espírito” acima da palavra. Quarto, Lutero faz uma análise dos quatro textos bíblicos que registram a instituição. E quinto, Lutero fala dos benefícios deste sacramento, a saber: perdão dos pecados como grande dom do sacramento; é um remédio; existe uma conexão com a unidade escatológica, quando antecipam a redenção futura do corpo e da alma.35 Zwínglio e Ecolampádio responderam ao escrito de Lutero: “Respostas ao livro do dr. Martinho Lutero, denominado confissão”. Incitado por Bucer, convidado por Zwínglio, Ecolampádio e Felipe de Hesse, Lutero participa de um colóquio, de 1 a 4 de outubro de 1529, em Marburgo. Onde, afinal, não se chegou a um consenso a respeito da Santa Ceia, mas foi

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LW 37, 92. Citado por Prunzel (1993), p.15. Von Abendmahl Christi, Bekenntnis WA 26, 261-509. Citado por Prunzel (1993), p 15. 34 SASSE, Ibid, p. 107. 35 LW 37, 360-372. Citado por Prunzel (1993), p. 16. 33

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assinado o “Tratado de Marburgo”36 que Lutero escrevia baseado nos Artigos de Schwabach, assinados por Zwínglio, Felipe de Hesse, Ecolampádio e Lutero. O único ponto que ficou dúvida foi o artigo XV, que trata justamente sobre a Santa Ceia. Em 1530, 1533 e 1534, Lutero escreve a respeito da concepção católico-romana da Santa Ceia, condenando a ideia de ceia como sacrifício e boa obra realizada pelo sacerdote, e também sobre as palavras utilizadas pelo sacerdote que oficia a missa, que quando o sacerdote utilizava as palavras de Cristo tinha Santa Ceia, do contrário não era Santa Ceia, apenas pão e vinho. Para Lutero, o que caracteriza a Santa Ceia sãos as palavras de Cristo, não dependem do sacerdote. Lutero também diz que ele não é católico nem sacramental, e que seus escritos estão de acordo com a instituição de Cristo. A última obra de Lutero sobre a Santa Ceia, antes de sua morte é: A confissão a Respeito do Santo Sacramento37. Onde ele escreve contra as manobras de Bullinger e Schwenckfeld, que tentaram ressuscitar as ideias de Zwínglio e Karlstadt. Com toda experiência de controvérsias anteriores, Lutero logo reafirma suas posições anteriores.

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SASSE, Ibid, p. 160-203. (Vale lembrar que estes artigos se tornaram a base para a confissão de Augsburgo, de 1530). 37 Kurzes Bekenntnis D. Martin Luthers vom sacrament, WA 54, 141-167, LW 38, 281-319. Citado por Prunzel (1993), p. 17.

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Conclusão

Lutero e Zwínglio tiveram uma grande controvérsia que durou muito tempo. Zwínglio, primeiramente entendia a presença de Cristo de forma espiritual, assim como Erasmo, depois, sob influência de Hoern, mudou sua concepção para a forma figurativa de interpretar as palavras “Isto é o meu corpo”. Ele atacou a doutrina Católica da transubstanciação, dizia que não era possível o corpo de Cristo que está no céu, estar presente também no pão. Para Zwínglio, as palavras “Isto é meu corpo”, eram mero sinal de “isto representa” ou “Isto significa”, o “É” devia ser interpretado desta maneira. Essa era a essência da interpretação de Zwínglio sobre a Santa Ceia. E foi, em grande parte, sobre este ponto que discorreu a controvérsia entre os reformadores. Para Lutero, as palavras “Isto é o meu corpo” eram literais, o corpo e sangue de Cristo estão presentes de forma real no Sacramento do Altar. Como? Somente pela fé cremos. Lutero desenvolveu bastante sua concepção sobre o sacramento do altar, mas nunca abandonou a ideia da presença real, que para ele era incontestável interpretando as palavras, “isto é”, de forma literal. Graças a esta controvérsia de Lutero e Zwínglio e também com outros reformadores; Calvino, Ecolampádio, Carlstadt, hoje temos diversos escritos de Lutero explicando a sua concepção e interpretando o texto bíblico de forma racional, o que nos ajuda a compreender a doutrina Luterana a respeito deste assunto.

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Obras Consultadas

BONNE, Fernando S., A dignidade na Santa Ceia segundo a ótica de Martinho Lutero, TCC Teologia ULBRA, Canoas, 2008. KOEHLER, Edward, Dogmática da Doutrina Cristã, Traduzido da 2ª edição inglesa, Concórdia, Porto Alegre, 1951. LUTERO, M. Obras Selecionadas I. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1987. LUTERO, M. Obras Selecionadas IV. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1993. LUTERO, M. Obras Selecionadas VII. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 2000. MULLER, John T. Dogmática Cristã, tradução Martinho Lutero Hasse, 4ª ed. Porto Alegre, ed. Concórdia, 2004. NESTIGEN, James A., Zurique e Genebra: A polêmica da “Presença” no contexto da Reforma, In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE LUTERO, 2., 1999, São Leopoldo,

RS, 2009, pp. 9 – 34. PIRES, Moacir F., A união Mística de Jesus Cristo na Santa Ceia, Escola de Pósgraduação – Mestrado do Seminário Concórdia, São Leopoldo, 1993. PRUNZEL, Clóvis J., A Santa Ceia em Lutero, Escola de Pós-graduação – Mestrado do Seminário Concórdia, São Leopoldo, 1993. SASSE, H. Isto é o meu Corpo. Porto Alegre: Concórdia, 1970.

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