A serpente de várias faces: Estilo e iconografia da cerâmica Guarita

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Descrição do Produto

CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS DA AMAZÔNIA Rumo a uma nova síntese

CRISTIANA BARRETO HELENA PINTO LIMA CARLA JAIMES BETANCOURT Organizadoras

IPHAN |MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI |2016

CRÉDITOS Presidenta da República do Brasil DILMA R OUSSEF

Ministro da Ciência, T ecnologia e Inovação Tecnologia C ELSO P ANSERA

Ministro de Estado da Cultura

Diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi NILSON G ABAS J ÚNIOR

J UCA F ERREIRA Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional J UREMA DE S OUZA M ACHADO Diretoria do Iphan MARCOS J OSÉ S ILVA R ÊGO ANDREY R OSENTHAL S CHLEE TT C ATALÃO L UIZ P HILIPPE P ERES T ORELLY Coordenação Editorial S YLVIA M ARIA B RAGA Projeto Gráfico R ARUTI C OMUNICAÇÃO

E

Coordenadora de Pesquisa e Pós-Graduação ANA V ILACY G ALÚCIO Coordenadora de Comunicação e Extensão MARIA E MÍLIA DA C RUZ S ALES Coordenação Editorial NÚCLEO E DITORIAL DE L IVROS Produção Editorial I RANEIDE S ILVA ANGELA B OTELHO Design Gráfico A NDRÉA P INHEIRO ( CAPA E EDITORAÇÃO

ELETRÔNICA )

D ESIGN /C RISTIANE D IAS Editora Assistente T EREZA L OBÃO

Fotos: Cristiana Barreto, Edithe Pereira, Glenn Shepard, Sivia Cunha Lima; Wagner Souza Imagem da capa: Vaso da cultura Santarém, acervo Museu Paraense Emílio Goeldi. Foto: Glenn Shepard.

Cobra-canoa (kamalu hai) (desenho de Aruta Wauja, 1998; Coleção Aristóteles Barcelos Neto). Kamalu Hai é a gigantesca cobra-canoa que apareceu para os Wauja, há muito tempo, oferecendo-lhes a visão primordial de todos os tipos de panelas cerâmicas, o que lhes conferiu o conhecimento exclusivo sobre a arte oleira. As panelas chegaram navegando e cantando sobre o dorso da grande cobra que antes de ir embora defecou enormes depósitos de argila ao longo do rio Batovi para que eles pudessem fazer sua própria cerâmica. Segundo o mito, esta é a razão pela qual apenas os Wauja sabem fazer todos os tipos de cerâmica (Barcelos Neto, 2000).

Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: rumo a uma nova síntese / Cristiana Barreto, Helena Pinto Lima, Carla Jaimes Betancourt, organizadoras. Belém : IPHAN : Ministério da Cultura, 2016. 668 p.: il. ISBN 978-85-61377-83-0 1. Cerâmica – Brasil - Amazônia. 2. Cerâmicas Arqueológicas. I. Barreto, Cristiana. II. Lima, Helena Pinto. III. Betancourt, Carla Jaimes. CDD 738.098115

ÍNDICE APRESENTAÇÃO AÇÃO DO IPHAN - Andrey Rosenthal Schlee APRESENT APRESENT AÇÃO DO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI - Nilson Gabas Jr. APRESENTAÇÃO PREFÁCIO - Michael Joseph Heckenberger INTRODUÇÃO - Cristiana Barreto, Helena Pinto Lima, Carla Jaimes Betancourt INTRODUCCIÓN - Cristiana Barreto, Helena Pinto Lima, Carla Jaimes Betancourt

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TE I - A HISTÓRIA MOLDADA NOS POTES: INTRODUÇÃO A UMA LONGA VIAGEM PAR ARTE

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NOVOS OLHARES SOBRE AS CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS DA AMAZÔNIA Helena Pinto Lima, Cristiana Barreto, Carla Jaimes Betancourt

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NÃO EXISTE NEOLÍTICO AO SUL DO EQUADOR: AS PRIMEIRAS CERÂMICAS AMAZÔNICAS E SUA FFAL AL TA DE RELAÇÃO COM A AGRICUL TURA ALT AGRICULTURA Eduardo Góes Neves

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TIPOS CERÂMICOS OU MODOS DE VIDA? ETNOARQUEOLOGIA E AS TRADIÇÕES ARQUEOLÓGICAS CERÂMICAS NA AMAZÔNIA Fabíola Andréa Silva

