A Segurança e Certeza da Salvação: A Ênfase Pastoral dos Puritanos à Doutrina da Segurança e Certeza da Salvação na Confissão de Fé de Westminster

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SEMINÁRIO TEOLÓGICO DO NORDESTE – STNe Memorial Igreja Presbiteriana da Coréia

A SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO: A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER

GABRIEL ALEXSANDRO DOS SANTOS

Teresina 2016

GABRIEL ALEXSANDRO DOS SANTOS

A SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO: A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER

Monografia

apresentada

ao

Seminário Teológico do Nordeste como requisito para obtenção de grau de Bacharel em Teologia.

Teresina 2016

GABRIEL ALEXSANDRO DOS SANTOS

A SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO: A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER

Monografia

apresentada

ao

Seminário Teológico do Nordeste como requisito para obtenção de grau de Bacharel em Teologia.

Aprovada em: ____ / ____ / ________ .

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Rev. Jefté Alves de Assis Seminário Teológico do Nordeste Orientador

_________________________________________________ Rev. Francisco Moura Presbitério Seridó do Rio Grande do Norte – PSRN Tutor

_________________________________________________ Rev. Renato Morais Sousa Igreja Presbiteriana 3º. leitor

À minha família maravilhosa, minha esposa Ivanilda, minha filha Sophia, e o(a) Bebê que ainda está no ventre, por

todo

compreensão,

amor,

carinho,

paciência,

dedicação em oração.

e

AGRADECIMENTOS

Ao meu bondoso e misericordioso Deus, por ter nos sustentado com Sua mão graciosa, Sua providência, nos assistindo em tudo, tanto espiritualmente como fisicamente.

A minha amada esposa, Ivanilda, que tem sido uma exímia auxiliadora, me apoiando e suportando em amor, me ajudando e confortando incansavelmente.

A minha amada filha, Sophia Gabrielly, por seu carinho e atenção, por muitas vezes ter que suportado a ausência nas brincadeiras, e poucas atividades em família.

A minha mãe, Dona Fátima, que, mesmo distante, tem nos suportado com suas orações.

Ao Pastor Paulo Andrade, por seu empenho em nos conduzir a está casa de profetas, e por nos apoiar naquilo que fora necessário.

Ao irmão e amigo Cláudio Araújo, que, indiretamente me instigou a trabalhar esse maravilhoso tema, me ajudando a aprender mais sobre essa maravilhosa doutrina, afim de poder ensinar e consolar aqueles que não nutrem segurança e certeza de salvação.

A Igreja Presbiteriana de Parelhas, que, por todos esses anos, tem nos sustentado com recursos físicos e espirituais; ao conselho da igreja, pelo suporte e auxílio em todo tempo; a tesoureira da igreja, irmã Socorro Ribeiro, pelo constante cuidado para conosco; e a todos os irmãos por suas orações e carinho dispensado a nós.

Ao meu tutor, Pastor Francisco Moura, por acompanhar-nos nesse último ano de caminhada, bem como aos pastores que nos acompanharam anteriormente, a saber: Pastor Eugênio Honfi Neto, e Pastor José Pedro. Ao meu presbitério, Presbitério Seridó do Rio Grande do Norte – PSRN, por atestar a nossa vocação e enviar-nos para esta casa de profetas, bem como pelo acompanhamento durante toda a caminhada.

A Igreja Presbiteriana do Calvário e ao Pastor Rogério Cunha, por nos acolher como filhos e cuidar de nós durante toda essa jornada.

Ao Seminário Teológico do Nordeste, pela excelente qualidade no ensino e condução dos alunos a uma vida de piedade; por nos acolher e direcionar nos retos caminhos do Senhor provendo as ferramentas necessárias para trabalharmos para o crescimento do reino e na condução da igreja à glória do Deus.

A Junta Regional de Educação Teológica (JURET) Norte/Nordeste, por sua dedicação e zêlo por esta casa.

Ao meu orientador e capelão, Pastor Jefté Alves de Assis, pelo constante cuidado e atenção, pela solicitude e satisfação em servir em todo tempo.

Aos amigos e irmãos que trilharam juntos comigo essa jornada aqui no STNe.

A todos que contribuíram direta e indiretamente com seus recursos e com suas orações.

“Ora, a certeza é um ato reflexo de uma alma cheia de graça; por esse ato a alma crente se vê num estado benigno, abençoado e feliz; é um sentimento

palpável,

um

discernimento experimental do fato de que o crente está num estado de graça e de que tem legítimo direito de receber uma coroa de gloria”. (Thomas Brooks)

RESUMO Essa pesquisa, nasceu de um desejo pastoral de resgatar, no púlpito e nos gabinetes de aconselhamento pastoral, a exposição e aplicação da doutrina da segurança e certeza da salvação. Tendo em vista o cenário que circunda a Igreja de Cristo, e, a pouca ênfase dada a essa importante doutrina, vê-se a necessidade de resgatar a urgência que os puritanos tinham de conduzir a congregação a um estado de consolo e verdadeira segurança. Assim como se vê na Confissão de Fé, em seu capítulo XVIII, resgatar e dar a doutrina a proeminência e centralidade dada a ela na reforma e na pós-reforma. Isso por meio de uma devida fundamentação bíblico-teológica, onde se vê a proeminência e centralidade dessa doutrina; por meio de uma demonstração histórica do desenvolvimento dessa importante doutrina; e, por fim, por meio de uma exposição das ênfases pastorais dos puritanos, como se tem na Confissão de Fé de Westminster e nos escritos dos seus principais defensores e promotores.

PALAVRAS-CHAVES: Segurança, Certeza, Salvação, Puritanos, Confissão de Fé

ABSTRACT

This research arises from a pastoral desire to rescue, in the pulpit and in the pastoral counseling offices, the exposition and application of the doctrine of assurance and certainty of salvation. Given the setting surrounding the Church of Christ, and the little emphasis given to this important doctrine, one sees the need to rescue the urgency that the Puritans had to lead the congregation to a state of comfort and true assurance. As we see in the Confession of Faith in its eighteenth chapter, to rescue and give doctrine the prominence and centrality given to it in reform and postretirement. This is through a proper biblical-theological foundation, where the prominence and centrality of this doctrine is seen; by means of a historical demonstration of the development of this important doctrine; and, finally, through an exposition of the pastoral emphases of the Puritans, as in the Westminster Confession of Faith and in the writings of its principal advocates and promoters.

KEYWORDS: Assurance, Certainty, Salvation, Puritans, Confession of Faith

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13 1

FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DA DOUTRINA ............................................... 17 1.1 Introdução ............................................................................................................. 17 1.2

Fundamentação da doutrina da Segurança e certeza da salvação no Antigo

Testamento .................................................................................................................. 18 1.2.1 Fundamentação da doutrina na relação pactual na eternidade ....................... 19 1.2.2 Fundamentação da doutrina na relação pactual temporal .............................. 20 1.2.2.1 Evidência na aliança da criação ............................................................... 20 1.2.2.2 Evidência na aliança da graça .................................................................. 21 1.2.2.3 Evidência na aliança com Noé ................................................................ 22 1.2.2.4 Evidência na aliança com os patriarcas ................................................... 23 1.2.2.5 Evidência na aliança da Lei ..................................................................... 25 1.2.2.6 Evidência na aliança davídica ................................................................. 27 1.2.2.7 Evidência nos escritos proféticos e na promessa da nova aliança ........... 28 1.3 Fundamentação da doutrina da Segurança e certeza da salvação no Novo Testamento .................................................................................................................. 31 1.3.1 Fundamentação da doutrina nos Evangelhos ................................................. 31 1.3.2 Fundamentação da doutrina no Livros de Atos .............................................. 38 1.3.3 Fundamentação da doutrina nas Epístolas Paulina ........................................ 40 1.3.4 Fundamentação da doutrina nas Epístolas Gerais .......................................... 43 1.3.5 Fundamentação da doutrina no Livros de Apocalipse ................................... 48 1.4 Conclusão.............................................................................................................. 51 2

DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E CONFESSIONAL DA DOUTRINA .... 53 2.1

Introdução ........................................................................................................ 53

2.2

Desenvolvimento histórico da Doutrina da segurança e certeza da salvação .. 53

2.2.1 Período dos Pais Apostólicos ......................................................................... 53

2.2.2 Período da Patrística ....................................................................................... 55 2.2.3 Período dos Pré-reformadores ........................................................................ 57 2.2.4 Período dos Reformadores ............................................................................. 57 2.2.4.1 Reforma na Alemanha ............................................................................. 57 I. Martinho Lutero (1483 – 1546) .................................................................... 57 II. Philip Melanchthon ..................................................................................... 60 2.2.4.2 Reforma na Inglaterra .............................................................................. 61 I. Huldrych Zuínglio ........................................................................................ 61 II. Heinrich Bullinger ....................................................................................... 62 III. João Calvino .............................................................................................. 63 IV. Theodoro Beza ........................................................................................... 68 2.2.4.3 Reforma Católica - Concílio de Trento ................................................... 70 2.2.4.4 Dos reformadores ao Puritanismo Inglês................................................. 72 I. William Perkins ............................................................................................ 72 2.3

Sistematização confessional da doutrina da segurança e certeza da salvação . 76

2.3.1. Considerações quanto às formulações credais .............................................. 76 2.3.2. Considerações quanto às principais manifestações confessionais protestantes e reformadas ............................................................................................................... 77 I. Os Artigos de Religião – da Igreja Anglicana .............................................. 78 II. O Livro de Concórdia – da Igreja Luterana ................................................ 79 III. As Três Formas de Unidade ....................................................................... 81 III. Os Símbolos de Westminster ..................................................................... 85 2.4 3

Conclusão......................................................................................................... 88

A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA SEGURANÇA E

CERTEZA DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER ........... 90 3.1

Introdução ........................................................................................................ 90

3.2

A unidade do pensamento entre os puritanos do século XVII ......................... 91

3.3

A exposição da doutrina na Confissão de Fé de Westminster – capítulo XVIII 91

3.3.1

Seção 1: Três possibilidades de segurança ............................................... 91

3.3.1.1 A possibilidade de falsa segurança .......................................................... 92 3.3.1.2 A possibilidade de verdadeira segurança................................................. 96 3.3.1.3 A possibilidade de falta de consciência de segurança ............................. 97 3.3.2

Seção 2: Os fundamentos da segurança .................................................... 99

3.3.2.1 A certeza da salvação é uma infalível segurança da fé............................ 99 3.3.2.2 A certeza da salvação é fundamentada na divina verdade das promessas de salvação ............................................................................................................. 101 3.3.2.3 A certeza da salvação é fundamentada na evidência interior da graça .. 103 3.3.2.4 A certeza da salvação é fundamentada no testemunho do Espírito ....... 106 3.3.3 Seção 3: O cultivo da segurança .................................................................. 113 3.3.3.1 A segurança não pertence à essência da fé ............................................ 114 3.3.3.2 O Tempo envolvido na obtenção da segurança e certeza ...................... 116 3.3.3.3 O crente tem o dever de buscar a verdadeira segurança ........................ 118 3.3.3.4 Os frutos próprio da segurança .............................................................. 121 3.3.4 Seção 4: A segurança perdida e renovada .................................................... 123 3.3.4.1 A segurança pode ser abalada, diminuída e interrompida ..................... 124 3.3.4.2 O crente não fica totalmente privado da semente de Deus .................... 125 3.3.4.3 A segurança pode ser renovada ............................................................. 127 3.4

Conclusão....................................................................................................... 129

CONCLUSÃO .............................................................................................................. 130 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 132

INTRODUÇÃO O início do século XVII foi marcado por grandes turbulências na Inglaterra. Uma dessas turbulências foi a guerra civil, travada entre o Rei Carlos I e seu Parlamento, originada por motivos econômicos, políticos e religiosos, a qual trouxe destruição dos anos 1642 até 1651. Uma das causas da oposição ao rei era em favor da causa da liberdade religiosa. O Parlamento sai vitorioso em 1651, e passa a ser liderado por Oliver Cromwell (1599-1658), dentre outras coisas ele trabalha em prol da liberdade religiosa e por meio de decretos, trouxe a Inglaterra e ao País de Gales, a maior liberdade religiosa jamais vista. Em decorrência da morte de Oliver Cromwell, em 1658, seu filho Henrique assume o governo, mas não consegue dar continuidade a forma de governo de seu pai. Por conta da falta de alguém capacitado que assumisse o lugar de Cromwell, a Inglaterra estava sendo conduzida a anarquia por conta dos dois partidos dominantes formados pelos Presbiterianos e os Independentes. Diante disso eles chamaram de volta Carlos II, que havia fugido logo depois de assumir o reino, para assumir o comando. Carlos II declarou que manteria a liberdade religiosa, mas não manteve sua promessa, começando assim uma grande perseguição as congregações cristãs independentes.1 É nesse contexto, que nos idos de 1628, nasceu em Eslow, Bedford, Inglaterra, John Bunyan, o qual se tornaria um renomado teólogo batista. Era filho de pais humildes e foi criado na ignorância. Aprendeu e exerceu o ofício do seu pai, que era funileiro e teve, por algum tempo, uma vida desregrada e rebelde. Desde criança passou por problemas relacionados ao peso que sentia por seus pecados, mas mesmo assim passou um período em total depravação.2 Após a sua conversão dedicou-se ao ministério da pregação da Palavra, sendo considerado, por conta do seu histórico de vida, um fenômeno da literatura cristã. Por conta dessa vocação, e por não querer abrir mão dela, foi levado para prisão, onde viveu por doze anos encarcerado. Produziu obras de grande importância,3 sendo uma delas “O Peregrino”4, obra que foi e ainda continua sendo de

1

Para mais informações relacionadas ao contexto ver: GONZALEZ, Justos L., A Era dos Dogmas e das Dúvidas, 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, [s.d.], p. 51–80. 2 BEEKE, Joel R.; PEDERSON, Rendall J., Paixão Pela Pureza: Conheça os Puritanos, 1. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2010, p. 170. 3 Ibid., p. 176–178. 4 BUNYAN, John, O Peregrino, 19. ed. São Paulo: Imprensa Metodista, 1992. O Peregrino, é uma obra alegórica onde um sonho é narrado. Encontramos vários personagens, sendo o principal deles cristão, um homem que começa a ler um livro que o faz ter pesadelos e faz crescer um grande fardo em suas costas. Cristão, por conta do que lê no livro, passa a ver a destruição que virá por conta da infidelidade e

grande valor para literatura cristã. No ano de 1688, Bunyan morre vítima de uma enfermidade. Outra obra muito conhecida de Bunyan é “Graça Abundante ao principal dos pecadores”5, que traz a sua autobiografia. Nesta obra Bunyan mostra suas dificuldades com a solidão precoce, sua rebeldia, sua família, sua luta com a incerteza da salvação e medo de não ser digno de perdão da parte de Deus por conta dos seus muitos pecados.6 A obra também relata um período onde ele, por viver um padrão de devoção elevado, chega a achar que nenhum homem vivia um padrão tão elevado de devoção como ele,7 o que demonstra que ele viveu por algum tempo envolto em uma falsa segurança, a qual logo se foi. Bunyan relata também momentos de grande instabilidade, mesmo depois de reconhecer que somente em Cristo poderia ser justificado. Ele vivia como se estivesse em uma montanha russa, sendo assaltado por dúvidas cruéis. Nesta obra ele relata o grande alívio e paz de espírito que passa a ter quando entende que sua salvação não dependia dele, mas sim do que Cristo fez por ele, recebendo assim, da parte de Deus, essa certeza.8 É interessante que Bunyan destaca o que o fazia decair da certeza de estar em Cristo, demonstrando assim, que a negligencia aos meios de graça o enfraqueciam e o deixavam suscetível as investidas de Satanás, no entanto, estas tentações, uma vez superadas, o fortaleceram na fé e na certeza da sua união com Cristo.9 Bunyan dedicou-se por inteiro a causa do Evangelho, sofrendo as duras penas por amor a Cristo. O que se vê na autobiografia de John Bunyan é o que acontece na vida de muitos cristãos. Muitos têm nutrido falsa segurança por viver um cristianismo baseado em cerimonialismo, sacramentalismo, meritocracia, o que na verdade não passa de um cristianismo sem Cristo, pois o homem passa a buscar a salvação por justiça própria. Outros cristãos vivem sendo assaltados por constantes dúvidas por conta da profunda convicção de pecados que os assola, fazendo-os, por alguns momentos, se acharem imerecedores de algum bem da parte de Deus. Isso pode conduzi-los a uma vida contrita aos pés do Senhor, ou pode leva-los a uma vida dissoluta de pecado, embora estes, sendo

desobediência dos cidadãos daquela cidade se tornando então um peregrino em busca da Cidade Celestial. Esta é uma obra prima, escrita há tanto tempo, mas que retrata a caminhada do cristã de forma precisa, com os autos e baixos, com as disciplinas e recompensas, com as tentações e provações, com o companheirismo encontrado na igreja. 5 BUNYAN, John, Graça Abundante ao principal dos pecadores, 1. ed. São Paulo: Editora Fiel, 2012. 6 Ibid., p. 51. 7 Ibid., p. 34. 8 Ibid., p. 113–115. 9 Ibid., p. 121–123.

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eleitos, em tempo oportuno, sejam reconduzidos aos pés do Senhor em arrependimento sincero. Outro grupo de cristãos é composto por aqueles que possivelmente já passaram por estas etapas anteriormente citadas, mas agora conseguem viver em paz, certos de que nada pode os separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus. Esse cristão, que nutre esta plena e genuína certeza, garantida pelo penhor do Espírito Santo, vive buscando desenvolver sua salvação com temor e tremor, buscando viver o céu na terra para depois gozar em plenitude da glória eterna. A Confissão de Fé de Westminster trata, no capítulo XVIII, da doutrina da Segurança da graça e Certeza da Salvação. Esse capítulo apresenta a ênfase pastoral dos puritanos quanto a essa matéria tão importante. Vale notar que essa é uma doutrina que até o século XVII, não era tratada de maneira tão específica. Geralmente os reformadores tratavam da segurança e certeza da salvação vinculado ao estudo da fé, uma vez que havia o entendimento de que a segurança era parte da essência da fé. Como a pesquisa mostrará, isso acaba gerando algumas tenções, que por sua vez, são desfeitas à luz do ensino dos puritanos contido nos documentos de Westminster. Pois claramente percebe-se que havia uma agenda com relação a este assunto, demonstrando o quanto ele foi e continua sendo importante para a vida da Igreja de Cristo. A ênfase pastoral puritana coloca essa doutrina como uma doutrina central e altamente importante para a vida dos crentes. Há um grande destaque para a interação que há entre essa doutrina e as demais doutrinas soteriológicas, bem como seus maravilhosos frutos que ajudam o crente nessa árdua jornada da vida cristã. Mas não só isso, a tratativa dos puritanos a está matéria vem também para desfazer os erros direcionados a ela e colocar alguns pontos que foram tratados pelos reformadores, de forma que traz consolo aos crentes mais fracos que são cheios de dúvida e desprovidos de segurança e certeza da salvação. Diante do que se observa no presente século, é perceptível a necessidade de que haja um resgate dessa doutrina, que ela esteja presente nos púlpitos, nos gabinetes pastorais, que de fato ela esteja presente na vida dos crentes e seja um meio para que Deus possa conduzir o seu povo em segurança e certeza, dando sobejos frutos, crentes sedentos por Cristo e por sua volta, que buscam viver o céu na terra enquanto todas as coisas não são finalmente consumadas.

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A presente pesquisa, no intento de responder os grandes questionamentos da maioria dos crentes, como por exemplo, a possibilidade de se ter verdadeira segurança e certeza, bem como a situação daqueles que não possuem a segurança, também acerca da situação daqueles que vivem envolto em profundas dúvidas se são verdadeiros crentes ou não, quanto a perda da segurança e a restauração da mesma. Nesse sentido, a pesquisa irá apresentar, por meio de um estudo bíblico-teológico, exegético e bibliográfico, as respostas para esses questionamentos, conduzindo o querido leitor a entender a ênfase pastoral puritana contida no capítulo XVIII da Confissão de Fé de Westminster. Sendo assim, o primeiro capítulo da pesquisa apresentará a base objetiva da segurança e certezas da salvação, apreciando os seguintes aspectos: primeiramente irá mostrar, nas dispensações do pacto de Deus com seu povo, a relação de segurança apresentada para os eleitos de Deus, e isso, partindo do Pacto da Trindade à Nova Aliança; também, ressaltará os atos de Deus e a resposta do Seu povo diretamente envolvido nesse pacto. Nesse primeiro capítulo a pesquisa intenciona estabelecer essa base objetiva da segurança e trazer resposta as perguntas supracitadas, mostra as evidências da segurança e certeza da salvação no progresso da revelação. O segundo capítulo, trará um estudo histórico e credal da doutrina, partindo da Igreja Primitiva até os puritanos do século XVI e XVII, apresentando esse desenvolvimento e destacando os principais proponentes que foram de grande importância para o estabelecimento e desenvolvimento da doutrina da segurança e certeza da salvação. O terceiro e último capítulo, tem como objetivo apresentar uma exposição do capítulo XVIII da Confissão de Fé de Westminster, apresentando um breve comparativo com o pensamento dos reformadores, destacando a ênfase pastoral dos puritanos, bem como, o pensamento de alguns teólogos que vieram posteriormente. Nesse capítulo a pesquisa irá mostrar as principais distorções aos pensamentos dos reformadores e apresentará também as perspectivas contraditórias que estão relacionadas a matéria. A pesquisa tem como objetivo chamar a atenção para a ênfase pastoral puritana na tentativa de conscientizar o prezado leitor da importância de resgatar essa urgência que aqueles homens de Deus tiveram no trato dessa matéria, tornando-a cada vez mais presente e clara na vida da igreja.

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1

FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DA DOUTRINA

1.1 Introdução É possível ter certeza da salvação? Posso dizer que sou salvo? Como eu posso ter genuína certeza?1 Há tempos essas são algumas das grandes interrogações que costumam pairar sobre a cabeça de muitos cristãos. Muitos crentes, até mesmo no meio dito reformado, não são devidamente instruídos acerca dessa doutrina tão importante que, por sua vez, foi tão bem desenvolvida por homens de Deus ao longo da história da Igreja, em especial os puritanos do século XVI e XVII, os quais a sistematizaram de forma maravilhosa na Confissão de Fé de Westminster. Suas obras objetivavam provar que o eleito de Deus pode, à luz da Escritura e da iluminação do Espírito Santo, gozar desta segurança e certeza e declarar com base na sua união com Cristo que é salvo e assim viver como um cidadão do céu. Visando responder algumas dessas questões e contribuir para o aprimoramento dos crentes no conhecimento dessa doutrina, o primeiro capítulo desta pesquisa visa tratar, de maneira panorâmica, a fundamentação bíblica da doutrina da segurança e certeza da salvação.2 Este primeiro capítulo apresentará os principais fundamentos bíblicos dessa doutrina encontrados no Antigo e Novo Testamento, apresentando as principais evidências no progresso da revelação. No transcorrer destas páginas, ficará nítido que a doutrina da certeza da salvação está intimamente ligada a outras fundamentais doutrinas. Como bem afirma Joel Beeke: “A certeza é de escopo muito amplo, é profunda em sua intensidade e gloriosa em sua altitude. Quase se pode escrever uma teologia sistemática sobre a estrutura da certeza”.3 Diante disso ele declara: A certeza se entrelaça com a obra do Espírito em cada elo da corrente da salvação, da vocação à glorificação. Ela está conectada com a doutrina do 1

O grande teólogo puritano William Perkins, referência no desenvolvimento desta doutrina, interagiu muito bem com estes questionamentos, como mostra Joel Beeke. BEEKE, Joel R., A Busca da Plena Segurança - O Legado de Calvino e Seus Sucessores, 1. ed. Recife-PE: Os Puritanos, 2003, p. 121, 122. 2 Vale destacar a forma como Calvino trata a ideia de segurança mostrando que ela pode ser objetiva e subjetiva. Como destaca Paulo Anglada, para Calvino, a certeza da salvação faz parte da essência da fé. Com isso ele mostra que a segurança objetiva está ligada à veracidade das promessas de Deus e sua fidelidade em cumpri-las, enquanto a segurança subjetiva está ligada a convicção de que essas promessas nos dizem respeito. ANGLADA, PAULO R. B., A Confissão de Fé de Westminster é realmente calvinista? Uma avaliação crítica de “A modificação Puritana da Teologia de Calvino,” de R. T. Kendall, Fides Reformata, n. 3/2, 1998. 3 BEEKE, Joel R., Espiritualidade Reformada - Uma Teologia Prática para a Devoção a Deus, 1. ed. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 231.

pecado, da graça, da expiação e da união com Cristo. É inseparável das marcas e passos da graça. Ela toca a essência da soberania divina e da responsabilidade humana; é intimamente conectada com a Santa Escritura; flui da eleição, das promessas de Deus e da aliança da graça. Ela é fortificada pela pregação, os sacramentos e a oração.4

Assim, vê-se como é importante a tratativa dessa doutrina, que não só se relaciona com as demais importantes doutrinas soteriológicas, mas também pode ser evidenciada no decorrer da revelação pactual de Deus. 1.2 Fundamentação da doutrina da Segurança e certeza da salvação no Antigo Testamento Como afirma John S. Feinberg, tanto teólogos bíblicos como sistemáticos dedicam pouca atenção ao tratamento da doutrina da segurança no Antigo Testamento.5 No entanto, mesmo diante dessa dificuldade é possível fundamentar a doutrina observando evidências que mostram a ênfase dada, no progresso da revelação, a imutabilidade de Deus, uma vez que quando Deus decreta algo ele não muda, por isso, a salvação é garantida aos eleitos; assim como a observação da forma providencial com que Deus trata o seu povo, mantendo sempre a sua semente intacta; e também, a fidelidade do Senhor ao seu pacto, independente da infidelidade do homem.6 Nesta seção, a pesquisa visa pontuar os principais textos que apontam para a fundamentação da doutrina da segurança e certeza da salvação, observando de forma progressiva o desenvolvimento bíblico, acerca da doutrina e suas implicações para o povo da aliança dentro da sua relação pactual. Vários textos que fundamentam a segurança e certeza da salvação podem ser apontados no Antigo Testamento. O Povo de Deus, escolhido antes da fundação do mundo e denominado depois da queda como “os da semente da mulher” (Gn 3.15), dá evidências, por meio da sua esperança, de que confiava plenamente no Deus soberano que o havia criado e que o sustentaria em todo tempo, conduzindo-o para Ele mesmo por amor do Seu próprio Nome por meio de uma relação pactual.

4

Ibid. FEINBERG, John S., Salvation in the Old Testament Tradition and Testament. Essays in Honor of Charles Lee Feinberg, Chicago: Moody Press, 1981, p. 39. JOHN S. Feinberg (MA, Ph.D., University of Chicago; M. Div, Talbot Theological Seminary, Th.M., Trinity Evangelical Divinity School) é professor de teologia sistemática na Liberty Seminário Batista, Lynchburg, Virginia. 6 CHAMBLESS, Jeff, Testamentum Imperium an international Theological Jornal, Evidence of the Security of the Believer in the Old Testament, v. 1, n. 2005-2007, . 5

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1.2.1 Fundamentação da doutrina na relação pactual na eternidade O ponto de partida para entender essa relação pactual, que gera segurança e certeza de salvação, está no pacto feito desde toda a eternidade pelas três pessoas da trindade, o qual é conhecido como “pactum salutis” - conselho da redenção. Como declara Kuiper, a verdade expressa no conselho da redenção é que “o Pai, o Filho e o Espírito Santo, antes que o mundo existisse, planejaram juntos a salvação dos pecadores”. 7 Kuiper mostra ainda que essa doutrina está fundamentada na Escritura, apontando textos que mostram que houve, de fato, esse conselho da redenção. Em 1Jo 4.10, ele destaca que o Pai é mencionado como tendo enviado o Filho; em Jo 17.4, o Senhor Jesus fala de uma comissão que lhe fora dada pelo Pai; Is 53.12 menciona a recompensa dada pelo Pai ao Filho pela realização da Sua obra; Jo 14.26; 15.26, mostram que o Espírito Santo é enviado pelo Pai e pelo Filho.8 Kuiper resume dizendo: Antes que o mundo existisse, o Trino Deus elaborou um plano de salvação para ser executado em várias partes, reciprocamente distribuídas pelo Pai como Enviante e Diretor, pelo Filho como Enviado, Mediador e Enviante, e pelo Espírito Santo como Enviado e Aplicador.9

Morton H. Smith também apresenta evidências desse pacto na Escritura. Em João 17.21a, ele destaca o empenho do Pai em resgatar e purificar os pecados dos eleitos, reunindo-os para Ele mesmo; em Jo 12.2, ele pontua que Jesus recebeu autoridade sobre toda a carne; em Jo 6.44, o autor mostra que Jesus fora enviado pelo Pai; ainda em Jo 3.5, ele mostra a ação do Espírito Santo.10 Quanto a esse pacto Smith declara que: O pacto da redenção era o eterno pacto em que Deus, o Pai escolheu um número de homens para a glória eterna com ele mesmo. Deus Filho concordou em resgatar estes depois de terem caído, e Deus o Espírito Santo concordaram em aplicar a obra de Cristo para os eleitos. O Pai prometeu dar os eleitos para o Filho como uma recompensa por sua obra de salvação (Is 53.12). O Espírito Santo foi prometido para o Filho para que ele pudesse vir e aplicar a redenção realizada por Cristo para os eleitos, para a Igreja.11

Partindo desse pressuposto, é possível olhar para a relação pactual de Deus com seu povo escolhido desde antes da fundação do mundo, e ver a segurança que esse povo demonstra, que, por sua vez, é fruto da graça e misericórdia de Deus que concede o dom da fé para que essa certeza da salvação seja real.

7

KUIPER, R. B., Evangelização Teocêntrica, 2. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2013, p. 9. 8 Ibid., p. 9–10. 9 Ibid., p. 10. 10 A Puritan’s Mind » Smith on Covenant Theology – by Dr. Morton Smith. 11 Ibid. (Tradução do google).

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1.2.2 Fundamentação da doutrina na relação pactual temporal Aqui observar-se-á, dentro dessa relação pactual de Deus com seu povo, desde Adão até Davi e o anúncio da nova aliança nos profetas, as evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação no Antigo Testamento. 1.2.2.1 Evidência na aliança da criação Começamos a ver essa relação que gera segurança e certeza da salvação na aliança que Deus fez com Adão no jardim do Éden, conhecida como a aliança da criação. A maioria dos teólogos ressalta que o termo aliança (‫ )ברית‬não aparece nos primeiros cinco capítulos de Gênesis, deixando claro que isso não indica que não havia uma relação de aliança entre Deus e o homem antes de ser usado o termo. Van Groningen, falando sobre isso, declara que: “não se deve entender com isso que a ideia de aliança era um conceito posterior na mente de Deus e na sua revelação concernente a sua relação com o que ele tinha criado”.12 Ele continua mostrando que esse laço pactual é revelado na realidade abençoada em que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e, que Ele os fez e manteve um laço de amor e vida com eles de maneira que eles poderiam representá-lo em todas as esferas da vida e aspectos cósmicos. O autor mostra ainda que Deus instruiu Adão e Eva naquilo em que deveriam fazer como vice-gerentes.13 Logo, vê-se nessa relação uma clara relação pactual. O homem tinha não só obrigações claras para com o seu criador, mas também havia sanções bem especificadas nessa relação, que é denominada pelos teólogos de pacto das obras. O não cumprimento dessas obrigações, ou seja, desse pacto, por parte do homem, o levou a sofrer as sanções que Deus havia colocado anteriormente caso houvesse quebra do pacto das obras. Essa desobediência trouxe consequências eternas terríveis para a humanidade. Mas, mesmo diante dessa situação, Deus, por sua misericórdia e amor, dá ao homem a promessa de redenção por meio daquele que viria da semente da mulher e esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3.15). Entra em cena, no tempo e no espaço a aliança da graça. Essa é a promessa central, conhecida como o protoevangelho. Van Groningen diz que na mensagem, em Gênesis 3.15, encontra-se a primeira revelação redentora no

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GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 23. 13 Ibid., p. 24.

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Antigo Testamento.14 A partir daí pode-se observar, na vida daqueles que são alvo dessa relação graciosa com Deus, atitudes que demonstram segurança e certeza de salvação. 1.2.2.2 Evidência na aliança da graça Comentando um dos primeiros eventos pós-queda, Van Groningen mostra que o nome dado por Adão a sua esposa “Eva” (vida), demonstra sua segurança na promessa da semente, ou seja, que Deus daria continuidade à semente da mulher. Eva, ao dar à luz a Caim, seu primogênito, assim como seu marido, demonstra segurança na promessa da semente. Ela faz sua própria declaração de fé, achando que aquele filho era, de fato, o redentor, o filho da promessa que esmagaria a cabeça da serpente (Gn 4.1). Van Groningen comentando esse versículo faz uma análise exegética propondo uma tradução mais literal para a expressão de Eva “‫ְהוָֽה‬ ָ ‫יתי ִאיׁש אֶ ת־י‬ ִ ִ‫” ָקנ‬: “Adquiri um homem, o Senhor”. O autor vai deixar claro que essa expressão tem sido traduzida de pelo menos três formas. Diante disso, ele declara que “a importância principal da exclamação é clara. O Senhor estava envolvido na geração de seu filho. De fato, seu marido a tinha ‘conhecido’ e ela havia concebido e dado à luz um filho. Mas o Senhor o tinha causado”.15 Caim não comungou da mesma fé e segurança de seus pais, uma vez que Abel é considerado como comungante da esperança dessa esperança.16 Com o pecado de Caim e a morte de Abel, a esperança de Eva é renovada com o nascimento de Sete. Na ocasião do nascimento de

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Ibid., p. 134. GRONINGEN, Gerard Van, Revelação Messiânica no Antigo Testamento, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2003. Existem interpretações divergentes com relação ao verdadeiro sentido desse texto, principalmente quanto à tradução da expressão “‫”אֶ ת־יְ הוָֽה‬. João Calvino, comentando esse texto apresenta alguns desses posicionamentos. O primeiro deles traduz essa expressão da seguinte maneira: “com o SENHOR”, isto é, pela bondade ou pelo favor do SEHOR, a ideia é que Eva remete a bênção recebida da prole ao SENHOR, como é dito no Sl 127.3. O segundo grupo traduz da seguinte forma: “do SENHOR”, e a versão de Jerônimo traz: “através do SENHOR”. Diante dessas três possíveis traduções destacadas por Calvino ele vai dizer: “Estas três leituras, eu digo, tendem a este ponto, que Eva dá graças a Deus por ter começado a levantar uma posteridade através dela, embora ela era merecedora de esterilidade perpétua, bem como de destruição total”. Calvino ainda destaca a ideia de outros que, com maior sutileza, tentaram explicar a expressão “‫יתי ִאיׁש אֶ ת־יְ הוָֽה‬ ִ ִ‫ ”קנ‬da seguinte forma: “eu tenho obtido o homem do Senhor”; como se Eva tivesse compreendido que ela já possuía aquele conquistador da serpente, que tinha sido divinamente prometido a ela. Diante dessa proposta Calvino diz que “eles celebram a fé de Eva, porque ela abraçou, pela fé, a promessa relativa ao esmagador da cabeça do diabo através de sua descendência; apenas eles pensam que ela estava enganada na pessoa ou o indivíduo, vendo que ela restringiria a Caim que havia sido prometido a respeito de Cristo. Calvino posiciona-se da seguinte maneira: “Para mim, no entanto, este parece ser o sentido genuíno, que, enquanto Eva felicita-se pelo nascimento de um filho, ela lhe oferece a Deus, como os primeiros frutos de sua raça. Portanto, eu acho que deveria ser traduzido, ‘tenho obtido um homem do Senhor’, o que se aproxima mais de perto da frase hebraica. Além disso, ela chama de um recémnascido um homem, porque ela viu a raça humana renovada, que tanto ela e seu marido tinham arruinado por sua própria culpa”. CALVINO, João, Genesis 4 Calvin’s Commentaries, disponível em: , acesso em: 14 maio 2016. 16 GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 143. 15

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Sete (Gn 4.25), mais uma vez, Eva expressa gratidão a Deus ao dizer que “Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel, que Caim matou”. Aqui percebe-se que Eva não perde a esperança na promessa da semente, e que ela vê na pessoa de Sete a continuação dessa semente. Na genealogia de Adão, apresentada por Moisés, é interessante notar que a descendência de Adão parte de Sete, e não de Caim (Gn 5.3). Moisés coloca da seguinte forma: “Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e lhe chamou Sete”. Logo, Sete é aquele que dará continuidade à semente da mulher, a promessa de Deus foi preservada e, agora, Adão e Eva podiam descansar seguramente no SENHOR vendo o fruto da fidelidade de Deus à sua frente. 1.2.2.3 Evidência na aliança com Noé Olhando para o relato do nascimento de Noé vê-se a confiança do seu pai, que por ser descendente de Adão, da linhagem de Sete, era detentor da promessa da semente. Lameque faz uma declaração, em Gênesis 5.29, que expressa essa segura esperança: “pôs-lhe o nome de Noé, dizendo: Este nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas de nossas mãos, nesta terra que o SENHOR amaldiçoou”. Olhando para o relato da história de Noé vê-se que de fato ele foi um tipo de Cristo. Gênesis 6 – 10, mostra Noé como o homem que “achou graça diante do SENHOR” (Gn 6.8); mostra Noé como alguém que também teve confiança na promessa do SENHOR; como um homem que gozava de segurança; mostra, nos atos de obediência de Noé que ele age como quem tem certeza da sua salvação, obedecendo cabalmente às ordens do SENHOR (Gn 7.5)17 e, por isso goza da segurança proporcionada por Ele. Logo após o dilúvio, Deus, tendo preservado a Noé e sua família,18 estabeleceu uma aliança com Noé (Gn. 8.20-22). Van Groningen faz uma análise exegética desse texto que mostra com precisão a tratativa de Deus com Noé, a qual fundamenta a sua segurança. Ele afirma que: As Escrituras mostram claramente ao leitor que Deus continuaria a manter seu reino cósmico; wayyo'mer yehwâ 'el-libbô (e Yahweh disse em seu coração). Esta declaração afirma que uma resolução divina foi feita. Ela não seria quebrada: lo' 'asip (não, enfático, novamente). A maldição não seria executada novamente sobre ha'adamâ (o solo). Esta resolução foi tomada e seria

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GRONINGER, Gerard Van, O progresso da revelação no Antigo Testamento, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 34. 18 LAWSON, Steven J., Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2012, p. 97–98.

