A senhora do cirio de prata grande e a sua berlinda

EstóriasdanossaHistória Ricardo Charters dAzevedo

~A Senhora do Círio da Prata Grande e a sua berlinda I Nas comemorações

em 1874-1875, em Mafra, do Círio da Prata Grande, igualmente chamado Círio dos Saloios por contraponto com outro que se realizava em Lisboa, o juiz honorário era o rei D. Luís, representado pelo pai de Tomás de Mello Breyner, 40 Conde de Mafra. É deste último uma das melhores descrições que se conhece sobre estas festividades: "Em agosto de 1875 festejou-se com grande pompa Nossa ,., Senhora da Nazareth, na vila de Mafra [... ]. Num domingo fez-se a festa dos velhos também chamada dos casados e foi juiz el-Rei D. Luiz representado por meu Pai, que requisitou a banda de caçadores 5 por ser este o ultimo regimento por ele comandado e que tinha por coronel honorário EI-Rei [... ] No domingo seguinte realizou-se a festa dos moços ou dos solteiros e também com r grande pompa. [... ]. Em ambos os dias grande concorrência para assistir ás festas na Real basílica e ás procissões. Muita musica, toque de sinos, milhares de foguetes no ar. A noite iluminações, enormes fogueiras no largo e por fim fogo preso. Forasteiros aos milhares. Da Ericeira foram as principais famílias ali a banhos [... ]. Lembro-me de ter visto os "-- Condes de São Martinho, Viscondes de Rio Seco e de Benagazil; as famílias Barros Lima e Pais de Faria; o erudito Silva Túlio com o inseparável Caldas Aulete, o Conselheiro Mendes Leal, professor, estadista e diplomata; o Dr. Thomaz de Carvalho [... ]. Depois das festas da Senhora, que l

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decorriam cada vez com maior aparato, . tinha lugar a romagem ao santuário, com a berlinda da Senhora no centro das atenções do cortejo. "Nesse tempo quási todos os festeiros iam montados em cavalos, em machos e até em burros. Os anjos, vestidos á moda da Pérsia, cavalgavam pencos brancos, esparvonados e mansos. Eram eles três adolescentes encarregados de botar lo as pelo caminho ou fosse recitar quadras alusivas á festa quando parassem nas povoações. A quadra de sensação foi aquela em que os três anjos á saída da vila recitaram em coro, lembrando a muitos dos presentes que nos escutavam a probabilidade de já cá não estarem neste mundo quando Nossa Senhora viesse outra vez para Mafra: «/Quantas vidas preciosas/

Não terão já sucumbido! » diziam eles; e estes dois versos, gritados por vozes juvenis e tremolas, arrancaram lagrimas sinceras aos velhos e aos enfermos". João Paulo Freire dá-nos resumidamente o retrato do Círio destacando os trajos "antiquados e exóticos" dos romeiros, que pareciam ter· ficado 17 anos à espera de ver a luz do sol a caminho da Nazaré. Tomás de Mello Breyner continua o relato do Círio, satirizando igualmente os aspetos mais rústicos e menos nobre do cortejo: "Nestas ocasiões apareciam sobre as cabeças do juiz e mordomos, chapéus altos formidáveis e as lojas de Lisboa aproveitavam o ensejo para se desembaraçarem dos mais estapafúrdios chapéus que tinham e eu vi figurar sobre as cabeças das lavradoras mais abastadas. Pelo caminho os romeiros iam comendo fruta verde, bebendo vinho mau e água ainda pior; apanhando poeira, dormindo pouco e mal nas estrebarias, nos carros, ao relento. Durante os dois ou três dias de estada no sitio milagroso enchiam-se as criaturas de melancias, de melões e de caldeiradas de mariscos temperadas com um azeite tão mau como o das lâmpadas dó templo; dormitavam estafados ao sol, semi-bêbedos ou bêbedos de cair; cobertos daquelas moscas que enxameiam nas praias onde abundam tripas de peixe e outras imundícias. à volta do Cirio a mesma estafa, a mesma bambochata. Por isso os festeiros chegavam arrasados ao ponto de partida, doentes muitos deles e o não chegarem todos em misero estado, morrido até alguns pelo caminho, era esse o maior milagre da Senhora da Nazareth!" Texto escrito de acordo com a nova ortografia