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QUADRO CRONOLÓGICO DOS COMPLEXOS CERÂMICOS DA AMAZÔNIA

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MAP A ARQUEOLÓGICO DOS COMPLEXOS CERÂMICOS DA AMAZÔNIA MAPA

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PAR TE II - SUBINDO O AMAZONAS NA COBRA CANOA ARTE

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II.1. NORDESTE AMAZÔNICO

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LA CERÁMICA DE LAS GUY ANAS GUYANAS Stéphen Rostain

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LA TRADICIÓN ARAUQUINOÍDE EN LA GUY ANA FRANCESA: GUYANA LOS COMPLEJOS BARBAKOEBA Y THÉMIRE Claude Coutet OS COMPLEXOS CERÂMICOS DO AMAPÁ: PROPOST A DE UMA NOV SISTEMATIZAÇÃO PROPOSTA NOVA TIZAÇÃO A SISTEMA João Darcy de Moura Saldanha, Mariana Petry Cabral, Alan da Silva Nazaré Jelly Souza Lima, Michel Bueno Flores da Silva AIRE DES V “C’EST CURIEUX CHEZ LES AMAZONIENS CE BESOIN DE FFAIRE VASES”: ASES”: ALIKUR DE GUY ARERAS P ALF ANA GUYANA PALIKUR ALFARERAS Stéphen Rostain O QUE A CERÂMICA MARAJOARA NOS ENSINA SOBRE FLUXO ESTILÍSTICO NA AMAZÔNIA? Cristiana Barreto

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A CERÂMICA MINA NO EST ADO DO PARÁ: OLEIRAS DAS ÁGUAS SALOBRAS DA AMAZÔNIA ESTADO Elisângela Regina de Oliveira, Maura Imazio da SilveirA

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A CERÂMICA MINA NO MARANHÃO Arkley Marques Bandeira

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O COMPLEXO CERÂMICO DAS ESTEARIAS DO MARANHÃO Alexandre Guida Navarro

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II.2. BAIXO AMAZONAS E XINGU

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ARQUEOLOGIA DOS TUPI-GUARANI NO BAIXO AMAZONAS Fernando Ozorio de Almeida

171

CERÂMICAS E HISTÓRIAS INDÍGENAS NO MÉDIO-BAIXO XINGU Lorena Garcia

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A CERÂMICA ARQUEOLÓGICA TA GRANDE DO XINGU VOLT DA VOL Letícia Morgana Müller, Renato Kipnis, Maria do Carmo Mattos Monteiro dos Santos, Solange Bezerra Caldarelli CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS DA FOZ DO XINGU: UMA PRIMEIRA CARACTERIZAÇÃO Helena Pinto Lima, Glenda Consuelo Bittencourt Fernandes

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CERÂMICA E HISTÓRIA INDÍGENA DO AL TO XINGU ALTO Joshua R. Toney

224

AJÓS CERÂMICAS DA CUL TURA SANT TAPAJÓS CULTURA SANTARÉM, ARÉM, BAIXO TAP Joanna Troufflard

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CERÂMICA SANT ARÉM DE ESTILO GLOBULAR SANTARÉM Márcio Amaral

253

AS CERÂMICAS DOS SÍTIOS A CÉU ABER ABERTO TO DE MONTE ALEGRE: ARA A ARQUEOLOGIA DO BAIXO AMAZONAS PARA SUBSÍDIOS P Cristiana Barreto, Hannah F. Nascimento

262

CERÂMICAS POCÓ E KONDURI NO BAIXO AMAZONAS Lílian Panachuck

279

II.3. AMAZÔNIA CENTRAL

288

AS CERÂMICAS SARACÁ E A CRONOLOGIA REGIONAL DO RIO URUBU Helena Pinto Lima, Luiza Silva de Araújo, Bruno Marcos Moraes

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AS CERÂMICAS AÇUTUBA E MANACAPURU DA AMAZONIA CENTRAL Helena Pinto Lima

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CONTEXTO E RELAÇÕES CRONOESTILÍSTICAS DAS CERÂMICAS CAIAMBÉ NO LAGO AMANÃ, MÉDIO SOLIMÕES Jaqueline Gomes, Eduardo Góes Neves

321

UMA MANEIRA AL TERNA TIV A DE INTERPRET AR ALTERNA TERNATIV TIVA INTERPRETAR OS ANTIPLÁSTICOS E A DECORAÇÃO NAS CERÂMICAS AMAZÔNICAS Claide de Paula Moraes, Adília dos Prazeres da Rocha Nogueira

334

A TRADIÇÃO POLÍCROMA DA AMAZÔNIA Jaqueline Belletti

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A NOS CONTEXTOS DO BAIXO RIO SOLIMÕES A FASE GUARIT GUARITA Eduardo Kazuo Tamanaha