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sustentada mesmo se o reino parasita satânico se tornasse, novamente, poderosamente influente nas vidas dos descendentes de Noé. 19

É de grande importância observar que a promessa de Deus é incondicional, não depende da fidelidade do homem, e sim da fidelidade do próprio Deus. Noé poderia descansar seguro na continuidade da semente. Essa aliança com Noé é ratificada por meio de um selo, ou seja, o arco que apareceu no céu (Gn 9.13, 14, 16), reafirmando a aliança da criação e, Noé vive de acordo e em função dessa aliança. 20 Em Noé, Deus dá continuidade à Sua santa semente. 1.2.2.4 Evidência na aliança com os patriarcas Olhando para os patriarcas é possível encontrar manifestações de segurança e certeza da salvação advinda da confiança nas promessas de Deus e da forma pessoal e paternal com que Ele cuida dos seus eleitos. É possível ver isso na resposta de Abraão ao mandato do SENHOR (Gn 12.1-9). Deus promete a Abraão que sua descendência seria como as estrelas no céu e a Palavra diz que ele “creu” (Gn 15.5,6) e logo depois Deus firma um pacto com Abraão (Gn 15.18).21 Mais à frente, Deus testa Abraão pedindo-lhe que entregasse Isaque, o filho da promessa, em sacrifício. Mais uma vez a atitude de Abraão demonstra sua segurança e total confiança em Deus (Gn 22.1-19).22 É interessante a fala de Abraão aos seus servos, no versículo 5, quando ele diz: “voltaremos”, demonstrando convicção de que Deus, de alguma forma, preservaria a vida do filho da promessa. Van Groningen, comentando essa passagem, com bastante propriedade destaca: “Abraão, ao obedecer a seu Senhor da Aliança, também se submeteu a Ele. A obediência, caracterizada por submissão, expressou confiança e esperança total em Deus.

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GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 480. 20 VOS, Geerhardus, Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamento, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 72.; GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 170– 171. 21 Os termos utilizados neste texto, ‫כרת ברית‬, são os mesmos utilizados nas demais situações em que o SENHOR entra em aliança com o seu povo, e também para reafirmar a aliança de Deus com seu povo no decorrer de toda a história da redenção. O termo ‫( כרת‬cortar, fazer) aparece praticamente em todos os livros do Antigo Testamento, em 246 ocorrências e o termo ‫( ברית‬aliança, pacto) aparece por 277 vezes, normalmente, quando aparecem vinculados têm o propósito de caracterizar o pacto de Deus com o seu povo. O Termo ‫כרת‬, também indica o sentido de cortar o prepúcio, cortar uma árvore, eliminar do meio do povo. O sentido do termo é bem abrangente. HOLLADAY, William L., Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento, São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 233. O termo ‫ברית‬, também é usado para dirigir-se a acordos entre homens, bem como para caracterizar a aliança de Deus com o homem. Ibid., p. 65,66. 22 GRONINGER, Gerard Van, O progresso da revelação no Antigo Testamento, p. 41.

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Ele sabia e creu que ‘Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dentre os mortos’ Hb 11.19”.23 À semelhança do selo, ou sinal, dado a Noé, a circuncisão, selo estabelecido por Deus (Gn 17.9-14), é uma dessas grandes manifestações de segurança nas promessas de Deus. Palmer Robson vai diz que esse selo que é estabelecido por Deus deve ser aplicado e, mostra que a palavra original de Deus, que estabelece o selo, aponta claramente na direção da responsabilidade pessoal, deixando claro que o fato de ser selado não garante que a criança seria salva, mas aponta para necessidade daquela aliança ser guardada. 24 Robertson diz que: “Pela circuncisão, um testemunho era dado ao mundo, e uma pessoa era selada em sua comunhão com a comunidade organizada da aliança”25. Robertson ressalta ainda que: A circuncisão era efetiva ao selá-los em consagração a Deus conforme ministrado pelo Espirito. Se essa pessoa nasceu ou não novamente do Espirito de Deus na época de sua circuncisão, ela estava, pela circuncisão, selada na possessão certa da promessa de Deus. Aquele que foi designado por Deus para a salvação eterna antes da fundação do mundo foi selado pela circuncisão na certeza da possessão final das promessas. 26

As promessas de Deus são ratificadas aos patriarcas. Deus ratifica a promessa da semente a Isaque (Gn 26.2-5; 24), o qual fora obediente a seu pai não tomando mulher canaanita e, mesmo tendo demonstrando medo de ser morto em face a beleza da sua esposa, permaneceu no lugar que Deus lhe ordenara, sendo grandemente abençoado por Deus. Em Gênesis 25.5, Isaque é apontado como o herdeiro de toda a riqueza de Abraão. Jacó, mesmo tendo agido por meio de estratagema para com o seu irmão e com o seu pai, Deus graciosamente o assiste com a ratificação da promessa feita a seus pais (Gn 28.1315). Tendo o Senhor ratificado a promessa, Jacó (vs. 21 e 22) faz o seguinte voto a Deus: “Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai, então, o SENHOR será o meu Deus”. Retornando Jacó para sua terra, depois de ter lutado com Deus e prevalecido a salvo, sem deixar que Ele fosse embora antes de abençoá-lo, ele adquire uma porção de terra e cumpre assim o voto que havia feito: “e levantou ali um altar e lhe chamou Deus, o Deus de Israel” (Gn 33.20). Deus abençoou grandemente a

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Ibid., p. 45. ROBERTSON, O. Palmer, Alianças, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 42. 25 Ibid., p. 43. 26 Ibid. 24

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Jacó, dando-lhe doze filhos, preservando sua semente, conduzindo-o ao Egito com toda sua família, pela mediação de seu filho José, considerado também como um tipo de Cristo, que, pela sua fé e segurança no SENHOR, foi exaltado no Egito com o propósito de trazer preservação ao povo de Israel.27 Vê-se, portanto, que ambos também demonstram, por meio das suas atitudes de obediência, essa segurança e certeza da salvação no SENHOR do pacto. 1.2.2.5 Evidência na aliança da Lei O próximo passo é olhar para Moisés. A fé dos pais de Moisés fez com eles o ocultassem para que não fosse morto (Êx 2.3; Hb 11.23), assim como o próprio Senhor Jesus ao nascer (Mt 2.13-18), pois Deus havia escolhido Moisés para ser o libertador de Israel, tipificando assim o Senhor Jesus. Embora, inicialmente relutante, Moisés obedece ao chamado do Senhor para ir libertar o Seu povo. A intrepidez de Moisés ante o faraó mostra a sua segurança no SENHOR todo poderoso que o assegurara de que estaria com ele (Êx 3.12), e que o havia enviado para aquela missão. Em Moisés, entra em cena a aliança da lei. Deus, após libertar o seu povo do cativeiro egípcio, dá a sua Lei para ratificar os seus preceitos ao seu povo. A primeira declaração do decálogo já expressa bem essa ideia – “Eu sou o SENHOR teu Deus que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20.1). Deus salva depois dá a Lei para que os crentes possam demonstrar, por meio da obediência, sua gratidão, fé e segurança nele. Geerhardus Vos, trabalhando com essa ideia, diz que “A Lei foi dada depois que a redenção de Israel foi efetuada, e o povo já havia entrado no gozo de muitas das bênçãos do berith”.28 Ele mostra ainda que “a guarda da Lei não consta naquela conjuntura, como base meritória para herdar a vida eterna. Ela é baseada na graça somente, e, de modo não menos enfático Paulo baseia nela a Salvação”.29 A segurança do povo de Israel não estava nas suas próprias obras, mas sim nas promessas de Deus, as quais são mantidas independente da desobediência do povo. A condução do povo ao cativeiro por conta da apostasia é a grande prova disso. Depois de ser o povo disciplinado e tratado, conduzido ao arrependimento, Deus o conduziu de volta ao seu favor. Diante disso, Vos, declara que

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GRONINGER, Gerard Van, O progresso da revelação no Antigo Testamento, p. 46. VOS, Geerhardus, Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamento, p. 159–160. 29 Ibid., p. 160. 28

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“essa é a prova mais convincente de que a observância da Lei não é a base meritória da bênção”.30 Van Groningen destaca que, diante da Lei de Deus que fora exposta ao povo, esse povo agora, tinham uma responsabilidade de responder positivamente à Lei, uma vez que ela fora dada pelo próprio Deus. E foi isso que o povo fez, respondendo, a uma só voz dizendo que tudo que o SENHOR falou iria fazer (Êx 19.8), embora não tivesse cumprido esse compromisso, o que também aponta para incondicionalidade de Deus manter o pacto. Yahweh estava iniciando com Israel o sistema de Teocracia regulamentado pela Sua Lei.31 A segurança e certeza da salvação, nesse período, é vista na resposta à lei do SENHOR, uma vez que, ao obedecer a Lei declarava-se gratidão e submissão ao SENHOR que promulgou a Lei. Essa relação entre obediência e segurança fica evidente não só na aliança da Lei, mas também na relação de Deus com Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Josué, Davi e com tantos outros servos de Deus no decorrer da história da redenção, e que fica mais clara ao se observar, no progresso da revelação, mesmo não sendo condicional para a salvação. Depois da morte de Moisés, Deus coloca Josué para dirigir o seu povo, e a promessa de Deus para o seu servo é a seguinte: “como fui com Moisés, assim serei contigo; não te deixarei, nem te desampararei”. (Js 1.5). Josué também demonstra segurança e certeza de salvação por meio da sua obediência às ordenanças do SENHOR, bem como a sua firmeza diante daqueles que estavam se afastando do SENHOR (Js 24.15), e Deus, o SENHOR, demonstra sua fidelidade, graça e misericórdia para com ele e para com o seu povo. Com a morte de Josué, o povo de Israel acaba se distanciando de Deus, e por conta da desobediência e rebeldia acaba sofrendo duras consequências. Entra em cena o período dos Juízes, os quais eram levantados por Deus para libertar o povo por causa da opressão sofrida por causa da constante apostasia do povo. Deus demonstra sua graça e misericórdia, levando homens para trazerem o povo à lucidez e retorná-los à submissão ao SENHOR. O fato é que, por não haver um rei em Israel, cada um fazia o que achava

30 31

Ibid., p. 161. GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 365–366.

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mais reto (Jz 21.25). Todo esse quadro aponta para a necessidade de que a monarquia fosse implantada. 1.2.2.6 Evidência na aliança davídica O SENHOR já havia deixado transparecer a ideia de uma monarquia por meio de um rei, como fica claro na promessa feita a Abraão – “reis procederão de ti” (Gn 17.6) e na reiteração feita a Judá – “o cetro não se arredará de Judá” (Gn 49.8-12).32 Com isso, diante da constante solicitação do povo diante de Samuel (1Sm 8.5), tem início o período monárquico, o qual por meio da aliança davídica, é eternizado. Aprouve a Deus pactuar com Davi, fazendo com ele aliança de um reinado eterno por meio da sua descendência (2Sm 7.14-16), na qual o SENHOR deixa expresso que o Seu amor não lhe seria tirado ao declarar: “Mas a minha misericórdia se não apartará dele” (2Sm 7.15). Assim fica claro a incondicionalidade desse pacto como visto no Sl 89. A certeza e segurança da salvação de Davi fica evidente em 2Sm 23.5 onde ele declara: “Não está assim com Deus a minha casa? Pois estabeleceu comigo uma aliança eterna, em tudo bem definida e segura. Não me fará ele prosperar toda a minha salvação e toda a minha esperança? ” Além disso, Is 55.3 ainda demonstra os benefícios desse pacto aplicado à nação de Israel.33 Como declara Van Groningen, “sua salvação estava assegurada por causa da continuidade da semente e do reino eterno da semente/filho”.34 O fato é que ainda que o filho de Davi viesse a transgredir, o SENHOR preservaria Sua semente, para que, em tempo oportuno viesse o “Filho de Davi” que daria continuidade ao seu reinado eterno, Cristo Jesus, o qual é chamado de Filho de Davi por diversas vezes no Novo Testamento (Mt 9.27; 12.23; 15.22; 20.30; 20.31; 21.9; 21.15; Mc 10.47,48; 12.35; Lc 1.32; 18.38,39; 20.41; Rm 1.3). Van Groningen destaca ainda evidências que mostram que Davi tinha segurança em Deus, uma vez que ele estava ciente do relacionamento de Deus Yahweh com ele (2Sm 23.5), com isso ele mostra que Davi confiava totalmente no cuidado protetor de Yahweh sobre si, destacando eventos como a luta de Davi contra o gigante filisteu. Os Salmos escritos por Davi estão repletos de evidências dessa segurança e certeza de salvação, a saber: Segurança na proteção de Deus – Sl 3; 18.2; segurança na certeza de que Deus o ouve – Sl 4.3; 116.1, por isso ele podia clamar, como se vê em Sl 5.2; 6.4; segurança na certeza de que o SENHOR não desampara os que o buscam – Sl 9.7-10; 27. 32

Ibid., p. 539–542. VANGEMEREN, Willem, The progress of redemption: The story of salvation from creation to the New Jerusalem, 1. ed. Grand Rapids, MI: Baker Books, 1988, p. 230. 34 GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 550. 33

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Destacam-se também outros Salmos como o Sl 16.8-11, que traz uma das mais belas declarações de segurança da Escritura, a qual aponta para Cristo Jesus, o Salvador. No Sl 18, é reiterado o aspecto da segurança e certeza da salvação com base na promessa do reinado eterno de Davi por meio da sua posteridade. Ainda nos Salmos 23, 24 e 27, temse expressões belíssimas da segurança e certeza de Davi em sua salvação e que Deus o manteria seguro em cada circunstância da vida.35 Assim também, vê-se a segurança expressa por Davi no Sl 46, bem como na maioria dos Salmos de sua autoria. 1.2.2.7 Evidência nos escritos proféticos e na promessa da nova aliança Olhando para os Escritos proféticos, também é possível encontrar evidências da doutrina da segurança e certeza da salvação. O livro do profeta Isaías é um desses escritos que se encontra repleto de passagens dessa natureza. No capítulo 6, na descrição da visão de Isaías, Deus fala com o profeta e declara a sua imutabilidade e fidelidade em cumprir as promessas demonstradas até aquele momento, sobre a preservação da semente: “Mas, se ainda ficar a décima parte dela, tornará a ser destruída. Como terebinto e como carvalho, dos quais, depois de derribados, ainda fica o toco, assim a santa semente é o seu toco”. (Is 6.13). No capítulo 12, versículo 2, o profeta declara sua segurança em Deus: “Eis que Deus é a minha salvação; confiarei e não temerei, porque o SENHOR Deus é a minha força e o meu cântico; ele se tornou a minha salvação”. No capítulo 25, o profeta aponta para fidelidade do SENHOR em cumprir suas promessas trazendo livramento para o seu povo, revelando também uma perspectiva escatológica. Dentre outras passagens encontram-se as que falam do Messias que viria para trazer descanso final ao povo de Deus. No Livro do profeta Jeremias, Deus fala por boca do profeta que estabeleceria uma Nova Aliança (Jr 31.31), ou seja, como pontua VanGemeren: “uma mensagem de conforto e restauração para comunidade pós-exílica e no tempo do nosso Senhor Jesus Cristo”.36 VanGemeren afirma ainda que, na Nova Aliança, Deus reafirma Sua intenção de restaurar a humanidade para si mesmo e também os céus e a terra, como fica claro nos textos de (Mt 11.28; 26.28; 1Co 11.25; 2Co 3.6; Hb 8.8-12).37 O profeta Jeremias profere uma aliança eterna que o SENHOR faz com seu povo, de nunca deixar de fazer o bem para ele e, colocar nos corações de cada um deles o temor para que nunca se afastasse 35

Ibid., p. 551. VANGEMEREN, Willem, The progress of redemption: The story of salvation from creation to the New Jerusalem, p. 272. 37 Ibid. 36

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dEle (Jr 32:40). Os termos utilizados neste texto, ‫כרת ברית‬, são os mesmos utilizados nas demais situações em que O SENHOR entra em aliança com o seu povo, e também para reafirmar a aliança de Deus com seu povo no decorrer de toda a história da redenção. Isso mostra que Deus se empenha em cumprir suas promessas apesar da infidelidade do homem. C. H. Spurgeon, conhecido como “O Príncipe dos Pregadores” pregou no dia 06 de outubro de 1889, no Tabernáculo Metropolitano, Newington, um sermão intitulado: “Perseverança na Santidade”38. Nesse sermão, ele expõe o texto de Jeremias 32: 40. Em sua exposição, Spurgeon direciona sua congregação à segurança eterna e a descansar no fato de a aliança da graça ter sido concebida de maneira divina, por ela ser realizada de maneira Divina e ainda por ela ser mantida de maneira Divina. Ele expressa ainda que Deus envolve sua honra na salvação do seu povo, portanto não desfalecerá. Por fim, ele mostra que Deus coloca temor no coração dos seus para que sejam conduzidos pelo Espírito em perseverança até o fim.39 Em Lamentações, o profeta expressa sua segurança na infinda misericórdia de Deus e na sua fidelidade (Lm 3.22,23). 40 O profeta Ezequiel Também traz essa mensagem de Nova Aliança, denominada Aliança da Paz. No capítulo 34, Deus mesmo garante buscar e apascentar suas ovelhas (vv. 11-15), além da restauração da terra é também garantida a restauração da dinastia davídica (v. 24), bem como a bênção na colheita (vv. 26-27) e na proteção (vv. 25-29). O restante do livro traz ênfases relacionadas à: renovação da relação pactual do SENHOR com o seu povo (36.20-36; 37.23, 26; 39.25); o retorno de Israel à terra (36.1-15, 24; 37. 14-23; 39.27); transformação espiritual do povo (36.25-27; 37.14; 39.29); as bênçãos do pacto (36.8-12, 29-30, 33-35; 37.26); restauração de um rei da linhagem de Davi, o Messias (37.24-25); por fim a restauração do Templo (37.26-27). Aqui estão envolvidas a renovação de todas as Alianças – Abraãmica, Mosaica e Davídica.41 Todas essas promessas conduziram o povo de Deus a segurança e certeza de salvação, uma vez que esse povo tinha profundo conhecimento da imutabilidade de Deus. Ainda olhando para os escritos proféticos, vê-se nos escritos do profeta Malaquias grande ênfase em um dos grandes pilares dessa doutrina, que é a o atributo da

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Perseverança na Santidade, disponível em: , acesso em: 16 nov. 2015. 39 Ibid. 40 LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 287. 41 VANGEMEREN, Willem, The progress of redemption: The story of salvation from creation to the New Jerusalem, p. 274.

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imutabilidade de Deus (Malaquias 3:6). O próprio SENHOR, por boca do profeta, declara sua imutabilidade, ressaltando que, por conta dessa imutabilidade, os filhos de Jacó não eram consumidos. Diante de um contexto onde o povo estava sendo infiel, deixando de cumprir com suas obrigações no que toca a manutenção da casa do SENHOR, ele mesmo faz esta declaração que atesta sua imutabilidade. O texto faz referência à promessa que o SENHOR fez a Jacó (Gn. 28.10-17)42, a qual fora repetida em (Gn. 35.11-12). Por conta dessa promessa os filhos de Jacó poderiam descansar certos de que não seriam abandonados pelo SENHOR. Outro texto que expressa o atributo da imutabilidade de Deus e traz segurança ao seu povo é Números 23.19. Comentando esse texto, Wenhan ressalta que pelo fato de não ser homem, “Deus não pode ser manipulado por mágica, nem recebe ordens videntes”.43 Van Groningen declara a invencibilidade do povo por causa da presença de Deus no meio deles em decorrência da Sua aliança. 44 João Calvino comentando este texto vai mostrar a disparidade entre Deus e o Homem. Ele aponta, na figura de Balaque, a tendência errada que o homem tem de formar suas estimativas de Deus a partir de suas próprias disposição e hábitos.45 Louis Berkhof, ao tratar o atributo da “veracidade de Deu”, declara: “Ele é também a verdade num sentido ético e, como tal, revela-se como realmente é, de modo que a sua revelação é absolutamente confiável”.46 Logo, o fato de Deus não mentir nem se arrepender traz total segurança nas Suas promessas. A mesma ideia é encontrada em 1Samuel 15.29 quando Samuel declara a sentença de Saul, por haver ele transgredido a Lei, declarando a fidelidade de Javé em cumprir suas promessas. O Ellicott's Commentary for English Readers aponta uma tradução possível para “A Força de Israel” como: “O imutável de Israel”.47 A qual reforça a ideia da imutabilidade no texto. Diante disso, a declaração do profeta emana e inspira

Van Groningen, falando a respeito de aliança diz: “O Deus Yahweh garantiu aos patriarcas que ele seria seu Deus, e Deus dos seus descendentes, de geração em geração (Gn 17.7). Ele havia prometido a Abraão que lhe daria muitos descendentes e que, por meio deles, as nações seriam abençoadas (Gn 22.17, 18). O Deus Yahweh havia dito a Jacó que todos os povos da terra seriam abençoados por seus descendentes. Jacó foi assegurado de que o Deus Yahweh estaria com ele e cuidaria dele (Gn 28.14, 15). Essas promessas haviam sido repetidas aos descendentes em várias circunstâncias. GRONINGER, GERARD VAN, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 480. 43 WENHAN, Gordon J., Números introdução e comentário, São Paulo: Edições Vida Nova e Editora Mundom Cristão, 1991, p. 183. 44 GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 442. 45 Números 23 Comentários de Calvino, disponível em: , acesso em: 19 nov. 2015. 46 BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 67. 47 1 Samuel 15 Ellicott’s Commentary for English Readers, disponível em: , acesso em: 7 dez. 2015. 42

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total segurança e certeza de que a salvação viria para o povo de Deus, o SENHOR do pacto. Depois dessa vista panorâmica nas evidências da doutrina da segurança e certeza da salvação, no Antigo Testamento, a pesquisa segue mostrando o resultado progressivo no Novo Testamento, onde as bases estabelecidas da fidelidade de Deus ao Pacto, a saber, a imutabilidade de Deus, a incondicionalidade na realização dos decretos de Deus e os exemplos deixados pelos servos de Deus envolvidos na Aliança serão demonstrados na instauração da Nova Aliança em Cristo Jesus. 1.3 Fundamentação da doutrina da Segurança e certeza da salvação no Novo Testamento Depois de trazer algumas das principais evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação, no Antigo Testamento, agora serão pontuadas essas evidências nos textos que fundamentam a doutrina no Novo Testamento. Será observado, dentro do progresso da revelação, uma grande ligação com o que fora destacado no Antigo Testamento, no que toca à fundamentação da doutrina. A pessoa de Cristo e sua obra, demonstram e atestam sua divindade, portanto, nele e por meio dele se cumprem todas as promessas do Antigo Testamento e, sendo ele o próprio Deus, suas promessas também são totalmente verdadeiras e conduzem à segurança e certeza da salvação. Quanto à fundamentação da doutrina da segurança e certeza da salvação, encontram-se no Novo Testamento confirmações da promessa universal e incondicional de Deus e a demonstração do seu infinito, imutável e gratuito amor, bem como a aplicação do mérito infinito da satisfação de Cristo e da sua contínua intercessão, bem como a aplicação do pacto da redenção e a ação e testemunho do Espírito Santo na vida do crente.48 Primeiramente, serão pontuados os fundamentos da doutrina no Evangelho de Mateus com maior riqueza de detalhes e, depois, alguns outros eventos nos demais Evangelhos, bem como em Atos, nas Epístolas e no Livro de Apocalipse. 1.3.1 Fundamentação da doutrina nos Evangelhos Logo no início do Evangelho segundo Mateus é possível encontrar evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação. Ao analisar a genealogia de 48

HODGE, Charles, Teologia Sistemática, 1. ed. São Paulo, SP: Hagnos, 2001, p. 1105,1106.

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Jesus, em Mt 1.1-16,49 vê-se a fidelidade e incondicionalidade de Deus em manter o seu pacto, independente dos pecados cometidos por aqueles que são listados na genealogia e pelos prosélitos que foram convertidos, como é o exemplo de Raabe e Rute. Também percebe-se claramente a providência de Deus na preservação do seu povo no Egito, no deserto, na posse da terra, no cativeiro, no retorno, até a chegada do Messias prometido, cumprindo assim o que fora dito em (Gn 3.15), o chamado “Protoevangelho”.50 O Cristo é apresentado como Filho de Abraão - filho da promessa por meio de quem a promessa a Abraão seria concretizada, Filho de Davi – por meio de quem o Reinado Perpétuo seria concretizado.51 O próprio Evangelho Segundo Mateus, na sua estrutura, mostra o cumprimento das promessas do Senhor por meio da frase que se repete por todo Livro dando ideia de cumprimento do que fora dito por intermédio dos profetas acerca do Messias.52 Com isso, vê-se o progresso da revelação do Antigo Testamento, tendo sua culminância no Novo Testamento com a vinda do Messias e a instauração do reino. Tudo isso atesta a imutabilidade de Deus e sua fidelidade em cumprir suas promessas, trazendo plena segurança e certeza de salvação aos eleitos. Em Mt 6.9, o Senhor Jesus ensina os seus discípulos a orar, e vê-se que Ele os manda orar ao Pai que está nos céus. Logo, ter o Deus todo poderoso como Pai, saber que está sendo guardado por Ele, traz plena segurança aos seus filhos. 53 De posse dessa segurança, os eleitos precisam descansar inteiramente no Senhor, assim como Mateus mostra no restante do capítulo. Na narrativa do jovem rico e em seguida, quando o Senhor fala do perigo das riquezas (Mt 19.16-30), observam-se evidências da doutrina da segurança, pois a declaração de Jesus aos discípulos mostra que a salvação é uma obra

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Van Groningen apreciando esta porção destaca que Jesus era o descendente de Davi. Ele apresenta um breve resumo da obra de Cristo: “Veio como Mediador real que exerceu seu poder real, sua soberania sobre a água vinho, peixes e pão, as tempestades no mar, a ressurreição dos mortos, a expulsão de demônios, ao pisar a cabeça de Satanás na cruz e tendo ele próprio ressuscitado dentre os mortos”. GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 536. 50 GRONINGER, Gerard Van, Criação e Consumação - O Reino a Aliança e o Mediador, p. 134. 51 Matthew 1 Barnes’ Notes, disponível em: , acesso em: 9 dez. 2015.; Matthew 1 Gill’s Exposition, disponível em: , acesso em: 9 dez. 2015; Matthew 1 JamiesonFausset-Brown Bible Commentary, disponível em: , acesso em: 9 dez. 2015. 52 Mt 1.22; 2.5, 15, 17, 23; 3.3; 4.14; 8.17; 12.17; 13.35; 21.4; 27.9. Bíblia de Estudo de Genebra, 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2009. 53 Matthew 6 Matthew Poole’s Commentary, disponível em: , acesso em: 9 dez. 2015.; Matthew 6 Jamieson-Fausset-Brown Bible Commentary, disponível em: , acesso em: 9 dez. 2015.

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impossível ao homem (Mt 19.26); essa obra é diretamente realizada pelo próprio Deus, ou seja, não depende do homem. Em seguida, Jesus mostra que aqueles que foram chamados herdarão a vida eterna (Mt 19.29). Certamente, essa fala do Mestre trouxe plena segurança para aqueles discípulos, pois diante da fala de Cristo eles puderam ver a incondicionalidade da salvação, assim como demonstrado acima (Nm 23.19).54 Outro evento que, dentre outros, também demonstra essa maravilhosa doutrina é a Ceia do Senhor (Mt 26.26-28), onde o Senhor Jesus declara para os discípulos que eles haveriam de beber de novo com Ele no reino do Seu Pai (Mt 26.29)55. Em seguida vem a ressurreição de Cristo, que é o evento tido como uma das maiores evidências da doutrina da segurança e certeza da salvação. Sandy Wilson declara acerca da ressurreição de Jesus: A ressurreição de Cristo é o evento que coroa todas as poderosas obras da redenção de Deus – mais magnifica do que o partir o Mar Vermelho, mais surpreendente do que o terremoto no Monte Sinai, mais tremendo do que a derribadas dos muros de Jericó, mais impressionante do que o triunfo de Davi sobre Golias. O futuro de toda ordem criada repousa sobre este grande ato de Deus. A esperança de todo verdadeiro crente repousa sobre a realidade histórica deste evento.56

Ainda no Evangelho de Mateus, outro evento que fundamenta e evidencia a doutrina da segurança e certeza da salvação é a grande comissão (Mt 28.18-20). Antes de ser assunto aos céus, o Senhor Jesus faz uma declaração crucial para os discípulos: “Eis que estou convosco todos os dias da minha vida até a consumação dos séculos”. Essa segurança é tanto temporal, como também se vê na declaração no Sl 23 “todos os dias da minha vida”, bem como eterna. A presença do Senhor é a garantia de segurança primordial para o crente. Assim como no Antigo Testamento, como visto em Números 23.19,57 o que garantia a vitória do povo era a presença de Deus no meio do arraial, bem como se vê nos Salmos de Davi58. O Evangelho Segundo Marcos, já inicia com a expressão que aponta para a culminância do progresso da revelação – εὐαγγέλιον, que quer dizer: Boas novas (Mc 1.1). Essas boas novas apontam para o cumprimento das promessas pactuais do Antigo 54

Ver 1.2.2.6 p.27,28 Henry E. Dosker, comentando esse evento, diz que “ele estava apontando para a plena realização e consumação do Reino de Deus no fim dos tempos, quando a refeição seria retomada no ‘banquete messiânico’”. Lord’s Supper | Free online library at BiblicalTraining.org, disponível em: , acesso em: 9 ago. 2016. 56 CARSON, D. A.; KELLER, Timothy, O Evangelho no Centro: Renovando nossa fé e retomando nossa prática ministerial, São José dos Campos, SP: Fiel, 2013, p. 184. 57 Ver 1.2.2.6 p. 27 58 Ver 1.2.2.5 p. 25,26 55

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Testamento, bem como para a fidelidade de Deus em cumprir Suas promessas de maneira incondicional. O evangelista, escrevendo para um público, em sua maioria, gentia, tem como objetivo apresentar a verdadeira identidade de Jesus. Por meio de suas ações, o autor busca atestar sua divindade. Ele mostra que Jesus tem o poder de perdoa pecados (Mc 2.7,10), mostra que Jesus se apresenta como o noivo da nação de Israel (Mc 2.19,20) e também mostra Jesus declarando-se Senhor do Sábado (Mc 2.28).59 Em Mc 10.45, o próprio Senhor Jesus declarou sua missão messiânica da seguinte maneira: “Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Tem-se, aqui, o cumprimento da profecia de Isaías, como se vê em Is 53.60 O evangelista, ainda com o intuito de mostrar e atestar a divindade de Jesus e quem Ele é, intenciona ressaltar, em diversos textos, algo que muitas vezes é desconsiderado por muitos, que é o “Segredo Messiânico”61. Em várias passagens se percebe que Jesus, normalmente, ao realizar milagres, pede que não se declare nada acerca da sua pessoa. Por exemplo, em Mc 1.25 ele dá essa ordem aos espíritos malignos; em 1.34 a ordem é dada aos demônios; em 1.44 ao leproso, depois de realizar a conhecida “troca maravilhosa”62; 3.12, mais uma vez aos espíritos malignos; no capítulo 5, ele recomenda o silêncio ao ressuscitar a menina; em 7.36 a ordem é ao surdo mudo; em 8.26 ao cego de Betsaida; por fim em 8.30, ele adverte os próprios discípulos na ocasião da confissão de Pedro e depois na ocasião da trasfiguração, em 9.30,31. Todos esses milagres atestavam sua divindade e que, de fato, ele era o Messias prometido, o novo Moisés. No capítulo 12, o Senhor Jesus passa a ensinar no templo sobre o Messias, fazendo uso do Sl 110.63 Por vezes, Marcos mostra Jesus declarando-se como o “Filho do Homem”, que em

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DEVER, Mark, A mensagem do Novo Testamento, 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2009, p. 66. 60 Ibid., p. 72. 61 MACGREGOR, K. R., Mark, Gospel of, in: The Bible Dictionary Lexham, 1. ed. Bellingham, WA: Lexham Press, 2016. Nesse artigos encontra-se uma apresentação crítica, que vem sendo questionada desde 1901, relacionada a esse Segredo Messiânico, apontando como uma ideia que teria sido inventada por Marcos para suprir a lacuna deixada por Jesus por Ele não ter declarado para ninguém que era o Messias. Por sua vez, essa teoria acaba sendo desmentida por estudos mais recentes que apontam que a intencionalidade de Jesus em querer manter sua identidade messiânica em segredo era para que Ele pudesse desempenhar com tranquilidade seu ministério e em tempo oportuno revelar-se a todos como o messias prometido e esperado. 62 O ato de Cristo, de tocar no leproso, apontava para sua obra redentiva, para aquilo que Ele veio para fazer, tomar sobre si a miséria e enfermidade e, em trocar, dar Sua abundante vida. 63 DEVER, A mensagem do Novo Testamento, p. 66,67.

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consonância com Dn 7, aponta para figura do Messias, como se vê em Mc 14.61,62.64 Como ressalta Beale e Carson, quanto a identidade de Jesus no Evangelho de Marcos lêse: Vindo ao mundo para levar a efeito o novo êxodo de Isaías, esperado havia tanto tempo (1.2,3), ele não apenas é o Messias e Servo dos judeus, segundo Davi e Isaías, o qual encarna tudo que se esperava de Israel (1.10,11), mas também, como as palavras de abertura de Marcos dão a entender de maneira misteriosa, a presença do próprio Deus (1.2,3).65

O fundamento da doutrina da segurança e certeza da salvação no Evangelho de Marcos, está expresso no cumprimento glorioso da promessa do Messias, demonstração da fidelidade e misericórdia do Senhor para com Israel e todas as nações. No Evangelho segundo Lucas, também encontramos muitas evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação por meio do cumprimento das promessas. A começar pelo anúncio do nascimento de Jesus (Lc 1.32, 33), quando o anjo diz a Maria: “Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor lhe dará o trono de Davi, seu Pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim”. Temos aqui, a semelhança do que encontramos no Evangelho segundo Mateus, a promessa feita a Davi (2Sm 7.12-13, 16), sendo cumprida em Cristo Jesus, clara demonstração da fidelidade de Deus. O cântico de Maria aponta sua segurança e certeza da salvação no cumprimento da promessa feita a Abraão (Lc 1.46-53). Maria declara que Deus é o seu salvador, demonstrando assim segurança e certeza da salvação por meio daquele que haveria de nascer dela. O cântico de Zacarias (Lc 1.67-80) é uma das expressões de segurança e certeza da salvação das mais belas no Novo Testamento, onde Zacarias bendiz ao Senhor pela sua fidelidade em suprir a salvação para o Seu povo. Temos aqui o cumprimento da promessa feita ao profeta Isaías (Is 40.3) acerca daquele que viria e prepararia o caminho do Senhor. Outro cântico é proferido por Simeão (Lc 2.20-32), também evidenciando plena segurança na fidelidade do Senhor em cumprir suas promessas. A declaração de Jesus na casa de Zaqueu, o publicano, também traz segurança no que toca a salvação ser direcionadas aos perdidos, dos quais aquele homem também o era, mesmo sendo um filho de Abraão (Lc 19.10). Outro evento célebre que aponta para

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Ibid., p. 69. BEALE, G. K.; CARSON, D. A., Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 141. 65

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segurança no Livro de Lucas são as aparições do Senhor aos seus discípulos, após sua ressurreição. O diálogo de Jesus com os discípulos no caminho de Emaús é um relato que comprova a veracidade da Escritura e conformidade de Jesus com os relatos contidos nela (Lc. 24-48),66 bem como a Sua ascensão (Lc 24.53), atestando a veracidade de todas as suas Palavras. Todas essas evidências deixam mais do que firmes as bases da segurança e certeza da salvação para os discípulos, que puderam atestar sua divindade e ver a veracidade das suas promessas, comprovando assim a sua divindade e autenticando todas as suas Palavras. Isso fica evidente na atitude obediente dos discípulos ante a ordem dada por Jesus de que eles permanecessem na cidade (v. 49) até que fossem revestidos de poder, e eles prontamente foram para Jerusalém (v. 52). O Evangelho segundo João traz também muitas evidências que fundamentam a doutrina da certeza da salvação. A começar pela descrição da encarnação do Verbo (Jo 1.1-3) e da seguinte declaração: “Mas, a todos quanto o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. (Jo 1.12, 13). Aqui vê-se a grandeza da graça de Deus, a fidelidade em salvar incondicionalmente, independente da vontade do homem, e também a ampliação a todos aqueles que crerem independente de fazerem parte do povo de Israel ou não, os quais são caracterizados por nascer da vontade de Deus. Isso é explicado mais à frente na conversa de Jesus com Nicodemos, pois esse é o tema da conversa, “novo nascimento”, ou seja, é preciso nascer do Espírito. (Jo 3.3-7). João 3.16, uma das passagens mais conhecidas e citadas da Escritura, também atesta esta necessidade de crer para que se seja salvo. Caso se perca essa informação inicial de João, que o homem precisa nascer da vontade de Deus criar-se-á um problema. Ao ver a repetição da frase “todo aquele que nele crer” ou “todo aquele que crê”, na Escritura, relacionada à salvação, pode-se achar que isso é algo que vem do homem, mas o ato de crer para salvação é algo que só é possível por meio da fé que é dada por Deus como um dom. Por tanto, é uma ação totalmente monergística, uma vez que aquele que crer para salvação é aquele que foi escolhido desde antes da fundação do mundo e foi regenerado por Deus e capacitado a crer nele, ou seja, aquele que nasceu do Espírito.

66

Ibid., p. 644.

