A Segunda Geração da Teoria Crítica: O surgimento da crença no potencial emancipatório da Democracia

June 8, 2017 | Autor: Rodrigo Pinto | Categoria: Critical Theory
Share Embed


Descrição do Produto

A Segunda Geração da Teoria Crítica:
 O surgimento da crença no potencial emancipatório da Democracia Rodrigo Pinto Universidade de São Paulo

Nov.2014

Iniciaria o texto relembrando como a noção de democracia era vista com uma certa distância pelos teóricos da primeira geração da Teoria Crítica, conservando uma desconfiança com relação ao chamado Estado de Direito. Declaradamente seguidores da tradição marxista, os expontes de tal geração acreditavam em um projeto emancipatório que não passaria pelas transformações no Estado vigente, mas em sua dissolução. Em outras palavras, a emancipação só poderia ser realizada com a destruição, e não reforma, do Estado Democrático de Direito.
 
 Tal Geração foi fortemente influenciada pelas análises econômicas de Friedrich Pollock que entendiam as transformações do capitalismo liberal enquanto fundamentalmente antidemocráticas. Horkheimer, Adorno, Marcuse, entre outros, irão edificar conceitos de racionalidade, provenientes das estruturas da sociedade, que teorizam a impossibilidade da existência de uma plena democracia uma vez que se mantenha a mesma estrutura econômica-política das sociedades supostamente democráticas. Soma-se a isso, as análises como a de Max Weber, que revelam uma “submissão plebiscitária inescapável das massas aos impulsos irracionais do líder carismático e sua utilização demagógica da máquina partidária burocrática”1, reafirmando os entraves que a política representativa impõe. Ou seja, nota-se o enfoque extremamente negativo que os téoricos da primeira metade do século XX irão direcionar para a ideia de democracia, não vislumbrando nela qualquer potencial emancipatório. No entanto, a segunda geração da Escola de Frankfurt posicionou-se diferentemente a primeira no tocante à democracia. Na verdade, é possível afirmar que já na primeira existia uma ala democrática. No entanto, a direção autoritária do Instituto de Pesquisas Sociais, centrada na figura de Horkheimer, excluía aqueles cujo modelo crítico era divergente daquele praticado pelas “lideranças”. Porém, uma vez que a investigação histórica é uma espécie de projeto arqueológico, ao escavar aquilo que os figurões do Instituto buscaram esconder sobre os escombros dos textos de maior circulação, é possível desencavar a figura de Franz Neuman e apontá-lo como possivelmente o primeiro membro da Escola de Frankfurt a enxergar o direito, sob o capitalismo monopolista, não mais simplesmente enquanto um instrumento de dominação de classe, mas como uma mediação necessária para a emancipação humana. “Dessa análise da sociedade, resulta uma visão diferente de emancipação humana. Já não se trata de pensar a ruptura das instituições por meio de uma revolução concebida por uma práxis pensada com base na esfera econômica. Para Neumann, trata-se de utilizar a mediação política para fazer valer determinados interesses, que serão cristalizados nas instituições. A emancipação não é mais pensada como destruição do direito liberal, mas como radicalização de seu potencial emancipatório. O estado de direito é compatível com diversas formas WEBER, Max em NOBRE, Marcos. Participação e Deliberação na Teoria Democrática: Uma Introdução em Participação e Deliberação. Vera Schattan P. Coelho e Marcos Nobre (orgs.) São Paulo, Editora 34, 2004, pág. 24. 1

institucionais, pensadas para regular os fatos sociais; cada uma delas marcada por certos pressupostos e objetivos e capaz de gerar determinados efeitos.” (JOSÉ RODRIGO RODRIGUEZ, 2008)2