365

A SERPENTE DE VÁRIAS FFACES: ACES: ESTILO E ICONOGRAFIA DA CERÂMICA GUARIT A GUARITA Erêndira Oliveira

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II.4. SUDOESTE DA AMAZÔNIA

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VARIABILIDADE CERÂMICA E DIVERSIDADE CUL TURAL NO AL TO RIO MADEIRA CULTURAL ALTO Silvana Zuse

385

A CERÂMICA POLÍCROMA DO RIO MADEIRA Fernando Ozório de Almeida, Claide de Paula Moraes

402

CERÂMICAS DO ACRE Sanna Saunaluoma

414

A FASE BACABAL E SUAS IMPLICAÇÕES P ARA A INTERPRET AÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DO REGISTRO ARQUEOLÓGICO NO MÉDIO RIO GUAPORÉ, RONDÔNIA Carlos A. Zimpel, Francisco A. Pugliese Jr.

420

DOS FFASES ASES CERÁMICAS DE LA CRONOLOGÍA OCUP ACIONAL OCUPACIONAL DE LAS ZANJAS DE LA PROVINCIA ITÉNEZ – BENI, BOLIVIA Carla Jaimes Betancourt

435

CONTINUIDADES Y RUPTURAS ESTILÍSTICAS EN LA CERÁMICA CASARABE DE LOS LLANOS DE MOJOS Carla Jaimes Betancourt

448

II.5. AL TA AMAZÔNIA ALT

462

TRAS EL CAMINO DE LA BOA ARCOÍRIS: LAS ALF ARERÍAS PRECOLOMBINAS DEL BAJO RÍO NAPO ALFARERÍAS Manuel Arroyo-Kalin, Santiago Rivas Panduro

463

LA CERÁMICA DE LA CUENCA DEL PAST AZA, ECUADOR PASTAZA, Geoffroy de Saulieu, Stéphen Rostain, Carla Jaimes Betancourt

480

CERÁMICA ARQUEOLOGICA DE JAEN Y BAGUA, AL TA AMAZONIA DE PERU ALT Quirino Olivera Núñez

496

YO CHINCHIPE MAYO COMPLEJO CERÁMICO: MA Francisco Valdez

510

LA CERÁMICA DEL VALLE DEL UP ANO, ECUADOR UPANO, Stéphen Rostain

526

PAR TE III - P ARA SEGUIR VIAGEM: ARTE PARA ARA A ANÁLISE DAS CERÂMICAS ARQUOLÓGICAS DA AMAZÔNIA PARA REFERÊNCIAS P

541

A CONSER VAÇÃO DE CERÂMICAS ARQUEOLÓGICAS DA AMAZÔNIA CONSERV Silvia Cunha Lima

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GLOSSÁRIO Processos tecnológicos Denominações formais e funcionais das cerâmicas Contextos arqueológicos das ocupações ceramistas Conceitos e categorias classificatórias

551 553 568 581 589

REFERÊNCIAS ÍNDICE ONOMÁSTICO AGRADECIMENTOS SOBRE OS AUTORES E SUAS PESQUISAS

603 654 659 661

A SERPENTE DE VÁRIAS FACES: ESTILO E ICONOGRAFIA DA CERÂMICA GUARITA Erêndira Oliveira RESUMEN La serpiente de varias caras: Estilo e iconografía de la cerámica Guarita La cerámica de la fase Guarita, perteneciente a la denominada Tradición Policroma de la Amazonia (TPA), ha sido foco de discusión para la elaboración de modelos de dispersión regional, filiación cultural y posición cronoestilística de los complejos cerámicos Policromos. Este artículo busca comprender la homogeneidad y la variabilidad estilística de estos componentes cerámicos, así como los posibles significados socio-culturales de su dispersión, a partir del análisis de su variabilidad formal. Dando especial atención a los campos iconográficos de tipos morfológicos específicos de estos complejos, como el caso de los “cuencos con bordes mesiales”. De esta forma, se pretende entender mejor la cerámica Guarita, a partir de los procesos que podrían llevar a compartir un estilo específico (polícromo) o de determinados elementos, como algunos temas recurrentes en la iconografía Amazónica. ABSTRACT The serpent of many faces: Style and iconography of Guarita pottery The Pottery from Guarita phase, belonging to an archaeological tradition known as Amazon Polychrome (TPA), has been a central point for the discussion of regional dispersion models, cultural affiliation, and the chronostylistic stage of polychrome ceramic complexes. This article seeks to better understand the stylistic homogeneity and variability of these ceramic components, and the possible socio-cultural meanings of their dispersion, based on the analysis of its formal variability. Special attention is given to the iconography of specific morphological types of these complexes, as is the case of “vessels with mesial flange”. Thus, the main purpose of this article is to better understand the Guarita pottery, considering processes that may have led to the sharing of a particular style (polychrome) or certain elements, such as a few recurring themes in the Amazon iconography.