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Um evento de grande importância também é o encontro de Jesus com a mulher samaritana (Jo 4). Nesse encontro o Senhor apresenta-se como Aquele que veio cumprir as promessas da Antiga Aliança e inaugurar a Nova Aliança – “Eu sei, respondeu a mulher, que há de vir o Messias, chamado Cristo; quando ele vier, nos anunciará todas as coisas. Disse-lhe Jesus: Eu o sou, eu que falo contigo”. (Jo 4.24,25). Essa forte declaração de Jesus fundamenta e confere segurança e certeza da salvação aos eleitos. Outro evento marcante que evidencia a doutrina da segurança e certeza da salvação está na narrativa onde Jesus explica sua missão aos judeus que, por sua vez, o ignoravam por ele ter realizado uma cura no sábado (Jo 5). Jesus aqui dá total segurança aqueles que verdadeiramente creem nele, declarando: “Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão” (Jo 5.25). Mais uma vez o Senhor aponta para o novo nascimento, ou seja, aqueles que forem nascidos do Espírito, os que passarão da morte para vida por meio da Palavra, do Verbo de Deus. Em seguida Jesus, ainda em debate com os judeus, dá mais evidências que conduzem o eleito à plena segurança, pois em Jo 6.37-5167, a própria estrutura do grego aponta para isso, através do uso das partículas que juntas indicam uma forte ênfase οὐ μὴ68 (“jamais”), seguida pelo verbo ἐκβάλω69 (“lançarei fora”) – essa forte asseveração de Jesus trouxe plena segurança aos eleitos; nos vv. 38-39, Jesus declara que tem descido para fazer a vontade do Pai, e que a vontade do Pai é que nenhum daqueles que Ele lhe tem dado se perca, mas ele o ressuscitará no último dia. Mais uma vez, aqui, temos a relação do πᾶν70 (“todos”), relacionado com o αὐτὸ71 (“eles”), expressando que todos serão, de fato, ressuscitados no último dia. Essa expressão, marcante por suas repetições, traz uma carga enorme de significado, uma vez que, assevera, pelo uso do pronome “ἐγὼ”72, que é Ele mesmo, aquele que outrora falava com eles, apontando para uma visão escatológica do último dia. O fato é que no versículo 44, o Senhor Jesus ainda ressalta: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, o que me enviou, não o trouxer.” Mais uma

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LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 426. MOUCE, William D., Léxico Analítico do Novo Testamento Grego, São Paulo: Vida Nova, 2013, p. 450. Mouce vai explicar essa construção que visa dar uma forte ênfase. MOUCE, WILLIAM D., Fundamentos do Grego Bíblico, São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 354. Daniel, também cometa este tipo de construção. WALLACE, Daniel B., Gramática Grega: Uma sintaxe exegética do Novo Testamento, São Paulo: Editora Batista Regular do Brasil, 2009, p. 468–469. 69 MOUCE, William D., Léxico Analítico do Novo Testamento Grego, p. 214. 70 MOUCE, William D., Fundamentos do Grego Bíblico, p. 100. 71 Ibid., p. 118. 72 Ibid., p. 110. 68

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vez, ele aponta para o fato de a salvação vir inteiramente de Deus, incondicionalmente, dependendo apenas da sua Santa vontade. Destaca-se, ainda, outra célebre expressão do Senhor Jesus, “ἐγώ εἰμι”. Essa expressão é bem recorrente no livro de João e, por sua vez, aponta maravilhosamente para segurança. Em 4.25, ele declara ἐγώ εἰμι – “Eu sou messias”; em 6.35 ἐγώ εἰμι – “Eu sou o pão da vida”; em 6.41 ἐγώ εἰμι – “Eu sou o pão que desceu do céu”; em 8.12 ἐγώ εἰμι – “Eu sou a luz do mundo”; em 8.24, 28,58 e 13.19 ἐγώ εἰμι – “EU SOU” (referência a Êx 3.14; At 7.32); em 10.7,9 ἐγώ εἰμι – “Eu sou a porta”; em 10.11,14 ἐγώ εἰμι – “Eu sou o bom pastor”; em 11.25 ἐγώ εἰμι – “Eu sou a ressurreição e a vida”; em 13.13 ἐγώ εἰμι – “Eu sou Mestre e Senhor”; em 14.6 ἐγώ εἰμι – “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”; em 15.25 ἐγώ εἰμι – “Eu Sou a videira”. Todas essas referências conferem evidências à doutrina da segurança e certeza da salvação. Vê-se, no Evangelho de João, que as evidências da doutrina da segurança da salvação estão relacionadas com a doutrina da regeneração com a relação com o novo nascimento e a doutrina da fé, uma vez que por várias vezes aparece no livro a expressão: “aquele que crer em mim”, o verbo “Πιστεύω” (crer) nos diversos tempos, aparece no livro de João por (98 vezes).73 A intenção do autor é enfatizar a necessidade de crer em Jesus para salvação, mostrando que não depende do homem, mas inteiramente e incondicionalmente do próprio Deus realizar o novo nascimento pelo Espírito naquele que verdadeiramente virá a crer, o qual estará totalmente assegurado de sua salvação. 1.3.2 Fundamentação da doutrina no Livros de Atos Sendo uma continuação do Evangelho de Lucas, o livro dos Atos dos Apóstolos intenciona mostrar o reinado de Cristo por meio do Espírito, da Palavra e da Igreja. O referido livro também apresenta evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação. É possível perceber nas narrativas de Lucas que os discípulos haviam, em Cristo, presenciado o cumprimento de muitas promessas, e, agora, além das promessas que ainda estavam por se cumprir, eles passam a viver em função das promessas dadas e ratificadas pelo próprio Deus encarnado. De posse dessas promessas, eles passam a viver os últimos dias com a expectativa do último dia, ou seja, da consumação final de todas às

Strong’s Greek: 4100. πιστεύω (pisteuó) -- 244 Occurrences, , acesso em: 10 dez. 2015. 73

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em:

coisas, trabalhando assim, com intrepidez, por meio da ação do Espírito Santo, para a propagação e expansão do Reino inaugurado de Cristo Jesus. Lucas retoma sua narração pela ascensão de Jesus (At 1.6-11), cumprimento de Daniel 7.13 e 14, o que, por sua vez, é confirmado na visão de Estêvão (At 7.56). Lucas intenciona mostrar continuidade com o que havia narrado no seu Evangelho a respeito da assunção do Senhor (Lc 9.51). No evento da Sua assunção, o Senhor confirma e ratifica a promessa do envio do consolador. Tem-se nessa profecia o cumprimento da profecia de Joel (Jl 2.28,29), a qual tem o seu cumprimento no dia de Pentecostes (At 2.1-4, 33). Esse evento, em menor proporção, acontece novamente com a casa de Cornélio, o qual era gentil (At 10.44). Veem-se, portanto, as evidências da fidelidade de Deus mais uma vez presentes no cumprimento das promessas, bem como o tema da universalização da promessa feita a Abraão, atingindo todas as nações, como se percebe no itinerário dado pelo Senhor de como Sua Palavra deveria progredir (At 1.8). Há também fortes evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação na pregação dos Apóstolos, pela forma corajosa com que eles enfrentam as perseguições. Isso pode ser visto no evento do primeiro discurso de Pedro no dia de pentecostes (At 2.14-36). Esse sermão pregado por Pedro está repleto de evidências que fundamentam a segurança do crente, pois Pedro inicia confirmando o cumprimento da promessa de Joel; em seguida faz uma exposição panorâmica da vida e obra de Jesus (At 2.22-24), mostrando-o como “varão aprovado por Deus”, o qual fora “entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus”, e que por Deus fora ressuscitado, venceu a morte, comprovando a fala de Davi no Sl 16.8-11; fora exaltado por Deus, e também lhe fora dado todo domínio, cumprindo assim o que fora dito em passagens como: Gn 1.28, Sl 8, Sl 110 e Dn 7, sendo também feito por Deus como Senhor e Cristo. No cap. 3 e 4 de Atos, vê-se que mesmo em situação de perseguição, Pedro e João, capacitados e movidos pelo Espírito, continuavam a pregar com intrepidez a Palavra do Senhor, lembrando àquele povo as profecias dadas por intermédio dos profetas e assim cumpridas em Cristo (vv. 18-26) e, assim, fazendo conhecido o Evangelho por onde passavam. Outro discurso digno de nota que também reforça essa fundamentação da doutrina da segurança e certeza da salvação é o discurso de Estevão, sua defesa e seu martírio (At 7), onde mais uma vez, de forma bíblico-teológica, a Escritura é apresentada para centralizar o progresso da revelação em Cristo Jesus. Lucas dedica ainda boa parte do livro à narração sobre a ação do Espírito na vida de Paulo. Vê-se, nessa narrativa a 39

demonstração da incondicionalidade e misericórdia de Deus na vida daquele homem que se torna um ícone, ou seja, um grande exemplo de segurança e certeza da salvação. Um grande exemplo da segurança do apóstolo Paulo no cumprimento das promessas de Deus está em At 27.25, onde ele declara: “Portanto, senhores, tende bom ânimo! Pois eu confio em Deus que sucederá do modo por que me foi dito”. Nas suas epístolas Paulo deixa bem evidente a sua segurança e certeza da salvação, exemplificando e testemunhando para que todo discípulo possa também buscar e evidenciar essa segurança e certeza. A direção dada pelo Senhor no decorrer de todo o Livro, acerca do progresso da Palavra, a providência, a inclusão e salvação dos gentios, são acontecimentos que dão cumprimento de promessas. Logo, isso fortalece o fundamento da doutrina, pois aponta para a imutabilidade de Deus e sua fidelidade em cumprir, incondicionalmente suas promessas, mostrando para o povo de Deus que a segurança da salvação se encontra no próprio Deus provedor e mantenedor do seu povo escolhido. 1.3.3 Fundamentação da doutrina nas Epístolas Paulina As epístolas paulinas estão repletas de evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação. Diante disso, serão destacadas as principais delas. Começando pela Epístola de Paulo aos Romanos, já no início é possível identificar os fundamentos da doutrina da segurança e certeza da salvação. Paulo inicia apontando para fidelidade de Deus em cumprir suas promessas, mostrando o evangelho de Deus que fora “prometido por intermédio dos Seus profetas nas Sagradas Escrituras”. O Apóstolo estabelece a condição do homem caído e nivela tanto judeus quanto gentios a uma condição de condenação – “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” – mostrando a necessidade e carência que todos têm de salvação. Ele mostra que a salvação está em Cristo Jesus (Rm 3.25,26). No capítulo 4, ele apresenta o testemunho de Abraão e Davi, os quais, como já fora mostrado, demonstraram por meio das suas obras de obediência e fé, plena confiança e segurança nas promessas do SENHOR para eles, que incondicionalmente os salvou. No capítulo 5, o Apóstolo mostra a segurança e certeza que ele tem na justificação por meio de Cristo, por meio de quem, o homem, é reconciliado com o Pai (vv. 8-11). John Murray declara que Romanos 5: 5 tem um notável exemplo de combinação das bases objetivas e da certeza subjetiva da esperança do crente. Neste versículo, somos informados das razões por que a esperança é firme e segura. Não se trata de uma esperança que nos envergonhará, tampouco é uma

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esperança na qual precisemos nutrir qualquer vergonha. Pelo contrário, é uma esperança da qual podemos nos gloriar e protestar contra todos os adversários. Ela jamais nos desapontará e se mostrará ilusória. Por quê? Por que o amor de Deus é derramado em nosso coração, pelo Espírito Santo que nos foi outorgado.74

Murray vai ainda enfatizar que esse amor de Deus (v.5) é o que vai garantir a eficácia e dar plena segurança ao homem, pois se dependesse do amor do homem para com Deus essa certeza e segurança seriam destruídas. E quem propicia essa certeza é o Espírito Santo que nos foi dado, e por esta razão Ele nos governa. E, assim, ele testemunha com o espírito dos crentes que estes são filhos de Deus (Rm 8: 16).75 Fica totalmente clara a segurança de Paulo por meio das suas exposições e aplicações do Evangelho às doutrinas da regeneração, justificação e santificação. No capítulo 6, o Apóstolo mostra que o homem é liberto do pecado pela graça, apontando, na doutrina da Justificação, a doutrina da segurança. No versículo 23, Paulo enfatiza que por merecimento o homem merece a morte, mas Deus, inteiramente de graça lhe dá a salvação. Isso mostra que a vida eterna é um dom de Deus, o que confirma o ponto de que o crente pode sentir-se seguro porque a salvação vem inteiramente de Deus.76 No capítulo 8, Paulo diz que “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo”. Aqui vê-se a doutrina da justificação pela fé conduzindo o eleito à plena segurança. O Apóstolo Paulo também direciona o eleito à plena segurança, mostrando o paralelo antitético entre aquele que procede da carne e aquele que está no Espírito, assim ele declara que “o próprio Espírito testifica com o nosso Espírito que somos filhos de Deus” (Rm 8: 16).77 Ainda neste capítulo dos versículos 31 ao 39, encontram-se os principais fundamentos da doutrina da segurança.78 Aqui ele mostra o progresso da revelação, no que toca à fidelidade de Deus no curso da história da redenção, mostrando que se Deus está do lado daqueles a quem ele escolhe, nada poderá abalá-los. Com isso ele vai mostrar que nada poderá separá-los do amor de Deus, que está em Cristo Jesus. Assim como já visto na declaração de Jesus no Evangelho de João 6: 37, aqui o Apóstolo atesta essa verdade. No

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MURRAY, John, Romanos, São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2012, p. 190–191. Ibid., p. 191. 76 BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, p. 498. 77 Garantia, disponível em: , acesso em: 9 dez. 2015. 78 LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 209. 75

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versículo 38, Paulo expressa sua certeza na intenção de nutrir certeza nos seus leitores. Tudo isso fiado no amor de Cristo para com os seus eleitos.79 A carta aos Efésios, também é outra carta onde o apóstolo apresenta muitas evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza do crente. No capítulo primeiro (vv. 3-14), Paulo mostra a necessidade que a Igreja tem de bendizer ao Senhor, ressaltando a ação monergística de Deus na salvação.80 A Economia da Trindade é destacada, quando se apresenta a função de cada pessoa da Trindade na salvação81: O Pai elege; o Filho redime; o Espírito Santo aplica, sendo o Espírito o selo e penhor que dá a garantia de segurança e plena certeza da salvação para o crente.82 Nos versículos 15-23, o Apóstolo ora para que os crentes pudessem ser iluminados para ver a obra da Trindade aplicada às suas vidas, e os resultados de estarem unidos a Cristo. As doutrinas enfatizadas nessa perícope conduzem à plena segurança, pois mostram que aquele que está unido a Cristo foi ressuscitado com Ele, foi entronizado com Ele, exaltado com Ele, tudo que Cristo conquistou é herança do eleito. Os temas desenvolvidos pelo Apóstolo na epístola aos Efésios são trabalhados por ele nas demais epístolas com maior ou menor ênfase. Contudo, o que se percebe é o cuidado do Apóstolo em fortalecer os crentes para que, de posse das verdades do Evangelhos, pudessem descansar no Senhor e nutrir a verdadeira certeza da salvação, não fiados em si mesmos, mas na obra gloriosa da Trindade. Na carta de Paulo aos Filipenses também é possível encontrar evidências dessa doutrina. Já no início do capítulo primeiro, vê-se o Apóstolo demonstrando sua plena certeza de salvação, a qual está depositada na fidelidade e imutabilidade de Deus (v. 6). Analisando essa passagem, Baner mostra que o verbo “πείθω” (persuadir), encontra-se no particípio, voz média, dando a ideia de ser total e firmemente persuadido e confiante.83 Logo, o Apóstolo estava firmemente persuadido de que aquela obra não era dependente dos irmãos de Filipos, mas claramente e inteiramente essa obra dependia do próprio Deus. Lloyd-Jones demonstra bem isso mostrando que a confiança de Paulo é explicada pela

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Ibid., p. 21. LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 50–51. 81 LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 50. 82 Ibid., p. 608. 83 Philippians 1 Barnes’ Notes, disponível em: , acesso em: 11 abr. 2016. 80

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sua “clara compreensão da natureza da vida cristã, seu entendimento quando um homem se torna cristão e do poder e da vida que constituem a Igreja Cristã. É seu profundo conhecimento do plano divino de salvação que leva a essa sua confiança”.84 Paulo conduz aqueles irmãos à certeza de que foram salvos e que eles podiam descansar nessa certeza. O termo “πείθω” traz ainda a ideia de estar tranquilo e estar confiante.85 Pelo exemplo o Apóstolo ensina aqueles irmãos a confiarem na fidelidade e imutabilidade de Deus, demonstrando assim a sua plena segurança e certeza da salvação. Isso fica evidente em tantas passagens dos seus escritos, como por exemplo em Fl 1.21; 2Tm 1.1286. 1.3.4 Fundamentação da doutrina nas Epístolas Gerais À semelhança das epístolas paulinas, nas epístolas gerais também é possível encontrar sobejas evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação. Começando pela epístola aos Hebreus, observa-se no verso primeiro a progressividade que há entre o Antigo e o Novo Testamento, Deus continua se revelando, agora por meio do seu Filho. Vale notar que no versículo segundo o autor ressalta que Cristo é o herdeiro e destaca também sua exaltação e superioridade aos anjos. A supremacia de Cristo é testificada, por diversas vezes nessa carta, para mostrar que ele é maior do que os anjos (Hb 1), maior do que Moisés (Hb 3), do que os profetas e sacerdotes (Hb 5; 7). Sendo Ele a expressão perfeita do ser de Deus, é também o antítipo perfeito de todos aqueles que apontaram para Ele desde Adão até o Seu nascimento (Hb 8; 9). As bases da segurança estão lançadas na obra de Cristo Jesus e o autor da epístola deixa isso muito evidente por meio da sua exposição cristocêntrica (Hb 2.14-18). O autor exalta a justiça e a imutabilidade de Deus (Hb 6.13-20). Os teólogos de Westminster destacaram esse atributo de Deus de maneira gloriosa. O Catecismo Maior de Westminster, na sua pergunta de número sete, cita vários atributos de Deus e entre os atributos citados, encontra-se o atributo da imutabilidade. Johannes Geehardus Vos, em seu comentário do CMW87, levanta a grande questão que está relacionada a esta afirmação: “Se Deus é imutável, então por que a Bíblia fala que ele ‘se arrependeu’ ou

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LLOYD-JONES, D. Martyn, A Vida de Alegria comentário sobre Filipenses, 1. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2008, p. 37. 85 MOUCE, William D., Fundamentos do Grego Bíblico, p. 475. 86 LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 658. 87 VOS, Johannes Geehardus, Catecismo Maior de Westminster Comentado, 1. ed. São Paulo: Os Puritanos, 2007, p. 49–54.

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que mudou de ideia, como por exemplo no caso da cidade de Nínive (Jn 3: 10)?”88 Ele vai mostrar que Deus não muda o seus decretos, mas apenas a forma de tratar com o seu povo. No caso dos ninivitas a narrativa mostra que eles mudaram o seu modo de agir, se convertendo ao SENHOR.89 A Confissão de Fé de Westminster, em seu capítulo segundo, na sessão primeira, falando de Deus e da Santíssima Trindade, ressalta o atributo da imutabilidade.90 Hodge, vai dizer que: Seu conhecimento, que jamais pode sofrer qualquer mudança, eternamente reconhece sua criatura e suas ações em seus diversos lugares no tempo; e suas ações sobre suas criaturas fluem dele nos momentos precisos predeterminados em seu imutável propósito. Daí Deus ser absolutamente imutável em seu ser e em todos os modos e estados dele. Em seu conhecimento, suas emoções, seus propósitos, e consequentemente em seus envolvimentos com suas criaturas, ele é o mesmo ontem, hoje e eternamente.91

O autor vai mostrar, nessa porção, que, de fato, a segurança do eleito está na Palavra que Deus empenhou ao pactuar com os Seus. Ele começa citado o pacto de Deus com Abraão, no qual fica clara a incondicionalidade para o cumprimento, uma vez que o próprio Deus “se interpôs com juramento” (v.17). Nos versos 17-20, temos o ápice da fundamentação da segurança e certeza da salvação na carta: Por isso, Deus, quando quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade do seu propósito, se interpôs com juramento, para que, mediante duas coisas imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, forte alento tenhamos nós que já corremos para o refúgio, a fim de lançar mão da esperança proposta; a qual temos por âncora da alma, segura e firme e que penetra além do véu, onde Jesus, como precursor, entrou por nós, tendo-se tornado sumo sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque.92

Ao tratar de Cristo Jesus como mediador da Nova Aliança (Hb 8.6), o autor aponta mais um aspecto que fundamenta a segurança e certeza do crente. Aqui o autor remete os seus leitores à profecia dada por intermédio de Jeremias (Jr 31.31-34). A forma como o autor coloca a suficiência do sacrifício é também outro fundamento para a segurança e certeza do crente (Hb 9.11-14). Mais uma vez é ratificado que Cristo Jesus é o Mediador da nova aliança, o qual confere segurança e esperança àqueles que têm sido chamados por meio da promessa de herança (v.15), por fim ele ressalta a segunda vinda de Cristo o último dia. Os que são alvo dessa “expiação limitada” (v.28) podem descansar seguros de 88

Ibid., p. 51. Ibid., p. 52. 90 HODGE, A. A., Confissão de Fé de Westminster Comentada, São Paulo: Os Puritanos, 1999, p. 75. 91 Ibid., p. 81. 92 Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1652. 89

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que o sacrifício apresentado por Cristo santifica-os de uma vez por todas (Hb 10.10), mostrando assim a incondicionalidade da salvação, mostrando também a impossibilidade de o verdadeiro crente perder a salvação, tema que será tratado nesta pesquisa com mais apreço posteriormente. Ainda no capítulo 10, partindo verso 19, é conferida ao crente o privilégio de achegar-se à presença gloriosa de Deus. Nessa porção, o eleito, mais uma vez, encontra firme fundamento para a segurança e certeza da salvação, tanto que dele é requerido que apresente certeza de fé93: Tendo, pois, irmãos, intrepidez para entrar no Santo dos Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproximemo-nos, com sincero coração, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e lavado o corpo com água pura. Guardemos firme a confissão da esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel. (Hb 10.19-22)94

Outro capítulo que confere fundamentação para a doutrina, mostrando a tratativa de Deus para com o seu povo e a resposta positiva dos verdadeiros crentes, é o capítulo 11, o qual apresenta a galeria dos heróis da fé, confirmando assim aqueles crentes que manifestaram fé operante no Antigo Testamento. No capítulo 12, o autor mostra que na disciplina o Pai espiritual demonstra seu amor para com os seus filhos, para mantê-los no caminho. Aqui, vê-se a ligação da doutrina da segurança com a doutrina da perseverança dos santos, o que mostra para o crente que a salvação é dada e mantida pelo Pai, por meio do Filho e pela ação do Espírito Santo, conferindo segurança e certeza ao crente. Lawson, tratando dessa relação declara: “Todos os que Deus escolhe e chama soberanamente para si na salvação, ele mantém em segurança eterna”.95 Nas outras Epístolas também aparecem evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação. Na Epístola de Tiago, já na saudação vê-se o progresso da redenção, no que toca à preservação do Israel de Deus. O autor cita as 12 tribos de Israel (v.1), apontando para todo o povo de Deus, ou seja, todo o Israel de Deus, agora composto de judeus e gentios. No versículo 12, Tiago aponta, na doutrina da perseverança, a garantia da coroa da vida, deixando claro que essa capacitação à perseverança vem do Senhor. Isso aponta para a incondicionalidade da salvação. Deus age do início ao fim na salvação do homem.

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Esse tema também será desenvolvido pela pesquisa com maior atenção posteriormente. Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1661. 95 LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 96. 94

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Ao olhar para a porção que se encontra em Tiago 2.14-26, é necessário entender a ação das obras na segurança e certeza do crente. As obras, como colocado por Tiago, não contrariam a doutrina da salvação pela fé somente, ensinada por Paulo. É preciso que a forma como Tiago coloca seja vista em paralelo, com o que Paulo ensina, entendendo as obras como resultado da verdadeira fé. Como será desenvolvido no decorrer da pesquisa as boas obras são frutos da certeza do verdadeiro crente. Outro ponto na carta que aponta o fundamento da doutrina é a certeza demonstrada pelo autor de que o Senhor vem. A declaração de que “a vinda do Senhor está próxima”, confere total segurança e certeza ao verdadeiro crente. As epístolas de Pedro também são de grande importância para a fundamentação da doutrina da segurança e certeza da salvação. Já no início da sua primeira carta Pedro apresenta os fundamentos da sua segurança e certeza. Pedro não apresenta um novo discurso, na verdade, reitera e desenvolve tudo quanto já fora mostrado nos seus primeiros discursos destacados em Atos dos Apóstolos.96 Algumas doutrinas ligadas a segurança e certeza do crente são destacadas nos primeiros versos, a saber: a eleição; a presciência de Deus; a santificação; expiação; regeneração para uma viva esperança pela eficácia da ressurreição; herança incorruptível do crente. Depois de citar todas essas doutrinas, Pedro, no versículo 5, afirma que os eleitos são “guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para salvação preparada para revelar-se no último tempo”, apontando assim para a perseverança dos santos como uma obra monergística, ou seja, que depende e é realizada por Deus.97 Isso fundamenta a segurança e certeza dos crentes, fazendo-os seguir adiante tendo uma fé confirmada e sendo conduzidos ao “louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo” (v.7). A partir do verso 10, Pedro aponta para o cumprimento das promessas, dadas por intermédio dos santos profetas, em Cristo Jesus. Essa consciência que é gerada no crente deve conduzi-lo a uma vida de santidade, a qual é um dos frutos da segurança e certeza que a pesquisa desenvolverá posteriormente com mais detalhes. De forma maravilhosa Pedro assegura aos eleitos que sua salvação não dependia da obediência deles, mas daquilo que o Senhor Jesus fez – já antes da fundação do mundo – derramando seu sangue para remir os pecados dos escolhidos (v.19,20). Aqui Pedro estabelece um forte argumento da salvação pela graça, mediante o sangue do cordeiro

96 97

Ver argumentação em Atos... LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 468,482.

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derramado antes da fundação do mundo, o qual é aplicado pela fé, tanto no Antigo Testamento como no Novo Testamento.98 Logo no verso 25, ele ressalta a fidelidade e imutabilidade de Deus em cumprir suas palavras: “a palavra do Senhor permanece para sempre”. De maneira maravilhosa Pedro, usado pelo Espírito Santo, fortalece a segurança e certeza dos seus leitores ao declarar as seguintes palavras (2.9,10) 99: Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia.

Pedro ainda fundamenta a segurança do crente mostrando Cristo como “o pastor e bispo da vossa alma” (2.25); mostrando a eficácia da morte de Cristo para conduzi-lo a Deus (3.18), bem como as benesses de sua ressurreição e exaltação. Pedro também, no capítulo 4, aponta para o juízo que virá sobre os ímpios e exorta os líderes para que sejam modelo do rebanho, declarando que o Supremo Pastor há de vir, e quando Ele vier eles receberão a imarcescível coroa da glória. Pedro não fala de maneira insegura – se Ele vier – percebe-se a segurança de Pedro ao declarar tais verdades, o que conduz os seus leitores à segurança e certeza de que tudo se cumprirá, por que o próprio Senhor o disse. Em sua segunda epístola, Pedro continua desenvolvendo temas importantes que são fundamentais à segurança e certeza do crente. Um dos pontos a destacar é o testemunho do Apóstolo (v.16), que foi agraciado com a oportunidade de ver as promessas se cumprindo e agora testemunhava aos crentes para lhes conferir segurança e plena certeza da eficácia da obra realizada por Cristo para a salvação dos eleitos. Pedro ressalta ainda a fidelidade de Deus em cumprir suas promessas deixando claro que o Senhor virá, e mostrando a plena segurança de que os novos céus e nova terra estão garantidos aos eleitos, os quais não se perderão (3.9-13). Ele finaliza apontando para necessidade de o crente evidenciar essa segurança e certeza por meio de uma vida piedosa, como a pesquisa buscará mostrar mais adiante.

Calvino comentando está porção vai dizer que: “Uma vez mais, ele (Pedro), por meio de uma comparação, amplia a graça de Deus, com a qual ele favorece peculiarmente os homens daquela época. Porquanto não era um favor comum e pequeno o fato de Deus deferir a manifestação de Cristo àquele tempo, quando no conselho eterno ele já o havia ordenado para salvação do mundo. Entretanto, ao mesmo tempo, ele os lembra que algo não era algo novo nem repentino para Deus que Cristo entrasse em cena como Salvador; e é especialmente isto que deve ser conhecido”. CALVINO, JOÃO, Epístolas Gerais, 1. ed. São José dos Campos, SP: Fiel, 2015, p. 167,168. 99 Ibid., p. 191–194. 98

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Nas epístolas gerais, escritas por João, também estão presentes evidências que fundamentam a doutrina da segurança e certeza da salvação. Uma vez seguro e certo de sua salvação o crente goza de completa alegria. Logo, João mostra que essa alegria é possível por meio da comunhão do crente, proporcionada por Cristo, com o Pai (vv. 1-4). Mais uma vez, a incondicionalidade da salvação é colocada apontando para uma obra monergística que, ao mesmo tempo, é irrevogável. João declara que Cristo é o advogado dos crentes junto ao Pai, e que se o crente pecar Ele advogará a sua causa. João vai também estabelecer diretrizes para o verdadeiro crente aferir sua verdadeira eleição. O cristão que está seguro e certo da sua salvação vai buscar viver de acordo com um cidadão do céu. No capítulo 3, João apresenta os benefícios que o crente tem em ser filho de Deus, bem como na verdade da glorificação que ocorrerá no último dia. Outro aspecto muito forte nessa Epístola é a exposição que João faz acerca do amor de Deus para com o eleito. Aqui se tem mais um dos grandes fundamentos da doutrina da segurança e certeza da salvação (3.7-21). João declara que “no amor não existe medo; antes o perfeito amor lança fora o medo” (v.8a). Logo, diante dessa afirmação o crente repousa seguro no perfeito amor de Deus, o qual nos faz amar a Ele. A Epístola de Judas também, logo no início contribui para fortalecer os crentes que foram “chamados, amados em Deus Pai, e guardados em Cristo Jesus” (v.1)100, verdade que é repetida no final da epístola, no verso 24, mostrando que o crente é guardado por Cristo e apresentados por Ele com exultação, imaculados diante de sua glória. Essas palavras fundamentam sobejamente a segurança e certeza do crente.101 1.3.5 Fundamentação da doutrina no Livros de Apocalipse O Livro do Apocalipse pode ser considerado um compêndio da doutrina da segurança e certeza da salvação. O livro coroa a revelação de Deus, deixando claro o caráter progressivo da Escritura, com o maior número de alusões ao Antigo Testamento, o que, por sua vez, mostra ao leitor que “a redenção em Cristo é o cumprimento dos planos eternos de Deus.”102 No livro encontram-se, além de literatura profética, também alusões ao Pentateuco, Juízes, 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis, Salmos, Provérbios, Cântico dos Cânticos, Jó, Profetas maiores e menores, sendo que metade das referências vem de Salmos, Isaías,

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LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 751. Ibid., p. 752. 102 BEALE; CARSON, Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, p. 1318. 101

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Ezequiel e Daniel.103Dentre outros, os principais temas que se harmonizam com a pesquisa são o tema do novo céu e nova terra e o tema do triunfo e vitória sobre a besta, onde se vê fortemente a ligação da literatura profética, como por exemplo, Dn 7, com Ap 12.104 A universalização do cumprimento profético também é um tema que interessa a nossa pesquisa, uma vez que aponta para o cumprimento da promessa feita a Abraão – “Em ti serão benditas todas as famílias da terra.” Beal e Carson, com relação a essa universalização, dizem que: Uma característica particular de Apocalipse é a universalização do cumprimento profético. Designações ou descrições (“de todas as tribos da terra se lamentarão por causa dele”; “seu povo”) e promessas (autoridade sore nações; o templo do final e sua restauração e o final dos tempos) antes associadas apenas com Israel, são agora aplicadas ao povo de Deus de todas as nações (v., nessa ordem, Ap 1.7; 21.3; 2.26-28; 7.19-17; 21.1-22.5).105

É importante observar também as analogias destacadas por Beal e Carson, as quais também são de grande importância para a fundamentação da doutrina da segurança e certeza do crente. Eles destacam: a proteção divina, onde as principais analogias são a arvore da vida (Gn 2.9 – Ap 2.7; 22.2,14,19), os israelitas “selados” (Ez 9 – Ap 7.2-8), as asas da águia (Êx 19.4; Dt 32.11 – Ap 12.14) e também o Espírito Divino com poder para o povo (Zc .1-6 – Ap 1.12-20; 11.4).106 No Livro de Apocalipse encontram-se todos os fundamentos da doutrina da segurança e certeza da salvação. Já no prólogo do livro vê-se a autenticação do Senhor Jesus, o qual revelou a João por intermédio do seu anjo, que por sua vez atestou a Palavra de Deus e o testemunho do Senhor Jesus quanto a tudo que viu. O povo de Deus é conclamado a ouvir e guardar as palavras das profecias, bem como Moisés o fez em Deuteronômio com o povo de Israel. A forma como João apresenta Jesus (v.5-8), a saber: a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos Reis da terra, aponta para o cumprimento fiel das promessas de Deus no Antigo Testamento. No (v.5), o amor de Deus é apontado, bem como, a eficácia da obra expiatória do Senhor, assim como seus benefícios na vida dos crentes (v.6). No verso 7, vê-se a ratificação da promessa feita pelos anjos na ascensão de Jesus e no versículo 8, a eternidade do Senhor e Seu infindo poder são também

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Ibid., p. 1319. Ibid. 105 Ibid., p. 1322–1323. 106 Ibid., p. 1323. 104

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ressaltados. Diante desses primeiros versos do livro, o crente verdadeiro é conduzido a segurança e certeza salvação ao ver a ratificação das promessas, bem como a confirmação da eficácia da obra de Cristo ao seu favor, sendo assim, conduzido à certeza da entronização obtida, na escatologia inaugurada, em Cristo Jesus, sua morte, e ressurreição. Ainda no capítulo primeiro, nos versos 17 e 18, as palavras de Jesus a João são altamente confortadoras: “...Não temas; eu sou o primeiro e o último e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos e tenho as chaves da morte e do inferno”. Essa declaração do Senhor confere total segurança e certeza da salvação ao verdadeiro crente. Olhando para as sete cartas, escrita as sete igrejas, percebe-se uma repetição ao final de cada carta – à igreja em Éfeso é dito: “Ao vencedor, dar-lhe-ei que se alimente da árvore da vida que se encontra no paraíso de Deus” (2.7); à igreja em Esmirna é dito: “o vencedor de maneira alguma sofre dano da segunda morte”. (2.11); à igreja em Pérgamo é dito: “Ao vencedor, dar-lhe-ei do maná escondido, bem como lhe darei uma pedrinha branca, e sobre essa pedrinha escrito um nome novo, o qual ninguém conhece, exceto aquele que o recebe”. (2.17); à igreja em Tiatira é dito: “Ao vencedor, que guardar até ao fim as minhas obras, eu lhe darei autoridade sobre as nações” (2.26); à igreja em Sardes é dito: “O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida;” (3.5); à igreja em Filadélfia a dito: “Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá;” (3.12); à igreja em Laodiceia é dito: “Ao vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono, assim como também eu venci e me sentei com meu Pai no seu trono.” (3.21). Cada expressão dessa é acompanhada da exortação para ouvir o que o Espírito diz. O fato é que, em cada uma dessas declarações de recompensa, vê-se a segurança do crente de que ele receberá sua herança, uma vez que esse “vencedor” é o mesmo que fala, o próprio Senhor Jesus, o representante federal, Ele que venceu e conquistou tudo isso para o seu povo, e também é Ele quem garante que o crente prevaleça no caminho até o fim. Nos capítulos 12 e 13, há o desenvolvimento do tema da preservação da semente, o qual é desenvolvido em todo o progresso da revelação, bem como o tema da batalha final contra o inimigo final, Satanás. Ainda no capítulo 13, mais uma vez a expiação é trazida a cena, como um evento ocorrido deste a fundação do mundo (13.18), onde se vê mais uma vez destacada a eficácia da expiação conferindo segurança e certeza ao verdadeiro crente. No capítulo 17, verso 14, João assegura ao eleito, a condução a 50

perseverar na fé.107 Ainda na perspectiva de fundamentação da doutrina da segurança ao olhar para o capítulo 19, João mostra o triunfo e júbilo no céu por conta da vitória do Senhor (vv. 7-10); no capítulo 20 ele mostra a vitória final sobre Satanás (vv. 11-15), bem como a aplicação do juízo sobre os ímpios. Para finalizar, os dois últimos capítulos do livro de Apocalipse trazem ainda mais evidências que fundamentam a segurança e certeza do crente, uma vez que, João mostra o cumprimento final, bem como o cumprimento do novo céu e nova terra. No versículo 5 e 6 do capítulo 21, percebe-se um retorno ao que fora dito no início do livro, o Senhor testifica a veracidade das Suas palavras (21.5 – 1.1,2) e o tema do vencedor é retomado mais uma vez (21.6,7 – 2.7,11,17,26; 3.5,12,21). No capítulo 22, João descreve a Nova Jerusalém, destacando suas características de templo, onde se percebe uma forte alusão ao Éden, ao citar a presença da árvore da vida, dos rios. No verso 4, tem-se a gloriosa promessa de que os crentes verão a face do Senhor e no verso 6, tem-se a coroação da segurança e certeza do crente, a saber a autenticação do Senhor às suas palavras: “Disseme ainda: Estas palavras são fiéis e verdadeiras. O Senhor, o Deus dos espíritos dos profetas, enviou seu anjo para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer”.

1.4 Conclusão Ao finalizar esta investigação em busca da fundamentação da doutrina da segurança e certeza da salvação no Antigo e Novo Testamento, a pesquisa encontra em todo o cânon, sobejas evidências que apontam para essa maravilhosa doutrina. Respondendo assim os questionamentos levantados inicialmente e mostrando que a segurança e certeza da salvação é possível de ser obtida à luz da Palavra de Deus, observase a fidelidade do SENHOR em manter o seu pacto eterno; bem como de manter o pacto com o homem nas suas dispensações com Adão, Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, Davi, Cristo e a igreja; observa-se também a imutabilidade do SENHOR e a incondicionalidade da realização das bênção redentivas do pacto; o grande amor de Deus e a tratativa com o seu povo; o cumprimento das promessas em Cristo, bem como a obediência de Cristo e a perfeita execução da sua obra da redenção, a saber sua vida, morte, ressurreição e ascensão; a garantia do descanso final e o selo do Espírito Santo. Tudo isso é visto em

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LAWSON, Fundamentos da graça: 1.400 A.C. - 100 D.C., p. 789.

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toda à Escritura e, totalmente, suficiente para conduzir o crente a gozar da segurança e certeza da sua salvação.

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2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO E CONFESSIONAL DA DOUTRINA

2.1 Introdução Depois de responder os principais questionamentos quanto à segurança e certeza da salvação trazendo a fundamentação bíblica da doutrina, a pesquisa se propõe a mostrar o desenvolvimento histórico e confessional da doutrina da segurança e certeza da salvação. Assim como fora demonstrado no capítulo da fundamentação bíblica, ver-se-á nesse desenvolvimento histórico e confessional a ligação existente entre a doutrina da segurança e certeza da salvação com outras fundamentais doutrinas da sotereologia, principalmente com as doutrinas da fé, da eleição e da perseverança dos santos. Este capítulo mostrará, de forma panorâmica, os principais expoentes e defensores dessa doutrina. Serão apresentadas também as principais manifestações credais e sistematizações confessionais, de linha protestante e reformada, que por fim, fornecerão a base para a tratativa da doutrina da segurança e certeza da salvação na visão puritana demonstrada nos símbolos de fé de Westminster, a ser explanada no próximo capítulo da pesquisa.