De acordo com Neumann, o ponto crucial para que o Estado de Direito se tornasse um sistema passível de ser manejado de acordo com os interesses sociais da população foi a entrada do proletariado no Parlamento, tornando possível que as classes menos favorecidas, historicamente prejudicadas pela promulgação de leis injustas, adquirissem influencia no processo de produção das leis e, desse modo, participassem da construção de uma democracia mais igualitária. Inclusive, Neuman assinala que o direito, ao se tornar a expressão da sociedade, possibilita que até mesmo questões como o controle dos meios de produção possa ser discutido no âmbito do direito, o que poderia significar a construção do socialismo por intermédio da democracia, algo que jamais Horkheimer e Adorno, por exemplo, admitiriam. Ademais, Neuman também argumentou que a ligação da ideia do direito como um instrumento de dominação de classe é incompatível, pois o polonês, o Estado Nacional-Socialista Alemão provou que um regime sem estado de direito pode ser infinitamente mais repressor. A crença de Neuman no Estado de Direito só irá encontrar paralelo em Jurgen Habermas, apontado como um divisor de águas na tradição da Teoria Crítica, sendo referido como aquele que iniciou a segunda geração em meados da segunda metade do século XX. A partir de Habermas, todos os teóricos da Escola de Frankfurt passariam a nutrir uma crença no potencial emancipatório da democracia, compartilhando da ideia de um espaço público democrático, dialógico e reflexivo, capaz de servir de base para a ampliação da democracia. Utilizando-se de conceitos habermasianos, é possível entender que a Teoria Crítica de até então estava destinada a acreditar que o mundo da vida estava sistematicamente colonizado pelos sistemas dinheiro e poder, os quais se apoiam nas ações estratégica e instrumental, sendo impossível descolonizá-lo sem interferir na lógica em si do sistema. No entanto, Habermas introduz o conceito de ação comunicativa, definindo-a como um “tipo de interação social em que o meio de coordenar os diversos objetivos das pessoas envolvidas é dado na forma de um acordo racional, do entendimento recíproco entre as partes, alcançado através da linguagem”, Confiando no vigor revolucionário da linguagem, ele buscará garantir a unidade da razão na multiplicidade de suas vozes através do Direito, isto é, formulando condições e regras que garantiriam antecipadamente as condições para que aconteçam as discussões, intentando desestabilizar as relações de poder e abrindo a possibilidade para alcançar um consenso. Em síntese, o objetivo de Habermas não é definir um estado futuro de emancipação como uma forma de vida concreta, mas de garantir a existência de uma forma de diálogo emancipado, pois, a partir dele, seriam criadas as instituições que buscariam assegurar os diversos projetos e formas de vida emancipada. Esse diálogo se daria na chamada esfera pública, espaço que simboliza a ampliação do domínio público através da politização de novas questões e inserção de novos participantes antes excluídos.

² RODRIGUEZ, José Rodrigo. Franz Neumann: O Direito Liberal Para Além de Si Mesmo em NOBRE, Marcos(org.): Curso Livre de Teoria Crítica. Campinas: Papirus, 2008.

Desse modo, fica bastante evidente que a segunda geração iniciou-se com um projeto de emancipação baseado na ideia da auto-organização democrática de uma comunidade juridicamente constituída a partir da ideia de livre debate, da ampliação das áreas passíveis de politização e da liberação do acesso à esfera pública de novos grupos e questões. O direito cumpriria a fundamental função de garantir a suspensão dos interesses privados e de possibilitar uma livre discussão capaz de permitir o uso público da razão. A institucionalização de procedimentos e de condições de comunicação, segundo Habermas, seriam capazes de apontar a sociedade como o local da origem do poder e da criação da legitimidade. A dimensão dual da política atual representa bem o espaço público habermasiano. Dual no sentido de que não somente marcada apenas pelas formas tradicionais de agregação de maiorias, pois agora também existe paralelamente uma outra dimensão da política - a de base, voluntária e voluntária e democrática representada pelos movimentos sociais e associações civis que conseguem renovar potenciais próprios à democracia incluindo os interesses das minorias antes relegadas. A partir desse panorama, os últimos expoentes da Teoria Crítica fortemente influenciados, na confecção de suas ideias, pelo contexto dos movimentos sociais que buscam a constituição de uma práxis coletiva genuinamente democrática. A americana Iris Young vai construir sua teoria extremamente preocupada com o problema das minorias, intentando encontrar formas dessas minorias serem bem representadas. Ela entenderá o processo de representação em dois níveis: primeiramente, a minoria deve ter um representante na instância decisória legal da sociedade; em segundo lugar, o representante deve seguir algumas diretrizes para garantir que ele represente verdadeiramente o seu respectivo grupo. No primeiro nível, Young vai demonstrar três modos gerais pelos quais uma pessoa pode ser representada: interesses, opiniões e perspectivas. Em função do terceiro ponto, o da perspectiva - que representa a forma pela qual um determinado grupo, localizado em uma camada específica da estrutura social, tem uma experiência ou ponto de vista singular acerca dos processo sociais - é necessário que o Direito garanta que as minorias sejam representadas legalmente. Pois, caso contrário, tal minoria será prejudicada por não poder exprimir a sua perspectiva particular da qual os outros não partilham. No segundo nível, Young discute qual o melhor modo do representante exercer verdadeiramente a representatividade do seu grupo, já que, segundo a autora, a complexidade do processo democrático gera a necessidade da eleição de representantes, não sendo, portanto, eficaz uma democracia direta. Para tal desígnio, Young sugere: “procedimentos e fóruns complementares por meio dos quais os cidadãos discutam entre si e com os representantes suas avaliações acerca das políticas que esses últimos apoiaram. Meios oficiais de prestação de contas distintos das campanhas eleitorais podem incluir conselhos de supervisão, comissões de estudo de implementação e audiência participativas periódicas que acompanham os processo de produção de políticas. Esferas públicas da sociedade civil podem aprofundar a responsabilização mediante questionamentos, elogios, críticas e avaliações independentes.”3

3

YOUNG, IRIS: Inclusion and Democracy - New York, Oxford, 2000.