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Cerâmicas Arqueológicas da Amazônia • AMAZÔNIA CENTRAL

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Introdução A Tradição Polícroma da Amazônia (TPA) apresenta uma distribuição geográfica que vai desde a área de confluência entre os rios Solimões e Negro, na Amazônia brasileira, até o sopé dos Andes, no Equador, Colômbia e Peru (Neves, 2013). Dentre as fases cerâmicas que configuram este amplo conjunto Polícromo, a fase Guarita, nome definido para os complexos cerâmicos situados principalmente na Amazônia Central, entre a região de Coari e a área de confluência dos rios Solimões e Negro, tem sido um dos complexos mais estudados nos último anos de pesquisa na Amazônia Central, servindo como peça-chave para a formulação de hipóteses sobre dispersão regional e configuração sociocultural dos povos que habitavam a calha principal do Solimões antes da chegada dos colonizadores europeus. A aparente “padronização estilística” (Neves, 2013, Neves; Moraes, 2012) deste conjunto cerâmico com outras fases da TPA, que seguem Solimões acima até os rios Napo (Equador) e Ucayali (Peru), tem sido interpretada, junto a outros fatores contextuais, como indícios de um possível processo de migração e expansão de determinados povos ao longo da calha principal do rio Amazonas através de estratégias bélicas, durante a virada do primeiro para o segundo milênio da era Cristã (Neves, 2013). No entanto, estudos recentes (Tamanaha, 2012; Belletti, 2013; Oliveira, 2014) desses complexos cerâmicos parecem indicar uma ampla variabilidade estilística em nível regional, na qual os aspectos tecnológicos empregados na produção cerâmica variam significantemente, contrapondo-se a uma aparente homogeneidade nos padrões iconográficos encontrados nos distintos complexos polícromos (Tamanaha, 2012). Nesse contexto, a cerâmica Guarita parece indicar um estilo bem consistente na calha principal do Solimões e área de confluência, configurando um padrão estético mais rígido nesta região. Tal homogeneidade estilística vem sendo interpretada, por um lado, como um possível correlato da existência de grupos com uma matriz cultural comum habitando estas áreas (Neves, 2013; Neves; Moraes, 2012); ou, por outro, como uma indicação da existência de um estilo particular na região, que teria se difundido através de redes de interação e/ou troca, talvez em processos relacionados a estratégias de comunicação, graus de prestígios e/ou de acesso a determinados recursos, entre outros (Belletti, 2013; Moraes, 2013; Oliveira, 2014; Tamanaha, 2012) (Figura 1). Embora a complexidade do estilo Polícromo já tenha sido o ponto central de discussão na formulação de modelos para a configuração pré-colonial da Amazônia (Meggers; Evans 1957, 1961, 1968; Lathrap 2010 [1970]), os estudos mais recentes sobre o contexto arqueológico da região têm se debruçado sobre esses modelos, revisitando abordagens teóricas que definem não só o próprio conceito de “estilo”, mas também as formas pelas quais estas características foram utilizadas para tecer as linhas de dispersão e de correlação entre estes contextos distintos (Almeida, 2013; Barreto, 2005, 2008; Belletti, 2012; Moraes, 2013; Tamanaha, 2012). Nestas novas perspectivas, questões como a distribuição geográfica e a similaridade entre os complexos têm sido interpretadas sob diferentes óticas, em que a interlocução com os estudos etnográficos permitem a formulação de novas hipóteses sobre os processos de transformações políticas, sociais, ideológicas e territoriais que poderiam ter levado às configurações do contexto arqueológico e às diferentes formas de propagação, emulação e diferenciação estilística. Além disso, a incorporação das teorias da agência e de conceitos próprios à Antropologia da Arte (Barreto, 2009) no estudo dos componentes arqueológicos amazônicos tem caracterizado a cerâmica como um agente de transformação e legitimação de novas estruturas sociais (Barreto, 2009: 30).

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Figura 1. Cerâmicas da fase Guarita: a) Urnas antropomorfas encontradas na cidade de Uricurituba, AM. Fonte: Barreto, 2009; b) Urna polícroma do acervo do Instituto Geográfico e Histórico de Manaus. Proveniência desconhecida. Altura: 60 cm. Fonte: Barreto, 2009; c) Vaso com Flange Mesial do sítio Lauro Sodré, próximo à Coarí, rio Solimões. Foto: Eduardo K. Tamanaha; d) Prato com decoração policroma do sítio Lauro Sodré. Rio Solimões. Foto: Eduardo K. Tamanaha.