2.2 Desenvolvimento histórico da Doutrina da segurança e certeza da salvação 2.2.1 Período dos Pais Apostólicos À semelhança de outras doutrinas, a doutrina da segurança ou certeza da salvação começa a ser desenvolvida e consolidada a partir da reforma protestante. No período dos Pais Apostólicos, como explica Berkhof, as verdades dadas de forma inspiradamente, passavam a ser reproduzida por homens falíveis, sendo que, o foco era direcionado às verdades básicas da fé. Esses ensinos eram caracterizados por certa pobreza, embora houvesse concordância com o todo da Escritura, não havia uma sistematização dos ensinos. Várias dificuldades contribuíram para isso. Uma delas é o fato de o próprio cânon não estar totalmente estabelecido. Segundo ele, outro fator contribuinte para isto era a falta de precisão na pregação, uma vez que se tinha as influências paulina, joanina e petrina, que embora estivessem em acordo, não apresentavam as mesmas ênfases. Outro fator era a influência da cultura judaico-helênica. A forte relação com o moralismo pagão trouxe influência para o ensino dos pais da igreja; a salvação, passa a ser comunicada através das ordenanças, pois, o batismo passa a ser o meio para o novo nascimento e

perdão de todos os pecados e a Ceia passa a ser o meio de se transmitir ao homem a vida eterna.1 Assim declara Berkhof: O cristão se apossa de Deus pela fé, a qual consiste de verdadeiro conhecimento de Deus, de confiança nEle e de auto entrega a Ele. É dito que o homem é justificado pela fé, mas não é claramente entendida a relação entre a fé e a justificação, entre a fé e a nova vida. Com isso toma-se manifesta uma tendência legalista anti-paulina. A fé é apenas o primeiro passo no caminho da vida, do qual caminho depende o desenvolvimento moral do indivíduo. Todavia, recebido o perdão de pecados, no batismo, obtido pela fé, em seguida o homem merece tal bênção por suas boas obras, as quais se tomam, então, num princípio secundário e independente, paralelo à fé. O cristianismo é muitas vezes apresentado como a nova lex, e o amor, que conduz a uma nova obediência, toma o lugar principal. O que aparece em primeiro plano não é a graça de Deus, e sim, às vezes, as boas obras.2

Steven Lawson, escrevendo acerca do pai apostólico Clemente de Roma (10 – 100), aponta sua posição quanto à salvação, demonstrando que Clemente entendia que o eleito podia gozar de segurança e certeza da salvação. Lawson diz: “Clemente asseverava que a salvação que Deus concede a seus eleitos é uma obra perene da graça, nunca será revertida ou desfeita”.3 Ainda quanto a leitura de Clemente, Lawson complementa: “Deus mantém seus eleitos eternamente seguros por sua onipotente vontade”.4 Outro Pai Apostólico destacado por Lawson é Inácio de Antioquia (67 – 110), que por sua vez, também deixa transparecer segurança e confiança a ponto de ir enfrentar os leões. Lawson, fazendo a leitura desse pai, diz que “Inácio cria que todos os crentes serão para sempre preservados em graça”.5 Ambos demonstram segurança por meio da perseverança produzida por Deus no crente, entendendo a incondicionalidade da salvação, a qual não parte nem depende do homem. Com o crescimento das seitas e heresias que tentavam invadir a igreja, foram surgindo as formulações de fé. Nesse período levantaram-se homens, os chamados apologistas. Um destaque é dado aos pais anti-ginósticos, Irineu (130 – 202), Hipólito (170 – 236) e Tertuliano (160 – 220). Esses formularam doutrinas sobre Deus, o homem e a história da redenção, sobre a pessoa e obra de Cristo e sobre a salvação, a igreja e as

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BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992, p. 38–40. 2 Ibid., p. 40. 3 LAWSON, Steven J., Pilares da graça: AD 100 - 1564, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2013, p. 84. 4 Ibid. 5 Ibid., p. 100.

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últimas coisas. No que toca à salvação, que é o nosso maior foco nesta pesquisa, vê-se que: Irineu enfatizou a necessidade da fé como pré-requisito para o batismo, a qual incluía rendição da alma e, conduzia a uma vida santa e, por sua vez, o homem seria regenerado pelo batismo. Tertuliano, não apresenta muitas mudanças quanto ao que fora desenvolvido por Irineu, mas foca no ponto de vista de que o homem, através do arrependimento, obtém a salvação, levando ao desenvolvimento da penitência como forma de expurgar os pecados, ou seja, para que os pecados fossem satisfeitos diante de Deus.6 Assim também foram os Pais Alexandrinos, esses também formularam suas doutrinas, escrevendo sobre: Deus e o homem, as pessoas e a obra de Cristo, e sobre a salvação, a igreja e a obra de Cristo. Quanto a salvação destaca-se no ensino dos pais alexandrinos, a aceitação do livre-arbítrio. Logo, com base nesse pensamento, eles entendiam que Deus oferece a salvação, e o homem, tem o direito de escolher abraça-la ou não. Orígenes (185 – 255) vai falar em salvação por dois modos, um por fé (esotérico) e outro por conhecimento (exotérico). Orígenes vai valorizar a questão do arrependimento, mas não como os pais Ocidentais, ele defende algo mais íntimo, uma vez que o homem é depravado.7 2.2.2 Período da Patrística No período da patrística destacam-se ainda nomes como Cipriano († 258) e Ambrósio († 397), que junto com Tertuliano, vão defender que o homem é totalmente depravado. Quanto a Cipriano, Lawson vai mostra que “o verdadeiro crente nunca pode separar-se de Cristo. Sua salvação está eternamente segura”.8 Acerca de Ambrósio de Milão, Lawson declara que Ambrósio via o Espírito Santo como o selo assegurador do crente e mostra ainda que “Ambrósio via em Jo.27-30 a verdade de que Deus Pai e Deus Filho mantêm todos os crentes eternamente seguros em suas mãos salvíficas”.9 Pelágio (354 – 430)10 é um nome que tem grande destaque pelas distorções às doutrinas quanto à aplicação da redenção. Berkhof diz que: “Sua concepção do pecado e seus resultados levaram-no a negar a absoluta necessidade da graça de Deus em Cristo 6

BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, p. 63. Ibid., p. 68–69. 8 LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 180. 9 Ibid., p. 266. 10 LOPES, Edson, Fundamentos da teologia da salvação, 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2009, p. 15– 20. 7

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para a salvação e a considerar ser perfeitamente possível a um homem atingir a salvação mediante a guarda da lei”.11 Para ele, a graça, consiste no bem da natureza, bem como da pregação e o exemplo de Cristo, sendo o primeiro essencial e o segundo não tão necessário à salvação, embora pudesse facilitar a condução do homem. Agostinho (354 – 430) surge como um grande opositor às doutrinas de Pelágio.12 Agostinho defende a depravação total do homem. Seu entendimento de graça diverge de Pelágio, pois ele entende que objetivamente a graça consiste em Evangelho, batismo, perdão de pecados, bem como na necessidade de uma ação interna proporcionada pelo Espírito Santo. Berkhof destaca que Agostinho defende que: O homem receberia, pelo batismo, as primeiras bênçãos da graça, a saber, a regeneração ou renovação inicial do coração e o perdão dos pecados. Ambas essas bênçãos, poderiam ser perdidas; de fato, nem uma nem outra poderia ser retida, a menos que a graça da perseverança fosse igualmente recebida.13

Nessa leitura de Berkhof a cerca de Agostinho vê-se claramente a ligação da doutrina da segurança e certeza da salvação com a doutrina da perseverança dos santos. Agostinho também confere grande destaque à fé. No que toca a segurança, ele a confere àquele que crer de fato em Cristo, ou seja, aquele que ama a Cristo, sendo essa uma evidência da segurança verdadeira. Mas, a doutrina da segurança na teologia de Agostinho fica apenas implícita, ele não chega a fixar o entendimento direto da doutrina.14 Berkhof destaca na teologia de Agostinho, que tudo ele atribuía à graça de Deus, no que toca a seu sistema doutrinário. Entre as doutrinas agostinianas e pelagianas, surgia a posição intermediária, que ficou conhecida como semi-pelagianismo. Quanto às posições semi-pelagianas, Berkhof mostra que suas posições intermediárias negavam a total incapacidade do homem para realizar o bem, ao mesmo tempo que admitiam serem incapazes em cumprir obras salvadoras sem a assistência da graça. Segundo o pensamento deles, a graça de Deus dá o apoio necessário sem jamais comprometer o livre-arbítrio do homem. Com isso, o que prevalece, no final, é a vontade do homem determinando o

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BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, p. 185. MCGRATH, Alister E., Teologia Histórica: Uma introdução à história do pensamento cristão, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 49–51. O autor vai apresentar os contrastes entre o pensamento de Agostinho e as posições heréticas de Pelágio. 13 BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, p. 186. 14 BEEKE, Joel R., A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, 1. ed. RecifePE: Os Puritanos, 2003, p. 29. 12

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resultado, crer e continuar na fé, sendo que a graça se faz mister apenas para fortalecer a fé. Com esse tipo de pensamento se nega por completo a graça irresistível.15 2.2.3 Período dos Pré-reformadores Lawson em sua investigação histórica apresenta ainda o pensamento de homens como Thomas Bradwardine (1290 – 1349), que afirmava que “a eterna segurança do crente repousa sobre a eterna vontade de Deus na salvação”;16 Wycliffe (1320 – 1384), um dos grandes pré-reformadores “entedia também que, se a salvação é inteiramente de Deus, então a graça nunca pode ser perdida. Graça salvífica é graça preservadora – Deus guardará os predestinados antes da fundação do mundo seguros por todas as eras porvir”;17 John Hus (369 – 1415), outro pré-reformador, é descrito como um defensor da segurança do crente por meio da predestinação e da perseverança dos santos, sendo essas, obras exclusivas de Deus.18 Mais uma vez vê-se a amplitude da doutrina da segurança e certeza da salvação em contato direto com outras doutrinas da sotereologia. 2.2.4 Período dos Reformadores Nesse ponto a pesquisa apresentará o desenvolvimento da doutrina dentro do período da Reforma, a começar pela Alemanha, berço da Reforma Protestante, seguindo até a transição a manifestação puritana com William Perkins. 2.2.4.1 Reforma na Alemanha I. Martinho Lutero (1483 – 1546) Como bem se vê, a doutrina da segurança é tratada apenas de forma muito tímida e, de certa forma, indefinida, deixando margem para uma insegurança que mais tarde vai ser substituída por o “Cativeiro Babilônico da Igreja”, como trata Lutero em seu livro que carrega esse título, mostrando as atrocidades cometidas pela Igreja na Idade Média.19 McGrath declara acerca dessa obra: Nesse texto vigoroso, Lutero argumenta que o evangelho havia se tornado cativo da igreja institucional. De acordo com ele, a igreja medieval havia aprisionado o evangelho num sistema complexo de sacerdotes e sacramentos.

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BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, p. 187. LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 440. 17 Ibid., p. 464. 18 Ibid., p. 485,486. 19 LUTERO, Martinho, Do Cativeiro Babilônico da Igreja, São Paulo: Martin Claret Ltda., 2006. 16

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A igreja havia se transformado em senhora do evangelho quando, na verdade, devia ser sua serva.20

A Igreja Católica Romana vai associar a segurança, diretamente, ao fato do indivíduo estar coligado à Igreja, obtendo dela os benefícios de segurança da sua salvação, declarando, portanto que: “Fora da Igreja não há salvação nem remissão de pecados”.21 Isso conduziu a Igreja a desenvolver a certeza eclesiástica e sacramental, ao invés de uma certeza fundamenta cristologicamente.22 Essa digressão levanta a necessidade de reforma. Martinho Lutero é um dos grandes expoentes que vai surgir para lutar contra as distorções doutrinárias que imperavam naquele período.23 No que toca à doutrina da segurança e certeza da salvação, vê-se que a segurança de sua salvação era algo que o preocupava profundamente. Edson Lopes, fazendo uma leitura de Lutero, diz: “Sua preocupação central na vida era com a salvação de sua alma”.24 Beeke aponta o insucesso de Lutero ao procurar segurança por meio da igreja, isto é, dos sacramentos e do sistema penitencial, mostrando que ele só consegue encontrar na “graça de Deus em Cristo, mediante quem o perdão dos pecados é pleno e não depende do mérito humano”.25 Entre as noventa e cinco teses afixadas por Lutero está a tese de número 52, onde o reformador combate a doutrina herética da “segurança por carta de perdão (indulgência)”26 dizendo: “A certeza da salvação por cartas de perdão é vã, mesmo que o comissário, ou melhor, mesmo que o próprio papa desse sua alma sobre ela.”27 Beeke segue mostrando, em sua leitura de Lutero, que sua doutrina da segurança é pautada na experiência religiosa, ou seja, “a abordagem de Lutero à fé e à segurança centrada em Cristo, tinha raízes na experiência pessoal”.28 Nisso vê-se que na teologia de Lutero a doutrina da segurança está intimamente e imediatamente ligada à doutrina da fé. Beeke, declara que “Lutero apresentou o Cristianismo como uma crença segura no Deus vivo, que revela a si mesmo e abre o seu coração, em Cristo, aos pecadores”. 29 A 20

MCGRATH, Teologia Histórica, p. 183. BETTENSON, Henry (Org.), Documentos da Igreja Cristã, 5. ed. São Paulo: Aste, 2007, p. 192. 22 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 31. 23 Ibid., p. 40. 24 LOPES, Fundamentos da teologia da salvação, p. 24. 25 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 39,40. 26 MCCRATH, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica: Uma introdução a teologia cristã, 1. ed. São Paulo: Shedd Publicações, 2005, p. 97–98. 27 LUTHER, Martin; JACOBS, Henry Eyster; SPAETH, Adolph, Works of Martin Luther, with introductions and notes, [s.l.]: Philadelphia, A.J. Holman company, 1915, p. 34. 28 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 40. 29 Ibid. 21

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semelhança de Agostinho que desafiou o pelagianismo, Lutero também desafiou o semipelagianismo, resultado da junção feita pela Igreja Católica das posições de Pelágio e Agostinho, afirmando que “a segurança reside no direito inato de todo cristão, uma vez que é privilégio do crente saber subjetivamente que Deus é gracioso para com ele em Seu Filho”.30 Ainda dentro dessa leitura, Beeke mostra que além da doutrina da fé, está também atrelada à segurança a doutrina da predestinação, as quais, por sua vez, são inseparáveis das promessas de Deus.31 Com relação à fé ele mostra que “a fé se apega à promessa de Deus, concorda com ela e assegura ao crente que Deus é graciosamente inclinado a ele em Cristo Jesus”.32 Outro ponto importante do entendimento de Lutero quanto a essa doutrina é também destacado por Beeke em sua tese, que é a postura firme de Lutero de que “a falta de segurança é incompatível com o fato de ser um cristão autêntico”.33 Embora tenha essa posição, Lutero evitava dizer que o duvidoso não era um cristão, mas aponta a o comportamento do duvidoso como um comportamento semelhante ao de um incrédulo, quando esse não tem segurança.34 Lutero entedia também que essa segurança ou certeza podia ser, por causa do pecado contumaz na vida do crente, enfraquecida e até mesmo perdida.35 Lutero ainda faz uma distinção entre segurança (securitas) e certeza (certitude). Quanto à segurança, ele mostra que “visa ao conforto à parte de Deus”36 e, com isso, “poderia significar uma falta de cuidado, uma vez que a preocupação com a justiça e a glória divina seriam secundárias”.37 Com relação à certeza, ele diz que “é um dom divino recebido pela fé”.38 Mesmo com esse posicionamento experimental, Lutero evitou dizer que “a falta de segurança poderia ameaçar, muito menos destruir a graça salvadora”.39 Por fim, Beeke ainda destaca a relação que Lutero faz entre a segurança e as obras, mostrando que ele entendia que “a segurança deve também ser apoiada pelo

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Ibid. Ibid., p. 41. 32 Ibid. 33 Ibid., p. 42. 34 Ibid., p. 43. 35 Ibid., p. 43,44. 36 Ibid., p. 43. 37 Ibid., p. 44. 38 Ibid. 39 Ibid., p. 45. 31

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testemunho de uma boa consciência baseada nas obras”,40 sem que isso fira a proeminência da fé. Lawson vai também fazer uma leitura da teologia de Lutero e destacar a relação da segurança com as doutrinas da eleição e da perseverança dos santos.41 Ele declara que “Lutero era confiante sobre a eterna preservação de cada crente. Ele entedia que nenhum dos eleitos pode ser arrebatado da mão do Pai”.42 Lawson afirma também que Lutero sabia que “os que estão em Cristo jamais perderão sua salvação”,43 bem como sabia que os eleitos são mantidos seguros por Deus, uma vez que “a eleição faz o povo de Deus eternamente seguro, por que Deus completa o que começa”.44 II. Philip Melanchthon Ainda nessa fase inicial da Reforma, na Alemanha, entra em cena Philip Melanchthon (1497-1560), sucessor de Lutero, o qual não foi tão fiel a alguns pontos doutrinários defendidos pelo reformador. Melanchthon em seus ensinos mostra divergir do monergismo de Lutero.45 Consequentemente, ele se afasta da proposta de segurança pessoal de Lutero, o que, por sua vez, leva o luteranismo a afastar-se dessa doutrina defendida por Lutero. Isso teve início com a negação de Melanchthon às doutrinas básicas da dupla predestinação e da salvação monergística, e foi mantida pela negação de Melanchthon à doutrina da perseverança.46 Consequentemente surgem, em decorrência disso, grupos distintos dentro do luteranismo. De um lado estão os que se mantinham firmes ao pensamento de Lutero e, dou outro, aqueles que aceitavam as inovações propostas por Philip Melanchthon.47

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Ibid., p. 45,46. LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 532,533. 42 Ibid., p. 532. 43 Ibid. 44 Ibid., p. 533. 45 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 48. 46 Ibid., p. 49. 47 Livro de concórdia, 6. ed. Porto Alegre: Concórdia, 2006, p. 548. Já na introdução à fórmula de concórdia essa divisão fica evidente, onde lê-se: “Na esteira da morte de Lutero (1546) e com a derrota militar dos príncipes luteranos (1547), uma série de controvérsias sobre a pura doutrina da Reforma ameaçava dividir os luteranos em dois partidos: um partido cada vez mais isolado, o gnesioluterano (gnesio, do grego: autêntico), que se pretendia defensor dos ensinamentos originais de Martinho Lutero, inicialmente liderado por Mathias Flacius, e o outro, o filipista, composto por seguidores de Filipe Melanchthon, que levaram a extremos as coisas discernidas por seu mentor.” 41

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2.2.4.2 Reforma na Inglaterra I. Huldrych Zuínglio A pesquisa segue mostrando, agora, na Inglaterra, na Suíça alemã, outro reformador que teve grande influência no desenvolvimento da doutrina da segurança e da certeza da salvação, Huldrych Zuínglio (1484-1531).48 Ao contrário de Melanchthon, Zuínglio foi bem fiel à doutrina de Lutero quanto a segurança e certeza da salvação, embora traga algumas ênfases que não foram tão expressivas no reformador. Ele se alinha com Lutero no que toca à “segurança pessoal de salvação”;49 também no que toca à ideia de interação da segurança com a fé, assevera que “Zuínglio afirmou que a segurança era essencial à fé”.50 Zuínglio também enfatiza o ponto da humilhação pessoal e abandono do mérito pessoal, gerado pelo ensino errado do livre-arbítrio.51 Esse alinhamento também fica evidente na relação da segurança com as boas obras 52, a qual também fora defendida por Lutero. As grandes ênfases de Zuínglio, como destaca Beeke em sua tese, começa a aparecer na relação das doutrinas da fé e da segurança com a doutrina da eleição. Beeke diz que “até mais do que Lutero, Zuínglio baseou fé e segurança na eleição soberana de Deus e na obra de Cristo no cumprimento do pacto da graça”.53 Outra ênfase de Zuínglio, destacada por Beeke, está na: [...] impossibilidade de separar a eleição, as promessas de Deus, Cristo, a fé e a segurança, da doutrina da providência de Deus. A fé na expiação de Cristo se evidencia como confiança asseguradora em Deus por meio das experiências do dia-a-dia.54

Há ainda outra forte ênfase que caracteriza a teologia de Zuínglio, que é a ação do Espírito Santo nessa interação de segurança e certeza do crente, também destacada por Beeke. A leitura feita por Beeke mostra que Zuínglio além de mostrar a ação do Espírito testificando as verdades salvíficas no coração do crente, também fortalece a segurança por meio da santificação e das boas obras.55

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BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 49. Ibid. 50 Ibid., p. 50. 51 Ibid. 52 Ibid., p. 53. 53 Ibid., p. 50. 54 Ibid., p. 51. 55 Ibid., p. 52. 49

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II. Heinrich Bullinger Seguindo a linha da história, outro nome que se destaca no desenvolvimento da doutrina da segurança e certeza da salvação é Heinrich Bullinger (1504-1575).56 Ele fora um grande ícone da reforma na Suíça, sendo o sucessor direto de Zuínglio e tornando-se o principal ministro de Zurique.57 Trouxe também uma grande contribuição literária, sendo que suas obras excedem as de Lutero, Calvino e Zuínglio juntas.58 A doutrina da segurança e certeza da salvação na teologia de Bullinger também está ligada a outras importantes doutrinas da sotereologia, tais com a predestinação, providência, eleição, fé. Como afirma Beeke: “Tal como seu predecessor, Zuínglio, Bullinger foi diretamente da predestinação e da providência à segurança pessoal dentro de um contexto centrado em Cristo”.59 Em sua grande obra intitulada “Segunda Confissão Helvética”,60 Bullinger falando da predestinação e da eleição deixa claro que: “Teremos um testemunho bastante claro e seguro de que estamos inscritos no Livro da Vida, se tivermos comunhão com Cristo, e se ele for nosso e nós dele em verdadeira fé”.61 A Segunda Confissão Helvética foi escrita por Heinrich Bullinger em 1562, e posteriormente “publicada em 1566 por Frederico III, da Palatina, adotada pelas Igrejas Reformadas da Suíça, França, Escócia, Hungria, Polônia e outras”.62 Embora não se encontre no documento um tópico especifico acerca da segurança e da certeza da salvação, é possível encontrar várias declarações de Bullinger que aponta para essa doutrina. Beeke, em sua leitura de Bullinger, mostra que fé e segurança se baseiam na mesma fundação, os quais são: Palavra de Deus, o Filho de Deus e as promessas de Deus, assim, vê-se que ele entende a segurança como parte essencial da fé. 63 Com relação à dúvida, Bullinger vai admitir que a fé é crescente fornecendo, à medida que cresce, segurança ao crente duvidoso.64 Está também presente na teologia da segurança e da

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LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 608–614. Ibid., p. 612. 58 Ibid., p. 614. 59 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 54. 60 LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 607. 61 Documentos históricos do protestantismo, disponível em: , acesso em: 5 set. 2016, p. 208. 62 BULLINGER, Heinrich, Segunda Confissão Helvética, disponível em: , acesso em: 3 out. 2016. 63 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 56. 64 Ibid., p. 58. 57

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certeza de Bullinger o aspecto das boas obras como evidência da fé. Beeke diz que para Bullinger “a fé é a fonte de toda graça; isso se evidencia na prática de boas obras”. 65 III. João Calvino A pesquisa agora chega ao grande reformador de Genebra, João Calvino (15091564)66. A doutrina da segurança e certeza da salvação, na teologia de Calvino, alinha-se bem com os princípios abordados por Lutero e Zuínglio, os quais são reafirmados por Calvino e acrescidos de ênfases particulares de grande importância para o desenvolvimento da doutrina.67 À semelhança do que já fora mostrado até aqui, na teologia de Calvino também há forte interação da doutrina da segurança e certeza da salvação com as principais doutrinas soteriológicas. Calvino, em pleno acordo com Lutero e Zuínglio, mostra a fé como sendo muito mais do que um simples assentimento, tendo, por tanto, a necessidade de conhecimento e confiança.68 Em sua obra magma, conhecida como Institutas da Religião Cristã, Calvino traz, de forma sistematizada e clara, essa forte relação: Ora, visto que o conhecimento da bondade de Deus nos serve bem pouco, a não ser que nela nos faça descansar, excluído deve ser o conhecimento misturado de dúvida, o qual não esteja firmemente em acordo consigo próprio; pelo contrário, se põe em conflito consigo próprio. Com efeito, mui longe está a mente do homem, visto ser cega e entenebrecida, de penetrar e se elevar até o ponto de perceber a vontade de Deus! E também o coração, uma vez que flutua em perpétua hesitação, longe está de permanecer seguro nesta convicção! Daí importa, de outro lado, não só que a mente nos seja iluminada, mas também que nos seja firmado o coração, para que a Palavra de Deus obtenha pleno crédito entre nós.69

Calvino diz que “a segurança é parte integrante da fé”.70 Essa relação fica explicita em sua definição de fé, onde se percebe a forte interação entre fé e segurança: Portanto, podemos obter uma definição perfeita de fé, se dissermos que ela é o firme e seguro conhecimento da divina benevolência para conosco, fundado sobre a veracidade da promessa graciosa feita em Cristo, não só é revelado à nossa mente, mas é também selado em nosso coração mediante o Espírito Santo.71

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Ibid. LAWSON, Pilares da graça: AD 100 - 1564, p. 6637–648. 67 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 61. 68 Ibid. 69 CALVINO, João, As Institutas, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 31. 70 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 65. 71 CALVINO, As Institutas, p. 31. 66

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Daí já se veem algumas das ênfases dadas pelo reformador quanto à relação – fé e segurança atrelada, também, a outras essenciais doutrinas. McWilliams72 destaca essa íntima interação apontando também para outro ponto onde Calvino define que “a fé é uma confiança firme e sólida do coração, por meio do qual nós descansamos certamente na misericórdia de Deus, que nos é prometido através do Evangelho”.73 McWilliams foca nesse entrelaçamento da fé e segurança e passa a mostrar as interações disso com as outras doutrinas, a saber: fé e a Palavra; fé e os sacramentos; o testemunho do Espírito; segurança e eleição; a interação com a ação do homem, trabalhando aqui o silogismo prático de Calvino; a interação da doutrina de Calvino e a Confissão de Fé de Westminster.74 Beeke comentando essa definição de fé, proposta por Calvino, diz que “nessa definição, Calvino asseverou uma estrutura trinitariana. A fé é a certeza da promessa de Deus em Cristo, aplicada pelo Espírito”.75 Diante das definições apresentadas, observa-se algumas ênfases claras do reformador de Genebra. A primeira ênfase a ser destacada é a necessidade do conhecimento. Beeke assevera, partindo da sua leitura de Calvino, que esse conhecimento fundamental à fé é o conhecimento da Palavra de Deus, sendo esta a sua Sagrada Escritura, bem como a proclamação do Evangelho.76 Em resumo Beeke vai mostrar que para Calvino a fé repousa na Palavra de Deus. Sendo assim, a segurança deve ser buscada na Palavra e flui da Palavra de Deus.77 Como diz o próprio Calvino: “Primeiramente, devemos estar lembrados de que há uma relação permanente da fé com a Palavra; ela não pode separar-se desta, da mesma forma como os raios do próprio sol não podem separarse dele, do qual se originam”.78 Beeke enfatiza também que, para Calvino “a fé é inseparável de Cristo e das promessas de Cristo”79 e, segue mostrando que “essa fé repousa sobre o conhecimento da Escritura e sobre as promessas dirigidas a Cristo e centradas nele”.80 Calvino declara

MCWILLIAMS, David B., Calvin’s Doctrine of the Assurance of Faith, disponível em: , acesso em: 6 set. 2016. 73 CALVIN, John, Instruction in Faith (1537), [s.l.]: Westminster John Knox Press, 1949, p. 40. 74 MCWILLIAMS, Calvin’s Doctrine of the Assurance of Faith. 75 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 64. 76 Ibid., p. 61. 77 Ibid., p. 61,62. 78 CALVINO, As Institutas, p. 29. 79 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 62. 80 Ibid. 72

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também: “Portanto, a fé, apreendendo o amor de Deus, tem as promessas da vida presente e da vida futura [1Tm 4.8], bem como a firme certeza de todas as coisas boas, a qual, porém, pode ser depreendida da Palavra”.81 Essa interação com as promessas centradas em Cristo conduzem e fundamentam a fé, segurança e certeza do crente, uma vez que Calvino expressa que “a fé se concentra nas promessas de Deus e é expressão do seu amor, cujo cumprimento se acha em Cristo”.82 Beeke mostra também que Calvino confere forte ênfase ao testemunho do Espírito Santo.83 Calvino afirma que o Espírito não só inicia a fé, mas também faz com que ela crença.84 Beeke, em sua leitura de Calvino acerca da essência da fé, diz que: Mais especificamente, Calvino argumentou que a fé envolve algo mais do que crer objetivamente na promessa de Deus. Envolve uma segurança pessoal e subjetiva. Crendo nas promessas de Deus aos pecadores, o verdadeiro crente reconhece e celebra que Deus é gracioso e benevolente, particularmente para com ele mesmo.85

Nessa perspectiva da aplicação da obra do Espírito, ele ainda afirma que: “Para Calvino, a confiança objetiva de um crente, posta sobre as promessas de Deus como base primária da segurança, deve ser subjetivamente selada pelo Espírito Santo”.86 Quanto a esse selo, Calvino diz: “[...] o Espírito faz as vezes de um selo para marcar em nosso coração estas mesmas promessas cuja certeza antes nos imprimiu à mente e ele toma o lugar de um penhor para confirmá-las e estabelecê-las”.87 Depois de analisar as ênfases da doutrina da segurança e certeza do crente com base na definição de fé proposta por Calvino, a pesquisa conduz a outras interações importantes na teologia do reformador de Genebra. Há, na teologia de Calvino, quanto à doutrina da segurança e certeza da salvação, pontos que são bastante rebatidos. Um desses pontos é a tratativa de Calvino para com o duvidoso. As ênfases destacadas acima, levam Calvino a expressar fortes convicções que geraram muito debate. Como já citado, para Calvino a segurança é parte integrante da fé, logo, diante dessa proposição e, do que já fora destacado acerca da interação do Espírito nesse processo, Beeke aponta para a conclusão de Calvino de que “se alguém crê, mas não tem convicção de que é salvo por 81

CALVINO, As Institutas, p. 52. Ibid., p. 57. 83 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 63. 84 CALVINO, As Institutas, p. 59. 85 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 64. 86 Ibid., p. 93. 87 CALVINO, As Institutas, p. 62. 82

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Deus, esse não é um crente verdadeiro”.88 Calvino diz “[...] os fiéis bem sabem ser filhos de Deus [1Jo 3.2]. E de fato o sabem com certeza, porém firmados mais pela persuasão da verdade divina do que instruídos por demonstração racional”.89 Mais adiante Calvino diz que: Em suma, não há nenhum outro verdadeiramente fiel senão aquele que, persuadido por sólida convicção de que Deus é seu Pai propício e benévolo, por sua benignidade lhe promete todas as coisas; e aquele que, confiando nas promessas da divina benevolência para consigo, antecipa infalível expectativa de salvação. Como o Apóstolo assinala nestas palavras: “Se tão-somente conservarmos confiança até o fim, e a glória da esperança” [Hb 3.6]. Porque, ao expressar-se assim, declara que ninguém espera no Senhor como deve senão aquele que se gloria confiadamente de que é herdeiro do reino celeste. 90 Afirmo que ninguém é fiel senão aquele que, arrimado na certeza de sua salvação, zomba confiadamente do Diabo e da morte... somente compreendemos realmente a bondade de Deus quando estamos plenamente seguros dela.91

Essas asseverações de Calvino, como afirma Beeke, são motivo para controvérsias e ataques incautos contra o reformador de Genebra da parte de William Cunningham 92 e Robert Dabney93. Ambos afirmam categoricamente que Calvino errou ao fazer tais asseverações. No entanto, Calvino também apresenta em seus escritos várias asseverações qualificadoras que acabam lançando luz a esse ponto. Isso, portanto, dá ideia de uma possível contradição. Para resolver essa questão basta olhar para a forma como Calvino as sistematiza.94 Primeiramente, é importante observar que Calvino vai admitir que a segurança é constantemente assaltada por dúvidas, tentações, lutas e provas normais, por Satanás e a carne, e ainda, que a confiança em Deus é restringida pelo medo. 95 Calvino também admite que não existe segurança perfeita nesta vida, isso ocorre por conta da perseguição da dúvida. Nessa perspectiva ele vai admitir também variáveis graus de fé. Sendo assim Calvino mostra que “a fé, o arrependimento, a santificação e a segurança são progressivos”.96 Por admitir tais posições depois de ter asseverado que “se alguém crê,

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BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 64. CALVINO, As Institutas, p. 39. 90 Ibid., p. 41. 91 Ibid. 92 CUNNINGHAM, William I., The reformers; and the theology of the reformation: Edited by his literary executors, [s.l.]: Clark. London: Hamilton, Adams & C., 1862, p. 119–122. 93 DABNEY, Robert Lewis, Discussions: Evangelical and Theological, [s.l.]: Banner of Truth Trust, 1967, p. 216. 94 BEEKE, A Busca da Plena Segurança - O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 67. 95 Ibid., p. 67. 96 Ibid., p. 68. 89

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mas não tem convicção de que é salvo por Deus, esse não é um crente verdadeiro”,97 surge a acusação de ser contraditório, como defendido por Cunningham.98 Para resolver essas aparentes contradições, Calvino usa alguns princípios importantes. O primeiro deles é “fé e experiência”,99 onde ensina que, por mais que Calvino quisesse manter a estreita relação entre fé e segurança, ele reconhecia que o cristão cresce gradualmente até uma fé plena nas promessas de Deus, por meio de uma real experiência.100 Em segundo lugar, vem a luta da “carne versus Espírito”.101 Beeke destaca que “Calvino colocou a firme consolação do espírito lado a lado com a imperfeição da carne, pois isso é o que o crente encontra dentro de si mesmo”.102 O ponto é que, enquanto na carne, o homem continuará sendo assaltado por dúvidas, uma vez que “o perene conflito do coração crente, dividido entre o poder do Espírito e a tentação da carne, é decorrência da imperfeição da fé”.103 Essa perfeição só será alcançada na glória. Calvino aponta os meios de graça como sendo armas para fortalecer essa fé e garantir vitória para o crente. Quanto a isso Beeke, com base na sua leitura de Calvino, diz que: Mesmo quando os crentes são atormentados por dúvidas carnais, seu espírito confia na misericórdia de Deus, invocando-o em oração e descansando nele por meio dos sacramentos. Especialmente pela oração e pelos sacramentos que serve como instrumento para a segurança, a fé é fortalecida nas lutas contra a descrença.104

Em seguida vem a “semente da fé e a consciência de fé”.105 Nesse ponto, à luz da teologia de Calvino, vê-se que a semente da fé verdadeira é indestrutível, mesmo que o crente não tenha consciência plena dessa fé. Diante disso, Beeke mostra que “Calvino e os calvinistas concordam que a segurança pode ser possuída sem ser sempre conhecida”.106 Por fim, a “estrutura trinitariana”,107 destacada na teologia de Calvino, que visa animar os crentes que eram tendentes à dúvida. Nesse ponto, o que se vê, em linhas gerais, é a aplicação da obra redentiva por meio da ação econômica da trindade. Ainda nesse ponto está incluso a interação da fé asseguradora com essenciais doutrinas 97

Ibid., p. 64. Ibid., p. 70. 99 Ibid., p. 71. 100 Ibid. 101 Ibid., p. 73. 102 Ibid., p. 74. 103 CALVINO, As Institutas, p. 43. 104 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 76. 105 Ibid., p. 79. 106 Ibid., p. 82. 107 Ibid., p. 85. 98

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soteriológicas que promovem a segurança e certeza na vida do crente, a saber: a eleição e preservação do Pai em Cristo; bem como a união do crente com Cristo; e ainda a confirmação das promessas de Deus em Cristo por meio da ação do Espírito.108 O último elemento a ser destacado na teologia do reformador de Genebra é o “silogismo prático”.109 Por silogismo prático entende-se “uma conclusão derivada de uma ação”.110 Esse ponto trata do enquadramento da resposta do homem, ou seja, da obra do homem na obtenção da segurança. De acordo com sua leitura de Calvino, Beeke diz que “Calvino deixou implícito que as boas obras se prestam a um papel à posteriori no cultivo da segurança de salvação mediante o reconhecimento de que as boas obras fortalecem a fé e são evidências da eleição”.111 É importante entender que “as promessas e as obras salvadoras de Deus em Cristo permanecem primárias para Calvino”.112 Beeke assevera que “na teologia de Calvino o silogismo ocasional não desmereceu a Cristo. As marcas da graça no crente só provam que estes se uniram a Cristo, uma vez que ninguém poderia ser obediente à parte dele”.113 Daí ao olhar para a forma como Calvino coloca, é claramente entendido que aquele que foi agraciado por Deus e fora regenerado, naturalmente evidenciará boas obras e essas boas obras, estando de acordo com a Palavra de Deus e sendo fruto do Espírito Santo, irão conferir segurança à medida que testificadas pelo Espírito. IV. Theodoro Beza Depois de uma investigação mais detalhada na teologia de João Calvino, a pesquisa segue mostrando o seu sucessor imediato, Theodoro Beza (1519-1605).114 Gonzalez assevera que apesar de Beza se considerar um continuador dos ensinos de Calvino, ele na verdade os distorceu de forma sutil e decisiva e, portanto, levou o sistema calvinista às últimas consequências indo além de onde Calvino havia ido em seus

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Ibid., p. 85–91. Ibid., p. 97. 110 BEEKE, Joel R., William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, in: Calvinismo na prática, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 141. 111 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 100. 112 Ibid., p. 102. 113 Ibid., p. 103. 114 MCCRATH, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica: Uma introdução a teologia cristã, p. 115,116; GONZALEZ, Justos L., Uma história do pensamento cristão: da reforma protestante ao século 20, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 273,274. 109

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ensinos.115 McGrath, por sua vez, afirma que Beza, em sua obra composta de três volumes “Tratados Teológicos”, produzida entre 1570 – 1582, afirma que, nessa obra, Beza “faz uma exposição bem fundamentada e racionalmente defensável da teologia de Calvino, na qual algumas pendências dessa teologia (principalmente a doutrina da predestinação e expiação) são esclarecidas”.116 Beeke, por sua vez, diz que Beza foi um apoiador incondicional da teologia de Calvino. Embora isso fosse verdade Beza, por ser mais racionalista do que Calvino, estava disposto a ir além do mesmo.117 Como é de interesse dessa pesquisa focar no desenvolvimento da doutrina da segurança e certeza da salvação, vê-se que Beza é de grande importância nesse período de consolidação da ortodoxia reformada. Uma das ênfases de Theodoro Beza fora desenvolver as evidências secundárias da segurança. Beeke, em sua leitura de Beza, afirma que entre Calvino e Beza havia ligeiras discordâncias quanto aos elementos da fé. Assim, ele destaca que: Pra Calvino, fé conhecimento – conhecimento salvífico, sobrenatural; para Beza, o elemento do conhecimento não é suficiente porque uma parte do conhecimento é apenas conhecimento histórico, que mesmo os demônios possuem. Beza enfatizou o perigo de se possuir apenas conhecimento histórico, que é a casca, mas não o grão da fé.118

No que toca ao conhecimento, Beza, ao contrário de Calvino, acaba desvalorizando o conhecimento como elemento de fé. Embora sua ênfase estivesse em uma análise mais voltada para as considerações do próprio coração e a vida em vez de considerar as promessas e a Palavra de Deus, ele também ensinou que a Palavra e as promessas de Jesus eram pontos centrais da fé e da segurança. Outro ponto de discordância era que Beza não considerava a verdade como elemento necessário da fé salvadora.119 Quanto à base da segurança, Beza concorda com Calvino e a Assembleia de Westminster, asseverando três meios de segurança, a saber: a promessa do evangelho em Jesus Cristo, o testemunho interior do Espírito e a santificação. Dessa forma, ele acaba promovendo um sistema trinitário onde o crente obtém a sua segurança. Com relação ao 115

GONZALEZ, Justos L., Uma história do pensamento cristão: da reforma protestante ao século 20, p. 274. 116 MCGRATH, Teologia Histórica, p. 191. Embora faça essa asseveração, McGrath também aponta que essa questão gera controvérsias entre os historiadores, uma vez que alguns, como Gonzalez, afirmam que Beza na verdade distorceu a teologia de Calvino, enquanto que outros dizem que ele apenas concluiu questões que Calvino deixou em aberto. 117 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 106,107. 118 Ibid., p. 108. 119 Ibid., p. 108,109.