Isto posto, os processos participativos estariam presentes, transformando a esfera pública da sociedade civil numa importante arena para garantir a participação cidadã e manter a conexão entre o representante e seus representados. Por fim, o debate mais recente e efervescente da Teoria Crítica localizam-se em torno das chamadas Teorias do Reconhecimento. Os principais estudiosos do tema são Axel Honneth, Nancy Fraser e Charles Taylor, que partem da noção de reconhecimento, que já pode ser encontrada em Hegel, para problematizar a formação identitária na sociedade multicultural contemporânea a partir do que chamou de “reconhecimento errôneo”, isto é, a vacuidade do reconhecimento identitário construído sob noções de subordinação formatadas pelo direito público historicamente afinado a grupos sociais específicos; logo, avesso à diferença. Considerando que a subjetividade individual está pressuposta por certas maneiras de pensar processos intersubjetivos, a consequência desse reconhecimento errôneo é que ele cria um processo identitário que termina por eliminar a “não-identidade”. A americana Nancy Fraser e o alemão Axel Honneth irão constituir um debate interessante, reunidos no livro de co-autoria de ambos chamado “Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange”. Em um primeiro momento, ambos vão discordar da tese habermasiana da colonização do mundo da vida pelo sistema, apontando para a necessidade de pensar também as relações de poder imiscuídas nas interações sociais. No entanto, na tentativa de superar as dificuldades que encontram em Habermas e de apresentar um modelo de teoria crítica que consiga diagnosticar os bloqueios e tendências à emancipação, vão diferir quanto ao modelo a ser adotado. Para Honneth, os problemas econômicos de má distribuição se baseiam em relações de reconhecimento, pois a economia e seus mecanismos estariam subordinados à interação social, motivo pelo qual não precisariam ser compreendidos em suas especificidade. Em outras palavras: isso “teria como consequência a conclusão de que o conjunto de injustiças sociais existentes tem como causa relações assimétricas de reconhecimento e poderia ser adequadamente conceitualizado apenas a partir do conceito de reconhecimento”4. Nancy Fraser irá discordar de Honneth, afirmando que a tentativa de Honneth de entender a divisão social do trabalho e a diferença na distribuição de recursos por meio do reconhecimento termina por fechar os olhos para a existência dos mecanismos impessoais que só visam a maximização do lucro. Dessa maneira, ele não consegue analisar adequadamente a sociedade capitalista atual. Fraser recusa-se a compreender a questão de forma unilateral, acreditando na necessidade de soluções de dois tipos distintos: reconhecimento e redistribuição. Ainda que interligadas, elas se diferenciam e geram dois tipos de subordinação relativamente distintos, sendo necessário alterar tanto os padrões culturais de valoração, via reconhecimento, quanto reestruturar os mecanismos econômicos, via redistribuição, para que todos pudessem participar como pares da sociedade. BRESSIANE, Nathalie de Almeida: Economia, Cultura e Normatividade. O debate de Nancy Fraser e Axel Honneth sobre redistribuição e reconhecimento (Título de Mestrado - São Paulo, SP; 2010) 4

“O dualismo perspectivo assume que sociedades capitalistas diferenciam a ordem de um mercado sistemicamente integrado de ordens sociais reguladas por valores. Como resultado, tanto a integração sistêmica quanto a integração social são essenciais para essas sociedades. Ao contrário da abordagem de Honneth, portanto, a minha atenta para ambas dimensões e elucida suas interações mútuas.” 5

O canadense Charles Taylor, por sua vez, irá concentrar-se principalmente nos problemas envolvendo os processos migratórios, focalizando os países europeus e da América do Norte, os quais estão repletos de minorias imigrantes vinda das mais diversas partes do globo. Taylor irá se postular como contrário a todo medida universalista, ou seja, contra a indiferença com relação as especificidade dos grupos culturais distintos. Independentemente da divergências, vale destacar em todos os autores a confiança no Estado de Direito como veículo de realização das demandas, seja elas de reconhecimento ou redistribuição. Partindo disso, conclui-se que a melhor maneira de garantir que o Estado buscará cumprir tais demandas é possibilitar que os sujeitos que sofrem com o defícit de reconhecimento e de redistribuição participem do processo deliberativo e tenham a possibilidade de construir seus discursos de forma a evidenciar as suas necessidades e exigências de cumprimento. O que permitiu a tais autores substancializar o conceito de democracia, a ponto de moldar uma crença em seus potenciais emancipatórios, foi principalmente a transformação relativa a noção de processo deliberativo. Tal mecanismo, fundamental para o funcionamento do Estado Democrático de Direito, transformou-se de uma instância essencialmente deliberativa para uma instância discussiva de formação da opinião e da vontade comum, norteada por procedimentos imparciais de deliberação que garantem a legitimidade dos processos democrático. No entanto, utilizando-se de noções advindas dos teóricos da Escola de Frankfurt contrários a democracia, resta saber se a própria organização das sociedades capitalistas, a partir de seus modelos hegemônicos de subjetivação e dos processos de racionalização, não obstruem qualquer tentativa verdadeiramente emancipatória de utilização de tais mecanismos do direito que não coadune com a manutenção do sistema opressor ao qual ele serve.

5

FRASER, Nancy Redistribution or Recognition? A Political-Philosophical Exchange. London, New York, Verso, 2003

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.