Atualmente, algumas hipóteses versam sobre o papel do estilo cerâmico como marcador de redes interregionais e de processos de influência e emulação que teriam levado ao surgimento e propagação da cerâmica polícroma. Tais hipóteses vão desde a caracterização do estilo Polícromo como um mecanismo estético de comunicação, de ampla reconhecibilidade, usado dentro de uma estratégia expansionista de povos falantes do tronco Tupi (Almeida, 2013) até o uso emblemático do estilo como um delimitador de fronteiras culturais entre grupos com sistemas tecnológicos distintos, que compartilhariam uma identidade visual, provavelmente relacionada a formas de legitimação política (Tamanaha, 2012). A padronização da cerâmica polícroma na calha principal do Amazonas também poderia ter sido impulsionada por uma estratégia de demarcação de fronteiras territoriais, assegurando o acesso e utilização dos recursos da calha principal do rio a determinados grupos. Para Moraes (2013), os limites territoriais polícromos seriam dados pelo controle dos recursos fluviais, a navegação e a pesca. 375

Cerâmicas Arqueológicas da Amazônia • AMAZÔNIA CENTRAL

A delimitação de certos limites territoriais e identitários, assegurada por padrões estéticos específicos, pode ser observada em alguns casos etnográficos, dos quais um exemplo interessante é o contexto de produção e circulação de bens na calha do rio Ucayali, no Peru, descrito por Warren DeBoer (1990). É justamente a partir da proposta de estudar as formas de compartilhamento estilístico e as características estéticas que definem certos grupos que DeBoer consegue mapear a existência de um estilo polícromo na calha principal do Ucayali, compartilhado entre os grupos de língua Pano, Shipibo e os grupos de língua Tupi, Cocama. Nesse contexto, o domínio da calha principal do Ucayali por esses dois grupos define também um compartilhamento estilístico em que o acesso privilegiado aos recursos para a produção cerâmica acaba por configurar um estilo de “prestígio”. Este, por sua vez, comunica aos grupos vizinhos os limites do domínio territorial do rio principal. Ainda assim, o compartilhamento de certas características estilísticas não define um estilo homogêneo, mas sim um estilo semelhante, com assinaturas específicas de cada grupo. Os grupos que habitam os rios tributários, por sua vez, ou adotam estratégias que os diferenciam completamente, criando um estilo distinto ou passam a emular determinados elementos da cerâmica Shipibo e Cocama, como forma de pertencer a um grau de prestígio que é atribuído aos grupos da calha principal do rio (DeBoer, 1990). Contextos como estes são fundamentais para analisarmos as distintas formas de propagação de um estilo particular, podendo estar relacionadas a processos de emulação e incorporação de elementos estéticos específicos, em que a intencionalidade por trás destes processos pode ser associada a fatores como hierarquias sociais, limites territoriais ou mesmo ao compartilhamento de mensagens específicas, sejam estas de caráter ideológico ou referentes a ontologias particulares.

Estilo e iconografia na Amazônia Central Muito se tem discutido na arqueologia sobre o papel do estilo no entendimento das configurações culturais das sociedades pretéritas. O estilo, bem como a cultura material, têm sido vistos de forma mais ativa desde os anos de 1970 e 1980, em que autores como Shanks e Tilley (1992) já atribuíam aos mesmos um papel de mediação e reorientação das estratégias sociais. Os artefatos, enquanto veículos de informação, poderiam transmitir mensagens específicas de diferentes alcances, atuando como mantenedores ou modificadores culturais (Wobst, 1999: 121). Dessa forma, e considerando o estilo enquanto veículo midiático, Peter Roe (1995) também propõe que os elementos expressos na cultura material definem a relação entre o observador e as entidades ali representadas, controlando o tipo de percepção desejada pelo artista. Assim, o grau de reconhecibilidade destes elementos é o que irá definir o estilo e suas propriedades midiáticas e comunicativas. No tocante à fase Guarita, a reconhecibilidade do estilo, como tem sido interpretado até o momento, estaria na homogeneidade entre tipos morfológicos específicos a esta fase e na iconografia que, comparada a outras fases da Tradição Polícroma, indicaria um estilo regional mais amplo. A presença de morfologias específicas poderia ainda sugerir a existência de atividades específicas, também compartilhadas entre distintos grupos. Um exemplo desses tipos morfológicos é o “vaso com flange mesial”, recipiente de forma restritiva que apresenta uma flange no meio do corpo, sobre a qual geralmente são produzidos campos iconográficos extremamente elaborados (Figura 2a-d). 376

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Figura 2. Vasos com flange mesial. a) Vaso da fase Napo. Foto: Fernando O. Almeida. Acervo: MACCO (Museo de Arte y Arqueología de la Ciudad de Coca) Equador; b) Vaso da fase Guarita. Sítio Lauro Sodré, rio Solimões. Acervo: PAC/UFAM; c)

Vaso Guarita da cidade de Manacapuru, área de confluência. Foto: Ader Gotardo. Acervo: MAE/USP; d) Vaso Guarita do baixo rio Negro. Acervo: PAC/UFAM.