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faltoso, Beeke destaca que para Beza “os crentes cuja a fé é fraca não obtêm segurança porque são incapazes de responder à questão: ‘Como posso saber se sou eleito’”.120 Com isso ele vai além do estabelecido por Calvino dando mais ênfase no testemunho exterior de santificação e do testemunho interior do Espírito, colocando-os como dois pilares equiparando-os a aplicação das promessas de Deus em Cristo, sendo portanto, maior a ênfase no testemunho exterior de santificação.121 Logo, Beeke diz que, quanto ao duvidoso, com base na sua leitura de Beza, o que se tem é: O crente duvidoso que não pode negar que ama a Deus e ao próximo, e que odeia o pecado e deseja a justiça, pode ser assegurado de sua eleição por causa da continua obra de Deus em sua vida, mesmo quando não sente qualquer recurso pela fé nas promessas de Deus ou pelo testemunho direto do Espírito.122

Quanto ao uso do silogismo prático, Beza se utiliza com mais liberdade do mesmo, conferindo assim uma ênfase mais aprofundada do que Calvino nas boas obras quanto evidências da eleição eterna para encorajar e trazer segurança e certeza ao crente duvidoso.123 2.2.4.3 Reforma Católica - Concílio de Trento Faz-se necessário, neste ponto da pesquisa, observar a reação da Igreja Católica à Reforma Protestante, uma vez que a mesma toma partido quanto à doutrina da segurança e certeza da salvação. Esse movimento surgiu em resposta à Reforma Protestante para tentar reconquistar os territórios dominados pelo protestantismo, restaurar e fundamentar os pontos doutrinários da Igreja Católica Romana, em 1540, conhecido como ContraReforma.124 O ponto de grande interesse da pesquisa é o Concílio de Trento, onde as decisões quanto aos posicionamentos doutrinários foram sistematizadas. O mesmo foi convocado pelo papa Paulo III, em1545, aconteceu na pequena cidade de Trento, sendo assim o XIX Concílio Ecumênico a ser realizado. O Concílio de Trento é tido como um concílio que fora muito bem-sucedido, uma vez que fortaleceu o catolicismo e estimulou e sua revitalização.125

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Ibid., p. 111. Ibid. 122 Ibid., p. 113. 123 Ibid., p. 114. 124 MATOS, Alderi Souza, Fundamentos da Teologia Histórica, 2. ed. São Paulo, SP: Mundo Cristão, 2008, p. 171. 125 Ibid., p. 173. 121

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O Concílio de Trento, em resposta à doutrina da justificação defendida por Lutero, apresentou quatro seções que versavam respectivamente quanto à natureza da justificação, à natureza da justiça justificadora, à natureza da fé justificadora e por fim, à certeza da salvação.126 No que toca ao último ponto, a certeza da salvação, como bem resume McGrath, Lutero e os reformadores defendiam que: Uma pessoa podia ter certeza da sua salvação. A salvação era alicerçada na fidelidade de Deus às suas promessas de misericórdia; deixar de ter certeza da salvação era, na verdade, o mesmo que duvidar da confiabilidade de Deus. E, no entanto, essa certeza não deve ser vista como uma confiança suprema de Deus sem nenhum traço de dúvida. Fé não é o mesmo de certeza; apesar do alicerce teológico da fé cristã permanecer firme, a percepção humana desse alicerce e seu compromisso com o mesmo podem vacilar. 127

A doutrina da certeza da salvação defendida pelos protestantes foi considerada pelo Concílio de Trento como sendo um grande ceticismo. O documento apresenta na seção 6, no capítulo 9, sob o título de “Refutação da falsa confiança dos hereges”,128 sua defesa apologética à doutrina defendida pelos reformadores. O Concílio assevera que com relação à certeza do perdão “a ninguém é lícito dizer que se perdoam ou foram perdoados os pecados àqueles que presume confiada e seguramente de perdão dos pecados e tão somente com isto se tranquiliza”;129 asseveram também quanto à certeza de justificação: Também não se deve afirmar que os verdadeiramente justificados devem estar firmemente, sem sombra de qualquer dúvida, convencidos de sua justificação, e que ninguém é absolvido e justificado, a não ser aquele que seguramente crer que foi absolvido e justificado, e que somente por esta fé se efetua a absolvição e a justificação [cân. 14], como se aquele que não cresse nisto, duvidasse das promessas de Deus, da eficácia da morte e da ressurreição de Cristo. 130

No que toca à dúvida os mesmos, até apresentam a tolerância em face da fraqueza do ser humano, no entanto asseveram firmemente que [...]quando cada qual olha para si mesmo e para sua fraqueza e falta de preparação, pode recear e temer pela sua remissão [cân. 13], visto ninguém poder saber com certeza de fé, a qual não pode estar sujeita a erro algum, que sele conseguiu a graça de Deus.131

Beeke apresenta uma rápida comparação do pensamento de Calvino e as definições de Trento. Ele destaca que para o Concílio de Trento a certeza é sempre 126

MCGRATH, Teologia Histórica, p. 210. Ibid., p. 213. 128 Concílio Ecumênico de Trento MONTFORT, disponível , acesso em: 26 set. 2016. 129 Ibid. 130 Ibid. 131 Ibid. 127

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em:

revelada de maneira especial e rara, enquanto que para Calvino é especial e normativa, por ser essência da fé; para o Concílio e Trento ela é separada da Palavra, enquanto que para Calvino ela está sempre envolvida com a Palavra.132 Percebe-se, por tanto, que as asseverações da Igreja Católica contra os reformadores é uma tentativa de promover a insegurança e manter os fiéis em constante incerteza para que não busquem à verdadeira certeza proposta pelos reformadores à luz da Palavra Santa de Deus e da ação do Espírito Santo. 2.2.4.4 Dos reformadores ao Puritanismo Inglês Outro movimento fruto da reforma foi o movimento puritano no final do século XVI,133 o qual é de grande importância para o desenvolvimento histórico da doutrina da segurança e certeza da salvação. Nesse ponto a pesquisa irá apresentar a doutrina à luz do pensamento daquele que é considerado o elo de transição entre a doutrina dos reformadores e as definições futuras dos puritanos, sendo assim considerado o precursor do movimento puritano, a saber, William Perkins. No próximo capítulo a pesquisa focará nos grandes nomes desse movimento que foram de fundamental importância para o fortalecimento e desenvolvimento da doutrina da segurança e certeza da salvação nesse período, os quais foram sistematizados nos símbolos de fé de Westminster e têm grande relevância para os dias de hoje. I. William Perkins William Perkins (1558 – 1602),134 foi um grande teólogo e escritor prolífico, que mesmo tendo tido uma morte prematura, aos 44 anos, por doença renal, deixou um legado literário que suplantava a obra de Calvino, Beza e Bullinger combinados. É considerado como um elo de transição da teologia dos reformadores ao pensamento puritano que posteriormente é sistematizado na Confissão de Fé de Westminster. Em especial, ele promove esse diálogo entre o pensamento de Beza e a Confissão de Westminster.135 Perkins ficou conhecido por sua preocupação com a salvação dos homens pecadores promovendo a ligação da segurança e certeza da salvação com a doutrina da 132

BEEKE, Joel R., Espiritualidade Reformada - Uma Teologia Prática para a Devoção a Deus, 1. ed. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 80. 133 Para mais sobre os Puritanos ver: MCCRATH, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica: Uma introdução a teologia cristã, p. 117,118; MATOS, Fundamentos da Teologia Histórica, p. 87–91; MCGRATH, Teologia Histórica, p. 193; GONZALEZ, Justos L., Uma história do pensamento cristão: da reforma protestante ao século 20, p. 295–302. 134 BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 121–145. 135 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 119.

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predestinação, a qual fora o seu carro chefe. Beeke escrevendo acerca de Perkins e esse compromisso diz: Perkins acreditava que uma concepção bíblica da soberana graça de Deus, era vital para o consolo e a segurança espiritual. Ele acreditava que a predestinação que operava experimentalmente na alma dos crentes era inseparável da predestinação soberana em Cristo. Longe de ser severa e insensível, a predestinação soberana era a base para sobre a qual a fé experimental poderia ser construída. Ela era a esperança, a expectativa e a garantia de salvação para o verdadeiro crente.136

Perkins foi grandemente influenciado por Beza. Ele fez uso do método de Beza para tratar de forma confortante pessoas em situação de dúvida quanto à sua salvação. Assim como Beza em relação a Calvino, Perkins vai mais além, chegando a desenvolver uma ordo saluts (ordem da salvação) experiencial que dava ao duvidoso a capacidade de examinar seu coração quanto à fé e à dúvida para assim poder buscar uma mínima evidência de predestinação, baseada no fundamento da obra de Cristo.137 Essa ordem da salvação proposta por Perkins, a qual é um desenvolvimento da doutrina proposta inicialmente por Beza, fica conhecida como supralapsarianismo,138 a qual propõe que “Deus primeiramente decidiu o fim – a manifestação de sua glória na eleição e na reprovação – antes de considerar os meios, tais como criação e queda”.139 Como citado acima, Perkins desenvolve essa doutrina asseverando sempre a centralidade de Cristo. Ele também dá grade ênfase na pregação como sendo o meio de quebrar o coração do pecado, bem como assevera a teologia do pacto mostrando, como diz Beeke, que “o principal meio que Deus usa para executar seus decretos é a aliança”.140 Quanto às bases da segurança, é importante ressaltar que Perkins, por apresentar alguns pontos diferentes, acaba se distanciando dos reformadores, tendo em vista que ele tendeu a divorciar fé e segurança. Faz-se necessário ressaltar também que Perkins faz uso do termo segurança de duas maneiras, a saber:

136

BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 123. BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 120,121. 138 GONZALEZ, Justos L., Uma história do pensamento cristão: da reforma protestante ao século 20, p. 280–281. Nesse ponto Gonzalez destaca os mais importantes teólogos da ortodoxia calvinista, da Suíça, os quais surgiram com a morte de Beza. São eles Benedito e Francisco Turretin (pai e filho). Turretin vem a ser o grande opositor a ordem dos decretos proposta pelo supralapsarianismo e sustenta a posição de que Deus decretou primeiro criar a humanidade; depois permitir a queda; em seguida eleger alguns da massa de perdição, enquanto permitindo a outros permanecer em sua corrupção e miséria; depois enviar Cristo ao mundo como salvador do eleito; e por fim chamar estes para fé, justificação, santificação e final glorificação. A posição é chamada de infralapsarianismo. 139 BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 125. 140 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 121. 137

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Segurança objetiva habilita o pecador a ver seus pecados como perdoáveis à parte do entendimento pessoal de tal perdão. O segundo tipo, a segurança subjetiva, é a plena segurança que habilita o crente a crer que Deus, por causa de Cristo, pessoalmente nos perdoa de todo os pecados. 141

Tendo assumido que a segurança é intrínseca à natureza da fé salvadora, Perkins apresenta uma distinção entre fé fraca e forte, mostrando que na fé fraca a segurança é vista somente nas promessas de Deus e não experimentalmente na vida do crente, enquanto que na fé forte a plena segurança surge como um benefício, ou fruto de fé, que é totalmente assegurado pelo testemunho do Espírito, levando o crente a uma apreensão pessoal de todos os benefícios da fé.142 Diante disso, Beeke diz que “Perkins afirma que a segurança é da essência da fé (isto é, inerente mesmo à fé fraca), e é fruto da fé acima e além de sua essência (isto é, fé forte)”.143 Sendo assim ele mostra que a primeira está em todo crente, ou seja, todo crente possui, no entanto, é necessário que se busque a segunda.144 Daqui partimos para a análise do silogismo prático. O silogismo prático de Perkins é fruto de sua corrente dourada que se move da “segurança de Deus quanto à salvação desde à eternidade até à segurança do eleito no tempo”145. Logo, esse silogismo prático que resulta na segurança na alma do eleito é resultado dos seguintes componentes: “corrente da soberania divina, o estabelecimento do pacto (ou aliança), a satisfação mediada, a fé em Cristo e a corroboração do testemunho do Espírito”.146 Beeke inda destaca que “para Perkins o silogismo prático e aquilo que foi depois chamado de ato reflexo da fé, jamais apontam para longe de Cristo, do Espírito ou da fé salvadora”147. Deixado mais clara ainda essa relação da responsabilidade do homem, Beeke assevera que para Perkins, assim como para Calvino, “as obras jamais podem ser bem-sucedidas na salvação do eleito. Não obstante, elas proveriam algum tipo de segurança”. Analisando o silogismo prático de Perkins percebe-se que ele dá forte ênfase na base secundária (resposta do homem)148 da salvação que, por sua vez, é fundamentada na

141

Ibid., p. 124. Ibid., p. 129. 143 BEEKE, Espiritualidade Reformada - Uma Teologia Prática para a Devoção a Deus, p. 129. 144 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 129. 145 BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 141. 146 Ibid. 147 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 131. 148 KEDDIE, Gardan J., Unfallible Certenty of the Pardon of Sinne and Life Everlasting, The Evangelical Quarterly, p. 230–244, p. 243. Nessa publicação o autor destaca que por conta dessa ênfase dada por 142

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base primária da salvação, a saber, a obra soberana do Pai, a obra redentora do Filho e a obra aplicativa do espírito.149 Reconhecendo a fraqueza e falta de fé do crente, Perkins declara acerca da segurança que “pouco a pouco é concebida em uma forma de raciocínio ou silogismo prático enquadrado na mente pelo Espírito Santo”150. Segue-se um exemplo do silogismo prático de Perkins: Premissa maior: Todo aquele que crer é filho de Deus Premissa menor: Eu creio Conclusão: Portanto eu sou filho de Deus. 151

Perkins vai pontuar ainda o lugar dos frutos (ou boas obras) na vida do eleito, deixando claro que são fruto do decreto divino e da segurança pessoal. Dentro desses frutos ele coloca: Arrependimento, obediência e oração. Como agentes fortalecedores ele destaca a importância dos sacramentos na vida do eleito. Contudo, assim como é visto em Calvino, Perkins também admite a possibilidade de enfraquecimento da certeza por decorrência de forte tentação na vida do crente. Diante do panorama apresentado quanto ao pensamento de Perkins, vê-se muitos pontos de contatos com os reformadores, bem como se percebe nas suas ênfases uma progressão na tratativa da doutrina da segurança e certeza da salvação que começam a levar a doutrina à uma tratativa mais clara e direta por conta da separação proposta de fé salvadora e certeza da salvação, como será bem pontuado e sistematizado na Confissão de fé de Westminster. Conclui-se que Perkins não difere dos reformadores em sua essência, apenas apresenta ênfases diferentes dos mesmos, sendo assim considerado um grande divisor de águas. Tendo em vista o foco dessa pesquisar, que é mostra a doutrina da segurança e certeza da salvação na visão puritano sistematizada na Confissão de Fé de Westminster, a qual será tratado no próximo capítulo, a pesquisa seguirá mostrando o desenvolvimento confessional da doutrina da segurança e certeza da salvação, onde será possível observar as principais definições acerca dessa maravilhosa doutrina até chegar nos símbolos de fé de Westminster.

Perkins a experiência é interpretada por alguns teólogos como um “pietismo incipiente”, uma vez que a premissa menor aponta um sentimento ou convicção sobre a condição própria do sujeito. 149 BEEKE, William Perkins sobre a predestinação, a pregação e a conversão, p. 141. 150 PERKINS, William, The work of William Perkins, 1. ed. London: John Legatt, 1626, p. 547. 151 Ibid.

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2.3 Sistematização confessional da doutrina da segurança e certeza da salvação Como fora pontuado inicialmente, a doutrina da segurança e certeza da salvação só é sistematizada de fato no período da reforma. Tendo apresentado o desenvolvimento histórico e o posicionamento dos principais proponentes, agora, a pesquisa irá trazer as principais manifestações confessionais que tratam dessa doutrina de forma mais incisiva e clara. Essa apresentação se dará partindo de uma breve consideração as formulações credais, seguida da pontuação da doutrina contida nos Artigos de Religião (Igreja Luterana), na Confissão Belga e no Catecismo de Heidelberg, passando pela oposição à doutrina por parte dos arminiano na formulação dos artigos dos remonstrantes e a condenação nos Cânones de Dort, chegando, por fim, aos Símbolos de Westminster. 2.3.1. Considerações quanto às formulações credais Os credos produzidos pela igreja, tomando como base o credo apostólico, podem ser considerados verdadeiros tratados de segurança, uma vez que são pautados nas promessas de Deus, em sua fidelidade, veracidade e soberania, bem como na pessoa e obra de Cristo e por fim na pessoa e obra do Espírito Santos. Além disso, os credos também tinham a importante função de firmar as posições teológicas ortodoxas da Igreja ante as doutrinas heréticas que surgiram o longo da História. Dentre esses credos faz-se necessário destacar os seguintes: o credo apostólico, o credo Niceno e Nicenoconstantinopolitano e o credo atanasiano. O Credo Apostólico152 fora “composto pelos apóstolos em Jerusalém e conservado pela Igreja Romana como profissão de fé em seus rituais de batismo”.153 Carl Trueman diz que “a primeira referência a ele como Credo Apostólico ocorre em uma carta de Ambrósio de Milão a Roma, em 389”.154 Trueman aponta também a importância desse credo por ser ele uma representação linguisticamente formalizada da Regra de Fé. O Credo Niceno, que por sua vez, sofre alterações para suprir algumas questões de cunho apologético, o qual fora primeiramente apresentado no Concílio de Nicéia (325) por Eusébio de Cesaréia, como sendo o credo de sua própria igreja; nesse concílio é

152

TRUEMAN, Carl R., O imperativo confessional, 1. ed. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012, p. 120–123. 153 BETTENSON, Henry (Org.), Documentos da Igreja Cristã, p. 60–61. 154 TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 121.

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apresentado, por fim, como Credo de Nicéia, sendo assim um aperfeiçoamento do credo proposto por Eusébio com a finalidade de combater a heresia do arianismo; por fim tem sua formulação final em 451, no Concílio de Constantinopla, onde fora lido e aprovado, ficando conhecido como Credo Niceno-constantinopolitano. 155 O Credo Atanasiano,156 embora diferindo dos outros credos por não ter sido formalizado em um concílio ecumênico, o credo atanasiano tem grande importância para a cristandade, tanto na igreja do Oriente quanto na igreja do Ocidente. Schaff destaca nesse credo que “ele começa e termina com a declaração solene de que a fé católica na Trindade e da Encarnação que aqui se apresenta é a condição indispensável de salvação, e que aqueles que o rejeitam serão perdidos para sempre”157. A ideia de Schaff é mostrar que o credo atanasiano “requer de todo aquele que seria salvo a crença no único Deus verdadeiro e, Pai, Filho, e Espírito Santo, um em essência, três em pessoas, e em um Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem vivendo em uma pessoa”158. 2.3.2. Considerações quanto às principais manifestações confessionais protestantes e reformadas Assim como os credos, as manifestações confessionais se fazem necessário para apresentar os posicionamentos teológicos, de maneira sistematizada, acerca das crenças de cada seguimento denominacional, tendo em vista o grande número de pensamentos e denominações que surgiram no período da Reforma. Trueman aponta ainda dois elementos de grande importância quantos às formulações confessionais, a saber, um caráter de identificação doutrinária que os distinguisse de grupos emergentes, e, por outro lado, um caráter político, uma vez que os territórios e as cidades tinham que definir-se em relação aos outros. Daí surgirem tantas formulações confessionais nos séculos XVI e XVII.159 As principais formulações confessionais protestantes e reformadas desse período foram: Os Artigos de Religião, da Igreja Anglicana; o Livro de Concórdia, da Igreja

155

BETTENSON, Henry (Org.), Documentos da Igreja Cristã, p. 61–64. TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 139–141. 157 PHILIP SCHAFF, Creeds of Christendom, with a History and Critical notes. Volume I. The History of Creeds. Christian Classics Ethereal Library, disponível em: , acesso em: 6 out. 2016, p. 39. 158 PHILIP SCHAFF, Creeds of Christendom, with a History and Critical notes. Volume I. The History of Creeds. - Christian Classics Ethereal Library. 159 TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 47–48. 156

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Luterana; as Três formas de unidade, das Igrejas Reformadas; os Símbolos ou Padrões de Westminster, da Igreja Presbiteriana. I. Os Artigos de Religião – da Igreja Anglicana Como destaca Trueman, o anglicanismo da reforma, “não era um meio termo entre o protestantismo e o catolicismo, mas entre o catolicismo e o movimento anabatista”160. Logo, “os Trinta e Nove Artigos da Religião, foram estabelecidos, em 1563, e estão definindo a doutrina anglicana, em relação às controvérsias da Reforma Inglesa” 161. No que toca à segurança e certeza da salvação, como é o foco dessa pesquisa, observa-se a ligação dessa doutrina a duas fundamentais doutrinas, a saber, a doutrina da justificação e a doutrina da predestinação. No artigo de número XI, da Justificação do homem, lê-se: Somos reputados justos perante Deus, somente pelo mérito de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo pela Fé, e não por nossos próprios merecidos e obras. Portanto, é doutrina mui saudável e cheia de consolação que somos justificados somente pela Fé, como se expõe mais amplamente na Homilia da Justificação.162

No Artigo XVII, da Predestinação e eleição, lê-se: A PREDESTINAÇÃO à vida é o eterno propósito de Deus, pelo qual (antes de lançados os fundamentos do mundo) Ele tem constantemente decretado por seu conselho, a nós oculto, livrar da maldição e condenação os que elegeu em Cristo de entre todos os homens, e conduzi-los por Cristo à salvação eterna, como vasos feitos para honra. Portanto, os que se acham dotados de um tão excelente benefício de Deus, são chamados, segundo o propósito de Deus, por seu Espírito, que opera no tempo devido; pela graça obedecem ao chamamento; são justificados livremente; são feitos filhos de Deus por adoção; são formados à imagem do seu Unigénito Filho Jesus Cristo; vivem religiosamente em boas obras, e, pela misericórdia de Deus, chegam finalmente à felicidade eterna.163

Assim como a piedosa consideração da predestinação e da nossa eleição em Cristo, é cheia de um conforto doce, suave e inefável para as pessoas piedosas e para as que sentem em si mesmas a operação do Espírito de Cristo, que vai mortificando as obras da carne e os seus membros terrenos, e arrebatando o pensamento às coisas altas e celestiais, não só porque muito estabelece e confirma a sua fé na salvação eterna que hão de gozar por meio de Cristo, como lhes torna mais fervorosa a natureza do seu amor para com Deus; 164

160

Ibid., p. 152. CRANMER, Thomas, Os 39 Artigos da Igreja Anglicana. 162 Ibid. 163 Ibid. 164 Ibid. 161

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É interessante também a observação quanto à adoção dos credos, tal qual se vê no artigo 8, onde diz que os credos “devem ser inteiramente recebidos e cridos; porque se podem provar com autoridades inegáveis das Sagradas Escrituras”.165 Isso aponta para preocupação de ligar-se a herança credal católica da igreja primitiva.166 II. O Livro de Concórdia – da Igreja Luterana O Livro de Concórdia, é na verdade, uma grande compilação de diferentes e fundamentais escritos. Diante da necessidade de posicionamento confessional, o mesmo foi adotado em 1580 “por um grupo de clérigos, príncipes, nobres e conselhos municipais proeminentes no luteranismo, como forma de assumir sua aliança confessional no contexto político da Europa no fim do século XVI”.167 Os documentos que compõem o Livro de Concórdia são: O credo apostólico; o credo Niceno; o credo atanasiano; a Confissão de Augsburgo (1530); a apologia da Confissão Augsburgo (1531); os artigos de Esmalcalde (1537); tratado sobre o poder e primado do papa (1537); o Catecismo menor (1529); o Catecismo maior (1529); a Fórmula de Concórdia (1577). O artigo 20, da confissão de Augsburgo, da fé e das boas obras, no que toca à segurança declara: Conquanto essa doutrina seja muito desprezada entre pessoas não experimentadas, verifica-se, todavia, que é muito consoladora e salutar para as consciências tímidas a apavoradas. Porque a consciência não pode alcançar descanso e paz mediante obras, porém somente pela fé, quando chega à segura conclusão pessoal de que por amor de Cristo possui um Deus gracioso, conforme também diz Paulo Rm 5: "Justificados mediante a fé, temos descanso e paz com Deus".168

No Catecismo Menor, na segunda parte, Lutero passa a tratar do Credo Apostólico. No segundo artigo, ele trata da salvação, tratando especificamente da oba de Cristo, Lutero declara: Creio que Jesus Cristo, verdadeiro Deus, gerado do Pai desde a eternidade, e também verdadeiro ser humano, nascido da virgem Maria, é meu Senhor. Ele perdoou a mim, pessoa perdida e condenada, e me libertou de todos os pecados, da morte e do poder do diabo. Fez isto não com dinheiro, mas com seu santo e precioso sangue e sua inocente paixão e morte. Fez isto para que eu lhe pertença, seja obediente a ele em seu reino e lhe sirva em eterna justiça,

165

Ibid. TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 154. 167 Ibid., p. 155. 168 Confissão de Fé de Augsburgo, disponível , acesso em: 7 out. 2016. 166

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em:

inocência e felicidade, assim como ele ressuscitou da morte, vive e governa eternamente. Isto é certamente verdade.169

A Fórmula de Concórdia, é na verdade, um documento apologético em defesa das crenças da igreja luterana ante os vários grupos opositores que surgiram naquele período. O mesmo apresenta a confirmação daquilo que já fora dito nos outros documentos e faz a asseveração dos erros dos que contrariam sua doutrina.170 No que toca à segurança e certeza da salvação, à semelhança dos demais documentos, é possível deslumbrar de forma implícita na interação com outras doutrinas, como se vê: Dentro do capítulo 3, que trata da justiça da fé diante de Deus, na parte das afirmativas, com relação à interação com a fé e firmeza do crente é dito: 4. Cremos, ensinamos e confessamos que essa fé não é mero conhecimento da história de Cristo, mas uma espécie de dom de Deus por meio de que reconhecemos retamente a Cristo nosso Salvador, na palavra do evangelho e nele confiamos que somente por causa de sua obediência temos, de graça, perdão dos pecados, somos considerados santos e justos por Deus e somos eternamente salvos.171

6. Cremos, ensinamos e confessamos, outrossim, que, não obstante, o fato de muitas fragilidades e defeitos se apegarem aos crentes genuínos e verdadeiramente renascidos, até a sepultura, ainda assim, não devem, por causa disso, duvidar nem de sua justiça, que lhes foi atribuída pela fé, nem da salvação de suas almas, porém, devem considerar coisa certa que, por causa de Cristo, segundo a promessa e a palavra do santo evangelho, têm um Deus gracioso.172

Outro exemplo encontra-se no capítulo XI, da eterna presciência e eleição de Deus, onde se percebe a doutrina da segurança implicitamente aplicada na afirmativa seguinte: [...] sabermos que fomos eleitos em Cristo para a vida eterna puramente de graça, sem qualquer mérito nosso, e que ninguém pode arrancar-nos de sua mão. Essa graciosa eleição, ele não apenas a promete com meras palavras, mas também a protesta com juramento, e a selou com os santos sacramentos, dos quais podemos lembrar-nos em nossas maiores tentações, com eles podemos consolar-nos e, assim, apagar os dardos inflamados do diabo. 173

169

Documentos históricos do protestantismo, p. 46. Para mais informações quanto ao contexto histórico ver introdução em: Livro de concórdia, p. 498– 501. 171 Ibid., p. 510. 172 Ibid. 173 Ibid., p. 534. 170

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Ainda tratando de trazer esclarecimento por conta das antíteses e doutrinas contrárias, falando da Justiça da fé, no capítulo III, é dito acerca da relação do Espírito com a fé e consequentemente, de forma implícita, a segurança e certeza do crente: O Espírito Santo nos oferece esses tesouros na promessa do santo evangelho, e a fé é o único meio pelo qual os apreendemos, aplicamo-los a nós e os tornamos nossos. Essa fé é dom de Deus pelo qual, acertadamente, chegamos a conhecer a Cristo, nosso Salvador, na palavra do evangelho, e nele confiamos que somente por causa da sua obediência, por graça, temos perdão dos pecados, somos considerados piedosos e justos por Deus Pai e nos salvamos eternamente.174

Nessas asseverações, fica clara a presença da doutrina da segurança e certeza da salvação na teologia da Igreja Luterana, proveniente dos ensinos do reformador Lutero, e da continuação do seu legado. III. As Três Formas de Unidade Entre as três formas de unidade estão a Confissão Belga (1561), o Catecismo de Heidelberg (1563) e os Cânones de Dort (1619). Começando com a Confissão Belga, escrita em 1561, observa-se que sua origem parte de um único homem, a saber, o protestante francês Guido de Brès. Essa confissão fora adota como um dos padrões confessionais das igrejas reformadas continentais no Sínodo de Dort, que aconteceu entre 1618-1619. Aqui encontram-se asseverações importantes quanto à doutrina da segurança e certeza da salvação. Como visto nas demais confissões apresentadas, há também uma aceitação integral aos credos ecumênicos, como posto no artigo 9, que diz: “Por isso aceitamos de boa vontade, nessa matéria, os três credos ecumênicos, a saber: o Apostólico, o Niceno e o Atanasiano; e aceitamos também o que a igreja antiga determinou em conformidade com esses credos”175. A forma como a confissão é composta já remete o leitor à segurança, uma vez que os artigos são, em sua maioria, escritos em forma de credo, iniciando com a expressão “cremos”. Diante disso, ao ler esse documento e fazer dele uma confissão pessoal, o crente expressa plena confiança, segurança e certeza de salvação. O que se aproxima mais de uma declaração explicita quanto à segurança e certeza da salvação está no artigo 24, falando da santificação, vai mostrar a interação da

174

Ibid., p. 580. DE BRÈS, Guido; URSINUS, Zacarias, Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg, 3. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 12. 175

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segurança com base nas obras, onde é dito: “[...] sempre duvidaríamos da nossa salvação, levados de um lado para outro, sem certeza alguma, e nossa pobre consciência estaria sempre aflita, a não ser que se apoiasse no mérito do sofrimento e da morte de nosso Salvador”.176 Também no artigo 26, mostrando a eficácia de Cristo como advogado do crente, ele cita textos que são chave para segurança e ponta para a necessidade que o crente tem de dirigir-se a Deus com plena certeza do favor dele para com os seus filhos.177 O segundo documento confessional a integrar as Três Formas de Unidade, fora o Catecismo de Heidelberg, encomendado por Felipe III, composto em 1563, também foi obra de Zacarias Ursinus e Caspar Olevianus. Além de ter sido adotado por vários sínodos no século XVI, fora igualmente adotado pelo Sínodo de Dort como padrão doutrinário das igrejas reformadas do continente.178 Trueman destaca que “o Catecismo de Heidelberg deveria fornecer base para unidade confessional, um modelo para o treinamento da juventude, e um guia para professores e pastores que os impediria de atorar mudanças doutrinárias à vontade”.179 Em sua exposição, principalmente na primeira pergunta, vê-se sua acentuada percepção pastoral quanto à segurança como experiência normal de todo crente.180 Na primeira pergunta é dito: Pergunta 1. Qual é o seu único conforto, na vida e na morte? Resposta. O meu único conforto é que – corpo e alma, na vida e na morte(1) – não pertenço a mim mesmo,(2) mas ao meu fiel Salvador Jesus Cristo,(3) que, ao preço do seu próprio sangue, pagou(4) totalmente por todos os meus pecados e me libertou de todo o domínio do pecado. (5) Ele me protege tão bem(6) que, contra a vontade de meu Pai do céu, não perderei nem um fio de cabelo.(7) Na verdade tudo coopera para o meu bem e o seu propósito é para minha salvação.(8) Portanto, pelo seu Espírito Santo ele também me garante a vida eterna(9) e me torna disposto a viver para ele, daqui em diante, de todo o coração.(10)181

Tem-se nessa resposta uma maravilhosa asseveração da segurança e certeza da salvação. A resposta da pergunta 39 também afirma à segurança e certeza do crente ao dizer: “[...] pela crucificação tenho certeza que ele tomou sobre si a maldição que pesava sobre mim, pois a morte na cruz era maldita por Deus”.182 Na pergunta 44, mais uma vez 176

Ibid., p. 23. Ibid., p. 23–25. 178 TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 164. 179 Ibid. 180 Ibid., p. 168. 181 DE BRÈS; URSINUS, Confissão Belga e Catecismo de Heidelberg, p. 39. 182 Ibid., p. 50. 177

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tem-se asseveração de certeza, a saber: “[...] até nas minhas mais duras tentações tenho a certeza de que ele me libertou da angústia e do tormento do inferno”.183 A pergunta 86, traz em sua resposta a essa asseveração pela manifestação das obras como fruto da certeza da fé verdadeira: “[...] para que, pelos frutos da fé, tenhamos a certeza de que nossa fé é verdadeira”.184 Portanto, percebe-se claramente o quanto o tema da certeza está envolto no pensamento dos reformadores, e o quanto esse pensamento se mostra firme e categórico, estando totalmente interligado com as principais doutrinas soteriológicas. Agora faz-se necessário que se abra um parêntese para trazer uma breve fala acerca do que foram as reações por parte dos arminianos, que por sua vez, resultou nos artigos dos remonstrantes. O Arminianismo, de maneira geral, é mais uma ramificação do cristianismo protestante. Trueman destaca que o movimento era considerado muito favorável ao catolicismo romano, além das implicações com relação à doutrina protestante da predestinação, o Arminianismo era controverso também com relação as implicações das suas políticas domésticas e externas.185 Jacó Armínios (1560 – 1609), era de posição contrária à doutrina calvinista da predestinação. Em 1610, seus seguidores estabeleceram os cinco artigos dos remonstrantes. Como resume Trueman, em linhas gerais, esses artigos “afirmavam uma forma de eleição condicional, expiação universal, um entendimento modificado da depravação e a resistibilidade da graça, junto com um artigo que questionava a perseverança”.186 Em resposta a esses artigos foi criado o documento conhecido como Cânones de Dort (1619), os quais foram produzidos no próprio Sínodo de Dort, que por sua vez, havia sido convocado para resolver as distorções levantadas pelos arminianos. A resolução do Sínodo em resposta aos cinco artigos remonstrantes deu origem aos cinco pontos do calvinismo. Nessa ocasião fora afirmado pelo Sínodo a depravação total, a eleição incondicional, a expiação limitada, a graça irresistível e a perseverança dos santos.187

183

Ibid., p. 51. Ibid., p. 65. 185 TRUEMAN, O imperativo confessional, p. 164–165. 186 Ibid., p. 165. 187 Ibid., p. 164–165. 184

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Com relação à segurança e certeza da salvação, percebe-se, como nos outros documentos, a interação com outras doutrinas essenciais da sotereologia, como a eleição e perseverança. No capítulo 1, artigo 12, é posto quanto à eleição: Os eleitos recebem, no devido tempo, a certeza da sua eterna e imutável eleição para salvação, ainda que em vários graus e em medidas desiguais. Eles não a recebem quando curiosamente investigam os mistérios e profundezas de Deus. Mas eles a recebem, quando observam em si mesmos, com alegria espiritual e gozo santo, os infalíveis frutos de eleição indicados na Palavra de Deus - tais como uma fé verdadeira em Cristo, um temor filial para com Deus, tristeza com seus pecados segundo a vontade de Deus, e fome e sede de justiça. 188

Em oposição ao erro dos ensinos arminianos no que toca à eleição, como posto a seguir: “Erro 7 - Nesta vida não há fruto, consciência ou certeza da eleição imutável para glória, exceto a certeza que depende de uma condição mutável e incerta”,189 o documento apresenta as seguintes refutações, as quais são de grande importância para promoção da segurança e certeza do crente: Refutação - Falar acerca de uma certeza incerta é não apenas absurdo, mas também contrário à experiência dos santos. Sentindo sua eleição, eles se regozijam junto com o apóstolo e glorificam este benefício de Deus (cf. Ef 1:12). Conforme o mandamento de Cristo, se regozijam junto com os discípulos por seus nomes estarem escritos nos céus (Lc 10:20). Eles colocam a consciência de sua eleição contra os dardos inflamados das tentações do diabo, quando perguntam: Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? (Rom 8:33).190

No capítulo 5, os artigos de 9 ao 12, tratam acerca da certeza da perseverança dos santos, sendo de grande importância para a doutrina da segurança e certeza, destaca-se o que é dito no artigo 9: Os crentes podem estar certos, e estão certos, desta preservação dos eleitos para salvação e da perseverança dos verdadeiros crentes na fé. Esta certeza ocorre de acordo com a medida de sua fé, pela qual eles creem, com certeza, que são e permanecerão verdadeiros e vivos membros da Igreja, e que têm o perdão dos pecados e a vida eterna.191

Os artigos que seguem são, na verdade, consequência desse entendimento, bem como os frutos do mesmo. São de igual modo valiosos para o entendimento e apreensão da doutrina.