Este tipo de vaso pode ser encontrado de forma bastante padronizada desde o Baixo rio Madeira, passando pela área de confluência e seguindo o curso do Solimões até os rios Napo e Ucayali. Apesar de serem tão característicos da TPA, em especial da fase Guarita, estes vasos podem ser encontrados também em outras fases pertencentes à Tradição Borda Incisa ou ainda mais antigas, como as Tutishcainyo e Shakimu, no rio Ucayali, com datas entre 2.000 e 750 aC (Lathrap, 2010 [1970]). Isso pode indicar uma sobrevivência deste tipo morfológico, talvez reservado a determinadas atividades específicas, que teria perpassado as mudanças estilísticas ao longo da história da ocupação pré-colonial da Amazônia. Alguns exemplos etnográficos de tipos morfológicos utilizados em atividades específicas são as tigelas para o consumo de Masato (fermentado de Mandioca), produzidas pelos Shipibo e descritas por Lathrap (2010 [1970]: 217); e os vasos para caapí , utilizados pelos grupos Tukano do rio Negro. Sobre as tigelas Shipibo, Lathrap as descreve como vasos de tamanhos distintos, em que a localização do campo iconográfico por toda a superfície externa permite distintos ângulos de visualização dos grafismos impressos na cerâmica. Já os vasos para caapí são utilizados para preparar a infusão do Banisteriopsis caapi (McEwan, 2001) e têm características formais que o distinguem claramente de outros recipientes usados no preparo e cozimento de alimentos (McEwan, 2001: 186). Os vasos para caapí ainda foram 377

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descritos por Neves (2001: 276) como morfologicamente semelhantes aos vasos Guarita, o que representaria uma rede de influência entre os rios Negro e Solimões, além da manutenção de alguns atributos estilísticos das ocupações Guarita pré-coloniais do rio Negro. Em ambos os contextos descritos, os campos iconográficos dos recipientes estão diretamente relacionados à condução das visões provocadas pela infusão alucinógena e à mediação e controle entre os diferentes âmbitos aos quais os rituais permitem acesso. A associação entre a produção de grafismos e o controle e mediação da transformação do corpo e da predação pode ser notada em inúmeros exemplos etnográficos (Barcelos Neto, 2008; Belaunde, 2009; Lagrou, 2007; Van Velthem, 2009) e talvez indique um aspecto mais estrutural, no tocante aos sistemas gráficos ameríndios (Lagrou, 2013). Para Lagrou (2013), as imagens e os grafismos ameríndios poderiam ser considerados como “instrumentos perceptivos que implicam operações mentais específicas sustentadas por uma ontologia na qual a transformabilidade das formas e dos corpos ocupa um lugar central” (Lagrou, 2013: 68). Desta forma, o

dinamismo do grafismo ameríndio estaria relacionado a um jogo de percepção entre os referentes gráficos específicos e as projeções figurativas virtuais que estes sugerem, que, de maneira mais ampla, seriam consideradas técnicas perspectivistas, ao modo do caráter perspectivista de Viveiros de Castro, em que o espectador pode mudar o ponto de vista de acordo com um enquadramento específico. Ainda assim, o espectador só conseguiria acessar a figuração virtual sugerida pelo grafismo sob condições específicas ou estando preparado, ou seja, conhecendo a estrutura ontológica compartilhada. Esta, segundo a autora, seria a versão abstrata da lógica quimérica das imagens de Warburg e Severi (Lagrou, 2013: 69). Assim, grafismos e objetos atuariam em conjunto dentro de performances específicas, e poderiam ser considerados como veículos midiáticos, compartilhando uma linguagem específica a cada contexto. Pensando por este viés, a aparente homogeneidade do estilo Guarita e do estilo Polícromo como um todo, poderia, de acordo com a lógica proposta por Lagrou (2013), estar mais relacionada ao compartilhamento de uma linguagem comum, seja através de redes de interação ou de emulação, que teria uma mesma base ontológica. Isso poderia sugerir ainda a existência de uma ampla rede de interação entre os grupos que habitavam a calha do Solimões. O registro arqueológico da Amazônia Central mostra uma grande densidade populacional nos curso principal do Solimões, que provavelmente se caracterizava como uma grande avenida por onde circulavam “fluxos de informação” (Roe, 1995). Peter Roe (1995: 41) define esses fluxos como intimamente ligados a posições geográficas estratégicas, ditando assim a complexidade e a rapidez de diferentes ciclos estilísticos; sendo que ao pensarmos a configuração espacial da bacia amazônica, as variações estilísticas poderiam ocorrer de maneira mais dinâmica nos rios principais, verdadeiros centros estilísticos, onde a maior interação social pressuporia uma gama maior de elementos estilísticos para combinação. Embora o estudo iconográfico das cerâmicas polícromas, na Amazônia, seja um campo de pesquisa recente, é fundamental que a arqueologia dialogue com a antropologia e a etnografia, a fim de estabelecer pontes analíticas que permitam uma melhor compreensão sobre os processos de transformação social e as possíveis formas de configuração de redes de interação entre as sociedades pré-coloniais amazônicas.

Temas iconográficos e aproximações temáticas A análise de determinados conjuntos de vasos com flange mesial da área de confluência e do médio Solimões tem apontado para um compartilhamento de um padrão iconográfico bem rígido entre esses artefatos, com possíveis variações de temas específicos, em que figuram elementos antropomorfos e 378

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zoomorfos. Moraes (2013: 222) identifica na cerâmica Polícroma a possível existência de uma forma recorrente de estilização de figuras antropomorfas, geralmente acompanhadas de motivos zoomorfos, como o urubu-rei e a serpente bicéfala, que podem compor figuras únicas, antropozoomorfas. Tal característica também pode ser notada nos conjuntos do médio Solimões e área de confluência, nos quais se destacam às referências às serpentes. Este tema iconográfico, em que figuras animais compõem figuras humanas, tem sido interpretado como uma referência ao transe xamânico, à inversão de perspectivas e à transformabilidade dos corpos (Barreto, 2009; Gomes, 2001; Schaan, 1997) (Figura 3).

Figura 3. Decalques dos campos iconográficos de vasos com flange mesial. De cima para baixo: Vaso do sítio Lauro Sodré com detalhe de rosto antropomorfo formado pela junção de duas serpentes bicéfalas. (Desenho: Erêndira Oliveira); Vaso do sítio São Paulo II, Médio Solimões, com destaque para rosto antropomorfo com duas serpentes na lateral (Desenho: Claide Moraes. Foto: Thiago Trindade); Fragmento de flange com motivo antropomorfo do acervo MAE/USP, Cidade de Manacapuru (Desenho de Erêndira Oliveira); Vaso com motivo possivelmente antropomorfo do acervo do MAE/USP, Cidade de Manacapuru (Foto: Ader Gotardo. Desenho: Erêndira Oliveira); Vaso da fase Napo (Equador) do acervo do MACCO (Museo de Arte y Arqueología de la Ciudad de Coca), com motivo antropomorfo central com duas serpentes laterais (Foto: Fernando O. Almeida. Desenho: Erêndira Oliveira). 379

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Essa recorrência de determinados padrões iconográficos poderia indicar um aspecto da reconhecibilidade do estilo, bem como de elementos ou temas compartilhados entre grupos, como já dito anteriormente. Além disso, tal reconhecibilidade do estilo Polícromo poderia residir na própria policromia e em algumas características tecnológicas que parecem identificar um padrão compartilhado por todo o Amazonas/ Solimões até a selva peruana e equatoriana. Especificamente no caso dos vasos com flange mesial, podese notar uma variação regional quanto à sua morfologia, em que há uma aparente concentração de formas quadrangulares a oeste e formas circulares a leste. Além disso, nota-se também uma variabilidade quanto aos campos iconográficos destes vasos, que vai desde as técnicas empregadas na sua produção (usos diferentes da policromia e regularidade das incisões), até os motivos aplicados propriamente (simetrias, repetições e encadeamentos dos desenhos). essas diferenças poderiam indicar assinaturas regionais de um estilo compartilhado (Figura 4). a

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Figura 4. Aproximações temáticas da serpente bicéfala: a) Detalhes de campos iconográficos de urnas da fase Tefé, Lago de Tefé. Médio Solimões. (Acervo do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Fotos: Erêndira Oliveira); b) Decalques de vasos com flange mesial do sítio Lauro Sodré. Médio Solimões (Desenho: Erêndira Oliveira). 380