188

Bíblia de Estudo de Genebra, 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2009, p. 1775. 189 Ibid., p. 1777. 190 Ibid. 191 Ibid., p. 1783.

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Seguindo a estrutura do documento, ele apresenta os erros relacionados a essa afirmativa de que haja certeza de perseverança dos santos, isso como destacado a seguir: “Erro 6 - Por sua própria natureza a doutrina da certeza da perseverança e da salvação causa falsa segurança e prejudica a piedade, os bons costumes, orações e outros santos exercícios. Ao contrário, é louvável duvidar desta certeza”.192 Para mais esse erro o documento apresenta sua refutação: Refutação - Esta falsa doutrina ignora o efetivo poder da graça de Deus e a atuação do Santo Espírito, que habita em nós. Contradiz o apóstolo João que, em palavras explícitas, ensina o contrário: Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser: Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque havemos de vê-Lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, como ele é puro. (1 Jo 3:2,3) Ainda mais, ela é refutada pelos exemplos dos santos tanto no Antigo como no Novo Testamento, os quais, não obstante estarem certos de sua perseverança e salvação, continuaram em oração e outros exercícios de piedade.193

Vê-se nesses documentos que compõem as Três Formas de Unidade, grande importância, tendo em vista que eles foram, juntamente com outros importantes documentos, altamente influentes para o que se tem nos Padrões de Westminster.194 III. Os Símbolos de Westminster Nesse ponto, tendo em vista a apreciação mais cuidadosa que será feita no próximo capítulo, a pesquisa pontuará apenas as principais declarações contidas nesses documentos que apontam diretamente para a doutrina da segurança e certeza da salvação. Os símbolos de Westminster, ou padrões como alguns preferem chamar, foram fruto do que ficou conhecido como Assembleia de Westminster, a qual teve início em julho de 1643, na Abadia de Westminster, tendo sido convocada pelo Parlamento Inglês, para que assim fosse preparada uma nova base doutrinária para igreja do Estado, tendo sido composta pelos maiores teólogos reformados daquele tempo.195 Os Símbolos de fé de Westminster receberão influência direta de documentos como os 39 Artigos da Igreja Anglicana, composto por Thomas Cranmer, com a adição dos Artigos de Lambeth196,

192

Ibid., p. 1784. Ibid. 194 Ibid., p. 1749. 195 Ibid., p. 1785. 196 WHITAKER, William, Os Artigos de Lambeth (1595), Monergismo, disponível em: , acesso em: 11 out. 2016. Nos Artigos de Lambeth (1595) vê-se a doutrina da segurança e certeza da salvação sendo tratada com muita semelhança ao que se tem nos Cânones de Dort. O Artigo 5, lê-se: “Uma fé verdadeira, viva e justificadora, e a 193

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foi também grandemente influenciado pelo documento produzido por John Knox, a saber, a Confissão Escocesa.197. De forma não tão direta percebe-se a consonância marcante com as Três formas de Unidade da Igreja Holandesa. O fato é que o que se tem nos Símbolos de Westminster é o suprassumo da teologia Reformada. O primeiro documento a ser apreciado é a Confissão de Fé de Westminster. Nessa confissão percebe-se que a doutrina da segurança e certeza da salvação é tratado em um capítulo à parte, o que não se vê nas demais confissões. Isso expressa a preocupação pastoral daqueles irmãos em dar ênfase a essa doutrina. Ainda assim, percebe-se a interação da doutrina com as demais doutrinas soteriológicas. No capítulo XIV, seção III, Da fé salvadora, percebe-se claramente a interação entre fé e segurança: “Essa fé é de diferentes graus: é fraca ou forte, pode ser, muitas vezes e de muitos modos, perturbada e enfraquecida, mas sempre alcança vitória; atingindo em muitos, perfeita segurança em Cristo, que é tanto autor como consumador da fé”.198 O capítulo XVIII, da certeza da graça e da salvação, traz a sistematização da doutrina, de forma mais completa, tratando desde a falsa segurança até a questão concernente aos que têm a certeza abalada. A confissão dedica 4 seções para expor a doutrina. A primeira delas trata mais especificamente da falsa segurança que os hipócritas e os demais não regenerados têm, em contraste coma verdadeira segurança dos que são verdadeiramente regenerados: I. Ainda que os hipócritas e os demais não regenerados podem iludir-se, em vão, com falsas esperanças e carnal presunção de se acharem no favor de Deus e em estado de Salvação, esperança essa que perecerá, contudo, os que verdadeiramente creem no Senhor Jesus e o amam com sinceridade, procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem, nesta vida, certificar-se de se acharem em estado de graça e podem regozijar-se na esperança da glória de Deus, essa esperança que nunca os envergonhará. 199

santificação do Espírito de Deus, não são perdidas nem extinguidas total ou finalmente do eleito”; e no Artigo 6, lê-se: “O homem verdadeiramente fiel – isto é, alguém que recebeu a fé justificadora, está certo, pela plena certeza de fé (‘plerophoria fidei’), da remissão dos pecados e da sua salvação eterna por meio de Cristo”. 197 MATOS, Alderi Souza, Portal Mackenzie: História da Confissão de Fé de Westminster, disponível em: , acesso em: 11 out. 2016. Nesse artigo o Dr. Alderi apresenta um histórico bastante esclarecedor da composição dos Símbolos de Fé de Westminster, lançando luz ao contexto histórico-político que, de certa forma, influenciou grandemente as resoluções principalmente pela inclusão ativa dos escoceses. 198 Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1793. 199 Ibid., p. 1795.

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A segunda seção trata do fundamento da segurança: II. Esta certeza não é simples persuasão conjectural e provável, fundada numa falsa esperança, mas uma infalível segurança da fé, fundada na divina verdade das promessas de salvação, na evidência interior daquelas graças nas quais essas promessas são feitas, no testemunho do Espírito de adoção que testifica com os nossos espíritos sermos nós filhos de Deus, sendo esse Espírito o penhor da nossa herança e por quem somos selados para o dia da redenção.200

A terceira seção, por sua vez, traz a ideia da responsabilidade do crente buscar a certeza, bem como a necessidade de gerar frutos provenientes dessa certeza. Aqui tem-se o ponto de tenção entre a teologia dos reformadores e a teologia de Westminster, no que toca a segurança da salvação ser ou não da essência da fé.201 Assim lê-se: III. Esta segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé, que um verdadeiro crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito habilitado a conhecer as coisas que lhe são livremente dadas por Deus, ele pode alcançá-la sem revelação extraordinária, no devido uso dos meios ordinários. É, pois, dever de cada crente fazer toda a diligência para tornar certas a sua vocação e eleição, a fim de que, por esse modo, seja o seu coração, no Espírito Santo, confirmado em paz e deleite, em amor e gratidão para com Deus, em firmeza e alegria nos deveres da obediência, que são os frutos próprios desta segurança. Este privilégio está, pois, muito longe de predispor os homens à negligência. 202

Por fim, o último ponto tratado pela Confissão, diz respeito aos que podem ter a segurança abala, estabelecendo que o eleito nunca ficará privado da semente de Deus e da vida de fé, e será devidamente restaurado pelo Espírito Santo, em tempo oportuno, como se lê: IV. Por diversos modos, os crentes podem ter a sua segurança de salvação abalada, diminuída e interrompida – negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações, retirando Deus a luz do seu rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que temem; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever; dessas bênçãos, a certeza de salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio delas eles são, no entanto, suportados para não caírem no desespero absoluto.203

No que toca à segurança e certeza da salvação, no Catecismo Maior de Westminster, perguntas 80 e 81, também é tratado acerca dessa doutrina, como se vê:

200

Ibid. Esse ponto será explicado e desenvolvido no próximo capítulo, onde a teologia de Westminster será melhor explanada. 202 Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1795. 203 Ibid. 201

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Pergunta 80: Os crentes verdadeiros poderão ter certeza infalível de que estão no estado da graça e de que, neste estado, perseverarão até a salvação? Resposta: Aqueles que verdadeiramente creem em Cristo, e se esforçam por andar perante Ele com toda a boa consciência, podem, sem uma revelação extraordinária, ter a certeza infalível de que estão no estado de graça e de que, neste estado, perseverarão até a salvação, pela fé, baseada na verdade das promessas de Deus, e pelo Espírito, que os habilita a discernir em si aquelas graças às quais são feitas as promessas da vida, testificando ao seu espírito que eles são filhos de Deus.204

Pergunta 81: Todos os crentes sempre têm a certeza de que estão no estado da graça e de que serão salvos? Resposta: A certeza da graça e salvação, não sendo da essência da fé, os crentes verdadeiros podem esperar muito tempo antes de consegui-la; depois de desfrutar dela podem senti-la enfraquecida e interrompida por muitas perturbações, pecados, tentações e deserções; contudo nunca são deixados sem a presença e apoio do Espírito de Deus, que os guarda de caírem em desespero absoluto.205

Os símbolos de Westminster apresentam de forma clara e objetiva a doutrina da segurança da graça e certeza da salvação, de maneira que o crente pode, com facilidade entender e ser direcionado a um estado de consolo no Senhor. Por fim, no Breve Catecismo, pergunta 36, vê-se a segurança e certeza da salvação em conexão direta com a santificação: PERGUNTA 36: Quais são as bênçãos que nesta vida acompanham a justificação, a adoção e a santificação, ou delas procedem? RESPOSTA: As bênçãos que nesta vida acompanham a justificação, a adoção e a santificação, ou delas procedem, são: certeza do amor de Deus, paz de consciência, alegria no Espírito Santo, aumento de graça, e perseverança nela até ao fim.206

2.4 Conclusão Tendo chegado ao final dessa investigação histórica, credal e confessional, certo de que ainda há muito a ser acrescentado, vê-se nessa trajetória o quanto a doutrina da segurança e certeza da salvação foi sendo desenvolvida e à medida que se aproxima da reforma ela vai tomando um lugar mais central. É na Reforma que a doutrina da segurança e certeza da salvação é mais diretamente tratada, normalmente entrelaçada a outras importantes doutrinas da soteriológia, e, principalmente para suprir necessidades pastorais. É interessante a forma como essa doutrina passa por ataques e sofre com

204

Ibid., p. 1811. Ibid. 206 Ibid., p. 1830. 205

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controvérsias, tanto por parte da Igreja Católica Romana como por grupos dissidentes do protestantismo, como é o caso do Arminianismo. Contudo, é também animador ver como ela foi tão bem defendida por sínodos e concílios que trabalharam para sedimentar o entendimento correto da mesma. Por fim, vê-se a sistematização mais detalhada, fruto de uma profunda preocupação pastoral, sendo apresentada na Confissão de Fé de Westminster, a qual faz uma exposição diferente do que se tinha, separando a segurança da graça e certeza da salvação da fé salvadora, e estabelecendo a questão da segurança enquanto essência da fé, mostrando que a segurança não é essencial à fé, isso de forma mais detalhada e objetiva. Essa perspectiva também é amplamente confirmada no Catecismo Maior, finalizado com o breve catecismo que fortalece a perspectiva do crente mostrando a ligação da doutrina com outras essenciais doutrinas da soteriológia, a saber: justificação, adoção e santificação. Tudo isso corrobora para responder positivamente às perguntas levantas quanto a possibilidade de que o verdadeiro crente possa ter ou não à verdadeira segurança e certeza da salvação, bem como para colocar, até mesmo, os mais fracos na fé em posição confortável e de grande consolo nesta vida.

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3

A ÊNFASE PASTORAL DOS PURITANOS À DOUTRINA DA

SEGURANÇA E CERTEZA DA SALVAÇÃO NA CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER

3.1 Introdução Tendo apresentado a fundamentação bíblica e o desenvolvimento histórico, credal e confessional da doutrina da segurança e certeza da salvação, a pesquisa agora propõese a mostrar a visão puritana e sua ênfase pastoral, de maneira mais específica, como explicitada na Confissão de Fé de Westminster, em seu capítulo XVIII. Além de um breve comparativo entre a visão dos reformadores e a visão de alguns dos grandes teólogos que contribuíram para a composição deste capítulo, a pesquisa também trará o pensamento de importantes teólogos que vieram depois, e, também, se dedicaram a desenvolver essa importante doutrina. Nessa exposição a pesquisa apresentará ainda algumas controvérsias que surgiram com o passar do tempo, isso objetivando chegar a aplicação experiencial e pastoral intencionada pelos puritanos neste maravilhoso capítulo da Confissão de Fé de Westminster. Assim sendo, neste capítulo final, a pesquisa trará considerações quanto a unidade de pensamento que havia entre os puritanos acerca da segurança e certeza da salvação; em seguida, seguirá com uma exposição de cada seção do capítulo XVIII da Confissão de Fé de Westminster, apresentando um breve comparativo com o pensamento dos teólogos protestantes e reformados; pontuado as suas ênfases com base no pensamento de puritanos como Antony Burgess, Thomas Goodwin, os quais foram delegados na Assembleia de Westminster, Thomas Brooks, John Owen e Thomas Watson, que também contribuíram grandemente para o desenvolvimento da doutrina; trará ainda apresentação do pensamento de teólogos que foram importantes para o desenvolvimento dessa doutrina; e, por fim, exibirá uma breve apresentação da interação prática e pastoral da doutrina proposta pelos puritanos. A semelhança do quem vem sendo mostrado, mesmo a Confissão de Fé trazendo um capítulo específico para a tratativa da doutrina, a grande interação com outras doutrinas soteriológicas fica bastante evidente. De igual modo, sua forte ligação com as proposições dos escritos e confissões reformadas, em alguns casos com leves ajustes e leves divergências com intenção de promover as ênfases pastorais, também ficam evidentes nesse documento. A exposição do capítulo, da segurança da graça e certeza da salvação, se dará em quatro partes, como segue: A possibilidade de segurança (18.1); o

fundamento da segurança (18.2); o cultivo da segurança (18.3); e, por fim, a renovação da segurança (18.4).

3.2 A unidade do pensamento entre os puritanos do século XVII A unidade de pensamento foi de grande importância para que o produto final contido nesse capítulo da Confissão ficasse tão claro e objetivo. Beeke, diante das suas intensas pesquisas quanto a matéria, diz que “na década de 1640, o pensamento puritano inglês era quase unânime aos distintivos da segurança...”.1 Essa unidade é vista principalmente nos seguintes pontos, os quais serão melhor explorados na exposição abaixo: primeiro, os puritanos ensinavam que a fé salvadora deve ser distinguida da segurança; segundo, eles ensinavam que é, especialmente, mediante a obra do Espírito Santo que os crentes obtêm a segurança pessoal; terceiro, ensinavam ainda que, essa obra asseguradora do Espírito tem como base o pacto da graça e a obra salvadora de Cristo, a qual baseia-se no soberano propósito e amor de Deus na eleição eterna; quarto, ensinavam também que ainda que essa segurança não fosse completa nesta vida, ela deveria ser, pelos meios de graça, buscada com todo empenho.2 É exatamente isso que é posto no capítulo XVIII da Confissão, que é o fruto dessa unidade e urgência pastoral para o ensino e tratamento do povo de Deus. Em seguida a pesquisa mostrará de forma mais detalhada essas ênfases, as quais estão diluídas nas quatro seções do referido capítulo, em paralelo com o pensamento dos reformadores e dos que vieram posteriormente.

3.3 A exposição da doutrina na Confissão de Fé de Westminster – capítulo XVIII 3.3.1

Seção 1: Três possibilidades de segurança

Assim diz a primeira seção do Capítulo XVII: I. Ainda que os hipócritas e os demais não regenerados podem iludir-se, em vão, com falsas esperanças e carnal presunção de se acharem no favor de Deus e em estado de Salvação, esperança essa que perecerá, contudo, os que verdadeiramente creem no Senhor Jesus e o amam com sinceridade, procurando andar diante dele em toda a boa consciência, podem, nesta vida, certificar-se de se acharem em estado de graça e podem regozijar-se na esperança da glória de Deus, essa esperança que nunca os envergonhará. 3

1

BEEKE, Joel R., A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, 1. ed. RecifePE: Os Puritanos, 2003, p. 155. 2 Ibid., p. 155–163. 3 Bíblia de Estudo de Genebra, 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil; Cultura Cristã, 2009, p. 1795.

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A primeira seção desse capítulo começa apresentando três possibilidades de segurança. A intenção, proposta nessa seção, é direcionar o povo de Deus a fugir da falsa segurança e buscar à verdadeira segurança, bem como, direcionar aqueles que vivem sem essa segurança e, conduzi-los ao consolo, à medida que, apresenta ao crente que é possível que ele seja verdadeiramente salvo, embora não tenha consciência de segurança. 3.3.1.1 A possibilidade de falsa segurança4 A primeira possibilidade apresentada nessa primeira seção é a possibilidade de falsa segurança. Esse ponto foi exaustivamente tratado pelos protestantes e reformados. É possível dizer que essa matéria foi uma das “molas propulsoras” que moveram Martinho Lutero a dar os primeiros passos para a reforma protestante.5 Não foi diferente com João Calvino, que dedicou boas porção dos seus escritos ao trato da matéria, mostrando que existem muitos que vivem em falsa segurança, como se vê a seguir: Há também aqueles que vão além, porque não só têm a Palavra de Deus por oráculo certíssimo, nem negligenciam totalmente seus preceitos, mas até de certa forma se deixam afetar pelas ameaças e promessas. A tais, na verdade, atribui-se o testemunho da fé, mediante κατάχρησιν [Katáchrēsin – uso impróprio], uma vez que não resistem à Palavra de Deus em manifesta impiedade, nem a rejeitam nem a desprezam; pelo contrário, antes lhe exibem certa aparência de obediência.6

Em seguida, Calvino assevera que essa fé é indigna do título de fé trazendo a lembrança o relato de Simão, O Mago (At 8.13,18,19).7 Calvino fala acerca dessa falsa fé, a qual não chega ao coração, e aponta a ineficácia dela: Compreendam, pois, os que se gloriam de tais aparências e simulacros de fé que, neste aspecto, em nada lucram aos diabos. Aqueles de quem primeiro falamos lhes são de fato muito inferiores, os quais, apalermados, ouvem e compreendem coisas por cujo conhecimento os diabos estremecem [Tg 2.19]; os outros nisto lhes são pares: qualquer que seja a natureza do sentimento de que são tocados, termina, afinal, em terror e consternação. 8

Ainda falando da aparente e ineficaz fé dos réprobos, que conduz a falsa segurança, Calvino diz: [...] enquanto são levados de súbito impulso de zelo, enganam-se a si próprios com uma opinião falsa. Nem há dúvida de que deles se assenhoreie a 4

BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 164. LEOPOLDO HEIMANN (Org.), Lutero o escritor, 1. ed. Canoas: Editora da ULBRA, 2005, p. 32. Aqui o autor assevera que para Lutero, Tetzel representa uma figura antitética à figura do pastor verdadeiro, uma vez que o mesmo, ao invés de pregar a reforma e o arrependimento, pregava falsa segurança espiritual. 6 CALVINO, João, As Institutas, 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 33. 7 Ibid., p. 34. 8 Ibid. 5

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displicência, de sorte que não examinam devidamente o próprio coração, como seria de esperar. É provável que tais tenham sido aqueles em quem, conforme o testifica João, ‘Nem mesmo Jesus confiava neles, porque conhecia a todos; e não necessitava de que alguém testificasse do homem, porque ele bem sabia o que havia no homem’ [Jo 2.24, 25].9

Turretine, considerado o campeão da ortodoxia calvinista no século XVII, também escrevendo sobre está matéria, atenta para o perigo dessa falsa persuasão, dizendo: “[...] falsa presunção da carne pode fingir a verdadeira persuasão dada pela fé”.10 Vê-se, portanto, nessa proposição inicial apresentada nessa seção, acerca da possibilidade de falsa segura, que há ampla consonância entre o pensamento dos reformadores e o pensamento dos puritanos. O Puritano Anthony Burgess (m. 1664),11 sensível a esta matéria, deixa claro a necessidade de se distinguir verdadeira segura de falsa presunção, dedicando um dos seus sermões em 2Co 13.5 para trazer esse importante tema, identificando as características de uma pessoa envolta em falsa segurança.12 Burgess fala também acerca dos homens que vivem com a consciência cauterizada e não expressam temor diante de Deus por seus pecados, mostrando que eles tratam como simples melancolia, (nos nossos dias – depressão), buscando tratamento por meio de remédio e buscando conforto dissociado da Escritura.13 Thomas Brooks (1606-1680),14 em seu tratado sobre segurança, também se dedica a essa matéria. Brooks faz um breve comentário sobre a fala de Jesus em Mt. 7.22-23 e 26-27, um dos principais textos acerca dessa matéria, dizendo que é preciso “considerar que muitos que agora estão no inferno, anteriormente presumiam ir para o céu”. 15 Logo em seguida ele faz menção às 10 virgens que achavam que iriam com o noivo, mas acabaram ficando (Mt 25.10-12).16 Thomas Watson (c. 1620-1686),17 tratando acerca dessa matéria, assim como Burgess, destaca um ponto que evidencia a falsa segurança, a

9

Ibid., p. 37. TURRETINI, François, Compêndio de teologia apologética: volume 2, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 742. 11 BEEKE, Joel R.; PEDERSON, Rendall J., Paixão Pela Pureza: Conheça os Puritanos, 1. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2010, p. 183–186. 12 BURGESS, Anthony, Spiritual refining: or A treatise of grace and assurance, [s.l.: s.n.], 2006, p. 27– 31. 13 Ibid., p. 31. 14 BEEKE; PEDERSON, Paixão Pela Pureza, p. 164–165. 15 BROOKS, Thomas, Céu na terra: um tratado sobre a certeza cristã, 1. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2014, p. 151. 16 Ibid. 17 BEEKE; PEDERSON, Paixão Pela Pureza, p. 722–724. 10

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saber, a falta de humilhação de espírito, ou seja, o réprobo não sente peso pelo seu pecado, mas vive tranquilamente, não há arrependimento genuíno nele.18 Lloyd-Jones, também se dedicou a tratar essa matéria destacando aspectos práticos, através dos quais essa falsa segurança é promovida. De maneira bem prática, Lloyd-Jones mostra que a falsa segurança é uma arma que o Diabo usa para manter as pessoas em suas ciladas. Diante disso ele declara: “A primeira coisa que ele faz é tentar dar-nos uma falsa segurança, uma falsa tranquilidade, uma falsa paz e uma falsa alegria”.19 Jones chama atenção para uma lista de características que apontam falsa segurança na vida de um indivíduo, a saber: a pessoa não apresenta mudança de vida, não há transformação substancial nele, o que se vê são falsas evidências que podem ser imitadas; essa pessoa nunca fica preocupada consigo mesma quanto a sua salvação; sempre tem grande aversão pelo autoexame, pois eles estão sempre muito bem; outro problema é que essas pessoas nutrem uma forma de antinomianismo, ou seja, suas ações não condizem com suas grandes reivindicações.20 Tendo apresentado as características concernentes a falsa segurança, Jones resume maravilhosamente o contraste entre essas características dizendo: Não há maior “marca” do verdadeiro santo do que a humilde. Portanto, se não há esse elemento em nossa paz e alegria; se, ao contrário, esta é caracterizada por jactância, confiança própria e fanfarronice, não é genuína. É, de fato, uma horrível falsificação, um artifício fabricado pelo Diabo.21

J. C. Ryle, dedica algumas páginas do seu livro “Santidade” para tratar o assunto da falsa segurança trazendo a memória “A mulher de Ló”. Nesse capítulo, ele faz um grande alerta, principalmente aqueles que gozam de privilégios religiosos, que vivem envoltos em uma capa de piedade, mas que, na verdade, não são nascidos de novo.22 R. C. Sproul, também traz, de forma prática, algumas colocações acerca da falsa segurança, apontando três problemas causados pelo fato que as pessoas não entendem o que é requerido para salvação, os quais acabam levando-os a viver em estado de falsa segurança. O primeiro problema é o universalismo, corrente de pensamento que ensina

18

WATSON, Thomas, A fé cristã: estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 291. 19 LLOYD-JONES, D. Martyn, O Combate Cristão, 1. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1991, p. 199. 20 Ibid., p. 200–203. 21 Ibid., p. 205. 22 RYLE, J. C., Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, 2. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2009, p. 218–238.

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que todos são salvos e vão para o céu. Ele mostra a inconsistência dessa corrente apontando para realidade do julgamento final (Hb 9.27). O segundo problema é o legalismo, que, por sua vez, ensina que basta viver uma vida boa e cumprir a Lei de Deus para ir para o céu. De igual modo, Sproul combate o Legalismo, apontando para Escritura lembrando que ninguém pode ser salvo por obras da Lei (Rm 3.20; Gl 3.11). O terceiro e último problema destacado por Sproul é sacerdotalismo, corrente que ensina que a salvação é realizada por meio do sacerdote, por meio dos sacramentos e ou, por meio da igreja. Combatendo esse ponto, Sproul aponta para os fariseus, que se apegavam as ordenanças, mas agiam de maneira que demonstrava um mero cuidado com a forma, ou seja, com o exterior.23 A. A. Hodge, aponta algumas formas de distinguir a falsa segurança da verdadeira certeza. Na primeira forma ele diz que: “a verdadeira segurança gera humildade sem fingimento; a falsa segurança gera orgulho espiritual. 1Co15.10; Gl 6.14”.24 Na segunda: “a verdadeira conduz a crescente diligência na prática da santidade; a falsa conduz a indolência e a permissividade. Sl 51.12,13,19”.25 Na terceira forma ele mostra que: “a verdadeira conduz ao sincero autoexame, e ao desejo de ser sondado e corrigido por Deus; a falsa conduz a uma disposição de se satisfazer com a aparência e de se evitar a acurada investigação. Sl 139.23,24”.26 Por fim, na quarta forma ele mostra que: “a verdadeira conduz a perenes aspirações por mais íntima comunhão com Deus. 1Jo 3.2,3”.27 Vê-se que acerca da falsa segurança, os puritanos sintetizaram de maneira clara e objetiva essa grande preocupação pastoral, em consonância com o pensamento dos reformadores, para advertir e tratar aqueles que, dentro da igreja verdadeira, têm nutrido essa falsa segurança. Vê-se também a consistência desse ensino que perdura e conta com a concordância de importantes teólogos ortodoxos, que por sua vez, trabalharam para promover esses ensinos.

23

SPROUL, R. C., Posso Saber se Sou Salvo?, 1. ed. São José dos Campos, SP: Fiel, 2013, p. 40–51. HODGE, A. A., Confissão de Fé de Westminster Comentada, São Paulo: Os Puritanos, 1999, p. 324. 25 Ibid. 26 Ibid. 27 Ibid., p. 325. 24

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3.3.1.2 A possibilidade de verdadeira segurança28 Tendo advertido quanto ao grande problema da falsa segurança, os puritanos referendaram a possibilidade de verdadeira segurança. Geralmente os que combateram a falsa segurança também levantaram a bandeira da verdadeira segurança. Os reformadores deixaram bem clara essa possibilidade de verdadeira segurança. Como se vê, essa possibilidade fica bastante evidente na definição de fé proposta por Calvino.29 Calvino atesta essa possibilidade, em detrimento da falsa segurança dos réprobos, e faz um alerta aos eleitos para que não se deixem enganar pela confiança da carne. Diante disso ele diz: [...] embora seja grande a semelhança e afinidade entre os eleitos de Deus e os que são dotados por algum tempo de fé transitória, contudo somente nos eleitos viceja aquela confiança que Paulo celebra, de modo que clamem em alta voz: Abba, Pai [Rm 8.15; Gl 4.6]. Portanto, assim como somente aos eleitos Deus regenera para sempre com uma semente incorruptível [1Pe 1.23], de sorte que jamais pereça a semente de vida implantada em seu coração, assim também neles sela solidamente a graça de sua adoção, para que ela seja estável e confirmada... Não obstante isto, os fiéis são ensinados a examinar-se a si próprios cuidadosa e humildemente, para que a confiança da carne não se insinue sorrateira em lugar da certeza da fé.30

Vê-se nas palavras de Turretini a mesma perspectiva de Calvino, a qual confirma a possibilidade de verdadeira segurança, apontando para fora do homem como obra monergística de Deus. Os crentes podem não só ter certeza de sua fé e de sua confiança e certeza, com uma certeza não humana e falível, mas divina e infalível (que é maior ou menor conforme a fé se veja mais forte ou mais fraca); mas tanto podem como devem estar certos da graça de Deus e da remissão dos pecados, visto que, em sincera contrição por seus pecados mediante fé genuína, apreendem a promessa da misericordiosa graça em Cristo, repousam nele fiducialmente e assim tornam seguros seus corações.31

Essa possibilidade de verdadeira segurança, como está posto nesta proposição, é fruto de um consenso entre os puritanos, uma vez que para eles, além de crer nessa verdade ela precisava ser transmitida e estabelecida na vida do verdadeiro crente. Thomas Brooks declara: “Os crentes podem alcançar, nesta vida, uma bem fundada certeza da sua eterna felicidade e bem aventurança”.32 Ele segue com várias provas disso, como a pesquisa mostrará à frente. Anthony Burgess, além de identificar as características dos

28

BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 166. CALVINO, As Institutas, p. 31. 30 Ibid., p. 35. 31 TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 739. 32 BROOKS, Céu na terra, p. 21. 29

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que vivem envoltos em falsa presunção, logo em seguida, dedica um sermão a solução para resolver esse problema, mostrando evidências que atestam a verdadeira segurança.33 John Owen (1616-1683),34 assumindo essa possibilidade de verdadeira segurança, também fortalece esse ponto, mostrado que há uma relação orgânica entre fé e segurança, mas deixando claro que não se confundem.35 Lloyd-Jones comentando Ef 1.18, mostra como o Apostolo Paulo está rogando por aqueles irmãos para que eles, iluminados pelo Espírito, pudessem atentar para a possibilidade de verdadeira segurança.36 Comentando 2Tm 4.6-8, Ryle defende a veracidade da segurança, a qual “não é mera fantasia ou sentimento”37, mostrando também que “trata-se de um dom que todo crente em Cristo deveria buscar e ter como alvo”.38 A. A. Hodge, acerca dessa verdadeira possibilidade de segurança estabelece: “Os verdadeiros crentes podem, nesta vida, alcançar a certeza com respeito às suas próprias relações pessoais com Cristo”.39 Diante disso, vê-se que a preocupação pastoral dos puritanos quanto a verdadeira segurança do crente, é fruto de uma preocupação que vem de longe, fundamenta-se na Escritura e toma seus exemplos dela, bem como alinha-se com o pensamento dos reformadores. O cristão precisa crer que, de fato, a segurança é verdadeira e, assim, venha usufruir dessa bênção maravilhosa e exclusiva dos verdadeiros eleitos. 3.3.1.3 A possibilidade de falta de consciência de segurança40 A terceira possibilidade expressa nessa primeira seção é a possibilidade de falta de consciência de segurança. Nesse ponto os reformadores também discorreram bastante. Lutero expressou sua dificuldade em absolver a ideia de um verdadeiro crente em situação de dúvida, deixando estabelecido que “a falta de segurança é incompatível com o fato de ser um cristão”.41 Ele classificou esse comportamento como um comportamento de incrédulo. Calvino se apresenta bastante duro com relação a essa matéria, chegando a fazer duras asseverações direcionadas aos duvidosos, as quais chegam a ser motivo de

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BURGESS, Spiritual refining, p. 33–37. BEEKE; PEDERSON, Paixão Pela Pureza, p. 558–565. 35 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 254. 36 LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1996, p. 354. 37 RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 146. 38 Ibid. 39 HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 325. 40 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 167. 41 Ibid., p. 42. 34

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acusações contra o reformador. Em Calvino lê-se: “Afirmo que ninguém é fiel senão aquele que, arrimado na certeza de sua salvação, zomba confiadamente do Diabo e da morte”.42 No que o pensamento do reformador se desenvolve, vê-se que há nos seus escritos uma atenção para os qualificativos da segurança, assumindo que a fé tem graus diferentes, ou seja, pode ser fraca ou forte, sendo assim podem existir pessoas que, por terem uma fé fraca, não se sintam seguras como outras que tem a fé mais forte. Calvino mostra ainda a impossibilidade de que alguém consiga, por causa da incidência do pecado, uma segurança infalível e que nunca vacila, como já citado nessa pesquisa.43 Turretini dirige-se também ao duvidoso, no intento de consolar e direcionar ao cultivo da verdadeira segurança e certeza da salvação. Para ilustrar essa verdade ligada com a dúvida, ele chama atenção para os exemplos bíblicos de homens que expressaram essa dúvida e, mesmo assim, não deixaram de nutrir verdadeira fé. Ele cita o exemplo de Davi e suas declarações no Sl 22.1 e no Sl 31.22.44 Expressando o pensamento puritano e sua ênfase pastoral, Thomas Brooks, para o alívio de muitos, diz que: “O homem que não tem certeza do amor e do favor de Deus, ou da remissão dos pecados e da salvação de sua alma, pode, contudo, ter a verdadeira graça da redenção”.45 Thomas Watson diz ainda que: “Quem tem a alma santificada tem aquilo que não deixa o coração afundar, que é possuir atração pelo Espírito a tal ponto de não trocá-lo pelos prêmios mais caros do mundo”.46 Com isso ele mostra que a dúvida faz parte da caminhada do crente, e que “no céu os santos terão segurança ininterrupta e sempre estarão com o Senhor”.47 Sproul, apresenta quatro grupos com relação a essa consciência de salvação: no primeiro grupo estão aqueles que são salvos e tem plena consciência disso; no segundo grupo estão aqueles que estão salvos, mas não sabem; no terceiro grupo estão as pessoas que não são salvas e sabem disso; e no quarto grupo estão aqueles que não são salvas e não sabem disso.48 No que toca a esse segundo grupo, Sproul declara ainda que: “em

42

CALVINO, As Institutas, p. 41. Ibid., p. 43. 44 TURRETINI, François, Compêndio de teologia apologética: volume 1, 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 486. 45 BROOKS, Céu na terra, p. 49. 46 WATSON, A fé cristã, p. 290. 47 Ibid., p. 291. 48 SPROUL, Posso Saber se Sou Salvo?, p. 25–36. 43

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nenhuma de suas passagens, a Escritura diz que temos que saber o tempo exato de nossa conversão”.49 Ele desenvolve seu argumento mostrando que a exortação de Pedro, em 1Pe 1.3-11, está indicando que: “pessoas podem estar em um estado de salvação sem terem realmente a segurança de salvação”.50 Mais uma vez o que se tem é uma consistência contagiante do ensino dos puritanos, mostrando que é possível que a pessoa esteja em estado de graça mesmo que ela não tenha consciência disso em sua vida. A ênfase dos puritanos nesse ponto é, além de consolar os duvidosos, motivar o crente de fé fraca a obter, no Senhor, a plena certeza e gozar dos seus benefícios nessa vida. 3.3.2

Seção 2: Os fundamentos da segurança

A segunda seção desse capítulo diz: II. Esta certeza não é simples persuasão conjectural e provável, fundada em uma falsa esperança, mas uma infalível segurança da fé, fundada na divina verdade das promessas de salvação, na evidência interior daquelas graças nas quais essas promessas são feitas, no testemunho do Espírito de adoção que testifica com os nossos espíritos que somos filhos de Deus, sendo esse Espírito o penhor da nossa herança e por quem somos selados para o dia da redenção.51

A segunda seção de proposições encontrada no capítulo XVIII da Confissão de Fé de Westminster aborda mais um ponto muito importante que é o estabelecimento das bases da segurança e certeza da salvação. O primeiro capítulo dessa pesquisa apresenta uma abordagem bíblico-teológica da fundamentação da doutrina da segurança e certeza da salvação com base nos principais fundamentos apresentados aqui nesta seção. Para melhor apreciação a pesquisa tratará separadamente cada um desses fundamentos. 3.3.2.1 A certeza da salvação é uma infalível segurança da fé Diante dessa primeira afirmação proposta nessa segunda seção, os reformadores foram bastante atacados, tanto por parte dos papistas como dos arminianos, como foi mostrado no capítulo anterior, nas asseverações do Concílio de Trento e nas asseverações dos Remonstrantes. Calvino, em seu comentário de 1 Coríntios, comentando o versículo

49

Ibid., p. 30. Ibid., p. 32. 51 Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1795. 50

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12, diz que os papistas torcem esse versículo “com o fim de estabelecer seu ímpio dogma de que devemos viver sempre num estado de incerteza no tocante a fé”.52 Turretini destaca as acusações dos papistas e dos arminianos quanto a negativa dessa segurança infalível, mostrando que os papistas negam com veemência a possibilidade de o homem declarar que está finalmente justificado, embora que o homem pode até nutrir boa esperança de que é eleito, mas sem declarar com certeza, nem ter certeza de fé. Os arminianos, apresentam uma visão bem próxima da visão dos papistas, onde eles argumentam que essa certeza é impossível de ser obtida e, além disso ela é maléfica para o crente, uma vez que pode conduzi-lo a uma estagnação espiritual e relaxamento na perseverança, em última instância responsabiliza o homem pela sua salvação.53 Positivamente Turretini mostra que o eleito deve expressar essa certeza infalível. Assim ele declara: Ou ele deve (não com base numa consideração de sua dignidade pessoal, mas da estima de Deus e de sua custódia poderosa) expressar um ato de certeza, não apenas provável e conjetural (que admite engano), mas de fé genuína acerca de sua eleição e salvação.54

Ainda de maneira bem clara e objetiva, ele afirma que: “os crentes podem saber que são filhos de Deus e crentes; portanto, podem saber que são eleitos, porque a adoção e a fé são os efeitos e frutos infalíveis da sua salvação e eleição”.55 Os puritanos se mantêm firmes e unanimes nesse pensamento de que a segurança é infalível. Isso fica perfeitamente evidente na obra de Brooks, Céu na Terra, onde ele dedica o primeiro capítulo a apresentar “provas de que os crentes podem, nessa vida, alcançar uma bem fundada certeza de sua eterna alegria e bem-aventurança”.56 J. C. Ryle, escrevendo sobre essa matéria diz que “a segurança é algo verdadeiro e bíblico”. E dedica-se a discorrer sobre a matéria para estabelecer essa importante verdade de que se trata de algo infalível.57 Lloyd-Jones, em seu comentário de Efésios, 52

CALVIN, Jean, Gálatas - Efésio - Filipenses - Colossenses, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2015, p. 353. Vê-se essa argumentação também em Jones: LLOYD-JONES, O Combate Cristão, p. 209–210. 53 TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 479. 54 Ibid., p. 481. 55 Ibid. 56 BROOKS, Céu na terra, p. 21. 57 RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 146.