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Embora a iconografia da cerâmica Guarita apresente referências a seres antropomorfos, parece-nos que o tema da serpente tem sido um elemento de destaque na análise desses artefatos, pois é encontrado em distintos tipos morfológicos, podendo aparecer de forma mais estilizada ou mais figurativa, este último geralmente compondo campos iconográficos nas urnas funerárias. Para Weber (1992: 108), a recorrência do tema da serpente bicéfala nas artes do novo mundo estaria relacionada ao compartilhamento de um modelo ontológico de múltiplos universos, aos quais o acesso é permitido a xamãs e sacerdotes. As expressões estéticas, enquanto forma de linguage, legitimariam o poder destes. O autor aponta a importância da serpente, enquanto ser mitológico primordial em várias sociedades ameríndias, onde está principalmente relacionada aos mitos de origem e à capacidade de transição entre diferentes mundos. Este ser mítico é ainda amplamente relacionado ao domínio das águas e do submundo, assim como mantém o controle da pesca, dos rios e da agricultura (Lévi-Strauss, 1975). Além disso, a serpente também protagoniza inúmeras versões mitológicas sobre a dádiva do desenho entre alguns grupos ameríndios (Barcelos Neto, 2011; Belaunde, 2009; Lagrou, 2007, 2013), pois compartilha com os humanos a qualidade de “possuir desenho” (Lagrou, 2013:71). A Figura 4 mostra algumas aproximações iconográficas do tema da serpente bicéfala entre um conjunto de vasos com flange mesial encontrado próximo à cidade de Coari, no médio Solimões, e um conjunto de urnas funerárias vinculadas à fase Tefé, no médio Solimões, também inserida na Tradição Polícroma da Amazônia. A serpente, assim como o urubu-rei, a coruja, o bagre, entre outros animais, povoam os mitos ameríndios e as relações estruturais de dualidade e transformação, atuando muitas vezes como mediadores entre os diferentes âmbitos, onde a necessidade de controle dos processos transformacionais é um dos pilares que rege as diferentes atividades cotidianas e rituais e, entre elas, a produção de artefatos (Barcelos Neto, 2008; Belaunde, 2009; Lagrou, 2007; Van Velthem, 2009). Neste caso, a recorrência de temas como o da serpente, nas variantes regionais do estilo polícromo, poderia indicar o compartilhamento de uma linguagem simbólica específica, indicativa de uma ontologia compartilhada e talvez ligada a uma estratégia de legitimação territorial e/ou identitária

Considerações finais Parece-nos que o estilo Polícromo é mais complexo que o sugerido até o presente momento, e que é necessário tentar melhor defini-lo enquanto estilo, e quais seriam os possíveis processos que levaram ao seu compartilhamento em uma amplitude geográfica tão significativa. Ao considerarmos a variabilidade formal destes componentes cerâmicos, podemos identificar algumas variações que indicam “assinaturas” regionais dentro do estilo polícromo. No tocante aos padrões iconográficos, há uma maior padronização de alguns temas como o da serpente bicéfala, à medida que se sobe o Solimões, em direção aos rios Napo e Ucayali. As cerâmicas da fase Napo, cronologicamente mais recentes, apresentam elementos iconográficos e morfológicos aparentemente mais semelhantes aos percebidos no médio Solimões. Isso poderia indicar a existência de um “estilo de prestígio”, conforme sugerido anteriormenre, que teria assumido uma configuração mais rígida no médio Solimões, identificando limites territoriais e o acesso e determinados recursos da calha principal do Amazonas/Solimões. Ao considerarmos a posição privilegiada de determinados sítios polícromos no curso principal do Solimões, podemos pensar as dinâmicas de

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replicação, incorporação ou emulação de determinados padrões estilísticos, inseridas em redes de fluxos de informação de grande alcance e complexidade. Para avançarmos no estudo dos estilos arqueológicos é preciso compreender o funcionamento destas redes de informação e interação em contextos distintos, a partir da interlocução entre a arqueologia, a antropologia e a etnografia, e problematizar quais seriam os distintos mecanismos de transmissão do estilo, suas particularidades e elementos transitórios nos contextos de produção, uso e distribuição dos componentes cerâmicos na Amazônia pré-colonial. Para Barreto (2005), as tradições estéticas percebidas nos materiais arqueológicos e etnológicos podem nos oferecer uma melhor compreensão das sociedades ameríndias no passado e no presente, de forma que, dentro desta perspectiva, as tradições estilísticas pretéritas não serão mais entendidas a partir de quadros de influências, mas como elementos ativos nos processos de transformação social.

Agradecimentos Ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, pelo acesso às urnas funerárias expostas neste artigo e ao laboratório de pesquisas em arqueologia. Ao laboratório de Arqueologia da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Ao Laboratório de Arqueologia dos Trópicos (Arqueotrop) do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP).

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