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chama a atenção para o pensamento de John Wesley e como a doutrina da segurança e certeza da salvação era central para ele e os metodistas, no que toca sua infalibilidade: John Wesley disse muitas vezes que Deus tinha levantado os metodistas em grande parte para pregar essa doutrina especial da certeza. Ele cria tão intensamente nessa verdade, que a princípio, tendia a dizer que se você não tem certeza, você não é um cristão.58

Comentando 2Pedro 1.10, Jones mais uma vez afirma essa ênfase no ensino do apóstolo, mostrando a força dessa doutrina.59 Diante disso, percebe-se, de maneira muito contundente, que há um consenso quanto a esse ponto, tanto por parte dos reformadores quanto dos puritanos, consenso esse que é confirmada pelos seus pós cursores, de que a certeza é uma infalível segurança da fé. Esse consenso gerou uma firmeza tal, que os levou a defenderem com todas as forças o seu ensino e aplicação. 3.3.2.2 A certeza da salvação é fundamentada na divina verdade das promessas de salvação Observa-se também na teologia dos reformadores esse consenso de que uma das bases da segurança são as divinas verdades das promessas de salvação. Lutero não enfatiza muito esse fundamento, mas Zuínglio dá forte ênfase a esse ponto em sua teologia. Como já citado, Beeke diz que “até mais do que Lutero, Zuínglio baseou fé e segurança na eleição soberana de Deus e na obra de Cristo no cumprimento do pacto da graça”.60 Beeke coloca também que na teologia de Zuínglio, no que toca essa base, existe uma “impossibilidade de separar a eleição, as promessas de Deus, Cristo, a fé e a segurança, da doutrina da providência de Deus”.61 Calvino coloca às promessas em total ligação com a ação do Espírito que a autentica, para assim afastar a insegurança do coração do eleito. Quanto a isso ele diz: “o Espírito Santo enaltece com tão nobres títulos a autoridade da Palavra de Deus, a fim de fornecer remédio a esta enfermidade e para que demos total crédito a Deus em suas promessas”.62 Ele também deixa claro em seus escritos a importância de olhar para as promessas de Deus, a quais conferem segurança

58

LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, p. 271. LLOYD-JONES, D. Martyn, 2 Pedro Sermões Expositivos, 1. ed. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 2009, p. 51. 60 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 50. 61 Ibid., p. 51. 62 CALVINO, As Institutas, p. 39. 59

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ao crente.63 Em seu Comentário de 1Coríntios, versículo 12, ele afirma que a base primária da segurança está nas promessas de Deus, encorajando o crente a enfrentar Satanás e o pecado, mostrando, por fim, Rm 8.33.64 Turretini aponta as promessas como sendo a base primária e objetiva, onde o Espírito aponta, externamente, por meio da Palavra essa veracidade e confere segurança ao crente.65 Quanto ao pensamento dos puritanos Beeke declara: “Burgess e a maioria criam que as promessas de Deus em Cristo são a base primária da salvação”.66 As promessas de Deus em Cristo, ocupam um lugar muito importante nas bases da certeza. Beeke resume o pensamento quanto as promessas na perspectiva de Burgess e seus colegas dizendo: Burges e seus colegas, consistentemente, lembram os crentes de que a promessa objetiva, abraçada pela fé é infalível, porquanto ela é uma compreensível e fiel promessa pactual de Deus... Todos os exercícios da fé salvífica apreendem, em algum gral, as bases primárias da promessa divina em Cristo.67

Brooks credita forte ênfase as promessas como base para a segurança do crente. Tomando como base o Salmo 84.11, ele escreve: “Deus, mediante promessas, comprometeu-se a assegurar a seu povo a sua felicidade e bem-aventurança”.68 Diante disso ele conclui: “Se ele não nega bem algum, certamente nunca negará certeza, que é o grande bem, o único, o principal, o bem peculiar que os crentes buscam”.69 Lloyd-Jones, destaca a base primária da segurança, ou seja, a base objetiva, a qual está fundamentada na aliança, consequentemente na promessa de Deus de redimir o seu povo, assim como foi trabalhado no primeiro capítulo dessa pesquisa. Maravilhosamente, Jones começa a apontar para o pacto da trindade, ou aliança da salvação; nessa perspectiva ele destaca as alianças de Deus com os homens sendo renovadas e ainda dá grande ênfase no fato de Deus ter feito aliança e até juramento para ajudar-nos. Jones aponta para a realidade de que Deus empenhou a sua Palavra e jurou por si mesmo. Portanto, quanto

63

Ibid., p. 40. CALVIN, Gálatas - Efésio - Filipenses - Colossenses, p. 353. 65 TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 145. 66 BEEKE, Joel R., Espiritualidade Reformada - Uma Teologia Prática para a Devoção a Deus, 1. ed. São José dos Campos, SP: Fiel, 2014, p. 239. 67 Ibid., p. 242. 68 BROOKS, Céu na terra, p. 25. 69 Ibid. 64

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mais o homem entende as alianças de Deus, olha para suas promessas, sua segurança é fortalecida.70 Hodge, de maneira bem prática, diz que a segurança repousa sobre essas verdades divinas das promessas de salvação.71 O ponto central aqui nesta matéria é olhar para o fato de que a o soberano e imutável Senhor, que fez as promessas, irá certamente cumprilas. O crente verdadeiro descansa nessa verdade e, consequentemente gera a esperança que conduz a plena certeza. Beeke afirma categoricamente que: “as promessas de Deus devem ocupar sempre o primeiro lugar porque são a base primária e final da segurança mediante uma fé viva”.72 O fato de que a base primária da segurança repousa na divina verdade das promessas de salvação direciona mais uma vez para fora do crente, e de certa forma, ajuda a preservar o crente de tentar buscar em si a segurança da salvação. Essa base primária repousa em Deus, em sua fidelidade, graça, imutabilidade e na obediência ativa e passiva de seu Filho Jesus, que, perfeitamente, cumpre essas promessas, bem como na ação do Espírito que abre os olhos dos eleitos para apreenderem essas promessas. Os puritanos sintetizaram de forma prática essa verdade afim de conduzir o crente a olhar para a necessidade de descansar nas promessas de salvação daquele que é fiel para cumprir. 3.3.2.3 A certeza da salvação é fundamentada na evidência interior da graça Esse é um ponto que precisa estar bem estabelecido no coração dos crentes, o que fica evidente na preocupação dos puritanos em trazê-lo e enfatiza-lo neste capítulo. Há de se notar a grande interação entre esse fundamento com os demais, bem como a interação do pensamento dos reformadores com as proposições posteriores dos puritanos. Calvino, ainda falando das promessas, estabelece que elas são fundamento tanto externo como interno. Calvino declara: Aqui se revolve o principal gonzo da fé, a saber, que não julguemos que as promessas de misericórdia que o Senhor nos oferece são verdadeiras somente fora de nós; ao contrário, que antes as façamos nossas, abraçando-as interiormente.73

70

LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, p. 358–359. HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 326. 72 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 173. 73 CALVINO, As Institutas, p. 40. 71

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O fato de Cristo habitar no interior do crente, e isso ser apreendido por ele, confere ao eleito essa evidência interior de que ele está devidamente unido a Cristo. Calvino coloca isso da seguinte maneira: E isso é tão certo que de modo algum devemos apartar Cristo de nós, nem nós dele, mas manter solidamente esta comunhão pela qual intimamente nos uniu a si. Desta forma nos ensina o Apóstolo: ‘O corpo, na verdade, está morto por causa do pecado, mas o Espírito de Cristo, que habita em vós, é vida por causa da justiça’ [Rm 8.10]... Cristo não está fora de nós, mas habita em nós; não só se nos apega por um laço indiviso de associação, mas, mediante certa comunhão maravilhosa, dia a dia, mais e mais se une em um só corpo conosco, até que se faça conosco inteiramente um. 74

Dentro dessa matéria, vê-se fortemente entre os reformadores e também entre os puritanos a necessidade de demonstrar essa interação quanto a apreensão interna de Cristo e suas promessas conferindo a segurança e certeza ao crente. Aqui entra em cena a questão do silogismo prático e do silogismo místico. Quanto aos reformadores, observa-se que Calvino não dá muita ênfase ao silogismo prático, embora seja percebido em seus escritos, enquanto que Theodoro Beza trata com mais ênfase do assunto,75 o qual é seguido por William Perkins. Perkins foi bastante inquerido por dar grande ênfase no silogismo prático, especificamente por se tratar da base secundária da segurança, a qual diz respeito a resposta do homem. Com isso ele é acusado de dar mais ênfase nas bases secundárias do que nas bases primárias da segurança.76 Nesse seguimento de pensamento vê-se que Turretini, apresenta bem a ideia do silogismo prático e seu objetivo: [...] é possível extrair um argumento sólido para a consolação dos crentes pelo uso de um silogismo prático (cuja premissa maior se fundamenta na Escritura e a menor é elaborada no testemunho do coração dos crentes) nestes termos: as promessas evangélicas pertencem a todos os crentes e a cada um deles; ora. eu creio; logo, elas pertencem também a mim. 77

Beeke, em sua tese, expõe essa fundamentação de forma bastante interessante. Beeke começa dizendo que os puritanos tinham grande anseio por evidenciar a presença interior de Cristo em suas vidas e que, além disso, “os puritanos criam que tudo o que Cristo fez no exterior do crente tem sua contraparte no seu interior”; logo de forma

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Ibid., p. 49. BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 114. 76 KEDDIE, Gardan J., Unfallible Certenty of the Pardon of Sinne and Life Everlasting, The Evangelical Quarterly, p. 230–244, . 77 TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 267. 75

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maravilhosa acontece uma troca entre o objetivo e o subjetivo, ou seja, entre Cristo e o Cristão, em relação as promessas de Deus.78 Ele sintetiza a questão dizendo: Quando os teólogos de Westminster consideraram a presença interior de Cristo como a base da segurança, eles não queriam dizer que o crente é justificado pelo ‘Cristo nele’; antes a presença interior de Cristo representa o assento da segurança como fruto da justificação, como evidência da união vital com Cristo. A segurança apreende a presença interior de Cristo pelo gozo dos benefícios de sua morte e ressurreição justificadoras.79

Diante dessa verdade Beeke passa a discorrer acerca do método da segurança, mais precisamente os silogismos prático e místico. Era uma grande prática entre os teólogos fazerem uso de silogismo para aplicar algumas verdades. Esses silogismos, por sua vez, fazem uso do ato reflexo, ou reflexivo de fé.80 Quanto a esse ato reflexivo, Burgess explica que há distinção entre os atos diretos da alma, que é o que acontece, por exemplo, quando a alma crê em Deus, arrepende-se dos seus pecados; e os atos reflexos, que é quando a alma considera e observa os atos feitos, ou seja, quando o indivíduo sabe que crê e que se arrependeu.81 “O silogismo prático baseava-se na santificação do crente e nas boas obras do cotidiano”.82 Por sua vez, “o silogismo místico, baseava-se nos exercícios interiores do crente e no seu progresso nos passos da graça”.83 É importante estabelecer quanto aos silogismos e os atos reflexos, que eles são usados para promover a segurança no crente, uma vez que eles são arraigados em Deus, repousam na Palavra de Cristo e devem ser considerados obra do Espírito, sendo assim, não dá lugar para o mérito humano, sendo, portanto, um meio secundário de obtenção de segurança.84 Hodge, defende que a certeza é promessa de Deus para o crente. Ele coloca a questão da seguinte forma: [...] as Escrituras prometem que todo aquele que crê terá a vida eterna. O crente cuja a fé é vigorosa e inteligente tem uma evidência distinta em sua própria consciência de que ele, pessoalmente, crê. Daí ser obvia a conclusão de que ele terá a vida eterna.85

Aqui percebe-se claramente um silogismo prático sendo aplicado para demonstrar essa base secundária da segurança por meio das evidências internas.

78

BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 177–178. Ibid., p. 178. 80 Ibid. 81 BURGESS, Spiritual refining, p. 672. 82 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 179. 83 Ibid. 84 Ibid., p. 85–88. 85 HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 326. 79

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Portanto, é exatamente isso que se observa na ênfase pastoral dos puritanos que trabalharam para conduzir o crente ao consolo verdadeiro e, afastá-lo da falsa presunção de confiar em si mesmo. Thomas Watson, na sua definição de certeza faz uso do silogismo para explicar, de forma prática, essa verdade. Ele diz: A certeza consiste de um silogismo prático no qual a Palavra de Deus tem o papel principal, a consciência tem um pequeno papel e o Espírito de Deus tem a conclusão. A Palavra diz que quem teme e ama a Deus é amado de Deus. Essa é a proposição principal, então a consciência faz o papel secundário, ‘mas eu temo e amo a Deus’, então, o Espírito faz a conclusão: ‘Portanto és amado de Deus’. Isso é o que o apóstolo chama de testificação: ‘O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus’ (Rm 8.16).86

3.3.2.4 A certeza da salvação é fundamentada no testemunho do Espírito O testemunho do Espírito como fundamento da segurança, a semelhança de outros pontos, foi bastante debatido, o que por sua vez, acabou gerando opiniões divergentes entre alguns teólogos. Zuínglio dá forte ênfase na ação do Espírito Santo nessa interação de segurança e certeza do crente. A leitura feita por Beeke mostra que Zuínglio, além de mostrar a ação do Espírito testificando as verdades salvífica no coração do crente, também fortalece a segurança por meio da santificação e das boas obras.87 Fica perceptível na teologia de Calvino que há grade interação entre a evidência interior da graça e o testemunho do Espírito. Calvino também fala acerca da importância do testemunho do Espírito Santo conferindo segurança e certeza ao coração do crente. Quanto a isso, ele diz: “[...] o Espírito Santo é o eterno ensinador, pela operação de quem à mente nos penetra a promessa da salvação, promessa que, de outra sorte, apenas feriria o ar ou nossos ouvidos”.88 Diante disso percebe-se que Calvino dá grande ênfase na ação do Espírito como sendo essencial nesse processo de condução do crente à segurança. Sobre esse ponto, Turretini mostra a perfeita interação do Espírito, tanto nas bases primárias quanto nas secundárias, interagindo ativamente na segurança e certeza do crente. Sendo assim, acerca do testemunho do Espírito, ele resume de forma clara e objetiva dizendo que: A resolução da fé, objetivamente considerada (quanto às coisas a serem cridas), é diferente de sua consideração subjetiva e formal (quanto ao ato de crer). O primeiro elemento está na Escritura e no testemunho externo do Espírito Santo

86

WATSON, A fé cristã, p. 290. BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 52. 88 CALVINO, As Institutas, p. 22. 87

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expresso na Escritura; o segundo, em seu testemunho interno impresso na consciência e falando no coração. Pois, como duas coisas são necessárias à geração da fé (a apresentação da verdade na Palavra e sua aplicação no coração), o Espírito Santo opera em ambos (i.e., na Palavra e no coração). Portanto, lemos que ele testifica apropriadamente na Palavra, objetivamente, segundo o método de um argumento em virtude do qual cremos. No coração, lemos também que ele (mas com menos propriedade) testifica eficientemente e segundo o método de um primeiro princípio, por cujo poder cremos. 89

Beeke, falando acerca do fundamento da segurança com base no testemunho do Espírito, diz que “os escritos da Confissão de Westminster sabiam que a base da segurança mais difícil de ser compreendida era a do testemunho do Espírito Santo”.90 Beeke apresenta divergentes posicionamentos entre os próprios delegados de Westminster, destacando que haviam aqueles que defendiam que as evidências internas da graça e a evidência do testemunho do Espírito estavam intimamente ligadas, direcionando o leitor para o texto de Rm 8.15,16 como sinônimos;91 enquanto que outros defendiam que se tratava de duas bases distintas, apontando no mesmo texto, diferença entre o testemunho do Espírito no versículo 15 e o testemunho no versículo 16.92 Embora houvesse essa diversidade de opiniões, Beeke afirma que “os teólogos da Assembleia, contudo, unanimemente afirmavam que o testemunho do Espírito está sempre ligado a Palavra de Deus e jamais pode ser contradito”.93 Percebe-se quanto a essa matéria, que há também uma preocupação em definir a relação do “selo do Espírito” e seu lugar na segurança. Como se verá mais adiante, há divergentes interpretações que vão dos reformadores aos teólogos da pós-reforma no trato dessa matéria. Lawson declara que Ambrósio via o Espírito Santo como o selo assegurador do crente e mostra ainda que “Ambrósio via em Jo 10.27-30 a verdade de que Deus Pai e Deus Filho mantêm todos os crentes eternamente seguros em suas mãos salvífica”.94 Quanto ao pensamento dos reformadores, em Calvino vê-se que há um entendimento acerca dessa prerrogativa do Espírito. Calvino diz: Consequentemente, o Espírito faz as vezes de um selo para marcar em nosso coração estas mesmas promessas cuja certeza antes nos imprimiu à mente e ele 89

TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 145. BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 192. 91 Ibid. 92 Ibid., p. 193. 93 Ibid., p. 197. 94 LAWSON, Steven J., Pilares da graça: AD 100 - 1564, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2013, p. 266. 90

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toma o lugar de um penhor para confirmá-las e estabelecê-las. “Depois que crestes”, diz o Apóstolo, “fostes selados com o Santo Espírito da promessa, o qual é o penhor de nossa herança” [Ef 1.13]. Vês como nesta passagem Paulo ensina que os corações dos fiéis são gravados pelo Espírito, como se por um selo, e que o chama Espírito da promessa, porque ele nos faz o evangelho indubitável?95

Fica claro o posicionamento de Calvino, quanto a tratativa acerca da questão do selo do Espírito, em seu comentário da Epístola de Paulo aos Efésios, ao comentar o versículo 13, onde percebe-se claramente que Calvino coloca o selo como procedente da fé, ou seja, ele coloca o selo do Espírito sujeito à fé. Assim ele declara: “Aqui, porém, o apóstolo parece sujeitar à fé a selagem do Espírito. Se for este o caso, então a fé precede o ato de selar”.96 Na interpretação de Calvino, essa ação do Espírito é dupla, ou seja, ele diz que “a ação do Espírito na fé é dupla, correspondendo às duas partes principais das quais a fé consiste. Ela ilumina o intelecto (mens) e também confirma o pensamento (animus)”.97 Comentando 2Coríntios 1.22, Calvino diz: Como o Espírito é a nossa segurança, porque testifica acerca de nossa adoção, e 0 selo (σφραγίς), porque estabelece a fé genuína nas promessas, assim Ele é chamado de nosso penhor, porque é obra sua ratificar o pacto de Deus de ambas as partes; e, sem o penhor, o pacto pairaria suspenso no ar.98

Fica evidente que no pensamento de Calvino, a relação do selo está intimamente ligada com as promessas. Em outro lugar ele ainda declara: [...] é chamado Penhor e Selo de Nossa Herança [2Co 1.22; Ef 1.13, 14], porque a nós, peregrinos no mundo e semelhantes a mortos, assim do céu nos vivifica, para que estejamos certos de que sob a fiel custódia de Deus em segurança nos está a salvação.99

Turretini, entende de forma ampla a ação do Espírito Santo e Sua prerrogativa de selar o crente. Logo, acerca do testemunho do Espírito, quanto ao selo, ele faz interessantes colocações, a saber: [...]ela é confirmada pelo testemunho e “selo do Espírito Santo”, o qual não apenas testifica que somos filhos de Deus (Rm 8.16), mas também que fomos “selados para o dia da redenção” (Ef 4.30). Porém, como poderia ele testificar realmente que somos filhos de Deus e herdeiros do reino do céu, ou selar-nos para o dia da redenção, se não tivéssemos nenhuma evidência disso, e se seu testemunho fosse falso e sua selagem, enganosa? Mas o contrário se prova pela palavra “selo”, a qual designa algo certo e inalterável, sendo até mesmo

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CALVINO, As Institutas, p. 62. CALVIN, Gálatas - Efésio - Filipenses - Colossenses, p. 221. 97 Ibid. 98 CALVIN, Jean, 2 Coríntios, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2008, p. 55. 99 CALVINO, As Institutas, p. 21. 96

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chamadas de invioláveis os que são selados com a primeira chancela. Daí os pais chamarem esse selo indissolúvel (akatalyton).100

Percebe-se, contudo, que não há uma preocupação em distinguir o tempo que o selo é administrado, se imediatamente ou posteriormente. No pensamento dos reformadores percebe-se uma maior inclinação para algo concomitante. Mas, esse é um debate que acaba surgindo acompanhado de divergentes posições. Um grande representante dessa matéria, é o puritano Richard Sibbes (15771635).101 Discípulo de Paul Baynes – sucessor de Perkins na igreja de St. Andrews, em Cambridge – Sibbes, sendo um grande nome de seu tempo, teve grande influência na vida de grandes teólogos, como Thomas Goodwin e tantos outros que estiveram na Assembleia de Westminster.102 No que toca a ação do Espírito Santo na vida do crente, Sibbes estabelece alguns princípios importantes, a saber: na ocasião da conversão o Espirito passa imediatamente a habitar aquela pessoa;103 é também, função Espírito, apresentar o crente ao Pai e ao Filho e torna-lo íntimo de ambos;104 o Espírito além de habitar no crente é responsável por lhe dar vitória nas suas batalhas, sendo, também, aquele que sela a alma do crente.105 No tocante a esse selo, Sibbes vai desenvolver seu ensino com base na perspectiva de que “o papel do Espírito como selo da alma dos Crente é muito parecido com examinar o trabalho dele em favor da segurança pessoal de fé e salvação”.106 Sibbes via o selo do Espírito como duas questões distintas, a saber: “Ele distinguia entre o oficio ou função do Espírito como selo dado ao pecador na regeneração, de um lado, e, de outro, a obra em que o Espírito aplica aquele selo à consciência do crente”.107 Sendo assim, ele imagina o selamento do Espírito de duas maneiras: primeiramente o selamento em um único ato; e segundo, um selamento que ocorreria mais tarde, de acordo com a obtenção da maturidade da vida cristã. Dessa maneira, o selo inicial serve para sinal de autenticidade, enquanto que o segundo aspecto está relacionado a um processo, ou seja, aponta uma progressividade.108 De acordo com ele, esse selo fortalecedor, dá aos crentes a 100

TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 482. BEEKE; PEDERSON, Paixão Pela Pureza, p. 645–648. 102 BEEKE, Joel R.; JONES, Mark, Teologia Puritana, 1. ed. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 817. 103 Ibid., p. 819. 104 Ibid., p. 820. 105 Ibid., p. 822. 106 Ibid., p. 823. 107 Ibid. 108 Ibid., p. 824. 101

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possibilidade de se “apropriarem da plena certeza mediante a obra de cada pessoa da Trindade, mesmo a ênfase estando no Espírito e em sua obra salvadora”.109 Ele descreve essa relação trinitária, mostrando que o Pai estabelece o decreto sobre a obra da salvação, o Filho executa e o Espírito aplica e atesta, levando a alma do crente a nutrir a certeza da salvação.110 O pensamento de Sibbes é fruto do desenvolvimento da matéria por parte de Perkins e seu sucessor Baynes. Em Perkins vê-se uma ênfase maior na atividade do Espírito no selamento das promessas, ou seja, na ação de atestar as promessas. Baynes, por sua vez, propõe uma junção do pensamento de Calvino com o pensamento de Perkins, ensinando que o selamento se aplicava tanto a habitação no íntimo quanto as consequências externas na vida do crente.111 Com isso vê-se que Sibbes concorda com o pensamento de Baynes, mas enfatizava que o selamento era uma obra adicional e confirmatória da fé do crente.112 John Owen, por sua vez, discordava da distinção proposta por Sibbes. Owen defendia que o crente é selado na hora em que é regenerado. Nesse sentido, o pensamento de Owen está alinhado ao de Calvino.113 Como destaca Ferguson, Owen inicialmente defendia que eram as promessas e não as pessoas que estavam em vista nesse selo.114 Posteriormente, como ressalta Beeke, Owen vai definir que o selo se aplica diretamente a pessoa e não às promessas, diferentemente do que Calvino defendia.115 Sendo assim o selo serve como base da segurança e certeza do crente. Logo, ele coloca que o selo não é a segurança em si, mas produz segurança.116 Lloyd-Jones escreve amplamente acerca desse tema em seu comentário de Efésios, analisando o versículo 13.117 Basicamente, Jones começa mostrando as utilizações do termo “selo” em seu uso comum, depois mostra sua aplicação no que foi direcionado ao Senhor Jesus Cristo (Jo 6.27), e, em seguida, passa a mostrar essa relação

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Ibid., p. 825. Ibid., p. 25–26. 111 Ibid., p. 823. 112 Ibid., p. 824. 113 Ibid., p. 823. 114 FERGUSON, Sinclair B., A devoção trinitária de John Owen, 1. ed. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2015, p. 103. 115 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 273. 116 Ibid., p. 274. 117 LLOYD-JONES, D. M., O Supremo Propósito de Deus, p. 234–267. 110

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para com os crentes. Nessa primeira parte, quanto a aplicação do termo, ele mostra qual o significado de estar selado: Obviamente deve significar para nós o que significou para o Senhor. Significa que podemos ser autenticados, que pode ser estabelecido por sinais inteligíveis que realmente somos filhos de Deus, herdeiros de Deus e coerdeiros com o nosso bendito Senhor e Salvador Jesus Cristo. 118

Jones segue tratando o assunto com o propósito de estabelecer quando, exatamente, ocorre essa selagem na vida do crente e quais as implicações disso, também, no que toca a segurança e certeza do crente. Diante disso Jones lança a pergunta: “este selo do espírito Santo é uma experiência distinta e separada na vida cristã, ou é algo que acontece inevitavelmente com todos os cristãos, de maneira que não se pode crer sem este selo?”119 Jones destaca que a posição mais aceita é a segunda, ou seja, que acontece imediatamente e não se pode crer sem este selo. Mas, Jones declara que não defende essa posição. Ele fundamenta sua posição no ensino dos puritanos do século dezessete, no ensino de Thomas Goodwin e seu contemporâneo John Owen, bem como no ensino de Charles Simeon e Charles Hodge, que “traçam aguda distinção entre crer (ato de fé) e a selagem com o Espírito Santo”.120 Quanto a esse ensino ele diz: Eles asseveram que as Escrituras ensinam que, conquanto seja verdade que ninguém pode crer sem a influência do Espírito Santo, não obstante, não é a mesma coisa que ser selado com o Espírito, e que o ser selado com Espírito nem sempre acontece imediatamente quando a pessoa crê. 121

Jones fundamenta sua argumentação em passagens como: João 14; 16; 20.20; At 1.4,5; At 2; At 8.2,12,16; At 9; At 15; At 19.2,4-5,6; Ef 1.13. Nessas passagens, ele mostra várias experiências onde pessoas que já eram crentes receberam posteriormente o selo do Espírito Santo.122 Quanto as implicações de estar selado com o Espírito Santo, Jones começa estabelecendo que o crente é selado com o Espírito Santo da promessa (Is 40; Ez 37 e 38; Jl 2; Lc 3.16-17; Jo 7.37-39; 14; 15;16; At 1.4-8; 2.33; Gl 3.14) – Jones mostra que todas estas passagens apontam para a intenção do apóstolo acerca do Espírito Santo da Promessa.123 Jones esclarece que isso não quer dizer que o Espírito Santo não estava nos santos antes de pentecostes, pelo contrário, ele esclarece que o Espírito Santo estava

118

Ibid., p. 239. Ibid. 120 Ibid., p. 239–240. 121 Ibid., p. 240. 122 Ibid., p. 240–244. 123 Ibid., p. 246–248. 119

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em todos os santos do Antigo Testamento, e, com isso, declara que: “Nenhum homem pode estar no reino de Deus a não ser que seja filho de Deus; e não pode ser filho de Deus sem o Espírito”.124 Entretanto, Jones volta-se para o fato de que o Espírito Santo da Promessa ainda não havia sido derramado, da forma que havia sido prometido, antes de Pentecostes, onde essa promessa é cumprida. De forma mais direta, Jones passa a mostrar as implicações na vida do crente. Ele começa mostrando o que o selo do Espírito não é: primeiro ele estabelece que o Selo do Espírito não é regeneração;125 em seguida ele mostra que o selo do espírito não é uma unção;126 esclarece também que não é santificação;127 em seguida mostra que o selo do Espírito não é um fruto do Espírito;128 bem como estabelece que não é a certeza da salvação resultante de fé na Palavra, bem como de argumentos extraídos dela;129 também esclarece que não é plenitude do Espírito.130 No que toca a certeza da salvação, como é o foco dessa pesquisa, é importante notar que Jones destaca os meios de obtenção da certeza – promessas e silogismo – mostrando que os dois dão forte base para a segurança; depois ele sugere que o selo do Espírito está muito acima do que tem sido considerado até esse ponto. Ele diz que o selo do Espírito [...] é uma forma de certeza mais forte e mais elevada. Inclui as bênçãos mencionadas, mas vai além delas. É o Espírito em nós que nos capacita a fazer o que já descrevi; no entanto, o selo do Espírito é algo adicional a isso, e é algo que nos é feito pelo Espírito”.131

A. A. Hodge, opta, a semelhança dos reformadores, por uma abordagem mais ampla acerca da ação do Espírito Santo. Isso fica evidente em seu comentário nessa seção da Confissão, onde ele diz que: O Espírito Santo é o autor direto da fé em todos os seus graus, tanto quanto do amor e da esperança. Plena certeza, portanto – que é a plenitude da esperança descansando sobre a plenitude de fé – é um estado mental que é a função do Espírito Santo a induzir nossa mente em conexão ao caráter supra declarado. Seja qual for a forma, ou ele opere em nós o querer e o realizar, segundo o seu beneplácito (Fp 2.13), ou derrame o amor de Deus em nossos corações (Rm 5.5), ou nos gere novamente para uma viva esperança (1Pe 1.3), é assim que ele dá início à graça de perfeita segurança – não com um sentido cego e

124

Ibid., p. 249. Ibid., p. 250. 126 Ibid. 127 Ibid., p. 250–251. 128 Ibid., p. 251. 129 Ibid., p. 252. 130 Ibid., p. 253. 131 Ibid., p. 252. 125

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fortuito, mas com uma conclusão legítima indubitável de evidência para um determinado fim.132

Herminsten Maia, expressando o pensamento da maioria dos reformados contemporâneos, diz que: Todos os que creem em Cristo como seu Senhor e Salvador pessoal recebem definitivamente o Espírito Santo, o ‘Santo Espírito da Promessa’, sendo selados para o dia do juízo. A fé é selada pelo Espírito. Ele, que fora prometido pelo Pai e pelo Filho, e agora habita em nós, sendo o agente do cumprimento das promessas (Ef 1.13; At 1.4-5; 2.33) e parte do cumprimento daquilo que Jesus Cristo prometeu (Jo 14.26; 16.7).133

De maneira geral, quanto as bases da segurança, o grande ponto dá ênfase dos puritanos é que a segurança não é obtida unicamente pela confiança nas promessas, ou nas evidências interiores, ou no testemunho do Espírito Santos.134 Trata-se, portanto, de uma ação em conjunto, ou seja, todas essas bases trabalhando em conjunto para conferir saldável segurança ao crente. 3.3.3 Seção 3: O cultivo da segurança Na terceira seção desse capítulo encontram-se as seguintes asseverações: III. Esta segurança infalível não pertence de tal modo à essência da fé, que um verdadeiro crente, antes de possuí-la, não tenha de esperar muito e lutar com muitas dificuldades; contudo, sendo pelo Espírito habilitado a conhecer as coisas que lhe são livremente dadas por Deus, ele pode alcançá-la sem revelação extraordinária, no devido uso dos meios ordinários. É, pois, dever de cada crente fazer toda a diligência para tornar certas a sua vocação e eleição, a fim de que, por esse modo, seja o seu coração, no Espírito Santo, confirmado em paz e deleite, em amor e gratidão para com Deus, em firmeza e alegria nos deveres da obediência, que são os frutos próprios desta segurança. Este privilégio está, pois, muito longe de predispor os homens à negligência.135

Essa seção apresenta uma das questões que foram motivo de grandes debates quanto a Confissão de Fé ser ou não ser um documento calvinista. Nessa seção fica claro a urgência pastoral dos puritanos em esclarecer pontos importantes e fundamentar devidamente a questão da segurança. Não só isso, mas também se vê nessa seção, a ênfase puritana em conduzir o crente na busca pela verdadeira certeza e gozar dos seus frutos em sua vida.

132

HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 328. COSTA, Herminsten M. P. da, O Deus bendito. 1. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 114. 134 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 197. 135 Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1795. 133

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3.3.3.1 A segurança não pertence à essência da fé Como supracitado, esse ponto é um dos pontos de tenção entre a doutrina dos reformadores que por muito tempo trataram a segurança como parte da essência da fé. Lloyd-Jones, analisando a posição de Lutero e dos reformadores protestantes, quanto a matéria, diz que o Diabo usa de estratagema para tentar conduzir o crente de um extremo a outro, e nesse caso, tenta persuadir o crente a pensar que “não se pode ser cristão se não se tem segurança da salvação”.136 Ele ressalta que Lutero, como já fora destacado no capítulo anterior, ensinava que “não se pode ter fé sem segurança da salvação, que verdadeiramente não se pode ver tal doutrina e crer nela sem automaticamente regozijarse nela e ter absoluta certeza dela”.137 Jones, por sua vez propõe uma refutação ao pensamento dos reformadores protestantes com base em 1Jo 5.13, mostrando, por fim, que “é possível uma pessoa ser verdadeiramente crente, e, todavia, por diversas razões, não ter segurança da salvação”.138 Antes mesmo de Calvino, Bullinger, segundo mostra Beeke, entende a segurança como parte essencial da fé.139 Na teologia de Calvino esse entrelaçamento entre segurança e fé salvadora, à ponto de haver essa relação de essência, também fica evidente. Como já mostrado, vê-se na conclusão de Calvino: “se alguém crê, mas não tem convicção de que é salvo por Deus, esse não é um crente verdadeiro”.140 Fica claro que para Calvino, assim como para a maioria dos reformadores, a segurança é parte integrante da fé. Embora possa ser visto na teologia de Calvino esse posicionamento, de certo ponto, extremista, vê-se que ele não desconsidera totalmente a condição do duvidoso, uma vez que ele cria categorias para incluir o duvidoso em categorias de diferentes graus de fé.141 Turretini, já apresenta um pensamento mais alinhado com o dos puritanos e com relação a proposição da Confissão. Ele apresenta sua posição dizendo que: Ainda que essa certeza seja necessária para a consolação dos crentes, quanto à veracidade da fé propriamente dita, não há necessidade de seu ato explícito a todo momento, nem se deve dizer que está sem fé quem ainda não está confirmado nessa certeza.142

136

LLOYD-JONES, O Combate Cristão, p. 211. Ibid., p. 212. 138 Ibid. 139 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 56. 140 Ibid., p. 64. 141 Ibid., p. 67–68. 142 TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 486. 137

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A seguinte fala de Turretini expressa bem essa ideia: “Nossa segurança não consiste no afeto de nossa disposição, mas no efeito infalível da graça divina”.143 A grande preocupação pastoral dos puritanos fez com que, praticamente um século depois, essa proposição surgisse para trazer paz aos mais fracos, apontando para a segurança como sendo fruto da fé salvadora invés de essência da fé salvadora, embora a segurança seja, organicamente, parte da fé.144 Brooks declara abertamente que “a certeza não pertence à essência do cristão”.145 Em seguida, ele coloca em termos bem práticos essa ênfase pastoral dos puritanos com respeito a essa matéria, dizendo: “É necessário para o bene esse (o bem-estar), o conforto e a alegria do cristão – não é indispensável para que alguém seja cristã. Um homem pode ser um verdadeiro crente, e toda via, daria o mundo inteiro, se pudesse, para saber que realmente é crente”.146 John Owen também concorda com essa proposição. Como demonstrado por Beeke, para ele aqueles que veem “a segurança da salvação e os seus fenômenos acompanhantes de alegria e de gloriar-se no Senhor, como a essência da fé, resultaria em engano”147. J. C. Ryle, também sustenta essa verdade dizendo: “Uma pessoa pode ser possuidora da fé salvadora, e, no entanto, nunca usufruir de uma firma esperança”.148 Ryle destaca em seu ensino sobre essa matéria, que é muito importante deixar estabelecida essa distinção entre fé e segurança.149 Ele enfaticamente declara: Defendo a ideia, repito, de que a simples fé em Cristo é suficiente para salvar um homem, embora ele talvez nunca venha a obter o senso de segurança; não defendo que isso será suficiente para conduzi-lo no caminho para céu com fortes e abundantes consolações.150

Lloyd-Jones também assevera essa verdade com grande ênfase em sua teologia, considerando estratagema do Diabo fazer com que o crente pense que sem certeza ele não pode ser um cristão verdadeiro.151 Berkhof desenvolve bem essa matéria demonstrando as visões diferentes quanto ao assunto. Ele começa mostrando a distinção que há entre a segurança objetiva e

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Ibid., p. 484. BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 156–157. 145 BROOKS, Céu na terra, p. 20. 146 Ibid. 147 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 254. 148 RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 152. 149 Ibid., p. 154. 150 Ibid. 151 LLOYD-JONES, O Combate Cristão, p. 211. 144

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subjetiva, estabelecendo que a certeza objetiva da fé é parte integrante da essência da fé, enquanto que a certeza subjetiva, ou segurança da graça e da salvação, não é da essência da fé. Em seguida Berkhof destaca o pensamento dos reformadores que tinha a segurança e certeza como um elemento mais importante da essência da fé, tomando o cuidado de fazer a ressalva de que eles também admitiam graus diferentes de fé, que por sua vez poderia levar a pessoa a sofrer grandemente com dúvidas quanto a sua salvação. Berkhof mostra também a variação de pensamento contido nos padrões confessionais, destacando que o Catecismo de Heidelberg admite a segurança como essência da fé; os Cânones de também comungam dessa posição, deixando a abertura para aqueles que tem dificuldades e sofrem com dúvidas; a Confissão de fé de Westminster, assevera que a segurança não é da essência da fé. Berkhof ainda mostra o posicionamento de três grupos que apresentam pensamentos divergentes, começando pelos antinomistas, que defendiam que a segurança é parte da essência da fé; seguido pelos nomistas pietistas que defendiam que esta não fazia parte da essência da fé; os metodistas também não defendem essa posição, tendo em vista que eles creem que os santos podem decair totalmente da graça, ou seja, perder a salvação. Por último, ele ressalta que entre os teólogos reformados, ainda há diferentes opiniões quanto a matéria.152 Um ponto importante a ser estabelecido aqui, quanto a ênfase dada pelos puritanos a essa matéria, é que, como declarado por A. A. Hodge, essa proposição está diretamente relacionada a segurança subjetiva, a qual confere ao crente uma certeza pessoal de que de fato ele está em Cristo, seus pecados foram perdoados e que ele está realmente salvo.153 Com isso a declaração de Beeke lança luz ao pensamento puritano ao dizer que: “Felizmente, a certeza da salvação não depende do crente... Pastoralmente, é crucial afirmar que a dúvida pode acompanhar até mesmo a fé justificadora”.154 3.3.3.2 O Tempo envolvido na obtenção da segurança e certeza A Confissão de Fé, depois de estabelecer a questão da segurança em relação a essência da fé, estabelece que o fator tempo é algo variável e que alguns precisaram labutar bastante e enfrentar sofrimentos para obter esse precioso dom; daí passa a mostrar os meios pelos quais o crente pode obter essa consoladora segurança e certeza da salvação.

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BERKHOF, Louis, Teologia Sistemática, 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 467–468. HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 331. 154 BEEKE, A Busca da Plena Segurança: O Legado de Calvino e Seus Sucessores, p. 157. 153

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Calvino trata dessa questão mostrando que de fato muitos crentes precisam lutar para serem persuadidos daquilo que professam: “Ora, a incredulidade tão profunda e arraigadamente se nos apega ao coração e a tal ponto lhe somos propensos, que sem árduo embate cada um não se persuade daquilo que todos confessam com a boca: que Deus é fiel”.155 Outra demonstração na teologia de Calvino está no seu desenvolvimento acerca da fé crescente, onde ele ensina que a fé cresce em contínuo vigor e certeza: Quando inicialmente é instilada em nossa mente, mesmo que seja apenas uma gota mínima de fé, começamos então a contemplar a face de Deus, plácida, serena e propícia para conosco. É verdade que isto à distância; contudo, com visão de tal modo segura, saibamos que de maneira alguma estamos sofrendo de alucinação. Além disso, quanto mais avançamos – uma vez que nos importa avançar continuamente –, atendendo a um progresso de antemão estabelecido, mais nos vamos aproximando da visão dele; e já um tanto mais segura, e até pela própria continuidade, mais familiar ele se nos torna.156

Turretin, falando acerca desse desenvolvimento, onde pode-se aferir a ideia de tempo, vai mostrar esse estado de ondulação sofrido pelo crente em decorrência do seu amadurecimento apontando para o uso dos meios de graça como meios para desenvolver essa experiência e manter-se em crescente estado de santificação. Assim diz ele: Mas não é assim com a certeza que o crente tem sobre a remissão de seus pecados. Isto não é imediatamente revelado na Palavra, mas provém da experiência interior e do senso do coração. Depende de nós e às vezes pode ser duvidoso e incerto, não menos que o princípio sobre o qual ela repousa. Daí ser falso que o verdadeiro crente por certo tempo pode e deve estar certo da remissão de seus pecados, mesmo quando esteja em pecado e se entregue às luxúrias da carne, porque (como já dissemos) a certeza não é outorgada sem o uso de meios.157

A ênfase puritana não contraria o que inicialmente é visto na teologia dos reformadores. Vê-se nos escritos dos puritanos essa preocupação de mostrar que o caminho à segurança é um caminho árduo e calamitoso, mas também, gratificante e frutifico. Nota-se nos escritos de Thomas Watson essa preocupação pastoral em direcionar as ovelhas para que pacientemente aguardem por esse precioso dom. Assim ele mostra a necessidade de esperar pacientemente (Jr 13.27), pois a certeza é “doce e preciosa” (Jr

155

CALVINO, As Institutas, p. 39. Ibid., p. 42. 157 TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 753. 156

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18.4), e, montra ainda, que o crente deve esperar também, porque Deus prometeu a certeza aos seus filhos (Is 49.23).158 Thomas Brooks, dedica-se a mostrar os principais motivos porque Deus priva, ou nega por algum tempo, a certeza a alguns crentes.159 Quanto a esses motivos ele destaca que: Deus nega, por algum tempo, a certeza para o exercício da graça neles, ou seja, para que seja exercitado o amor, esperança, paciência, etc.; Deus também nega, por algum tempo, a certeza para os manter nos exercícios religiosos; para convencimento da magnitude e maledicência de seus pecados, para que ele se afaste cada vez mais deles; para que essa segurança tão almejada seja fruto de motivações corretas, ou seja, mais direcionada à glória de Deus do que a si mesmo; para que quanto a segurança for recebida, seja devidamente apreciada, guardada, aperfeiçoada; para que o crente se mantenha em caráter de humilhação, pois a falta de certeza tende a humilhar e dobrar a alma do crente orgulhoso; para mantê-los firmados em Cristo e para que Ele seja tudo em suas vidas.160 Aqui também é possível identificar o cuidado na teologia dos puritanos em esclarecer para os crentes que essa jornada rumo a segurança não é fácil, mas é altamente gratificante, podendo não ser rápida, pelo contrário, podendo durar até o último dia da vida de alguns crentes. 3.3.3.3 O crente tem o dever de buscar a verdadeira segurança Esse imperativo está presente na teologia dos reformadores. Em Calvino vê-se implicitamente essa ênfase, diante de tudo que já fora mostrado, uma vez que se entende que para Calvino e a maioria dos reformadores a segurança é parte da essência da fé, então é imperativo para o crente buscar e evidenciar essa segurança e certeza em sua vida. Com relação a esse ponto, Turretine, demonstra que existe uma grande necessidade de cada crente atentar para essa questão tão importante. Diante das diversas situações em que o crente pode se encontrar, por causa de diversos motivos, principalmente situações de pecado, o crente que se vê nessa situação deve, não só busca, mas implorar a Deus por plena segurança. Quanto a isso ele declara: Caso algumas vezes ele (o crente) fique sem esse senso dela, não deve considerar-se pertencente ao rol dos réprobos e nutrir dúvidas sobre a

158

WATSON, A fé cristã, p. 296. BROOKS, Céu na terra, p. 41–47. 160 Ibid. 159

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misericórdia divina. Antes, deve buscá-la e implorar por ela com o máximo ardor junto a Deus, e (de sua parte) é obrigado a usar todos os esforços com o fim de estimulá-la e enraizá-la mais e mais fundo em seu coração pela prática da fé e das boas obras.161

Não diferente dos reformadores, os puritanos apresentavam a necessidade de buscar a segurança e certeza da salvação. Não só isso, mas também, incentivavam suas ovelhas nessa busca, apontando o caminho por onde elas deveriam seguir nessa jornada para uma vida de mais e mais consolação no Senhor. Anthony Burgess, assevera que o crente pode possuir a segurança, e deve buscar obtê-la, embora haja severa acusação por parte dos papistas, ou seja, dos grandes opositores à doutrina.162 Outro puritano que se empenha na tarefa de impulsionar as suas ovelhas nessa busca é Thomas Watson. Watson, além de incentivar o crente a buscar a segurança e certeza da salvação, assevera que essa busca deve ser árdua. Quanto a isso ele diz: “Lute para obter a certeza”.163 Sendo assim, ele vai direcionar o crente a aferir algumas questões cruciais, a saber: se tem a verdadeira obra da graça em sua vida; se de fato tem grandes sentimentos por Cristo; se tem a presença do Espírito Santo em sua vida.164 Thomas Watson, afim de direcionar o crente nessa luta pela obtenção da certeza, vai mostrar algumas coisas que o crente deve buscar fazer nessa caminhada: primeiramente o crente deve manter sua consciência pura (Hb 10.22); Em segundo lugar o crente precisa se exercitar na piedade (1Tm 4.7); o crente precisa alegrar-se no Espírito do Senhor, pois “o Espírito é o consolador que sela a certeza” (Sl 51.11; 2Co 1.22); precisa também, fazer correto uso dos meios de graça, pois “o sacramento é uma ordenança seladora”.165 Brooks, de igual modo, não deixa de trazer à tona o imperativo para que os crentes busquem a segurança e certeza da salvação. Para isso ele aponta o texto de 1Pe 1.10, para dizer que o Espírito Santo exorta os crentes por meio dessa passagem. Ele assevera essa verdade dizendo: “É especialmente necessário; é de importância interna e eterna fazer firme e segura diligência por sua alma, irmão”.166 Brooks ainda instiga os crentes a 161

TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 486. BURGESS, Spiritual refining, p. 17. 163 WATSON, A fé cristã, p. 295. 164 Ibid. 165 Ibid., p. 297–298. 166 BROOKS, Céu na terra, p. 30. 162

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buscarem a certeza uma vez que Deus assim promete em sua Palavra.167 Com isso ele defende que “é propósito das Escrituras ajudar os crentes a obter a certeza”.168 Assim ele assevera essa verdade dizendo ainda que: “É propósito da Escritura em geral levar as almas, primeiro, a um conhecimento de Cristo, depois, a aceitarem a Cristo, e depois, a edificarem em uma serena certeza do seu real interesse por Cristo”.169 Ele mostra inda as fontes para obtenção dessa certeza, destacando com isso que todos os crentes podem obter a certeza. Quanto a isso, ele ensina que a fé cristã é uma das fontes da certeza, seguida pela esperança, a boa consciência e o verdadeiro amor aos santos.170 Depois de mostrar as fontes ele também mostra os meios, destacando textos chave como: 2Pe 1.5; 1Co 11.28; 2Co 13.5.171 Brooks não deixa de apontar para o sacramento da Ceia do Senhor um instrumento para conduzir o crente a fortalecer a certeza. Nesse sentido ele diz: “O principal fim para o qual Cristo instituiu a ordenança da Ceia foi que a mesma torne os crentes certos e seguros do Seu amor, e ponha neles o selo do perdão dos seus pecados, da aceitação divina de suas pessoas e da salvação de suas almas (Mt 26.27-28)”.172 Lloyd-Jones, não só assevera que é possível ser cristão sem ter certeza da salvação, mas juntamente com essa asseveração, ele declara positivamente o dever de o cristão buscar nutrir essa gloriosa certeza: Você pode ser cristão sem segurança de salvação, mas deve tê-la, e não deve dar-se por satisfeito enquanto não a tiver. Você dar-se conta de que é um cristão muito defeituoso sem ela, defeituoso do ponto de vista de sua experiência pessoal e mais defeituoso ainda do ponto de vista do seu testemunho. 173

Jones, apresenta ainda forte ênfase nesse ponto em seu comentário da segunda Epístola de Pedro, capítulo 1, versículo 10. Nesse comentário ele declara: “Bem, que exortação é essa? É que eu e você estejamos certos de nossa salvação”174. Jones assevera que aqui Pedro está exortando os cristãos a terem plena certeza. Jones aponta também para 1Jo 5.13, onde o apóstolo declara “Estas coisas vos escrevi, para que saibais que tendes a vida eterna”.175 Ele ainda aponta, acertadamente e concordemente com o ensino

167

Ibid., p. 25. Ibid., p. 22. 169 Ibid. 170 Ibid., p. 26–30. 171 Ibid., p. 32. 172 Ibid., p. 33. 173 LLOYD-JONES, O Combate Cristão, p. 213. 174 LLOYD-JONES, 2 Pedro Sermões Expositivos, p. 51. 175 Ibid. 168

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dos puritanos, que o crente deve buscar a certeza porque o próprio Deus oferece essa certeza aos seus filhos, ou seja não é uma invenção do homem. Jones diz ainda: “Podemos argumentar com muita facilidade no sentido de que o objetivo de cada particular epístola do Novo Testamento é dar certeza e às pessoas, dar-lhes o conhecimento dessa segurança”.176 Ryle, acerca dessa matéria, dedica-se a mostrar a grande importância desse ponto. Em concordância com a ênfase dos puritanos ele também declara sua urgência em conduzir o crente no dever de buscar a plena segurança: De todo coração desejo que a segurança seja buscada pelos crentes, muito mais do que tem sido. Um grande número daqueles que creem começa a duvidar e continuará duvidado, viverá e morrerá na dúvida, e assim irá para o céu como que em meio a uma névoa.177

A. A. Hodge, em consonância com esse pensamento, mostra que alcançar a segurança e certeza é tanto um dever quanto uma graça para a vida dos crentes. Com isso ele completa que: “Tudo aquilo referente a ela (segurança) deve ser diligentemente buscado, e tudo aquilo que a obstrui deve ser cuidadosamente evitado”.178 De forma esplêndida a ênfase dos puritanos nessa proposição é de grande valia para o povo de Deus, uma vez que esclarece a importância de se buscar e empenhar-se diligentemente nesse propósito para glória de Deus. E não só isso, percebe-se nessa ênfase uma grande urgência para que esse ponto seja aplicado na vida do crente. 3.3.3.4 Os frutos próprio da segurança Dentro desse ponto, como já mostrado anteriormente, vê-se na teologia dos reformadores que há uma agenda para tratar essa matéria. Os reformadores, mais precisamente e enfaticamente em Beza e Perkins, faziam sobejo uso dos silogismos para mostrar por meio da resposta, ou frutos visíveis na vida dos crentes, que os mesmos estavam apontando para uma subjetiva certeza. Nesse sentido, há também uma forte demonstração e cuidado pastoral, por parte dos puritanos, de que a certeza do crente seja evidenciada por meio de frutos. Isso fica bem evidente na obra de Thomas Watson. Ele mostra alguns frutos ou evidências que acompanham de perto aqueles que tem a plena segurança e certeza em suas vidas. Diante

176

Ibid., p. 55. RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 156. 178 HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 332. 177

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disso, Watson, destaca os seguintes frutos que a segurança e certeza vão gerar na vida do crente: Primeiro, a certeza nos fará amar a Deus e louvá-lo... Segundo, a certeza contagiará todas as demais alegrias da criatura... Terceiro, certeza nos fará ativos e vivos no serviço a Deus; estimulará nossa oração e aguçará nossa obediência contagiante alegria e certeza... Quarto, a certeza será um escudo dourado para vencer a tentação e ajudará a triunfar sobre ela... Quinto, a certeza nos fará contentes, embora tenhamos pouca coisa no mundo. Aquele que tem o suficiente está contente... Sexto, a segurança apoiará o coração nos sofrimentos, fará o cristão suportar problemas com paciência e com alegria... Sétimo, a segurança trará paz a uma consciência agitada... Oitavo, a segurança nos fortalecerá contra os medos da morte...179

Sendo assim, na perspectiva de Watson, o crente seguro deve andar da seguinte maneira: primeiramente ele deve buscar não desprezar essa certeza vivendo em pecados e descuidado das suas obrigações; ele deve ser extremamente grato a Deus e admirar sua misericórdia dispensada em sua vida; deve admirar o amor de Deus em sua vida; deve também desenvolver essa certeza a cada dia fazendo com que ela aumente mais e mais, e isso, para glória de Deus, de maneira que possa encorajar outros, ajudar outros a aumentar o consolo em suas vidas e ainda andar de maneira celestial; além disso, ele deve desejar um estado glorifica e cuidar em cultivar essa segurança e certeza da salvação para que não a perca.180 Thomas Brooks, também apresenta alguns frutos que são evidenciados na vida daqueles que nutrem plena segurança e certeza da salvação. Ele começa sua empolgante lista dizendo que a segurança produz “o céu na terra”, ou seja, “a segurança espiritual fará o céu descer a seus corações”.181 Em seguida, ele mostra que a segurança espiritual abranda as mudanças que ocorrem nesta vida (2Co 4.16-18). E, quanto a isso ele declara: “Enquanto o homem viver consciente e seguro do amor de Deus derramado em seu coração, nenhuma mudança externa ou circunstancial poderá causar considerável mudança em sua vida”.182 Outras vantagem cita por Brooks é que essa segurança freia o desejo do homem pelas coisas deste mundo; ajuda na comunhão com Deus; impede que o crente se desvie; produz santa ousadia; prepara o crente para a morte; dá às misericórdias o sabor de misericórdias; dá vigor ao crente no serviço cristão; e por fim, conduz a alma do crente ao gozo de Cristo.183

179

WATSON, A fé cristã, p. 291–295. Ibid., p. 298–300. 181 BROOKS, Céu na terra, p. 167. 182 Ibid. 183 Ibid., p. 168–175. 180

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Lloyd-Jones, enfatiza que a certeza na vida do crente gera alguns desejáveis frutos. Primeiramente ele mostra que a certeza gera regozijo. Diante disso, ele declara que: “se não temos certeza, não podemos nos regozijar-nos, de modo que a obra de Deus em nós, pela graça, está incompleta, a não ser que tenhamos certeza”.184 Em segundo lugar, ele mostra que a certeza faz com que o crente se torne uma melhor testemunha de Cristo.185 Ryle também vai apresentar importantes benefícios e frutos da segurança na vida do crente, sendo os principais deles: a capacidade de suportar pobreza e prejuízos sofridos olhando para as riquezas no céu (Ha 3.17-18); sustento em meio as piores calamidades (2Rs 4.26; Hb 13.8; Rm 6.9; 2Sm 23.5); capacidade de louvar ao Senhor e mostrar-lhe gratidão nas adversidades (Jó 35.10; Sl 42.8); capacidade de dormir em paz, mesmo que esteja esperando a morte (Sl 4.8); capacita o homem a rejubilar-se ao ter de sofrer afrontas por amor a Cristo (At 5.41); também, capacita o homem a enfrentar a morte (At 7.59); dá forças ao crente em seu leito de morte (2Co 5.1; Fp 1.23; Sl 73.26). Além disso tudo, faz com que o crente se torne consolado, atuante, resoluto e cada vez mais santo em Cristo.186 A. A. Hodge também vai apontar alguns frutos decorrentes da genuína certeza na vida do crente. Assim ele declara: “paz e alegria permanentes, amor e gratidão a Deus; e estes à luz das próprias leis de nosso ser, a um maior ânimo, energia e alegria na prática da obediência em cada departamento do dever”.187 Diante dessas sobejas declarações, vê-se a importância da ênfase pastoral dos puritanos nessa seção. O cultivo da segurança envolve o desejo diligente do crente, o trabalho árduo, embora possa, em alguns casos, ser demorada para ser obtida, é altamente gratificante. Mesmo não sendo essencial à salvação, os puritanos vão mostrar o quanto a segurança e certeza da salvação é fundamental para a consolação do crente, conduzindoo a uma vida frutífera e desejosa por estar cada vez mais próximo de Cristo. 3.3.4 Seção 4: A segurança perdida e renovada Na quarta e última seção desse capítulo lê-se: IV. Por diversos modos, os crentes podem ter a sua segurança de salvação abalada, diminuída e interrompida – negligenciando a conservação dela, caindo em algum pecado especial que fira a consciência e entristeça o Espírito Santo, cedendo a fortes e repentinas tentações, retirando Deus a luz do seu rosto e permitindo que andem em trevas e não tenham luz mesmo os que 184

LLOYD-JONES, 2 Pedro Sermões Expositivos, p. 56. Ibid., p. 56–57. 186 RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 156–163. 187 HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 333. 185

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temem; contudo, eles nunca ficam inteiramente privados daquela semente de Deus e da vida da fé, daquele amor a Cristo e aos irmãos, daquela sinceridade de coração e consciência do dever; dessas bênçãos, a certeza de salvação poderá, no tempo próprio, ser restaurada pela operação do Espírito, e por meio delas eles são, no entanto, suportados para não caírem no desespero absoluto.188

Nessa seção, mais um ponto importante é tratado e devidamente esclarecido de maneira pastoral pelos puritanos. A questão da perda da certeza é algo que facilmente pode ser confundido com a errada ideia proposta pelos remonstrantes de que é possível um crente verdadeiro perder a salvação, o que foi devidamente combatido pelo Sínodo de Dort, como já demonstrado nesta pesquisa. O que se tem aqui é essa asseveração por parte dos puritanos trazendo nesse documento esse ensino com clareza, intencionando o consolo e fortalecimento dos verdadeiros crentes. 3.3.4.1 A segurança pode ser abalada, diminuída e interrompida Como já mostrado anteriormente, a teologia dos reformadores mostrou-se dura em referência a este ponto. Isso causou acusações a Calvino e gerou tenção com algumas proposições esse capítulo da Confissão. O ponto é que mesmo apresentando certa dureza, Calvino admite que de fato a segurança da fé no crente pode ser abalada. Ele demonstra o misto de sentimentos que inundam o coração de crente, os altos e baixos sofridos pelo crente em sua jornada. Calvino admite esses abalos por conta de uma fé fraca. Assim ele declara em seus escritos: Ora, o coração piedoso sente em si tal distinção, uma vez que, em parte, é inundado de dulçor ante o reconhecimento da bondade divina; em parte é sufocado pelo amargor ante o senso de sua calamidade; em parte, reclina-se na promessa do evangelho; em parte, se inflama pelo testemunho de sua iniquidade; em parte, exulta com a expectação da vida; em parte, se apavora com a morte. Variação esta que decorre da imperfeição da fé, uma vez que no curso da presente vida nunca as coisas vão tão bem conosco que, curados de todo ataque de desconfiança, somos plenamente plenificados e possuídos de fé. Daqui esses conflitos: quando a desconfiança que se apega aos remanescentes da carne se insurge para atacar a fé que foi interiormente concebida.189

Turretini, em total consonância com Calvino e com a Confissão de Fé de Westminster, assume essa possibilidade de que o crente passe por momentos de resvalar os pés na caminhada. Esse resvalar os pés, por sua vez, conduz o homem a um estado de

188 189

Bíblia de Estudo de Genebra, p. 1795. CALVINO, As Institutas, p. 43.

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abalo da segurança e certeza. Sendo assim ele diz: “[...] (é) possível que o senso do amor divino por algum tempo se entorpeça e seja suprimido nos filhos de Deus”.190 Thomas Brooks demonstra com clareza essa ênfase pastoral da teologia puritana, expressando que a possibilidade de abalo, diminuição e perda, são totalmente reais. É importante notar que esse ponto Ele diz: “As almas seletas que têm a certeza da fé cristã podem perdê-la”.191 Brooks mostra ainda que todos os crentes então sujeitos a isto, até mesmo os melhores crentes. Alguns motivos são elencados por ele, dentre os quais os principais deles são: dúvidas e temores.192 Ryle também destaca esse ponto dizendo que o crente não deve “sentir-se surpreendido se for assaltado por dúvidas ocasionais, mesmo após haver obtido a segurança da salvação”.193 Ryle traz à lembrança que, até mesmo “o crente mais animado”, pode perder a segurança da salvação, se não tomar os devidos cuidas.194 A. A. Hodge, também se coloca favorável a essa proposição. Ele declara que o crente pode cair em pecado e perder o exercício da plena segurança.195 Com isso, vê-se que a ênfase pastoral dos puritanos nesse ponto, começa por assumir a possibilidade de que um crente verdadeiro pode ter a sua segurança e certeza abaladas por diversas ocasiões que assaltam diretamente a fé dos crentes. Os puritanos, deixam bem clara essa possibilidade da perda da segurança, para, assim, direcionar o crente ao entendimento que que a negligencia ao que foi posto, quanto ao dever de buscar a segurança, é um passo para a insegurança e incerteza. Uma grande luz de alerta é acesa aqui para que o povo de Deus esteja em plena segurança, confiado e consolado pelo Senhor. 3.3.4.2 O crente não fica totalmente privado da semente de Deus É importante notar esse ponto, uma vez que, aquilo que é estabelecido aqui nessa proposição dos puritanos é algo que já estava bem estabelecido nos reformadores. O ponto central aqui é a grande ênfase consoladora que se mostra entrelaçada com a doutrina da perseverança. Apesar do que já foi mostrado quanto ao posicionamento firme e duro da

190

TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 484. BROOKS, Céu na terra, p. 60. 192 Ibid., p. 61. 193 RYLE, Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor, p. 172. 194 Ibid., p. 173. 195 HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 333. 191

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maioria dos reformadores, nota-se que essa situação se firma grandemente na providência e imutabilidade de Deus. Calvino, demonstra bem essa verdade entendendo que, por mais que seja abalado sua fé não é arrancada totalmente de seu coração. Quanto a isso ele afirma que: Jamais se pode arrancar a raiz da fé do coração piedoso; antes, cravada em seu mais íntimo recesso, aí adere, por mais que pareça inclinar-se sacudida para cá ou para lá: sua luz a tal ponto jamais se extingue ou se deixa sufocar, que não se deixa esconder nem mesmo debaixo de cinza; e, com este exemplo, se evidencia que a Palavra, que é uma semente incorruptível, produz fruto semelhante a si mesma, cujo gérmen nunca fenece nem de todo perece. E isto é tão certo, que os santos jamais encontram maior motivo e ocasião de desespero do que quando sentem, ao julgar pelos acontecimentos, que a mão de Deus se ergue para destruí-los.196

Percebe-se também esse entendimento nos escritos de Turretini. Ele demonstra essa possibilidade partindo do ponto que, por mais que o crente verdadeiro seja abalado e passe por angústias profundas, isso não o faz decair totalmente da fé. Ele assevera que chega um momento em que o crente é liberto totalmente dessa situação, e demonstra também o seu entendimento que há um estreito envolvendo com a perseverança do crente advinda da misericórdia e graça de Deus, em não deixar que o verdadeiro crente chegue a uma situação de degradação tal. Logo, diante dessa verdade, Turretini diz que: Embora seja possível que o senso do amor divino por algum tempo se entorpeça e seja suprimido nos filhos de Deus (quanto ao segundo ato, nos maus por falta ou castigo, de modo que sejam perturbados com várias dúvidas), jamais se abala quanto ao primeiro ato. Por fim, certamente se desvencilham daquelas tribulações pela graça de um Deus que elege e sustém, pelo que sucede que Deus restaura neles a alegria de sua salvação e tomam a regozijarse os ossos quebrados (SI 51.8,12). Visto que Deus é fiel, ele deveras deseja provar os crentes, porém não deseja que sejam vencidos. Ele tolera que resvalem, porém não permite que sejam destruídos. Se ele julga conveniente que, às vezes, sejam premidos, jamais deseja que sejam oprimidos, porém sustenta e soergue aqueles que resvalam (2Co 4.8,9).197

Ao considerar os escritos dos puritanos, observa-se que esse é um ponto que não deixa de ser trabalhando. Thomas Goodwin, discorrendo sobre esse ponto, também vai demonstrar em sua teologia, essa ênfase, declarando que: Embora o crente caia em severos pecados, como os maiores luzeiros têm o seu eclipse, ainda assim a certeza de fé não é totalmente perdida; porque, como a semente da fé permanece nele, como ainda não sacudidos (1Jo 3.9), o firme estabelecimento da fé permanece também inabalável (1Jo 2.1).198

196

CALVINO, As Institutas, p. 46. TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 484. 198 GOODWIN, Thomas, The Works of Thomas Goodwin, 1. ed. Carlisle, Pennsylvania: Banner of Truth, 1985, p. 396. 197

126

Vê-se nesse posicionamento de Goodwin, que a ênfase pastoral puritano ressalta essa verdade para trazer consolo a alma que anda sofrendo, assaltada por temores e tentações. Esse ponto é um perfeito desdobramento do que foi estabelecido no ponto que mostra que a segurança e certeza é parte integrante da essência da fé. Logo, é possível assumir que mesmo sem nutrir essa segurança, ainda assim a semente da fé salvífica permanece no crente, a tal ponto de ela sofrer amargamente por causa das dúvidas, mas não é totalmente abandonado por Deus, sendo, em tempo oportuno, reconduzido a um estado de graça e segurança. Esse é também um ponto pacífico entre os teólogos reformados que vieram posteriormente. Isso fica claro na declaração de A. A. Hodge, onde diz que essa segurança, mesmo em decorrência da queda em pecado, não é totalmente perdida e o crente não perde jamais o princípio do qual ela emana.199 3.3.4.3 A segurança pode ser renovada Tudo isso que vem sendo tratado até agora nessa última seção, vai conduzir a essa possibilidade que se vê nesse último ponto. Os puritanos vão encerrar essa seção, mostrando que a segurança pode ser restaurada. Nos reformadores, vê-se que há esse entendimento, e percebe-se que eles já defendiam esse ponto. Calvino demonstra esse entendimento ao declarar que: Aquele que, deveras, lutando com a fraqueza pessoal, em suas ansiedades porfia para com a fé, em larga medida já é vencedor. O que é lícito concluir desta citação e similares: “Espera no Senhor. Sê forte; ele te fortalecerá o coração. Espera no Senhor” [Sl 27.14]. Davi a si mesmo se acusa de desânimo e, repetindo o mesmo duas vezes, se confessa seguidamente sujeito a muitos sobressaltos. Entrementes, não apenas se desagrada a si próprio nessas falhas, mas aspira e se esforça em corrigi-las.200

Essa citação de Calvino, mostra mais uma vez, que esse processo de renovação da segurança, envolve um diligente trabalho por parte do crente. O coração do crente é movido por Deus a trabalhar diligentemente afim de reverter o dano causado pelo pecado e a negligência aos meios de graça, os quais, como já mostrado, são os principais motivos que corroboram para que o crente perca a segurança. Em consonância com o pensamento de Calvino, Turretine expressa um pensamento alinhado ao do reformador de Genebra. Mais uma vez percebe-se a forte

199 200

HODGE, Confissão de Fé de Westminster Comentada, p. 333–334. CALVINO, As Institutas, p. 42.

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ênfase no empenho diligente do crente em lutar para sair desse abismo que é a vida de insegurança por causa da fraqueza demonstrada por muitos crentes. Assim fica evidente nas seguintes palavras: Embora o senso da graça presente e da confiança futura possa, por algum tempo, adormecer nos filhos de Deus, contudo afirmamos que a alma crente certamente luta para sair daquele abismo de tentações baseada na graça de Deus que elege, redime, guarda e ressuscita (que lhe restaura a alegria de sua salvação e a faz afinal [mais lenta ou mais rapidamente] suscitar aquele senso para sua consolação).201

Fica evidente, portanto, que o pensamento puritano não se afasta daquilo que foi proposto pelos reformadores. O que há é uma ênfase acentuada nessas questões como se vê em seguida no pensamento de Thomas Brooks que, representando os demais, desenvolve tão bem essa verdade. Brooks, de maneira bem direta apresenta não só a raiz do problema, mas também a solução para o mesmo. Ele mostra, primeiramente, que não ter ou perder a esperança de se obter misericórdia é um dos principais motivos que trazem problemas a vida do crente. Para esse primeiro problema ele propões, à luz da Escritura, fazer com que o crente que está enfrentando tal situação olhe para a misericórdia de Deus dispensada na vida de tantos homens que cometeram pecados horrendos, assim como o rei Manassés, o qual Brooks se refere como sendo “um monstro, um demônio encarnado” – Manassés, mandou cerrar o profeta Isaías ao meio, abandonou Deus e praticou idolatria, ofereceu seus filhos aos deuses pagãos, fez com que sangue inocente fosse derramado em Jerusalém (2 Cr 33.1-15).202 Depois de citar outros exemplos de homens e mulheres que agiram sobejamente de modo ímpio e foram alvo da misericórdia, ele confronta o crente que está em tal situação para olhar para esses exemplos e ver que de igual modo a graça e misericórdia de Deus é estendida a ele. Quanto a isso ele diz: Levante a cabeça, ó pecador em desespero! Jesus Cristo é um indescritível dom da graça de Deus. Considerar Seu amor livre, ilimitado, insondável e infindável pode fornecer a você muitos motivos para admiração e consolação, mas nenhum para desespero”.203

201

TURRETINI, Compêndio de teologia apologética, p. 742. BROOKS, Céu na terra, p. 109–111. 203 Ibid., p. 113. 202

128

Depois de discorrer amplamente sobre o crente cujo a alma está em desespero, Brooks também apresenta outros empecilhos que, por sua vez, também são a causa de abalo, interrupção e da perda da segurança e certeza na vida do crente. Para cada uma delas Brooks apresenta a solução para renovação do coração desse crente.204 Ainda acerca dessa matéria, de maneira bastante consoladora, Hodge apoia essa afirmativa da confissão, dizendo que: “Através da bênção de Deus no diligente uso dos meios apropriados, ela (a segurança) pode ser fortalecida quando enfraquecida, e recobrada quando perdida”. Aqui nesse último ponto dessa seção, vem o consolo mais substancial para os crentes que enfrentam tais crises e tais sofrimentos, mostrando assim a graciosa possibilidade de renovação na vida daquele que é verdadeiro crente. Observa-se aqui que, esse recobrar da segurança, é algo que é fruto da ação do Espírito que move o crente a buscar, diligentemente, essa restauração. Vê-se também, que a ênfase dada pelos puritanos nessa seção final, revela a urgência pastoral em direcionar a alma daqueles crentes que sofrem assaltados por constantes dúvidas de que realmente são alvo da misericórdia de Deus e conduzi-los a um estado de consolo e segurança e certeza, para que eles possam gozar cada vez mais da graça de Deus em suas vidas e, como fruto dessa certeza restaurada, prestarem uma adoração sincera e cada vez mais graciosa a Deus.

3.4 Conclusão Esse último capítulo revela a consonância, em grande parte das proposições, entre o pensamento reformado e o pensamento puritano. Percebe-se como as ênfases pastorais dos puritanos, expostas no capítulo XVIII da Confissão de Fé de Westminster, expressam a urgência em ensinar e fortalecer os crentes, conduzindo-os a atentar paras as bases primarias e secundárias, e, assim, confiados no Senhor e na sua fidelidade, fiados em Cristo e auxiliados pelo Espírito, buscar diligentemente essa segurança e certeza. E ainda consolam os fracos na fé, os quais ainda não possuem essa certeza plena de salvação ou estão sendo constantemente abalados por pecados e tentações constantes, encorajando-os a correr pra Cristo, a Rocha eterna que dá total segurança aos Seus.

204

Conf. Ibid., p. 123–178.

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CONCLUSÃO John Bunyan, escritor prolífico, grande servo de Deus, exímio representante do puritanismo do século XVI, cuja obra perdura até hoje com grande impacto mundial, apresenta em sua jornada de vida tudo aquilo que muitos cristãos, se ainda não passaram, certamente passarão, no que toca a sua segurança e certeza da salvação. Como mostrado introdutoriamente, Bunyan, viveu altos e baixos na sua caminhada de peregrino, sofrendo até mesmo o cárcere por amor a Cristo e a Sua Palavra. Quando se olha para vida desse homem de Deus, sua jornada, suas lutas, seus temores, sua insegurança temporária, e, observa-se a guinada em sua vida depois da obtenção da plena segurança, vê-se o quão precioso é esse maravilhoso dom concedido por Deus aos seus eleitos que o buscam diligentemente. Olhar para Escritura e deparar-se com a história da redenção, a infinita misericórdia de Deus, Seus decretos, Sua providência, Suas promessas, Sua fidelidade, imutabilidade, bondade, infinito amor, e, ver essas promessas serem cumpridas ao longo do progresso da revelação, conduz o crente a um estado de plena segurança. Segurança objetiva, subjetiva, plena certeza de que tudo que foi prometido para cada crente individualmente, foi perfeitamente cumprido e conquistado por Cristo, e, de maneira maravilhosa, aplicado pelo Espírito Santo, o selo e penhor de Deus na vida de cada crente, conduzindo-o a um estado de grande consolo e segurança. Olhar para o modo como Deus conduziu a história e, na sua providência, preservou Sua semente e Seu povo, a igreja, conduz o crente a plena segurança. Mesmo em meio a perseguições, lutas e tormentos, o povo de Deus é vitorioso. E a garantia dessa vitória, dada por Deus, selada pela obra gloriosa de Cristo, conduz o crente à verdadeira segurança e certeza de salvação. Diante disso, essa pesquisa, que nasceu motivada pela observação de tão pouca ênfase nessa doutrina, a qual se mostra tão central na Escritura que, embora não seja essencial para salvação é tão essencial para consolação do crente. Tendo apresentado esse panorama bíblico-teológico, esse panorama histórico, credal e confessional, a pesquisa chama a atenção para a urgência e dedicação dos puritanos em trazer assa doutrina para o seu devido lugar, mostrando sua importância e a necessidade de ser ensinada e consolidada da mente e no coração de todo o povo de Deus.

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Falsas doutrinas têm invadido os púlpitos das igrejas, os gabinetes pastorais de aconselhamento, a psicologia tem tomado cada vez mais espaço, cada vez mais os crentes estão ansiosos, depressivos, apresentando apego as coisas desse mundo, inseguros quanto a salvação, insatisfeitos e desorientados. Essa é a agenda do Diabo, não é interesse dele que o povo de Deus esteja em plena segurança de sua salvação, pois, assim sendo, o povo de Deus fica fraco e vulnerável, tornando-se presas fáceis para o inimigo cirandar. O plano de Deus para o Seu povo é que cada crente seja conduzido nessa jornada em segurança e certeza de sua salvação. Deus ordenou em Sua Palavra que assim fosse, e não só isso, Ele prometeu a segurança ao Seu povo. É necessário que essa doutrina esteja presente no púlpito das igrejas de Cristo, que ela esteja sedimentada na vida dos pregadores, que ela esteja nos gabinetes pastorais, que ela direcione o crente, à luz da Escritura e na dependência do Espírito, em plena segurança, para que assim, o povo de Deus seja fortalecido e plenamente munido para a batalha. Afim de que o povo de Deus possa gozar dos frutos dessa certeza e viver o céu na terra, em quanto aguarda o grande Dia do Senhor. Os puritanos entenderam isso, e por esse motivo, essa doutrina foi enfatizada na Confissão de Fé de Westminster e nos escritos de tantos homens piedosos, e é por isso que tantos homens piedosos derramaram seu sangue por amor a Cristo com um sorriso na face, louvando e exaltando a Deus certos de que seriam recebidos em Seus braços. É preciso resgatar esse ensino na igreja contemporânea, essa confiança plena nas promessas de Deus, na aplicação interna da obra de Cristo e no testemunho do Espírito Santo, para conduzir os crentes em firmeza e total consolo, mesmo que, por um momento ou outro, essa segurança possa vacilar, mas certamente ela será renovada e, de novo, esse crente se regozijará grandemente na segurança e certeza de sua salvação. Só a Deus a Glória.

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